ESPECIAL
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ESTADO DE MINAS DOMINGO, 10 DE SETEMBRO DE 2017
PAIXÕES TORCER,VERBO COLETIVO ANA CLARA BRANT, LAURA VALENTE E RENAN DAMASCENO QUANDO O AMERICANO FERNANDO BRANT E O CRUZEIRENSE MILTON NASCIMENTO ESCREVERAM QUE “O BRASIL ESTÁ VAZIO NA TARDE DE DOMINGO, OLHA O SAMBÃO, AQUI É O PAÍS DO FUTEBOL”, EM 1970, ELES PODERIAM, MUITO BEM, ESTAR IMAGINANDO UM TÍPICO DOMINGO BELO-HORIZONTINO. SEJA NOS SEUS PRIMEIROS ANOS, NOS ESTÁDIOS DO BARRO PRETO, LOURDES OU ALAMEDA; NO INDEPENDÊNCIA E, SOBRETUDO, NOS ÚLTIMOS 52 ANOS, NO MINEIRÃO, O FUTEBOL SEMPRE DITOU A ROTINA DAS FAMÍLIAS DA CAPITAL MINEIRA.PARA CELEBRAR OS 120 ANOS DE BH, O ESTADO DE MINAS REUNIU TRÊS TORCEDORAS QUE TRANSFORMARAM AS CAMISAS DE AMÉRICA, ATLÉTICO E CRUZEIRO EM SEGUNDA PELE. ZULEINE EPIPHANIO GARCIA LEÃO, A DONA ZUZU, DE 82 ANOS, CRUZA O PAÍS DE ÔNIBUS E AVIÃO ONDE O COELHO ESTIVER. ANA CÂNDIDA DE OLIVEIRA MARQUES, DE 97, A VOVÓ DO GALO, SE TORNOU UM XODÓ E AMULETO DA TORCIDA ALVINEGRA. SALOMÉ SILVA, DE 83, GABA-SE DE TER FALTADO A POUCO MAIS DE 20 JOGOS DO CRUZEIRO EM TODA A HISTÓRIA DO MINEIRÃO.FUTEBOL É PAIXÃO E, NAS ARQUIBANCADAS MINEIRAS, ELAS CONJUGAM O VERBO TORCER COM DEVOÇÃO. ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A PRESS
“TUATORCIDA FEMININA É DEMAIS”
“UMAVEZ ATÉ MORRER”
“MORA DENTRO DO MEU CORAÇÃO”
Pode ser na Série A, B, C ou J, nas palavras da própria Zuzu. Segunda ou terça à noite, domingo de manhã ou à tarde, onde estiverem 11 americanos correndo atrás da bola Zuzu estará na arquibancada com uma de suas mais de 60 perucas verdes. Ela sabe todos os cantos da torcida. Durante os 90 minutos, gesticula contra os bandeirinhas, apoia o goleiro João Ricardo e corneta os ataques perdidos. “Acho que se o América morrer, eu morro junto”, conta Zuzu, nascida em Pitangui, no Centro-Oeste de Minas. “A minha paixão é o América. Tem horas que eu penso mais nele do que em meus filhos (risos)”, brinca. A paixão de Zuzu começou a tomar forma há 62 anos, quando conheceu Ayrton Garcia Leão, seu futuro marido, que chegou a ser médico do América por alguns meses. Eles se casaram em 1962. Nos anos seguintes, Zuzu se dedicou à família. Há 22 anos, em 1995, Ayrton faleceu e Zuzu descobriu no América o remédio para a ausência de seu grande amor. “Tinha que me apegar a alguma coisa, porque senti muito a morte dele. Então, o amor da minha vida começou a ser o América.” Passou a seguir o América pelo país, viajando até 13 horas de ônibus. No corpo, tatuagens do América mostram a paixão à flor da pele.
A cada nova partida do Atlético, Ana Cândida de Oliveira Marques escolhe uma entre as muitas camisas autografadas que coleciona. Antes de se vestir para o programa de gala, repete a concentração dos jogadores, “com alimentação reforçada e um tempo de cochilo a mais”. Nestes anos todos, comemorou títulos e sofreu, como é praxe na rotina do torcedor apaixonado. Nascida e criada em Rio Espera, na Zona da Mata, Ana Cândida de Oliveira Marques veio para BH em 1949, acompanhando o marido, João Marques de Oliveira, atleta amador e torcedor fanático. Já chegou como torcedora do Atlético. “Sempre tive carinho pelo clube, e hoje ainda mais, pois o Galo trouxe essa energia pra mim, as pessoas me abraçam, beijam a minha mão. E olha que nem sou padre, para você ver”, brinca. Não por acaso, ficou famosa entre a torcida depois de um rapaz publicar vídeo dela na internet, durante a campanha da Libertadores. “Tenho amigos até na Alemanha”, gaba-se a Vovó, que tem 47 mil seguidores no Facebook e 31,6 mil no Instagram. Grata pela graça divina da longevidade, a Vovó afirma: “Meu cardiologista aprova, pois o Galo é uma terapia! Provoca o sorriso, que faz bem para a própria pessoa e para os outros.”
Não há um metro quadrado da casa de Salomé Silva, no Bairro Inconfidentes, em Contagem, que não lembre sua maior paixão, o Cruzeiro. Bandeirões enfeitam o lado de fora, um pedaço de grama sintética serve de tapete na sala, uma raposa empalhada decora a sala e fotos com ex-jogadores e dirigentes estão afixadas no armário da cozinha. Na área de lavar vivem seus papagaios, Adilson Batista e Marcelo Moreno. Salomé nasceu na zona rural de Bom Despacho e mudou-se para BH em 1958, para trabalhar como doméstica. A paixão pelo Cruzeiro veio com o marido, que jogava em um time amador em Bom Despacho, cujas cores eram azul e branco. Ao longo das décadas, o laço com o Cruzeiro foi ficando mais forte. “Em dia de jogo eu nem consigo comer direito, perco a fome, perco o sono. Sofro por causa do time, mas ele só me dá alegria.” Hoje, gabando-se de ter faltado a apenas 22 jogos no Mineirão, um no Independência e um em Sete Lagoas. Desde a década de 1990, Salomé é funcionária do Cruzeiro, trabalhando como faxineira. Em dia de jogos, sai do trabalho direto para o Mineirão e encara dois ônibus de volta para casa. “Sou apaixonada pelo Cruzeiro e é o time que me mantém firme.”