JUSCELINO KUBITSCHEK
Uma fotobiografia
FÁBIO CHATEAUBRIAND BORBA
PUBLICAÇÃO FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA
SÃO PAULO • BRASIL
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Imagens de um democrata
A missão da Fundação Padre Anchieta, de contribuir para a formação crítica do cidadão, é cumprida no instante em que leva conteúdo relevante ao público, incluindo a própria história de seu país. E contar a trajetória de Juscelino Kubitschek de maneira singular, por meio de uma fotobiografia com dezenas de imagens inéditas, também propicia uma viagem pela Democracia, pela Cultura e pela Educação.
A Democracia sempre foi o norte de Juscelino. Ele acreditava que a imprensa deveria ser livre, sem mordaças. E também era consciente da importância da Educação e da escola na vida do povo.
Em recente pesquisa sobre quem foi o melhor presidente do Brasil, JK foi lembrado por apenas 4% dos entrevistados. Ficou claro que a população, especialmente a nova geração, não sabia quem era o político.
Como mantenedora da TV Cultura, a principal emissora pública de televisão do país, a FPA quer retratar por meio de imagens não somente a trajetória de um dos principais políticos brasileiros, mas também um dos capítulos importantes da República brasileira, como a construção de Brasília, com a intenção de ocupar o interior do Brasil; o difícil período da implantação da ditadura militar em 1964, quando Juscelino teve seu mandato de senador cassado; a Copa de 58; o surgimento do Cinema Novo e da Bossa Nova; e o país que se urbanizava.
Seu governo também foi marcado por forte oposição política, especialmente no campo da Economia. JK não tinha muito apreço a orçamentos e disponibilidade de caixa para os gastos necessários para finalizar a primeira parte da construção da capital federal. Ele, simplesmente, mandava tocar a obra em frente, deixando uma grande dívida a ser paga pelos governos subsequentes e causando alta inflação, difícil de ser debelada.
Para compilar a maior pesquisa iconográfica já realizada sobre Juscelino, a TV Cultura percorreu lugares significativos da vida e carreira política do ex-presidente, como a cidade natal, Diamantina, e pesquisou mais de 12 mil documentos iconográficos em arquivos públicos e particulares nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Distrito Federal, além de Estados Unidos e França, que guardam importantes acervos de suas viagens internacionais como presidente eleito. Juscelino Kubitschek, uma fotobiografia reúne 350 fotos, muitas inéditas, com legendas explicativas, além de manuscritos inéditos e quadros em óleo sobre tela de grandes pintores que retrataram JK. Certamente, esta é uma obra que servirá como referência bibliográfica para pesquisadores, estudantes e sociedade em geral. E, assim, a Cultura segue cumprindo seu papel, contando e fazendo história.
JOSÉ ROBERTO MALUF
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DA FUNDAÇÃO PADRE ANCHIETA – RÁDIOS E TV CULTURA
PRESIDENTE
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o grande livro de jk
A fotografia serve de apoio à interpretação e revisão historiográfica há algumas décadas, mas nesta obra a imagem foi pensada como protagonista, de modo a contar, de forma consciente e de uma perspectiva inédita e intermidiática, a trajetória de Juscelino Kubitschek.
Tem-se a impressão de que tudo já foi dito sobre Juscelino, a começar por sua autobiografia, séries de TV, várias biografias, publicações jornalísticas, filmes, série televisiva, documentários, exposições e até musical. Mas jamais a história do personagem que construiu a sua imagem pública entre fotografias e fotogramas foi essencialmente contada por meio da representação visual.
Juscelino Kubitschek – brinco, mas não duvido – construiu a sua imagem com farto material iconográfico imaginando que um dia publicariam sua vida por meio de fotos. Por isso, o critério adotado neste livro foi conjugar imagens representativas, incontornáveis para a história, com retratos de sua intimidade, da vida em família e de suas origens.
Em suas memórias JK mensura a sua exposição midiática no palco da política nacional: “Enquanto os inconformados se digladiavam no Brasil, numa desprimorosa manifestação de provincianismo político, eu estava no exterior em contato com os chefes de Estado e com os líderes das grandes nações realizando entendimentos sobre os recursos que pudessem ser facilitados para a execução do meu programa de metas. Haveria, além disso, outra vantagem ao realizar aquela excursão: os brasileiros só tomariam conhecimento do que ocorria comigo através da imprensa. Seria uma maneira de estar presente na memória do povo, não em ligação pessoal e direta, mas de uma maneira simbólica, por intermédio de uma imagem.”
O ex-presidente aqui representado é considerado por muitos estudiosos um personagem transformador, um líder, um herói que propôs e levou à frente uma epopeia e que, apesar dos seus feitos e da sua popularidade, ou por isso mesmo, teve cassado o seu mandato de senador, se exilou e foi perseguido pelo regime militar.
E, num país que descuida de sua memória, Juscelino Kubitschek, uma Fotobiografia vai cumprir o importante papel de mostrar a história de um dos principais políticos brasileiros, que se confunde com o período da nossa formação como Nação no século XX, e poderá também aproximar jovens leitores da vida política do país – é um dos atributos da fotografia tornar o mundo mais próximo e familiar.
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“Se uma imagem vale mais que mil palavras, então diga isso com uma imagem.”
Millôr Fernandes
Lembrar JK nesta fotobiografia representa menos um culto a uma fascinante personalidade que sintetiza as virtudes e os defeitos do brasileiro do que um contato com uma vida plenamente realizada em ações. O objetivo é registrar todos os capítulos da vida de JK. Não só pela epopeia de Brasília, mas também por sua escalada de vida, de menino pobre de Diamantina a pai do Brasil moderno.
Falar de Juscelino por meio de imagens era uma visão já madura na minha cabeça quando convidei o jornalista e escritor José Antônio Severo para o projeto. Intelectual de notável trajetória e meu compadre de ideias, Severo não pensou duas vezes e topou o desafio de me acompanhar nesse caminho juscelinista, mas ele foi embora antes dos primeiros esboços.
Foi então que a Fundação Padre Anchieta assumiu a responsabilidade de, nestas páginas em preto e branco – e por vezes em cores – contar a vida de Juscelino Kubitschek e, consequentemente, os capítulos da República brasileira no século XX.
Esta fotobiografia é símbolo de um robusto empório de informações oriundas de muito trabalho e de pesquisa de campo. Diamantina, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, Goiânia e o exterior serviram como gabinete de pesquisa rigorosa e meticulosa nos últimos meses.
As 340 fotografias que compõem este livro aparecem divididas em períodos consagrados da trajetória de Juscelino: Infância em Diamantina, Doutor Juscelino, Prefeito Furacão de Belo Horizonte, Governador de Minas Gerais, Presidente da República, Família Kubitschek, Brasília, Senador da República, Cassação e Perseguição, Exílio e Morte na Rodovia Presidente Dutra. Essa foi a maneira encontrada para se organizar os temas, articulando-os sem o compromisso do encadeamento linear.
É desse acervo de imagens que o leitor encontrará um caleidoscópio de fotografias criadas por lentes brasileiras e estrangeiras atraídas pelo fenômeno político JK.
De Juscelino Kubitschek pode-se, em muitas coisas, discordar, sem se deixar, porém, de reconhecer a magnitude do espaço que ocupou entre nós.
FÁBIO CHATEAUBRIAND BORBA
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A vida civil de JK: de cima para baixo, o documento de identidade, a Carteira Nacional de Habilitação e o título de eleitor, cancelado durante a ditadura militar
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JK, o empreendedor de obras e sonhos
Diamantinense de 12 de setembro de 1902, órfão de pai aos 3 anos, infância pobre. Estudioso e determinado, trabalha como telegrafista a noite inteira para, sempre exausto, cursar Medicina em Belo Horizonte. Formado, vai para Paris especializar-se em Urologia. Casa-se, em dezembro de 31, com Sarah Lemos, de tradicional e abastada família mineira. A vida pública começa em 1933, como secretário de Governo de Benedito Valadares. Deputado federal em 34, perde o mandato em 37, com a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas. Nomeado prefeito de Belo Horizonte em 40, faz tanto movimento e obras que é chamado de “Prefeito-Furacão”. Elege-se deputado federal constituinte em 46 e governador de Minas em 50. Conduz o estado para o desenvolvimento e a modernidade.
Assume a Presidência da República em 31 de janeiro de 1956. Seu primeiro ato é acabar com o estado de sítio. “Governar sob estado de sítio, não o farei.” A partir do legado de Vargas, seu governo acelera a história do país. Cria e executa o ambicioso Programa de Metas, com foco em energia e transportes, indústrias de base, alimentação, educação, comunicações e construção de nova capital. Valoriza o diálogo e as articulações políticas. Prioriza, equaciona, negocia, leva o desenvolvimento ao Brasil de dentro, visando à ocupação e à integração nacional. Constrói Brasília em 42 meses. Atrai investimentos diretos internacionais, implanta poderosa indústria automotiva, lança a naval, atiça a siderúrgica, a de cimento e muitas outras. Concretiza grandes hidrelétricas, rasga mais de 13 mil quilômetros de rodovias. Inclusive a Belém-Brasília dos sonhos e da morte do herói Bernardo Sayão, primeira estrada que varou a temida selva amazônica. Apesar da Guerra Fria e da frágil estabilidade política interna, democracia, crescimento rápido, sólidas mudanças estruturais, integração, clima de otimismo e confiança. Parecia que o Brasil finalmente dava certo. Liberdade, inserção na modernidade, autoestima em alta, afirmação da capacidade do setor público, do empresário do trabalhador, do engenho e arte dos brasileiros.
Janeiro de 61. Sai JK, assume seu adversário Jânio Quadros. Recebe um país democrático, em patamar de desenvolvimento muito superior ao de 1955, com a economia apreciavelmente diversificada e 50% maior, o emprego em nível jamais alcançado, as instituições em funcionamento. Opositores falavam em corrupção. “Comparado com o que tivemos depois, foram respingos”, afirmou a professora Maria Victoria Benevides, da USP, referência superior em governo JK. Na economia, batiam principalmente na inflação, que avançou de 12%, em 1955, para 31%, em 1960. Hélio Jaguaribe, cientista político, escritor, homem público: “Ele topou uma discreta ampliação complementar da capacidade de financiamento do governo que gerou, em todo o quinquênio, uma infla-
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ção média muito tolerável, de 20%”. De JK, em dezembro de 1960: “Outros governos poderão empreender a revalorização da moeda, com os aplausos e o apoio de toda a nação. Mas não poderiam fazê-lo, de forma alguma, se encontrassem o país atado a uma situação colonial, sem estradas, sem energia, sem obras de base”.
Além do mar de realizações, deixou exemplos e lições fundamentais, como a essencialidade da liberdade, de visão do futuro, de dar esperança e proporcionar melhores condições de vida ao povo. De clareza de rumos, prioridades, objetivos, projetos e metas. Do planejamento como método de governo. Governar democraticamente, com a melhor equipe possível. Amar e acreditar no Brasil, agir enérgica e eficazmente pelos seus interesses. Respeitar o povo, não pensar pequeno, lutar por grandes sonhos e causas. Não dar missão sem dar os meios.
O novo governo termina com a shakespeariana renúncia de Jânio em 25 de agosto de 1961. Depois vem parlamentarismo híbrido, crescente instabilidade política, volta ao presidencialismo em plebiscito de janeiro de 63, queda do governo Goulart em março de 64, seguida de 21 anos de governos autoritários.
Corte para junho de 64. O poder militar suspende os direitos políticos de Juscelino e cassa seu mandato de senador por Goiás, conquistado em junho de 61. Por quê? Porque poderosas lideranças militares e políticas viam sua volta ao Palácio do Planalto como revogação do regime de 64. E ele, já candidato oficial a presidente pelo PSD às eleições de 65, era considerado imbatível. Tinha até slogan: “JK-65: cinco anos de agricultura para 50 de fartura”.
Amarga três anos de exílio, retorna definitivamente em 67. É preso na sexta-feira 13 de dezembro de 68, durante o parto do AI-5. Tenta a vida empresarial, escreve memórias. Compra tosca fazenda no cerrado bruto de Luziânia, perto de Brasília, onde vive os dois últimos anos.
Eugenio Gudin, engenheiro, economista ortodoxo, homem público: “Juscelino, coitado, Deus o tenha em boa guarda, mas era uma calamidade”. Carlos Lacerda, jornalista, escritor, líder da UDN e demolidor político, sobre a construção de Brasília: “Aquele Juscelino não é de nada! Isso aí vai é desmoralizá-lo”. João Guimarães Rosa, escritor, diplomata: “JK é o poeta da obra pública”. Afonso Arinos de Melo Franco, jurista, escritor, político: “JK é o poeta da ação”. Nelson Rodrigues, dramaturgo, romancista, cronista, jornalista: “A partir de Juscelino, surge um novo brasileiro. Aí é que está o importante, o monumental, o eterno na obra do presidente. Ele potencializou o homem do Brasil”. Augusto Frederico Schmidt, poeta, empresário: “O presidente da aventura, o primeiro presidente e descobridor do Grande Brasil”. Professora Maria Victoria Bene-
Croquis do arquiteto Oscar Niemeyer, parceiro de toda a vida de Juscelino Kubitschek: no alto, à esquerda, Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha, em Belo Horizonte, à direita, o Congresso Nacional, em Brasília, e, na página anterior, o Palácio do Planalto
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vides: “Não existe nenhum outro governante brasileiro que tenha deixado a marca que ele deixou. Mesmo Getúlio, que eu considero o grande estadista da República, tem a mancha da ditadura do Estado Novo”. Novamente Hélio Jaguaribe: “Recebeu uma sociedade agrária e devolveu uma sociedade industrial. Uma coisa extraordinária! As duas mudanças mais notáveis da História do Brasil foram a chegada da família real ao Rio de Janeiro, com D. João VI, quando passamos de colônia a sede do Império, e com JK, quando passamos de sociedade agrária a sociedade industrial”. Walther Moreira Salles, empresário, homem público: “Se fosse paulista, queria uma estátua de Juscelino em todas as cidades. Afinal, ele foi o criador da São Paulo moderna”.
Dizem em Minas que JK foi o melhor presidente que o Brasil teve e Tancredo Neves o melhor presidente que o Brasil não teve.
Final da tarde cinzenta de 22 de agosto de 1976, quilômetro 165 da Via Dutra, município de Resende. Desgovernado, o carro em que Juscelino viaja de São Paulo para o Rio invade a pista oposta e é colhido por enorme carreta com 30 toneladas de gesso. Vira um amontoado de ferros retorcidos, vidros espatifados, assentos destruídos, sangue por todo lado. JK e seu fiel amigo e motorista Geraldo Ribeiro morrem instantaneamente. A tragédia abala e comove o país, repercute mundo afora, desperta suspeitas de atentado, ainda sem provas. Oficialmente, foi acidente de estrada. Mas a morte de JK ainda busca um final.
Gilberto Freyre, sociólogo, escritor: “Ele foi para a atividade pública o que Mauá representou para as atividades empresariais”. Walther Moreira Salles: “Com imensa dor, tive a confirmação logo em seguida: perdera um irmão, um amigo. E o Brasil perdia um estadista”. Afonso Arinos: “Ele não acabou. Explodiu como uma estrela, e a luz das estrelas mortas fica brilhando no céu muito tempo depois que elas se estinguem. Deu no The New York Times: “O homem de visão do Brasil. Uma das personagens políticas mais ricas dos últimos tempos, um homem que fez coisas impressionantes”.
Sua historinha predileta é feita de sonho, beleza e grandeza. Dois dedicados operários trabalham lado a lado. O mais velho sempre produz mais. Ninguém sabe por quê. Certo dia, um menininho perguntou o que estavam fazendo. O mais jovem: “Assentando tijolos”. O outro: “Construindo uma catedral”.
Palmas prolongadas para a TV Cultura pela pesquisa, resgate, organização e propagação de parte significativa do rico e vasto tesouro iconográfico de JK e de sua história.
RONALDO COSTA COUTO ECONOMISTA, ESCRITOR, BIÓGRAFO DE JUSCELINO KUBITSCHEK
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O sorriso no poder
O mineiro de Diamantina Juscelino Kubitschek de Oliveira, 21º presidente do Brasil, abriu várias portas para entrar na História. Inventou e inaugurou Brasília, criou com seu “Plano de Metas” uma nova forma de gerir políticas públicas, mudou a face do país com a implantação da indústria automobilística, foi cassado e combateu a ditadura militar de 1964. Fez tudo isso sempre, sempre com um sorriso no rosto. E JK viveu tempos em que não era fácil sorrir: sua eleição foi contestada, tentaram impedir que tomasse posse e, por fim, que governasse.
Para ficar em uma analogia que caberia aos seus maiores inimigos militares, o pessoal da Força Aérea Brasileira, tudo que JK não encontrou em sua gestão foi um céu de brigadeiro. Contestado desde a campanha eleitoral por ser o candidato associado ao presidente Getúlio Vargas, tornado inimigo da pátria em seus últimos anos de governo e que encerrou a tentativa de putsch militar com um tiro no coração (JK, à frente de Minas Gerais, foi o único governador presente ao velório além de Amaral Peixoto, o genro de Vargas que comandava o Rio de Janeiro), quase teve sua posse impedida por uma manobra político-militar, abortada pelo general Teixeira Lott – a insatisfação da caserna durou todo o período de sua presidência. Quando se olha para o legado de Juscelino, porém, não são os embates que aparecem. É seu otimismo, seu compromisso com a democracia, seu dinamismo. Durante seu governo, enquanto candangos chegavam de todas as partes do Brasil para levantar as paredes dos edifícios da futura Brasília, o resto do país não ficou em compasso de espera. JK chacoalhou o que um de seus admiradores, o dramaturgo Nelson Rodrigues, chamava de “complexo de vira-lata”. Em seu período como presidente, o Brasil foi, enfim, campeão mundial de futebol, em 1958, com a dupla Pelé e Garrincha, viu os primeiros movimentos da revolução estética do Cinema Novo, ouviu com gosto a música de jovens da Zona do Sul do Rio de Janeiro misturar o samba com o jazz e se tornar referência mundial,com a Bossa Nova, assistiu ao movimento concreto e neoconcreto nas artes plásticas e na literatura – era como se tudo de importante acontecesse aqui, sob a batuta de JK, embaixo das curvas traçadas por Oscar Niemeyer. Um dos apelidos mais queridos de Juscelino foi o de “presidente bossa nova”. A bossa era nova, nossa e muito, muito boa.
Se o Brasil teve um antes e depois em sua História, a data mais provável da passagem é o dia 21 de abril de 1960, a inauguração de Brasília, que foi de sonho a cidade em pouco mais de três anos. A nova capital trouxe novas utopias e a crença de que o futuro seria majestoso para o país – não fosse interrompido pelo golpe militar de 1964.
Diz a lenda que João César, o pai que Juscelino perdeu antes de completar 2 anos de idade, vaticinou quando viu o filho recém-nascido, em 12 de setembro de 1902: “Este vai ser presidente do Brasil”. Deve ter sido motivo de riso na vizinhança. Não havia nem estrada para se chegar a Diamantina – o trajeto era feito a cavalo depois de Curvelo (Curralinho, no começo do século XX). Havia, sim, uma tradição política do lado materno da família, mas a condição de viúva da professora Júlia, com dois filhos pequenos, deixava os arroubos para a parte mais rica da família Kubitschek.
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Juscelino vivia na escola onde a mãe lecionava. Gostava de jabuticaba, de angu e de frango ao molho pardo. Era uma criança querida que sonhava grande. Queria ser doutor. Frequentou seminário para poder estudar e tentou a sorte em uma cidade planejada, recém-inaugurada e que atraía talentos de todo o estado – Belo Horizonte. Lá, vivendo em pensões, trabalhando à noite como telegrafista e se dedicando ao puxado curso de Medicina, conviveu com gente que também deixaria sua marca no Brasil. Para ficar em um exemplo da vida de estudante, seu colega de sala de aula era o memorialista Pedro Nava.
O jovem recém-formado logo se viu diante de um grande desafio. Acabara de estourar a Revolução Constitucionalista de 1932 e lá foi Juscelino para o hospital militar na divisa com São Paulo, alinhado às tropas do governo federal, na condição de tenente-coronel-médico. Trabalhou ao lado do futuro general e presidente Gaspar Dutra na cidade de Passa Quatro. Ali conheceu o chefe de polícia local, Benedito Valadares. Guerra terminada, paulistas derrotados, Valadares foi nomeado interventor em Minas Gerais por Getúlio Vargas. Raposa política mineira, procurou alguém que não lhe fizesse sombra para ser o prefeito da capital – e escolheu JK. Foi o início de sua trajetória.
A carreira política foi meteórica. Deputado federal, prefeito de Belo Horizonte em 1940, deputado constituinte em 1946, governador de Minas Gerais a partir de 1951, presidente da República em 1956. Quando entregou o governo em Brasília a Jânio Quadros, era o concorrente mais forte ao cargo no pleito planejado para 1965. Elegeu-se senador por Goiás e teve seu mandato cassado pela ditadura em 8 de agosto de 1964. Pouco antes, fez seu maior pronunciamento no Congresso, justo ele, homem de ação, pouco afeito aos discursos. “Meu sacrifício, exigido pelo ódio e pela incompreensão, servirá para ajudar, numa nova luta em favor da paz e da dignidade do povo brasileiro. Muito mais do que a mim, cassam os direitos políticos do Brasil. Sei que nesta terra brasileira as tiranias não duram.”
Cassado e exilado, viveu na França, em Portugal e nos Estados Unidos. Mas gostava mesmo de sua terra. Sofreu no exterior. Sofreu de saudades, pensou em suicídio, enfrentou crises depressivas. Só recuperou os direitos políticos dez anos depois, e de modo parcial: poderia votar, não ser votado. A ditadura lhe devotava tanto ódio que até sua candidatura a imortal da Academia Brasileira de Letras foi sabotada, a única eleição que perdeu na vida.
Retirou-se para a pequena fazenda comprada em Luziânia, em Goiás, perto o bastante de Brasília para encetar passeios furtivos pela capital que construiu. Não tinha nenhum pendor para as coisas da roça – e sabia bem disso. Na virada de 1975 para 1976, escreveu em seu diário: “O céu carregado de estrelas atraiu os meus olhos. O que procurava eu nos mundos infinitos que piscavam para mim? O que trará 76? Até a morte pode trazer”.
No domingo, 22 de agosto, seguiu de carro de São Paulo para o Rio de Janeiro com o motorista Geraldo Ribeiro, quando seu Opala, desgovernado, invadiu a pista oposta e bateu de frente com um caminhão. Seu velório passou por Rio e Brasília. O corpo foi velado na catedral da capital, onde cem mil pessoas acorreram, e seguiu depois em carro de bombeiros até o cemitério Campo da Esperança. A multidão tomou o caixão perto do cemitério e o levou nos ombros. JK estava outra vez, e eternamente, nos braços do povo.
WAGNER G. BARREIRA EDITOR
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RetRato de Juscelino KubitscheK, candido PoRtinaRi, 1960
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