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Avctoris Parecer técnico sobre a viabilidade de proteção por direitos autorais mediante registro não-­‐público


1 – Relatório Trata-­‐se de pesquisa a fim de buscar esclarecer eventuais dúvidas em torno da viabilidade e consistência jurídica do sistema denominado Avctoris para registro de direito autoral sem vínculo com o condão público/registro oficial. Tem-­‐se tanto a abordagem jurídica quanto a operacional em torno de certificações de data/hora sob padrões internacionais. O questionamento se dá em torno do respaldo que o ordenamento jurídico brasileiro contempla dentro das características do sistema mencionado. 2 – Parecer Breve histórico da proteção internacional por direito autoral No final do século XIX, especificamente em 1886, países envidaram esforços para estabelecer padrões mínimos de direitos autorais sobre obras literárias e científicas em uma tentativa de uniformizar a nível global. Os acordos inicialmente havidos em 09/09/1886 ficaram conhecidos como Convenção de Berna. Sofreram diversas modificações1 e a última atualização foi em 1971 em Paris. Como resultado da Associação Literária e Artística Internacional de 1878, assim como a Convenção de Paris (CUP) para marcas, a Convenção União de Berna (CUB) focou os direitos de autor e o que lhe são conexos. 1

Houve alterações em Paris a 4 de maio de 1896, posteriormente em Berlim a 13 de novembro de 1908, completada em Berna a 20 de Março de 1914, revista em Roma a 2 de Junho de 1928, em Bruxelas a 26 de Junho de 1948, em Estocolmo a 14 de Julho de 1967 e em Paris a 24 de Julho de 1971. 2


Desnecessidade de registro de direito autoral pela CUB e pela LDA Ante a leitura de diplomas norteadores do assunto, é notável o fato de não ser exigido o registro da obra para se auferir a tutela do direito autoral, de acordo com a CUB. O mesmo posicionamento foi seguido pelo legislador brasileiro ao expor na LDA que a proteção independe de registro (art. 182) e que é facultado ao autor registrar sua obra em órgão público competente (art. 193, com leitura necessária do § 1º do art. 17 da Lei nº 5.988/734, único artigo daquela revogada Lei de Direitos Autorais). Desse modo, o legislador brasileiro seguiu o padrão internacional desde a lei de 1973, até a atual (de 1998). Por não ser necessário o registro, tampouco

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Art. 18. A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro. Art. 19. É facultado ao autor registrar a sua obra no órgão público definido no caput e no § 1º do art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973. 4 CAPÍTULO III – Do registro das obras intelectuais Art. 17. Para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá-­‐Ia, conforme sua natureza, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. § 1º Se a obra for de natureza que comporte registro em mais de um desses órgãos, deverá ser registrada naquele com que tiver maior afinidade. § 2º O Poder Executivo, mediante Decreto, poderá, a qualquer tempo, reorganizar os serviços de registro, conferindo a outros Órgãos as atribuições a que se refere este artigo. 3 3


haver obrigação de sê-­‐lo feito perante órgão oficial, qualquer meio que comprove lisura e padrões de credibilidade técnica pode realizar registro. Não sendo aos autores obrigatório o registro, vê-­‐se que ele á ad probandum tantum, ou seja, auxilia a comprovação da paternidade anterior sobre determinada obra. Em consonância com esclarecedora comparação de Denis Borges Barbosa5, “...ao contrário do que ocorre, por exemplo, no tocante às patentes -­‐ o direito exclusivo nasce da criação, e não de qualquer declaração estatal, e é garantido sem exigência de qualquer outra formalidade -­‐ como a marcação com o “c”, imposto anteriormente pela legislação americana.” Importante salientar que a proteção constante naquele acordo internacional não abrange apenas os direitos patrimoniais, como também os morais ao assegurar a paternidade e a integridade sobre a obra (art. 6 bis, CUB6). São esses direitos que perdurarão ad aeternum garantindo ao autor o direito de sequestro ainda quando não houver direta repercussão financeira, cessando apenas com o término da proteção ao direito autoral7. 5

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BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à Propriedade Intelectual. 2 edição. Ed. Jumen Juris. Disponível em www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/livros/umaintro2.pdf, acessado em 24 de março de 2014. 6 Artigo 6bis, CUB 1) Independentemente dos direitos patrimoniais do autor, e mesmo depois da cessão dos citados direitos, o autor conserva o direito de reivindicar a paternidade da obra e de se opor a toda deformação, mutilação ou outra modificação dessa obra, ou a qualquer dano à mesma obra, prejudiciais à sua honra ou à sua reputação. (...) 7 Artigo 6bis, CUB (...) 2) Os direitos reconhecidos ao autor por força do parágrafo 1 antecedente mantêm-­‐se, depois de sua morte, pelo menos até à extinção dos direitos patrimoniais e são exercidos pelas pessoas físicas ou 4


De acordo com o professor Denis Borges Barbosa8, não apenas os tradicionais objetos de proteção como livros e obras de artes plásticas são tutelados pela CUB. Quaisquer criações redutíveis à noção de artísticas ou literárias, estão contempladas, inclusive se utilizarem tecnologias futuras. Importante atentar para a observância à soberania nacional dos países signatários à Berna, pois aquela Convenção respeita legislações nacionais ao decidirem se conferem proteção a algumas obras. Para o tema em questão, as obras que não ainda não houverem sido fixadas em algum suporte material9. Fixação em suporte físico Por meio de seu Artigo 1, parágrafo 2, a Convenção de Berna explicita que a proteção por direito autoral ocorre após a fixação da obra em um suporte material, o que pode ser compreendido de forma exemplificativa. O aludido material pode ser físico ou intangível, como um registro que, por mais que

jurídicas a que a citada legislação reconhece qualidade para isso. Entretanto, os países cuja legislação, em vigor no momento da ratificação do presente Ato ou da adesão a ele, não contenha disposições assegurando a proteção, depois da morte do autor, de todos os direitos reconhecidos por força do parágrafo 1 acima, reservam-­‐se a faculdade de estipular que alguns desses direitos não serão mantidos depois da morte do autor. (...) 8 “Assim, não só os livros e esculturas, objeto tradicional de proteção, mas o multimídia, produções a laser ou qualquer outra criação com auxílio em tecnologias futuras, cabe no âmbito da Convenção -­‐ desde que redutíveis à noção de artístico ou literário. “ 9 Art. 2., 2) Os países da União reservam-­‐se, entretanto, a faculdade de determinar, nas suas legislações respectivas, que as obras literárias e artísticas, ou ainda uma ou várias categorias delas, não são protegidas enquanto não tiverem sido fixadas num suporte material. 5


seja externalizado por meio de documento, in re ipsa, é imaterial. Portanto, o suporte é o corpus mechanicus sob o qual a obra pode ser afixada, diferentemente da obra per si que é o corpus misticus da criação intelectual10. Robustecendo essa avaliação, o professor Pontes de Miranda já pensava dessa forma, pois “...trata-­‐se de obra literária, artística ou científica que talvez nunca se reproduza (ainda que o bem incorpóreo, que nela se contém, porque nela se enforma, nunca se encorpore em exemplares concretos).”11 Reciprocidade adotada no Brasil Por meio da reciprocidade adotada na LDA, é conferida proteção aos estrangeiros domiciliados no exterior, desde que seus países também sejam signatários dos acordos que o Brasil participa12. Para isso, aqueles países devem prever o mesmo em favor dos brasileiros em situação idêntica. No Brasil, os direitos e as obrigações relativos aos direitos de autor e aqueles que lhe são conexos são regulados pela Lei 9.610/98 (Lei de Direito Autoral – LDA). Em consonância com o art. 7o da LDA, “São obras intelectuais protegidas 10

NUNES, Simone Lahorgue. Direito Autoral, Direito Antitruste e Princípios Constitucionais Correlatos, pág. 51. Ed. Elsevier. 11 PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. Tomo XVII, pág. 405. Ed. Borsoi, 1955. 12 Art. 2º, LDA: Os estrangeiros domiciliados no exterior gozarão da proteção assegurada nos acordos, convenções e tratados em vigor no Brasil. Parágrafo único. Aplica-­‐se o disposto nesta Lei aos nacionais ou pessoas domiciliadas em país que assegure aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade na proteção aos direitos autorais ou equivalentes. 6


as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...)”. A exegese desse dispositivo introdutório faz coro à interpretação de Berna, conforme trecho sublinhado acima que está em sintonia com a reflexão de Pontes de Miranda. Sendo assim, uma obra é passível de proteção a partir do momento que perpassa o corpus misticus e se consolida através de um corpus mechanicus, lhe facultando o registro, embora aconselhável. Nos Estados Unidos, a proteção dos direitos autorais se dá pela Copyright Law. O sistema do copyright é baseado no monopólio do direito de reprodução da obra, ou seja, protege a obra em si, enfatizando sua exploração econômico-­‐patrimonial. Diferentemente da propriedade marcária e da patentária, que se adquirem com o registro validamente concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o direito autoral se adquire com a fixação da obra intelectual. Diante disso, há que se notar que tanto Berna quanto a Lei n. 9.610/98 não exigem registro do direito autoral. A fixação em suporte (tangível ou não) per se dá início à proteção, embora sempre seja recomendado fazê-­‐lo a fim de facilitar a prova da anterioridade e sua respectiva autoria.

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Ainda atualmente, não é raro o meio de prova conhecido por carta enviada a si mesmo, onde o autor é remetente e destinatário da correspondência contendo exemplar de sua obra que permanece lacrada até decisão judicial que determine sua abertura para comprovar a anterioridade. Contudo, essa medida é muito frágil diante da facilidade de ser burlada. Serviço de postagem certificada O serviço de certificação, instituído em 1955 pelo serviço de correspondências dos Estados Unidos (United States Postal Service -­‐ USPS), é um modo especial de postagem, onde o remetente tem a garantia de que o seu envio será entregue com segurança, partindo de algumas premissas como a disponibilidade de informações sobre o trânsito da entrega e o provimento de sua respectiva confirmação. O serviço é popularmente conhecido pelo "proof-­‐ mailing". O remetente pode solicitar serviços adicionais, como o "Return Receipt" ou o "Proof of delivery", pagando taxas adicionais. Como esses são serviços distintos dos comumente utilizados nas postagens, nos Estados Unidos funciona apenas pelos métodos de envio "Priority Mail" e "First Class Mail". Diante do advento tecnológico e prezando por maior agilidade, foi criado o "Certified Email", que tem o mesmo escopo do serviço de Correspondência 8


Certificada, embora trate de um serviço virtual, mais célere, garantindo a segurança dos envios físicos pretéritos. Tal serviço registra o conteúdo, a entrega e a leitura de emails criptografados, inclsusive certificando a hora oficial de sua abertura/leitura e também comprova a origem e a integridade de conteúdo. Ainda há outras formas de certificação com elevada credibilidade, como a SHA 256, o Carimbo do Tempo (UTC) e a assinatura digital, conforme a seguir. Hashcode padrão SHA 256 A codificação criptografada SHA (Secure Hash13 Algorithm) está relacionada com as funções criptográficas de arquivos reconhecida internacionalmente. Há diversas variantes do SHA (como o SHA-­‐0, SHA-­‐1, SHA-­‐2, etc). Atualmente, o SHA-­‐256 (ou SHA-­‐2) é considerado um dos métodos de criptografia mais seguros do mundo, pois quase não há chance de colisão com outro hashcode, ou seja, é extremamente improvável existirem dois códigos iguais para arquivos distintos, com probabilidade idêntica à de duas pessoas com o mesmo DNA. Acrescente-­‐se a isso o fato de não ser possível descriptografá-­‐lo

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Uma função hash é aquela que leva um bloco de dados e entrega uma seqüência de bits (unidade de dados) de tamanho fixo. 9


de volta, sendo ideal para validação de senhas, autenticações, antivírus, assinaturas digitais, dentre tantos outros. De acordo com especialistas em segurança digital, fraquezas matemáticas foram identificadas no SHA, o que levou ao desenvolvimento do SHA-­‐1 (já com probabilidade de colidência de 1 a cada 100 trilhões14, mesma de um meteoro cair no telhado da casa de alguém) e, naturalmente, ao do SHA-­‐ 2(56), embora assegurem que agora está blindado, sem necessidade de recorrer a novas certificações SHA.

Fonte: www.preshing.com/20110504/hash-­‐collision-­‐probabilities/ 14

De acordo com www.preshing.com/20110504/hash-­‐collision-­‐probabilities/, acessado em 03/04/2014, às 14:39. 10


Carimbo do tempo padrão UTC É um instrumento que visa certificar a autenticidade temporal de arquivos eletrônicos e protocoliza com base no Tempo Universal Coordenado, ou UTC (Universal Time Coordinated), também conhecido como tempo civil, que é o fuso horário de referência a partir do qual se calculam todas as outras zonas horárias do mundo. Dessa maneira, a integridade do conteúdo e do momento exato de transações eletrônicas ficam comprovadas com robusta segurança de informações. Todo material é passível de auditoria e confirmação de autenticidade. Assinatura Digital (EUA) É mais uma forma segura de certificar a autenticidade de informações contidas em documento eletrônico; permite a troca de documentos, com autenticação, sigilo e integridade de conteúdo. Apenas usuários devidamente autorizados podem realizar modificações. 11


Conclusão Como exposto, segundo a Convenção de Berna sobre os direitos do autor e a lei brasileira, o registro de direito autoral não é obrigatório. No entanto, ainda que a obra intelectual não necessite ser registrada para que o autor tenha seus direitos protegidos, o mesmo virá a servir como prova da autoria para demonstrar quem a exteriorizou/fixou primeiro. Já a propriedade de marca ou de patente têm o objetivo de distinguir uma empresa no mercado consumidor, visto que garantem ao seu titular o direito de uso exclusivo em todo o território nacional mediante concessão pública. Deste modo, ao nosso entendimento, o sistema denominado Avctoris pode servir para registrar uma obra por direito autoral sem prejuízo jurídicos pela desnecessária intervenção. Dessa forma, concluímos pela viabilidade do sistema Avctoris, na forma como nos foi apresentado: mediante a chancela de certificação de envio/recebimento de emails certificados, bem como de confirmação de data horário por padrões internacionais. 3 – DATA DE REALIZAÇÃO Recife, 03 de abril de 2014. 12


4 – PROFISSIONAL RESPONSÁVEL POR ESTA PESQUISA Ticiano Tôrres Gadêlha – OAB/PE 29.088 5 – BIBLIOGRAFIA BARBOSA, Denis Borges. Apostila III. Signos Distintivos. IBMEC. BIANCHINI, Hudson Carvalho. O contexto social da proteção do Direito Autoral. Disponível em: <http://nit.unifenas.br/?p=141>. DI BLASI, Gabriel. A Propriedade Industrial. 3ª Edição. Editora Forense. 2010. LEI Nº 5.988, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1973 (Antiga Lei de Direitos Autorais). LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998 (Lei de Direitos Autorais – LDA). OMPI. A Criação de uma Marca. Série sobre A Propriedade Intelectual para o Comércio e a Indústria. Número 1. SCHMIDT, Lélio Denicoli. A Distintividade das Marcas. Editora Saraiva. 2013. WIPO. OMPI. INPI. Módulo 3: Direitos Autorais. DL 101P BR. www.digicert.com/sha-­‐2-­‐ssl-­‐certificates.htm www.freeformatter.com/sha256-­‐generator.html#sha256-­‐explained www.preshing.com/20110504/hash-­‐collision-­‐probabilities/

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