Voz de Esperança Jul/Ago 2021

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JUL - AGO / 2021

UM SAMARITANO MISERICORDIOSO

Diretor: Pe. Mário Martins Chaves Rodrigues Ano XXIV - 6ª Série | Nº 83 | Bimestral 1,00 €

“O «próximo», no sentido expresso pela parábola, não nos pode deixar indiferentes; provoca uma resposta, compromete a socorrer o ferido e faz despertar dentro de nós a ternura do samaritano que permanece «adormecido».” Silvina Moreira e Emanuel Carvalho Págs. 2-3

HONESTIDADE CONNOSCO, COM DEUS E COM OS IRMÃOS “Sabendo que a nossa vida é peregrina e que o nosso percurso não pode ser solitário, pois sozinhos não somos capazes, é fundamental a existência de uma boa relação connosco, com Deus e com os irmãos...” Rodrigo Ferreira Pág. 10

EDITORIAL

A PROXIMIDADE QUE SURPREENDE E SALVA! O Amor não se prende a convenções, nem se limita ao caixilho de normas correntes e aparentes! A Caridade verdadeira que Cristo nos pede e ensina é sempre surpreendente, causa de espanto, em arrepio com a lógica humana, capaz de mudar conceitos e quebrar preconceitos, capaz de nos fazer sair de esquemas e, mais difícil ainda, de nos fazer sair de nós mesmos e assumir um novo paradigma, de serviço, de doação, de entrega e de proximidade! Nesta sociedade hodierna, profundamente marcada pela individualismo e pelo egocentrismo, na matriz egoísta e feroz do “salve-se quem puder”, agudizada pelo contexto pandémico que vivemos, onde se apregoam distanciamentos, em nome da saúde e da segurança de todos, corremos o risco de nos tornarmos ilhas humanas, ora comodamente sós, como aquele que passa e vira a cara ao lado ao irmão que sofre, ora desesperadamente abandonados a nós mesmos, qual homem caído, rejeitado, ferido e ignorado. Porém, Jesus traz-nos sempre a surpresa ousada do Seu Amor e da Sua Palavra, a surpresa radical da Cruz, que, ao contrário do esperado, se torna penhor de Vida e Salvação, e a surpresa constante dos Seus ensinamentos, nomeadamente quando nos apresenta o samaritano, proveniente de um povo rejeitado pelos judeus, quer como aquele que se faz próximo para cuidar e servir, quer como aquele que manifesta a proximidade na gratidão e no reconhecimento da graça recebida. A propósito, o texto visão recorda, precisamente, que “somente a misericórdia de Deus é capaz de despertar o ‘samaritano’ que todos temos dentro de nós”. Na verdade, é esta mesma experiência que os nossos Seminários, ao vislumbrarem o merecido descanso depois de um ano percorrido, procuram viver e desafiar, como as notícias aqui publicadas tão bem o expressam, pois o lugar de cada um de nós, a nossa vocação, é viver na proximidade… na proximidade de Deus e na proximidade dos irmãos, para neles sempre manifestarmos e concretizarmos este arrojo surpreendente de O servir e amar!


VISÃO

UM SAMARITANO MISERICORDIOSO Silvina Moreira e Emanuel Carvalho

O termo “samaritano” é referente às pessoas da antiga região da Samaria. O povo samaritano não se considerava judeu. Aliás, os samaritanos eram considerados impuros pelos judeus. Daí o impacto da parábola de Jesus, que destaca justamente a misericórdia e a caridade de alguém que era mal visto pelos judeus. Por esta razão o termo “samaritano” passou a ser usado em referência a pessoas misericordiosas. Por sua vez, a palavra misericórdia tem origem latina e é formada pela junção de miserere (ter compaixão) e cordis (coração). “Ter compaixão do coração” significa ter a capacidade de sentir aquilo que a outra pessoa sente. “Chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele” (Lc 10, 33-34). Na parábola do Bom Samaritano, este sentiu-se interpelado, deixou afetar o seu coração e estremeceu

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ao “olhar um corpo estendido no chão”. A partir desse momento, ele “desvia” a sua rota e desloca-se em direção àquele homem que todos ignoravam e “passavam do outro lado”. Gasta do que é seu, dedica tempo, mobiliza toda a sua atenção para curar o ferido. Mistura a sua vida com a de um necessitado e sente as suas dores. Muda o seu percurso de vida e deixa-se levar pela misericórdia. O samaritano deixa que o seu coração se abra à necessidade do outro, não passa adiante. Não dá primazia às suas preocupações e interesses, mas permite que o seu coração misericordioso seja doado ao seu próximo, deixando o ego de lado e sentindo-se bem em ajudar e “estender a mão” a quem mais necessita, colocando-se ao serviço. Esta passagem faz-nos lembrar os mandamentos da Lei de Deus e aqueles dois em que todos se resumem “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento; e ao próximo como a ti mesmo” (Lc 10, 27).


Ora, aqui perguntam “Quem é o meu próximo?” (Lc 10, 29). A resposta de Jesus opera um deslocamento de sentido (quem destes três se fez próximo?) modificando-lhe o conceito: o teu próximo não é aquele que tu tens ao cuidado das tuas atenções, mas próximo és tu quando assumes o cuidado do outro. Ou seja, não quem tu amas, mas quando tu amas. A pergunta correta que devemos colocar deve ser: “Eu estou a ser um bom próximo para os necessitados ao meu redor?”. O “próximo”, no sentido expresso pela parábola, não nos pode deixar indiferentes; provoca uma resposta, compromete a socorrer o ferido e faz despertar dentro de nós a ternura do samaritano que permanece “adormecido”. Somente a misericórdia de Deus, que revela o seu Rosto nas vítimas de tanta exclusão, violência e sofrimento, é capaz de despertar o “samaritano” que todos temos dentro de nós. A exemplo desta passagem, podemos refletir que a nossa sociedade tem dificuldade em ser boa, em ajudar, em se colocar ao serviço. Cada vez mais nos esquecemos de apreciar o “Eu” depois da obra e querer o “Eu” antes. Vivemos apressados e com a necessidade de TER. Talvez para TER uma casa melhor, TER um carro, TER uma posição social, TER.... Aqui o ego, a falta de disponibilidade, solidariedade, a falta de atenção pelo próximo acaba por falar mais alto e a necessidade de TER é superior à necessidade de SER. Muitas vezes conseguimos sentir a dor do outro e sabemos que merecia ser ajudado, mas não saímos do nosso comodismo e não estendemos a mão com vergonha de nos ser apontado o dedo e por falta de amor misericordioso. Isto leva-nos a pensar em várias questões: Quantas vezes nos colocamos no lugar do outro? Quantas vezes largamos tudo e sentimos a dor do outro como

se fosse nossa? Somos capazes de sair da nossa zona de conforto para permitir que o próximo também esteja bem? Quantas vezes vemos que alguém está a sofrer e não nos colocamos ao serviço? Quantas vezes vemos um ferido e ainda criamos mais feridas… Temos a missão de sermos imagem semelhante de Jesus, o verdadeiro samaritano misericordioso, que veio ao mundo para nos salvar, para cuidar das nossas feridas. Ele que Se fez próximo dos doentes e dos mais frágeis: “visita-os, toca-os, estende a mão, não tem medo de estar com eles”. O convite de Jesus é Simples: “Vai e faz o mesmo.” (Lc 10, 37). Contudo, “a Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa. A Esposa de Cristo assume o comportamento do Filho de Deus, que vai ao encontro de todos sem excluir ninguém” (Papa Francisco – Misericordiae Vultus). Devemos, por isso, ir ao encontro das pessoas fragilizadas e curar as suas feridas sem olhar ao “Eu”, mas antes ao “Nós”, nunca excluindo ninguém. Como nos recorda Santo Agostinho, “aquele que tem caridade no coração, tem sempre qualquer coisa para dar”.

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ARTE

CURA DOS LEPROSOS Luís da Silva Pereira

O episódio que, desta vez, nos é proposto para reflexão encontra-se em S. Lucas, cap. 17, vv.11-19. Ao chegar a uma aldeia, vieram ao encontro de Jesus dez leprosos. Mantendo-se à distância, como era obrigatório para quem padecesse de tal doença, gritavam: “Jesus, Mestre, tem piedade de nós”. Jesus disse-lhes para irem apresentar-se aos sacerdotes. Enquanto iam, ficaram curados. Um deles, samaritano, voltou atrás, glorificando o Senhor em alta voz. Chegando ao pé de Jesus, prostrou-se com a face em terra, agradecendo a graça que lhe fora concedida. Perguntou, então, Jesus se não eram dez os purificados e onde estavam os outros nove. Nenhum deles voltara para agradecer, exceto o samaritano. Jesus revela, uma vez mais, que é o bom samaritano, por excelência. Cheio de misericórdia, vem ao nosso encontro e liberta-nos dos males que nos afligem. Mostra-nos o seu amor através de gestos concretos e não apenas por palavras, o que não o impede de chamar a atenção para as nossas falhas. Foram dez os curados da lepra e apenas um veio agradecer. Seria um ato de simples boa educação que todos os outros tivessem igualmente agradecido. Escolhi para ilustrar este episódio uma das muito raras iconografias que

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dele podemos encontrar. É um ícone ortodoxo que representa, numa só pintura, os dois momentos distintos: o do encontro de Cristo com os leprosos e o do agradecimento do samaritano. Como é próprio dos ícones, as figuras são representadas em atitude hierática, sempre muito direitas, até um tanto rígidas, os rostos impassíveis e indistintos. Os olhos, janelas da alma, costumam ser grandes e vivos. É evidente a ausência de perspetiva. Tão altas são as personagens mais perto de nós como as que se encontram mais afastadas. A maneira como o pintor dispõe os apóstolos e os leprosos mostra bem essa ausência de perspetiva. Repare-se ainda que a altura da casa é praticamente igual à dos leprosos. A perspetiva, que nos dá uma ilusão mais forte de realidade, não interessa ao pintor. Interessa-lhe o significado das personagens e dos objetos representados. Assim, a casa donde saem os leprosos representa não propriamente uma casa, mas o povoado no qual Jesus ia entrar, como diz o texto evangélico. A montanha que se vê à nossa direita não representa uma montanha concreta, mas o espaço onde a cena se desenrola. O mesmo acontecia com a arte românica ocidental, anterior ao Gótico. Interessa-lhe que as pessoas e os ob-

jetos representados, na escultura ou na pintura, digam o que têm a dizer, e não que pareçam reais. Cristo segura um rolo na mão esquerda. Significa que ele é a Palavra, o Verbo de Deus. Na arte ocidental, o rolo é substituído por um livro. A mão direita levantada significa que Cristo está a falar com os leprosos, fala que constitui também um ensinamento. Na cena do leproso prostrado por terra, a mão parece mais que abençoa do que ensina. Por sua vez, os dedos indicador e médio levantados significam que Cristo tem dupla natureza: divina e humana. É, ao mesmo tempo, homem e Deus. Por seu lado, as mãos abertas e estendidas dos leprosos revelam uma atitude implorativa. Como conta o evangelho, eles dirigiram-se a Jesus Cristo, suplicando: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós”. O nimbo à volta da cabeça de Cristo apresenta uma cruz inscrita. É exclusivo dele. Na cena do nosso lado direito, creio poder distinguir S. João evangelista, pela juvenilidade do rosto, e S. Pedro, pela barba e pelo cabelo encanecidos. Os leprosos são identificados por terem o corpo coberto de pequenos traços que representam as manchas ou chagas da pele. Os do nosso lado direito, já curados, apresentam o corpo completamente limpo.


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SEMINÁRIO MENOR

EM BUSCA DA PRESENÇA DE DEUS RETIRO ESPIRITUAL Marco Magalhães, 9º Ano

No dias 21, 22 e 23 de maio, a comunidade do Seminário de Nossa Senhora da Conceição partiu para um fim de semana de retiro espiritual, dando principal prioridade ao recolhimento pessoal de cada um, em ambientes propícios a isso mesmo. Com Jesus, que nos ama, os seminaristas tiveram momentos de reconhecimento das verdadeiras pessoas que são, podendo pensar e melhorar certos aspetos que no dia-a-dia de cada um correm menos bem e merecem especial cuidado. Assim, a comunidade dividiu-se em dois grupos, possibilitando um melhor aproveitamento do retiro. Um grupo congregou os seminaristas entre o 8º e o 10º anos, enquanto o outro juntou os 11º e 12º anos. Os mais novos, fazendo-se acompanhar do seu diretor espiritual, o Pe. Adelino Domingues, dirigiram-se à Congregação da Divina Providência e Sagrada Família, em Espinho, Braga.

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Por sua vez, os mais velhos, também com o seu diretor espiritual, o Pe. Álvaro Balsas, foram acolhidos no Convento de Santa Escolástica, em Roriz, Santo Tirso. Esta iniciativa manteve a estrutura que costuma ter, composta por conferências de apoio à reflexão de cada um, tempo para cada seminarista olhar e avaliar o caminho que percorre e que tenta melhorar e aprofundar, bem como os momentos de oração em grupo e os tempos das refeições. Neste retiro, o grupo dos mais novos refletiu sobre o texto do evangelho em que Jesus pede água para beber a uma Samaritana, a mesma samaritana que, após o encontro com Jesus, pregou a boa nova a todos os presentes na sua cidade. Já os mais velhos viveram este tempo tomando como pilares da sua reflexão e oração as 3ª e 4ª semanas dos Exercícios Espirituais de Santo Iná-

cio de Loyola, que se debruçam sobre a paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus. Uma comunidade deve ser, sobretudo, um ponto de segurança, um lugar em que se encontram outras pessoas que se acompanham no mesmo caminho da vida, um enriquecimento para a vida e experiência de cada um. Fazer caminho no sentido do serviço dos outros, no serviço a Deus, que nos acompanha, implica saber onde cada um se encontra, o caminho que se assinala, a vida que é nossa, mas que é para Deus. Por isso, como princípio para um bom retiro visa-se um aprofundamento da vida com Deus, a importância que este tem no dia-a-dia, quer em comunidade, como em turma, como em família. E foi o que esta comunidade aprofundou e agora procura demonstrar entre si e os presentes na vida de cada um.


SEMINÁRIO MENOR

OUSAR UM “PORQUE NÃO?”: DA EXPERIÊNCIA AO TOQUE João Pereira Pinto, 11º Ano

Vivemos, na Igreja, um tempo desafiante em termos vocacionais. Muitos desculpam-se que já o Mestre nos havia prevenido para a escassez de quem labute exclusivamente no serviço desta mesma Igreja (“A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos.” Mt 9, 37). Contudo, não nos devemos esquecer que a esta afirmação Jesus acrescenta “Pedi, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara” (Mt 9, 38). Assim, de 23 a 26 de junho decorreu o Estágio de Admissão ao Seminário Menor de Braga. Cinco jovens penetraram o ambiente e o quotidiano da comunidade residente deste Seminário, não só para a tomada de uma decisão que poderia, ou não, culminar no ingresso nesta instituição, mas também com vista a tocar o concreto daqueles que, dia-a-dia, colocam séria e constantemente esta questão – “Porque não ser padre?” – e vivem em função daquilo que a consolação de Deus lhes vai indicando como meta, caminho e fonte. O estágio iniciou-se com um churrasco, promovendo o salutar convívio entre estagiários e seminaristas. Já no dia 24, a comunidade do Seminário, após o semanal momento de Adoração Eucarística, apresentou aos cinco jovens o Projeto Educativo do Seminário Menor de Braga. Seguiu-se a este momento um fórum de ideias acerca de chavões populares sobre o presbiterado, da Igreja e

de outros temas a estes associados, aguçando o nosso espírito crítico e a racionalidade pessoal. Da parte da tarde decorreu uma gincana digital marcada pelo divertimento e pelo espírito de aventura através do uso da imaginação e da criatividade. No dia 25, sexta-feira, os cinco estagiários, acompanhados pela comunidade de seminaristas e de formadores, visitaram as instalações e o ideário educativo do Colégio D. Diogo de Sousa, onde são lecionadas as aulas dos seminaristas. Daí partiram em peregrinação até ao Santuário do Bom Jesus do Monte. A partir da Via-Sacra e de todo o itinerário catequético das fontes dos sentidos e das virtudes teologais, os jovens experienciaram uma intensa vivência espiritual articulada à vertente cultural da visita guiada possibilitada, seguindo-se um pic-nic na mata do santuário. O dia prosseguiu com uma tarde radical no Monte Picoto, onde o grupo testou os seus limites e medos em várias atividades radicais. Após este momento,

os jovens estagiários, com o auxílio dos seminaristas, confecionaram pizzas e pipocas que acompanharam o momento cultural da noite: o visionamento do filme Forrest Gump, que retratava a temática da superação, da relação com as limitações e as dificuldades, bem como outros assuntos relevantes para quem discerne a vontade de Deus para a sua vida. No sábado, o dia iniciou-se com a oração de Laudes, sucedida por um plenário de ideias e reflexão acerca do filme visionado. Seguiram-se os colóquios pessoais e a celebração da Eucaristia final, presidida pelo Pe. Rui Sousa, colaborador na formação do Seminário Menor na responsabilidade pelo Pré-Seminário Jovem, na qual marcaram presença, além dos seminaristas e formadores do Seminário de Nossa Senhora da Conceição, os pais e familiares dos estagiários. Este estágio deu-se por concluído com um almoço que alicerçou as relações dos pais e famílias dos cincos jovens com a comunidade do Seminário Menor. 7


SEMINÁRIO MAIOR

VIA LUCIS Luís Pimenta, 2º Ano

No passado dia 14 de maio, as comunidades dos Seminários Arquidiocesanos celebraram a Via Lucis, reunindo-se na Capela Imaculada, no Seminário de Nossa Senhora da Conceição, para viverem e celebrarem a presença de Jesus ressuscitado. O que pode ser dito daquele tempo? Pode falar-se do tempo de preparação formal, que teve o basilar papel de permitir o florescimento de tudo o que ali se experienciou. O espaço, sempre acolhedor e tão definido, da Capela Imaculada, então parcialmente encoberta pelo negrume do nascer da noite, foi o local escolhido. Apenas luzia, no centro dos que lá estavam, o círio pascal, cercado pelas luzes que cada um segurava nas suas mãos. E pode dizer-se mais. Pode dizer-se do encontro, pode dizer-se da concordância, pode dizer-se do envio… E mais se pode saber ao perguntar aos demais participantes, que vi8

veram aquele momento a partir das vivências que cada um para lá levou. Porém, apesar das diferenças, todos viram a mesma luz, todos escutavam a mesma voz, todos sentiram a presença do Salvador. Cada estação da Via Lucis partiu dos encontros bíblicos com o ressuscitado: os encontros que fizeram vida na vulnerabilidade de quem se confronta com o luto. Neste sentido, foi encontro com o outro, numa amizade preenchida pelo silêncio; foi encontro com Cristo, um encontro que se permitiu no ver-se encontrado pelo Ressuscitado; foi encontro possibilitado pelos comentários dos excertos, comentários específicos de quem interioriza e respira o texto, de quem o leva à oração e, na escrita, expõe a sua riqueza e a sua diversidade espiritual. Comentários que não esmagam a integridade individual, pois não são artificiais, nem super-

ficiais, nem exibidos. Eram sussurrados ao ouvido, desbrochavam com tanta espontaneidade, com tanta sinceridade, que apenas refletiam o que se queria proferir. E foi encontro nos cânticos e nos poemas que escoltavam, na precisão do instante, as nuances da alma. Nesta sequência, pode falar-se da concordância, não só com a individualidade e com o cenário de seminário mas também com a situação que a sociedade atual vive. Em nenhum momento a oração se desviou da realidade e, por isso, entrou no íntimo de cada participante, e foi lá que a luz abriu caminho: configura “um passo no trilho da vocação”. E acabou no envio: no envio do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e os apóstolos; no envio de quem, estando “[triste e cansado], mas movido pela esperança e confiança em Jesus Cristo”, vai agora para o mundo.


SEMINÁRIO MAIOR

“DO MEDO AO SONHO. DA PARALISIA À OUSADIA.” João Santos, 4ºano

No passado dia 23 de maio, dia em que a Igreja celebrou a descida do Espírito Santo, as Comunidades dos Seminários Arquidiocesanos de Braga testemunharam a Instituição no Ministério de Leitor do Carlos Abreu, do João Miranda, do Pedro Cunha e do Tiago Nogueira. Esta celebração contou com a presença do Bispo Auxiliar de Braga, D. Nuno Almeida, e decorreu na Capela Imaculada do Seminário de Nossa Senhora da Conceição. Na Celebração do Pentecostes, aqueles que se reúnem em volta do

Corpo e da Palavra são interpelados a enamorar-se no fogo de Cristo Ressuscitado. Fogo esse que, através da sua imagem poética, nos revela a experiência da ação de Deus, que queima e ilumina todos aqueles que estão dispostos a espelhar a presença atuante no coração do mundo, numa verdadeira epifania de Deus. Imbuídos neste espírito de alegria, os presentes foram interpelados pelo presidente da celebração a serem iluminados pelo Espírito Santo, não para mudar magicamente as situações, mas para moldar os cora-

ções, de modo que estes se deixem guiar pelo amor, tal como Maria, que se encontrava com os discípulos reunidos no cenáculo e se deixou tocar pelo fogo do Espírito Santo que ainda hoje desce sobre nós. Fogo esse que conduziu todos os presentes a um descentramento, ao longo da celebração, como que imitando a atitude da Senhora da Humildade, sentada junto aos discípulos de hoje, do Seu filho, com um olhar aberto e ouvidos atentos a todas as disputas. Com este modelo de focalização e de escuta, entendeu-se o desafio que D. Nuno lançou aos Instituídos: que fossem sinal da voz de Deus, advertindo-os à necessidade de escutar a palavra antes de esta ser lida. Efetivamente, existe esta sintonia com a Senhora da Humildade, pois a mesma coloca o seu olhar e a sua atenção no seu Filho. Por fim, o Prelado inquietou os Instituídos, exortando: «Levai a alegria do Evangelho estampada no vosso rosto, gravada nos vossos gestos; que a Palavra seja vida e a vossa vida se faça Palavra». Assim, deixemo-nos também nós tocar pelo fogo do Espírito Santo, para sermos como Maria, que se encontrava junto dos discípulos do seu Filho, anunciadores das maravilhas de Deus (At 2, 11); e alegres na hospitalidade da diferença e no acolhimento da voz do inesperado, que esclarece o tempo, as mãos e os frutos. 9


SEMINÁRIO MAIOR

HONESTIDADE CONNOSCO, COM DEUS E COM OS IRMÃOS Rodrigo Ferreira, Propedêutico

Num contexto de recoleção, tempo propício para parar, refletir, orar e escutar o silêncio, procuramos fortalecer a nossa intimidade com Deus. Assim, foram propostos dois temas de reflexão diferentes, mas que acabam por ter muitos aspetos unificadores: um, apresentado no livro dos Atos dos Apóstolos, «Sereis minhas testemunhas» (Act 1,8); e o outro, em que se aprofunda a honestidade. Ambos os temas se revelam apropriados ao tempo que se vive: a ida do Senhor para o pai, que também nos leva com Ele, e em que se aguarda a vinda do Espírito; o outro, num contexto mais académico, serve de reflexão nesta época em que se aproxima o final de mais um ano letivo. Deste modo, torna-se manifestamente oportuno proceder a uma retrospetiva do trabalho que desenvol10

vemos ao longo do ano, bem como do modo como vivemos a nossa fé, tendo sempre como perspetiva o fortalecimento da mesma, bem como da nossa relação com Jesus, que Se eleva ao Pai. Revela-se importante avaliar o nosso caminho de discernimento, que deve ter, como princípio básico, a honestidade connosco mesmos, pois só assim é que conseguimos sê-lo com Deus e com os nossos irmãos. Sem este suporte não é possível viver a experiência, que é também evangelização. A recoleção decorreu durante a tarde de sexta e o dia de sábado, contando com diversos momentos, quer de reflexão comunitária, quer de reflexão mais individual. Saliento, como momentos em comunidade, os encontros com os diretores espirituais,

onde se procura apresentar e explicar um determinado tema, e ainda a Via Lucis, celebração dos acontecimentos vividos entre a ressurreição de Jesus Cristo e a vinda do Espírito Santo. Também a Eucaristia de encerramento da recoleção é um dos pontos mais importantes de reflexão comunitária. Contudo, é nos momentos individuais que se procura um aprofundamento da vida cristã, através das pistas que nos são dadas pelo nosso acompanhante espiritual. Estes momentos, que são recorrentes durante o ano, sendo cruciais para um exame de consciência mais centrado na nossa progressão ao longo do ano, servem para refletir sobre as dúvidas que vão surgindo no nosso caminho e permitem-nos reforçar a nossa confiança nesta caminhada. Permitem-nos também perceber se a nossa fé tem evoluído positivamente no que diz respeito à nossa felicidade e realização pessoal. Sabendo que a nossa vida é peregrina e que o nosso percurso não pode ser solitário, pois sozinhos não somos capazes, é fundamental a existência de uma boa relação connosco, com Deus e com os irmãos, sem nunca nos esquecermos de que é necessário tempo para as coisas de Deus. Mesmo tendo a certeza de que tudo o que precisamos nos será dado, no momento certo, é imperativo estar atento aos sinais que vamos recebendo d’Ele.


PASTORAL UNIVERSITÁRIA

PROJETO SEMENTES EM TEMPO DE PANDEMIA Beatriz La Féria, Medicina, UMinho

No dia 2 de novembro de 2020 inscrevi-me na 8ª edição do Projeto Sementes, um projeto destinado a estudantes universitários que pretendam realizar uma missão de curta duração em países africanos de língua oficial portuguesa e que tem um caminho obrigatório de preparação de aproximadamente 9 meses. Apesar de todas as incertezas trazidas pela pandemia, as reuniões semanais tiveram início como era espectável. Contudo, o processo de seleção das sementes 2021 foi mais rigoroso, consistindo, numa primeira fase, na apresentação de um vídeo de motivação; seguida da fase da entrevista e, no final, uma atividade de team building. Passei nas diferentes fases de seleção, à semelhança de mais dez jovens universitários, e estava, então, preparada para este novo desafio na minha vida. Os encontros do novo grupo iniciaram-se presencialmente no dia 11 de janeiro, quatro dias antes de ter sido novamente decretado o dever de recolhimento domiciliário. Como tal, a partir daí, as reuniões passaram a ser online, num formato diferente do que tinha inicialmente idealizado, mas que me permitiu, de igual forma, conhecer os outros membros do grupo e assegurar a continuidade da minha caminhada no Sementes. Durante várias semanas de reuniões do projeto, fui-me preparando

para ir em missão, ao mesmo tempo que tomava consciência de que não precisava de sair de casa para ser missão. Nas reuniões semanais fui percebendo que o meu objetivo não era ir para a Guiné-Bissau ou Cabo Verde, mas sim ser missão no dia a dia. Fui crescendo enquanto pessoa e sentindo-me cada vez mais preparada para ser missionária. As propostas de caminhada de formação que nos foram apresentadas ajudaram-me a discernir sobre esta mesma realidade e fizeram-me compreender que ser missão é bem diferente do que ir em missão. No dia 22 de março fui confrontada com a possibilidade da missão 2021 do Projeto Sementes não ser realizada em África. Nessa altura, senti um misto de deceção e felicidade. Deceção porque me tinha inscrito num projeto de voluntariado em África e poderia não haver a possibilidade de o fazer, e felicidade porque soube que, mesmo não sendo no local inicialmente previsto, seria mis-

são em qualquer parte do mundo, sentindo-me de igual forma disponível e com vontade. Com o avançar do ano e da minha caminhada neste projeto, fui aceitando que a missão não seria realizada em África. Assim, quando no dia 24 de maio soube que iria fazer missão na Madeira, na comunidade de Curral das Freiras, no concelho de Câmara de Lobos, a minha reação foi muito diferente da que tivera em março. Desta vez senti-me motivada e com esperança no futuro. Pela primeira vez, tive a confirmação de que poderia terminar o meu percurso no Projeto Sementes com uma missão de curta duração. Vou poder ir para um local onde posso fazer a diferença e onde posso colaborar com a comunidade local em áreas como o desenvolvimento da pessoa humana, a educação, a saúde, a responsabilidade cívica e a dimensão religiosa. Estou, por isso, desejosa por partir em missão! 11


PASTORAL DE JOVENS

SER JOVEM É... FAZER-SE PRÓXIMO! Departamento Arquidiocesano da Pastoral de Jovens

Os artigos publicados no “Voz de Esperança” seguem, ou não, o novo acordo ortográfico consoante a escolha dos autores.

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Que o Senhor vos conceda o Seu amor e Graça.

O tempo de férias chega e a vontade de descansar parece imperar por todo o lado. Ainda às voltas com as dificuldades da pandemia e procurando manter todas as regras de segurança, este é tempo em que se busca uma ‘lufada de ar fresco’ e um respirar para além dos entraves tecno-cibernéticos. Este é um tempo privilegiado para o encontro, para que cada um se possa fazer próximo e auxiliar aqueles que mais precisam de ajuda. O rasto de destruição e solidão deixado pela pandemia é um desafio para a humanidade que nos habita e aí irradia a ousadia jovem de, mantendo os cuidados, não os usar como desculpa para não ajudar, para não dialogar e para, de algum modo, deixar-se sucumbir pelos medos e pelo autoisolamento. A juventude da nossa arquidiocese tem dado provas desta determinação e coragem de sair de si em favor dos que mais precisam, mas este é um trabalho contínuo e que exige ações concretas e responsáveis para que a perseverança saia vence-

dora quando o ‘desistir’ e o ‘manter-se à distância’ parecem querer levar a melhor, por esta altura. Atendendo a estas necessidades, o Departamento Arquidiocesano de Pastoral de Jovens está a retomar e a atualizar os programas formativos que irão ao encontro dos pedidos e anseios dos animadores de jovens e todos os agentes da pastoral que, de algum modo, trabalham com a realidade jovem. O que se pretende – e está em marcha – é que o próximo ano pastoral seja verdadeiramente formativo, integrando, por um lado, a realidade pandémica (o que fomos experienciando e os desafios que agora se vão consolidando) e, por outro lado, a dimensão cristã que move toda a realidade dos nossos jovens que, nas suas paróquias e/ou ao nível diocesano, pautam a sua vida pela fé e pelo seguimento de Jesus Cristo. Deste modo, juntos e num caminho sempre jovem, continuaremos este caminhar para que, verdadeiramente, todos possam ter vida, e tê-la em abundância (Jo 10, 10).

Propriedade do Seminário de Nossa Senhora da Conceição

Rua de S. Domingos, 94 B 4710 - 435 Braga Telf: 253 202 820 | Fax: 253 202 821 www.fazsentido.pt seminariomenor@fazsentido.pt vozdeesperanca@fazsentido.pt N.º de Registo: 1152 88 Depósito Legal N.º 40196/91 Tiragem: 4000 Exemplares


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