Voz de Esperança Mar/Abr 2021

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MAR - ABR / 2021

SER MISSIONÁRIO DA CARIDADE

Diretor: Pe. Mário Martins Chaves Rodrigues Ano XXIV - 6ª Série | Nº 81 | Bimestral 1,00 €

“Os novos tempos obrigam-nos a novos métodos de fazer o bem. Se já o fazemos, é urgente fazê-lo melhor, pois a isso nos convida a Bíblia: «Aprendei a fazer o bem» (Is 1,17). A aprendizagem é contínua.” António Fernando Afonso Págs. 2-3

MERGULHAR NA TUA PRESENÇA “A minha caminhada de discernimento tem sido a chave dessa quimérica porta que denominamos de liberdade. Quando, preso em confortáveis aquários, mergulhei neste oceano da dúvida (…) jamais imaginei apropriar-me da acutilante expressão de Pessoa, «Tenho em mim todos os sonhos do mundo.».” Pedro Oliveira Pág. 10

EDITORIAL

A URGÊNCIA DO AMOR “É urgente o amor… É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios e manhãs claras… É urgente o amor, é urgente permanecer.” O poema de Eugénio de Andrade, que nos apresenta a urgência do amor, confronta-nos com a certeza de que a vivência da caridade não pode esperar os momentos que nos parecem mais certos ou adequados. O momento para amar é este agora que vivemos! O amor é de todas as horas e lugares, missão de todos e para todos! Na verdade, a prática da caridade não pode ficar refém de zelos acessórios e inoportunos, tantas vezes levados ao extremo. O amor não pode estar preso às palavras de um poema, a um sentimento intenso mas fechado no peito, ou apenas espelhado na beleza de um qualquer rito exterior. O amor precisa de deixar de ser apenas letra, teoria ou ideia e ganhar vida e liberdade nas nossas atitudes. Somos chamados a ser Igreja samaritana, missionários da caridade, a tocar o irmão que sofre, a entrar na dor do outro para dela o resgatar, a “sujar” as mãos de amor, calejando-as de serviço e compaixão. Este é o upgrade que a App da Caridade espera de nós nestes tempos fortes de Quaresma e Páscoa. Este é o imperativo a pôr sempre em prática, sobretudo neste contexto particularmente mais difícil, marcado pela pandemia da Covid-19. O texto visão corrobora esta certeza quando nos recorda que “a Voz da Palavra de Deus continua a chamar à missão: e há tanto que fazer!” De facto, o Deus de Amor chama-nos continuamente para esta urgência de O encontrarmos nos outros e de O anunciarmos, servindo e amando como Ele nos ensinou. Ora, também no quotidiano dos nossos Seminários se experimenta esta urgência do amor. As iniciativas noticiadas nas páginas desta edição reafirmam a certeza de que o amor tem pressa, porque a vocação nos desafia à urgência de “permanecer” em Deus e nos irmãos, à urgência de se fazer próximo e em cada vida “inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas… descobrir rosas e rios e manhãs claras”!


VISÃO

SER MISSIONÁRIO DA CARID António Fernando Afonso

Depois de desmontarmos a árvore natalícia após a Epifania, deixamos estar o presépio montado até ao dia da Apresentação do Senhor. Há poucos dias, com a ajuda dos nossos filhos, guardávamos as imagens do presépio. Começámos pelas extremidades e terminámos no estábulo, o centro de todo o cenário, onde tudo começa! O meu filho mais velho pergunta o porquê de os animais estarem junto do berço de Jesus. Respondo-lhe que o lugar onde o Menino nasce é um lugar de simplicidade e humildade. Mas ele não fica convenci-

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do, pois, se assim fosse, os animais poderiam estar num canto e Jesus estar no outro, mas estão exatamente ao Seu lado. Peço então ao mais novo que vá ao cantinho da Palavra, o lugar onde temos a Bíblia para fazermos a oração em família. Bíblia na mão e abrimos no início do Profeta Isaías: “o boi conhece o seu dono, e o jumento o estábulo do seu senhor; mas Israel, meu povo, nada entende” (Is 1,3). Os animais ensinam o ser humano e o presépio é um modo atual de rezar este versículo bíblico. Deus está presente, o Glorioso transforma-Se no mais humilde, nascendo como um sem abrigo! Há um novo mundo que começa, mas “Israel nada entende”. Os Magos entenderam e, por isso, “regressaram por outro caminho” (Mt 2,12). A pandemia que assola o planeta desde há um ano alerta-nos e aponta para Isaías que nos abre horizontes para melhorarmos o mundo. Para todos os que desejam percorrer “outro caminho” neste tempo de pandemia, deve ter-se a capacidade de obedecer à Palavra, que não é para estar no “cantinho”, mas sim no coração e na vida: “aprendei a fazer o bem, procurai o que é justo, socorrei os oprimidos, fazei justiça aos órfãos, defendei as viúvas” (Is 1,17). As celebrações públicas foram suspensas, as procissões quaresmais e das festas foram canceladas, mas o ser-se missionário da caridade não foi suspenso e muito menos cancelado. A “conversão pastoral a operar na vida das pessoas e das comunidades” (Mensagem da Quaresma do Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga) passa, no convite do oráculo de Isaías, pela aprendizagem, procura, justiça, socorro, defesa dos mais enfraquecidos… Os novos tempos obrigam-nos a novos métodos de fazer o bem. Se já o fazemos, é urgente fazê-lo melhor, pois a isso nos convida a Bíblia: “Aprendei a fazer o bem” (Is 1,17). A aprendizagem é contínua. Madre Teresa de Calcu-


IDADE tá também afirmava que o “importante não é o que se dá, mas o amor com que se dá”. Isso reflete o sentido daquilo que é o dinamismo da ação cristã. Não haverá nas comunidades, nas associações, nas famílias, nos empregos, na política, nos movimentos e nas paróquias novas visões do que nem sequer era imaginado há uns meses? Depois de tantas mudanças, voltaremos a fazer tudo do mesmo modo, “porque sempre se fez assim”? O sacerdócio de todos os batizados é exercido no dia a dia, a cada momento, em cada instante, caso contrário, o que sai da boca não será aceite pelo Senhor (cf. Is 1,1116). O pedido que o Papa fazia a que as Igrejas estivessem abertas não se restringia às catedrais ou ermidas, mas sim à Igreja que somos nós: aberta ao sopro do Divino Espírito Santo que dirige o ser e o agir daqueles que habita. Os idosos, que em muitas comunidades eram grande parte da assembleia celebrante, são agora população de alto risco que não pode sair de casa. Como podem continuar a sentir-se aquilo que são, Igreja? Não será preciso olhar para tantas situações de solidão, mesmo de pessoas para quem a assembleia era o centro dos seus convívios, fosse no adro, nas atividades ou nas celebrações? E as compras tão necessárias para a alimentação, higiene ou medicação, que é necessário fazer e trazer para o lar, por vezes com dinheiro que mal chega para o aluguer da casa? E as famílias confinadas por vezes em apartamentos ou casas sem hortas ou hortos, pelo contrário, por vezes debaixo do telhado com um horto das oliveiras pleno de agonia ou violência doméstica? E os cuidadores, os soldados da linha da frente nesta batalha contra um inimigo sem rosto, estejam eles nos hospitais, nos serviços de limpezas, nas lojas, nos lares de idosos e equipas de apoio domiciliário, quem trata deles?

E os desempregados, que viram o seu emprego sugado por um buraco negro que absorveu imensos serviços e modos de colocar pão na mesa com o suor do rosto de cada um? E os doentes que colocaram de parte o relógio e o substituíram por um calendário para verem ou esperarem o dia em que terão hipótese de ter uma consulta, tratamento ou operação, que vem sendo adiada sine die? E os sem abrigo que vivem em condições geladas e que durante os confinamentos não tiveram apoio de ninguém, pois não são vistos e, infelizmente, quem não aparece, esquece? E as famílias que choram os seus defuntos, de quem nem se puderam despedir e que ainda têm o coração a sangrar porque, pelo covid, foram apanhadas com as almotolias vazias? E os migrantes que, muitas vezes sem a formação que os levaria a lutar pelos seus direitos, são colocados no final das listas de prioridades, sem ter quem os defenda e seja sua família? E as crianças que tiveram que montar uma sala de aula no seu lar, tentando acompanhar as matérias e disciplinas que nem sempre são familiares aos seus pais? Quanto mais pessoas servirmos, maior é a compensação pessoal e humana. O sino não tem chamado para as celebrações comunitárias, mas a Voz da Palavra de Deus continua a chamar à missão: e há tanto que fazer! Somos desafiados a encontrar o Senhor em muitas situações do nosso quotidiano. Não podemos fazer tudo, mas podemos fazer muito a exemplo do Bom Samaritano e de S. José, “dócil e obediente” (cf. Is 1, 19), a quem o Papa dedicou o ano e que, mesmo sem lhe conhecermos palavras, foi um autêntico missionário da caridade.

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ARTE

PROFETA ISAÍAS Luís da Silva Pereira

O texto que nos é proposto para reflexão encontra-se no livro de Isaías, cap. 1, 10-20. Nele, pela voz do profeta, dirige Deus ao seu povo uma repreensão duríssima: “De que me serve a multidão das vossas vítimas?...Estou farto de holocaustos, de cordeiros, de gordura de bezerros…abomino as vossas festas; estou cansado delas… Procurai o que é justo, socorrei o oprimido, fazei justiça ao órfão, defendei a viúva…”. É uma crítica contundente ao ritualismo religioso, sem coração, sem compaixão do próximo. Isaías é um dos quatro profetas maiores do Antigo Testamento. Os outros são Daniel, Ezequiel e Jeremias. A distinção entre os quatro maiores e os doze menores não resulta da importância do que profetizaram, mas de a obra dos maiores ser muito mais extensa que a dos menores. O modo de os representar artisticamente tem variado ao longo dos tempos. Primitivamente, mal se diferenciavam dos apóstolos. A partir do séc. XII, por influência dos trajos usados nas repreentações teatrais chamadas mistérios, apresentam amplas vestes e gorros para se distinguirem dos apóstolos. Mais tarde transcrevem-se nas filacteras pequenos trechos das suas profecias ou das suas

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biografias. Por fim, estabelecem-se atributos que os individualizam ainda mais: o corvo do profeta Elias, o carro de fogo de Ezequiel, etc.. Seleccionei duas iconografias bem diferentes. A primeira encontra-se num vitral da catedral de Bruxelas (fig.1) que alude a um dos episódios mais célebres da vida do profeta. Podemos lê-lo no cap. VI, 5, quando Isaías, contemplando a majestade do Senhor dos Exércitos, exclama que está perdido por ser um homem de lábios impuros. Nesse momento, um do serafins que se encontravam diante do trono do Senhor, voou na direção do profeta, trazendo uma brasa que tirara do altar, com uma tenaz. Tocou-lhe com ela na boca e disse: “Tendo esta brasa tocado os teus lábios, a tua culpa foi tirada e apagado o teu pecado”. Vemos à nossa direita o profeta, descalço, porque estava na presença de Deus. Segura uma pena na mão direita, significando que escreve as profecias. Por cima das cabeças dele e do anjo, estende-se um pano vermelho. É a franja do manto do Senhor que enchia o templo, como afirma o texto. Entre ele e o serafim crepita o braseiro do altar donde o anjo retirou a áscua. Como é próprio dos serafins, tem seis asas. Duas velam o rosto, aqui destapado porque fala com o profeta, duas

tapam os pés e com as outras duas voa. É significativo que seja um serafim a levar a brasa para purificar os lábios. É que a função deles é arder de amor. Por isso as suas asas costumam pintar-se de vermelho. Na figura 2, vemos uma das célebres esculturas de António Francisco Lisboa, mais conhecido por Aleijadinho. Nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais, em 1738, e aí faleceu em 1814. Era filho de um português e de uma escrava. É considerado uma dos melhores, senão mesmo o melhor escultor barroco brasileiro. A escultura faz parte de um conjunto de doze que se encontram nas escadarias do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais, no Brasil, e que lembram as do Bom Jesus em Braga. Como sabemos que se trata do profeta Isaías? Pela frase em latim transcrita na filactera que se desdobra da mão esquerda quase até ao chão: “Cum Seraphim Dominum celebrassent, a Seraph uno admota est labris forcipe pruna meis Isaiae VI” (Quando os Serafins celebravam o Senhor, uma brasa foi encostada aos meus lábios por um Serafim com uma tenaz. Isaías VI). É esta, precisamente, uma das iconografias típicas para representar um profeta: a transcrição de um passo da sua obra.


Figura 1

Figura 2

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SEMINÁRIO MENOR

ATIVIDADE DE NATAL DOS 11º E 12º ANOS SER LUGAR DE ENCONTRO… Gabriel Silva, 12º ano

No passado mês de dezembro, nos dias 21, 22 e 23, os elementos mais velhos da comunidade do Seminário de Nossa Senhora da Conceição, isto é, os seminaristas dos 11º e 12º anos, acompanhados pela respetiva Equipa Formadora, tiveram a alegria de viver um momento mais informal, através da habitual atividade de Natal que, proporcionando diferentes tempos e lugares de encontro, com os outros e com Deus, interpelou cada um a ser também lugar de encontro. Contudo, devido à pandemia, esta iniciativa obedeceu a uma estrutura adaptada, na medida em que se optou pela estadia pelo Seminário, dirigindo-se o grupo a locais mais próximos, dentro da Arquidiocese de Braga. No dia 21, segunda-feira, o encontro teve início com o regresso dos seminaristas mais velhos à comunidade do Seminário, depois de um fim de semana partilhado com as respetivas famílias. Após o jantar, os jovens tiveram a oportunidade de ir ao cinema para a 6

visualização de um filme. Terminada a sessão, dirigiram-se de volta ao Seminário para uma noite de descanso. Já no dia seguinte, a manhã foi mais introspetiva, dedicada à leitura da Carta Apostólica do Papa Francisco intitulada de Patris corde, publicada a 8 de dezembro por ocasião do 150º aniversário da declaração de São José como Padroeiro Universal da Igreja. O documento fala-nos do modo como São José criou o Filho de Deus, criando-O como seu filho e amando-O como tal. A tarde deste dia contou com um tempo de maior diversão, com uma sessão de 20 minutos de condução de karts no Kartódromo de Fafe, vivida e experienciada pelo grupo com imensa alegria e satisfação. Seguidamente, os seminaristas foram recebidos pelos párocos das Paróquias de Fornelos e Fafe, o Sr. Pe. José António e o Sr. Pe. Vítor, tendo o privilégio de ficar a conhecer um pouco do ambiente de trabalho do seu dia a dia.

Deste modo, depois da apresentação do cartório paroquial e de algumas infraestruturas da paróquia, foi celebrada a Eucaristia, presidida pelo Reitor do Seminário, o Cón. Mário Martins. Este dia contou ainda com um momento mais informal, com a realização de um jantar na residência paroquial de Fafe, na companhia dos párocos já citados e do Sr. Pe. Manuel Torre. Neste tempo de confraternização, surgiu a oportunidade de ouvir os seus testemunhos de vida, não apenas enquanto sacerdotes e seminaristas, mas também da importância do padre viver em comunidade com outros sacerdotes. Na última etapa deste encontro, dia 23, o grupo deslocou-se a Priscos, onde foi acolhido pelo Sr. Pe. João Torres, pároco de Priscos, Tadim e Guizande e pelo Sr. Pe. Jorge Vilaça, assistente espiritual do CMAB. Durante a visita, os seminaristas ficaram a saber mais sobre a criação do presépio de Priscos, já muito famoso em todo o país. De seguida, foi também tempo de escutar o testemunho partilhado por parte dos dois sacerdotes, tendo sido sublinhada uma vez mais a importância crescente de cada presbítero viver em comunidades de sacerdotes. Após este momento, a conversa e a partilha continuaram à mesa, durante o almoço. Regressando depois ao Seminário, chegou ao fim este encontro de Natal dedicado aos seminaristas mais velhos da comunidade.


SEMINÁRIO MENOR

COMUNICAÇÃO NÃO AGRESSIVA ENCONTRO DE FORMAÇÃO HUMANA NO SEMINÁRIO MENOR Francisco Xavier Faria, 11º ano

No passado dia 23 de janeiro, sábado, realizou-se no Seminário de Nossa Senhora da Conceição mais um encontro de Formação Humana, Form’arte, destinado aos seminaristas dos 10º, 11º e 12º anos. Desta vez, esta iniciativa, que decorreu em moldes diferentes, com a habitual orientadora, a Dra. Rita Fernandes, a participar a partir de sua casa, devido às medidas de confinamento impostas pela pandemia, foi dedicada à temática da Comunicação não agressiva. Este encontro, e tal como havia sido anunciado no início do ano, foi preparado não pela habitual equipa, composta pela Dra. Rita e pelo Cón. Mário Martins, mas sim por um grupo de seminaristas definidos para esse efeito, o Pedro Cunha, o João Pinto e o Ângelo Novais, que procuraram apresentar e trabalhar o tema proposto junto dos colegas. O grupo reuniu-se por volta das 9h30 da manhã, com o acolhimento aos seminaristas. Seguiu-se um tempo dedicado à correção do trabalho de casa, que procurou interpelar os seminaristas a pensar sobre maneiras de reagir perante diferentes situações, que, geralmente, e no comum dos casos, são vistas como possível motivo para o recurso a uma comunicação agressiva. Nesta sequência, foi apresentado o tema central do encontro, explicando-se o que é e em que consis-

te a comunicação não agressiva, de que maneira a usamos e podemos usar, quais os riscos de falhar, muitas vezes de modo quase intuitivo

e impercetível, e qual a forma mais correta de comunicarmos sem ferir suscetibilidades e sem o fazer de modo agressivo. Posto isto, seguiu-se um momento mais lúdico e de maior partilha, o lanche, que contou também com a presença dos elementos mais novos da comunidade. Na segunda parte da manhã, os seminaristas foram chamados a descobrir que país seria abordado naquele encontro, pois este ano o tema que dá o mote aos encontros de Formação Humana convida a realizar uma viagem fictícia, de descoberta e aprendizagem, passando por vários pontos do globo. Ora, desta feita o país escolhido foi Singapura, devido aos conflitos internos pelos quais é conhecido. Passou-se, então, a uma parte mais prática, em que os seminaristas foram confrontados com situações do quotidiano, tais como: como reagir após sabermos que falaram mal de nós e como resolver isso; ou como resolver uma situação em que alguém nos insulta; e outras tantas situações com as quais somos muitas vezes confrontados. O encontro culminou com a oração de agradecimento pela alegria do encontro, prece por uma comunicação menos agressiva de cada um e louvor pela calma com que Deus nos fala apesar das diversas vezes em que lhe falhámos. 7


SEMINÁRIO MAIOR

HABITADOS PELA SUA LUZ MISSA RORATE Bruno Lopes, 5º ano

Ao experienciar a Luz que vem habitar os nossos corações, vivenciamos no décimo dia do último mês do ano da graça de 2020, o poder da presença simbólica da Chama que vem tocar-nos no meio da profundidade das trevas. Sabemos, pois, que por vezes a escuridão impera, mas a luz será sempre mais forte, e é precisamente neste local que percebemos que nem de bússola partida perderemos o norte! Desta forma, o Seminário, coração da Diocese, celebrou uma Missa Rorate, onde a profundidade do sensível vem fazer soar em nós a presença do inteligível. Assim, o símbolo da vela acesa no meio da escuridão vem, por si só, trazer-nos à presença do simbolizante. A Missa Rorate recebe o seu nome da antífona de entrada da Missa Votiva de Nossa Senhora, celebrada nos sábados do Advento: “Rorate caeli desuper, et nubes pluant iustum”, que significa: “Derramai ó céus, o orvalho lá do alto e as nuvens 8

chovam o Justo”. (Is 45,8). Testemunhamos assim uma antiga tradição da Igreja, que tem as suas origens no séc. XIV. O motivo principal desta celebração é começar a entrar no grande mistério da Encarnação, em que, da eternidade de Deus, Jesus assume a natureza humana. A Igreja faz esta belíssima oração para pedir que o céu se abra e chova sobre

nós e sobre todo mundo a graça da pessoa de Jesus, Deus feito homem. Este momento profundo de oração é uma adaptação vespertina da Missa Rorate, em que o elemento da luz está muito presente. Trata-se de uma liturgia mais cuidada, quer ao nível dos símbolos, quer a nível dos cânticos, que nos ajudaram a transportar a essência do material para a profundidade do espiritual, e carregar consigo toda uma dinâmica que melhor nos introduziu no grande motivo do Advento, que se confere na espera de Cristo Salvador. No meio da escuridão, como símbolo da noite do mundo e das inquietações do nosso coração, a luz do círio rompe as trevas e a sua luz enche o templo, recordando-nos a Noite de Natal. Envoltos numa plena mística, onde inunda a perplexidade da música, o cheiro suave do incenso, tudo ajuda a que a nossa oração seja também uma experiência corporal e sensível. Acolhendo, desta forma, a maravilha de Deus que vem até nós. Numa linha de caminho para Ele, apercebemo-nos como a nossa vida é totalmente iluminada e preenchida com a sua presença. Vivemos, assim, com Maria a alegria desta esperança, ouvindo o seu cântico de louvor: “A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”. Que o nosso coração receba esta chuva de graça, que é a própria vida de Deus, o seu Filho Jesus.


SEMINÁRIO MAIOR

A ARTE DO DISCERNIMENTO Tempo Propedêutico

O tempo propedêutico é um tempo destinado à integração dos novos seminaristas na comunidade do seminário. Como tal, é também um ano de descoberta, em que nos são apresentados diferentes contextos e percursos pessoais, visto que alguns dos seminaristas continuam o percurso iniciado no Seminário Menor e outros entram no Seminário pela primeira vez, vindos de diferentes percursos escolares ou até do mundo laboral. Todas estas diferenças, experiências e vivências singulares tornam o grupo heterogéneo, contudo, mais rico. No início do ano, visando uma integração frutífera, a comunidade propedêutica usufruiu de uma semana com o objetivo de estreitar as relações pessoais, proporcionar a criação de laços e facilitar a integração dos elementos do ano para que, posteriormente, a integração na comunidade se desse num ambiente de união. Como qualquer outra etapa da vida, temos de enfrentar várias adversidades, sendo o desafio maior a en-

trada na faculdade, onde o ritmo de estudo tem de ser diferente. No entanto, tudo isto se vai ultrapassando com a ajuda da comunidade e com a consciência de que só pela equidade viveremos, com fidelidade, a união a que somos chamados. Este tempo, vive um ritmo de oração diária, intercalada com o estudo quer das unidades curriculares da Universidade quer da íntegra formação no Seminário. Este ano, vivemos um tempo atípico, por isso as nossas atividades e ambientes habituais foram limitados, devido à pandemia da Covid-19. Contudo, ela não conseguiu estabelecer barreiras à criação de uma forte relação, em que o conhecimento do outro foi feito de maneira diferente, mas igualmente criativa e sincera. É mediante esta criatividade que cada um conseguiu desenvolver, olhando o outro como irmão, que conseguimos criar esta comunidade tão forte e unida. Este é um tempo de discernimen-

to. Ora, discernir é o exercício exigente de quem acredita que o Espírito Santo já está a agir na história e nas consciências, iluminando e fortalecendo os discípulos de Jesus, para que, em cada tempo e lugar, possam realizar o Evangelho como palavra que salva a vida. Em jeito de conclusão, este ano propedêutico, que corresponde à etapa inicial de um processo de discernimento vocacional, está cada vez mais familiarizado com esta nova realidade, que é o Seminário, e está ciente de que este início de caminhada é muito importante, e mesmo fundamental para o nosso discernimento. Estamos convictos de que isto só é possível graças ao respeito mútuo, pois Cristo habita em nós tal como somos e quer-nos unidos, percorrendo um caminho de discernimento, que procura o mais necessário, o mais urgente e o mais universal.

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SEMINÁRIO MAIOR

MERGULHAR NA TUA PRESENÇA Pedro Oliveira, 1º ano

Estou sentado perante uma folha branca. Respiro, uma tentativa forçada de levar até à minha mão tudo aquilo que me passa pelo pensamento. Durante a minha ainda breve existência, o pudor sempre me impediu de dizer, quer em conversa quer através da escrita. Hoje, que olho com conforto para as poucas vivências que tive, apercebo-me que, mais do que simples inibição, será medo de não conseguir descrever a minha essência pelas palavras. Tenho para mim que qualquer tentativa – falhada, diga-se de passagem – de descrever aquilo que somos, será mais um aprisionamento do nosso ser do que propriamente uma revelação. O mais paradoxal é que, por mais consciente que esteja do que agora escrevi, estou predisposto a prender no papel a liberdade. Sim, esta é a minha essência, a Liberdade. Desculpar-me-á o leitor, pois, por mais que me esforce, jamais conseguirei transmitir por palavras a verdadeira sensação de ser livre. A minha caminhada de discernimento tem sido a chave dessa quimérica porta que denominamos de liberdade. Quando, preso em confortáveis aquários, mergulhei neste oceano da dúvida – e que medo sinto em alto mar, qual discípulo medroso perante a tempestade (cf. Mateus 8, 23-27) - jamais imaginei apropriar-me da acutilante expressão de Pessoa, “Tenho em mim todos os sonhos 10

do mundo.”. Quando, preso em confortáveis aquários, labutando num quotidiano tão cómodo quanto entediante, Deus se me comunicou - através de pessoas e episódios simples que, para mim, alcançaram a grandeza do Universo - considerei-me capaz de me inebriar com o doce sabor do Saber. Os mais céticos, como eu próprio fui, terão o compreensível atrevimento de me julgarem amante do hiperbolismo. Acreditem, de crente para diversamente crentes, o único exagero em mim é o modo intenso e pleno como vivo a vida. Chamem-lhe, se assim vos aprouver, de vício. Eu, pelo contrário, prefiro chamar-lhe de respeito pelo meu direito

mais básico: viver a liberdade que Cristo me concede, um sacrário inviolável… Perdoem-me…não consigo descrever melhor a minha vocação. Convido-vos, com a mesma magia no olhar de quem encontrou um tesouro e pretende partilhá-lo, a que procurem e vivam o vosso próprio chamamento. Estou sentado, encaro um infindável oceano de esperança. Respiro, uma tentativa forçada de esvaziar o meu pensamento. Quero apenas deixar-me levar pela brisa suave. Há Alguém que me chama e me impele a gritar aos quatro ventos: “Tudo posso n’Aquele que me fortalece.” (cf. Filipenses 4,13). Sem medo. Com liberdade.


PASTORAL UNIVERSITÁRIA

INTERROGAÇÕES DE UM JOVEM EM TEMPO DE PANDEMIA. COMO PODE A IGREJA AJUDAR-ME? Guilherme Guedes, Direito da União Europeia

Será que este período, ao qual não vemos fim, poderá ser visto como a simplicidade da mudança das coisas, as alterações que naturalmente ocorreriam nas circunstâncias ditas normais? E saber viver com essa conclusão? Pois aqui está um bom exemplo daquilo que este período me está a fazer: fazer pensar demais. Relembrar pequenos momentos e impedir que crie novas memórias, recordar o quão bom era aproveitar os pequenos momentos da vida, que aparentemente nos foram impossibilitados. Parece até que não lhes dávamos o devido valor. Quantas vezes dizíamos para nós próprios “está na hora de parar e respirar um bocadinho”. E o que fazemos agora que temos esse tempo para respirar? Sabemos nós viver com paragens para pensar, para refletir, para apreciar, ou quereremos tudo tão depressa? Como jovem que sou, talvez não saiba responder a estas perguntas, mas precisamente fazê-las, porque, para além de tudo, este foi, e tem sido, um período de inquietação e reflexão, onde aproveitei para questionar e refletir, que pode muito bem ser mais importante do que responder efetivamente às perguntas. Este tempo, que de claro nada tem, pode muito bem ser uma oportunidade que nos está a ser dada para nos reinventarmos, aprendermos a ver os problemas de uma for-

ma diferente, talvez de uma forma verdadeiramente cristã, onde somos constantemente confrontados a vermos a nossa pessoa como membro de uma comunidade, de uma sociedade onde os meus atos vão ter consequências na esfera pessoal de outro ser humano. Ora, é no desenvolvimento desta ideia que surge o pensamento que, para mim, tem tanto de bonito como de perigoso: “Qual é o meu papel?”. Este pode ter algumas derivações, tais como: “Que devo eu fazer para tentar amenizar a situação?” ou ainda “Que posso eu fazer para ajudar?”. Durante o meu percurso académico e durante a minha experiência de vida, ainda curta, tive oportunidades imensas. Projetos, associações, movimentos. Uma voracidade de possibilidades onde o “sim” poderia derivar de diversas razões. No entanto, porque não aliar estes projetos à tentativa de resposta às questões referidas? É precisamente aqui que surge o grande desafio. Reconhecer que o

jovem, enquanto ser ativo, pode ter impacto na Igreja, ou então, reconhecer que a Igreja pode ter impacto na vida de um jovem. Em momentos de dúvida e incerteza, o nosso reflexo é optar pelo isolamento e afastar este tipo de coisas, desafiantes ao nosso pensamento, às nossas atitudes e à nossa rotina. Deixamos de acreditar que há algo superior que dá significado à nossa vida, e isso não pode acontecer. Compete aos jovens aproveitar estas oportunidades e criar espaço na Igreja para a sua coexistência, porque temos as ferramentas para mudar o estado das coisas e a Igreja tem as ferramentas para nos dar vontade, esperança e confiança no futuro. Aproveitemos todos os projetos, ainda possíveis, que a Pastoral Universitária de Braga nos oferece, fomentando a espiritualidade individual, a espiritualidade em comunidade e o voluntariado, de forma a que este tempo não custe tanto a passar. É o desafio que lanço. Aceitar e acreditar. 11


PASTORAL DE JOVENS

NÃO MAIS DEIXAREMOS DE AMAR! Departamento Arquidiocesano da Pastoral de Jovens

Um grito de amor é a base do refrão do hino das próximas Jornadas Mundiais da Juventude: “Todos vão ouvir a nossa voz, / Levantemos braços, há pressa no ar. / Jesus vive e não nos deixa sós: / Não mais deixaremos de amar”. Motivados por este amor maior que não se extingue, os jovens de todo o mundo cantam a alegria da fé e a Esperança que vai para além de todos os contratempos e de todas as atividades projetadas antes da pandemia. De maneira particular, em Braga a juventude continua a viver e a manifestar a sua fé, seja através de uma unidade e comunhão com os outros jovens cristãos – através das plataformas digitais –, seja através do serviço aos tantos que, atualmente, se vêm impedidos de ir às compras, de cuidar dos filhos menores, de

manter a comunicação através da tecnologia, etc. A prática da caridade tornou-se a ação comum dos jovens que, no meio dos seus afazeres e do turbilhão de desafios que se tornou o ano letivo/académico, encontram tempo para ir ao encontro das necessidades dos que estão sós. Hoje, olhar as próximas JMJ, é colocar um ponto de interrogação sobre o modo como tudo irá decorrer, sobre as possibilidades concretas de viver plenamente esses dias e sobre a viabilidade de ‘dar as mãos’ aos jovens do mundo inteiro que têm intenção de vir a Portugal em 2023. Contudo, a vida de fé não se faz apenas pela ânsia deste acontecimento especial, antes, este parece manter-se em segundo plano, uma vez que, num caminhar pastoral responsável, os jovens continuam a receber e a fomentar a formação na fé e o serviço ao próximo, como expressões vivas do encontro com Jesus Cristo. É precisamente aqui que a juventude alicerça a Esperança e a alegria de ser cristão! Hoje, mais do que nunca, o hino de umas Jornadas parece ecoar na ação diária dos jovens – uma ação de verdadeira caridade/amor aos que mais necessitam de ajuda no tempo em que vivemos. Com os jovens, hoje ousamos desafiar a todos para um mesmo empenho cristão e missionário: Não olhes para trás, não digas que não. Ouve o teu coração, E parte, sem medo, nesta missão.

Os artigos publicados no “Voz de Esperança” seguem, ou não, o novo acordo ortográfico consoante a escolha dos autores.

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