BH120 - Ambientes

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ESPECIAL ESTADO DE MINAS DOMINGO, 27 DE AGOSTO DE 2017

AMBIENTES

GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS

Trecho do Ribeirão Arrudas no limite entre Belo Horizonte e Sabará: manancial foi o único dos 700 quilômetros de cursos d’água existentes na cidade incluídos no planejamento da nova capital, no fim do século 19

A CAPITAL, DA NASCENTE À FOZ RONEY GARCIA E SIMON NASCIMENTO* PercorrerahistóriadeBeloHorizonteemseus120 anos é como seguir o curso de suas águas: da jovem capital brotando tímida, em 1897, em meio às rochas e ao verde aos pés da Serra do Curral, à grande metrópole,correndocélereepoluídaporentretorresdeconcreto no século 21, rumo a um futuro que se deseja próspero, mas que na verdade é incerto. De fato, a vida da capital mineira nasce misturada a suas minas e bicas, seus riachos, córregos e ribeirões. E segue unida a eles nos dias atuais, para o bem e para o mal. Afinal, a riqueza hídrica foi um dos fatores que levaram à escolha do antigo arraial do Curral del-Rey como nova sede do poder político e econômico do estado. E hoje, o que era abundância transborda, em forma de problema,emcheiasealagamentosnacidadeimpermeabilizada por décadas de urbanização. Como um rio, a convivência da cidade com suas águas teve – e tem – trechos turbulentos e sumidouros por onde o que era um tesouro hídrico escoou ao longo de décadas e se transformou no que hoje se identifica como um tormento e um desafio para as próximas décadas. Nascida com quase 700 quilômetros de cursos vertendo águas cristalinas

por entre seus vales, desde a fundação Belo Horizonte, contraditoriamente, ignorou essa riqueza e hoje precisa repensar o curso de sua história. Prova dessa contradição é que na planta da nova capital que surgia, apenas o Ribeirão Arrudas foi considerado. Sobre os demais, os planejadores da comissão construtora lançaram um emaranhado de ruas e avenidas rasgadas a régua e esquadro, em retas e curvas de 90 graus que ignoravam os caminhos sinuosos das águas. Como resultado, seguiram-se anos de sepultamento e canalização de córregos sob o asfalto, fenômeno que começou dentro da área planejada da Avenida do Contorno e se estendeu cidade afora, à medida que BH crescia. Doze décadas depois, essa política se traduz em números reveladores: segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), BH tem em sua malha urbana 208 quilômetros de cursos d’água canalizados ou revestidos, 79% deles em canal fechado. Outros 113 quilômetros não são canalizados, mas quem passa às margens de qualquer desses córregos e percebe a cor e o cheiro de suas águas sabe que isso não é boa notícia. Restam 350 quilômetros em leito natural, não cadastrados, em áreas de preservação do município, a grande maioria em pontos

LINHA DO TEMPO

Os córregos Leitão, Acaba Mundo e Serra, antes integrados à paisagem do antigo arraial, são ignorados conceitualmente no momento do projeto urbano da nova capital. Alguns respiros são preservados e integrados, como a cachoeira natural do Parque Municipal.

da Serra do Curral ou em remanescentes de áreas verdes na Região Norte. Nem essas águas, porém, estão livres da poluição, via contaminação por afluentes ou desaguando em leitos já imundos. E se na briga da correnteza natural com a urbanização quem leva a melhor é o asfalto, resta às nossas águas dois destinos. Ou teimam em brotar suavemente, em uma das cerca de 600 minas urbanas catalogadas na cidade, ou ressurgem com violência dos 165 quilômetros de galerias em que foram confinadas, em inundações em que carregam o que encontram pela frente a cada temporal. A tendência de canalizar riachos, córregos e ribeirões, diz a Sudecap, foi superada. Segundo o gerente de Gestão de Águas Urbanas, Ricardo de Miranda Aroeira, o Plano Diretor de Drenagens e o Drenurbs, consolidados no fim dos anos 1990, têm como diretriz a mínima intervenção nos cursos d’água em leito aberto. “Encaixotá-los não reduz o risco e só agrava as inundações”, constata Aroeira. Porém, a cobertura do leito do Arrudas iniciada em 2005 e extendida para a Copa de 2014 – para dar lugar a um bulevar que na verdade é território quase exclusivo de carros – mostra que essa não é uma política intocável. E não há grande esperança de que a cidade tenha

de volta alguns dos tesouros que decidiu esconder sob ruas e avenidas ao longo de sua história. Com quase 90 pontos de inundação em sua malha urbana e cerca de 45 mil pessoas ainda vivendo em áreas de risco, BH não tem perspectiva de investir em reabertura e tratamento ambiental de cursos d’água hoje confinados. “Entendemos que BH está muito à frente de outras capitais, mas reconhecemos que ainda temos carências, temos população em vilas e favelas que precisam ser urbanizadas e precisamos melhorar o saneamento nessas áreas, além dos locais de inundações, que precisam ser tratados. Então, o investimento em descanalização de cursos d’água é algo que não podemos priorizar”, constata Aroeira. Assim, a cidade que nasceu entre fontes, riachos, córregos e ribeirões chega aos 120 anos com sede. A água que bebe depende em quase 100% de mananciais de municípios vizinhos. E mesmo esses já dão sinais de exaustão, como mostrou crise hídrica que castigou a Grande BH em 2014, com reflexos até hoje no sistema de abastecimento. Um aviso de que é preciso pensar no futuro e nos belohorizontinos dos próximos séculos. *Estagiário sob supervisão do subeditor Roney Garcia

Os primeiros anos da capital são marcados por poucas modificações nos cursos d’água, sendo que a maioria continua a correr em leito natural.

São realizadas as primeiras obras de cunho sanitário e construídos emissários paralelos aos cursos dos córregos para receber o esgoto que até então era jogado in natura nos córregos. Tais emissários despejam o esgoto ao término dos trechos canalizados.


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