Jornal Jurídico Março 2018

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O Novo Entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a Competência por Prerrogativa de Função Rômulo de Andrade Moreira – p. 1

A Contratação de Advogado sem Licitação Não Constitui Ato de Improbidade Administrativa. A Ordem dos Advogados do Brasil Precisa Defender as Prerrogativas de Seus Inscritos Gina Copola – p. 5 Breves Ponderações Acerca do Redirecionamento de Ação de Execução Fiscal em Face de Representantes de Pessoa Jurídica Falida Walter Alexandre Bussamara – p. 10 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código de Processo Civil Aldem Johnston Barbosa Araújo – p. 16 Tribunal Penal Internacional – TPI de Haia x Direito Ambiental: o Marco Histórico no Julgamento de Crimes Ambientais Lorena Grangeiro de Lucena Tôrres – p. 50 Trabalho em Condições Análogas à de Escravo: Restrição de Sua Abrangência por meio de Portaria Ministerial Gustavo Filipe Barbosa Garcia – p. 54 Acórdão da Íntegra Tribunal Regional Federal da 2ª Região – p. 58 Pesquisa Temática Execução – p. 63 Parecer Jurídico Resolução nº 15 de 2017 do Senado Federal Suspendendo, nos Termos do Inciso X do Artigo 52 da CF, a Eficácia de Disposições Consideradas Inconstitucionais em Controle Difuso das Leis nºs 8.212/1991 e 9.528/1997 – Efeitos da Perda de Eficácia Ex Tunc de Tais Dispositivos – Parecer Ives Gandra da Silva Martins, Fátima Fernandes Rodrigues de Souza e Rogério Gandra da Silva Martins – p. 68

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Medida Provisória – p. 87 Norma Legal – p. 91 Indicadores – p. 92

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Doutrina

O Novo Entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a Competência por Prerrogativa de Função RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA

Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Salvador (Unifacs).

No dia 16 de fevereiro de 2017, o Ministro Luís Roberto Barroso encaminhou ao Plenário do Supremo Tribunal Federal o julgamento da Ação Penal nº 937, por meio da qual um ex-Deputado Federal, que havia renunciado ao mandato para assumir a Prefeitura de um Município do Estado do Rio de Janeiro, responde pela prática do crime de “compra de votos”. Naquela oportunidade, o Ministro pretendia discutir a questão de foro por prerrogativa de função. No respectivo despacho, o Relator afirmou que o suposto delito teria sido cometido em 2008, quando o réu disputou a Prefeitura. Eleito Prefeito, o caso começou a ser julgado no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, onde a denúncia foi recebida em 2013. Com o encerramento do mandato à frente da chefia do Executivo local, o caso foi encaminhado para

a primeira instância da Justiça Eleitoral. Em 2015, como era o primeiro suplente de Deputado Federal de seu partido, ele passou a exercer o mandato diante do afastamento dos Deputados Federais eleitos, o que levou à remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal. Em setembro de 2016, o réu foi efetivado em virtude da perda de mandato do titular, mas, após a sua eleição novamente para a Prefeitura, também no ano passado, ele renunciou ao mandato de parlamentar (em janeiro de 2017), quando o processo já estava liberado para ser julgado pela 1ª Turma. Segundo afirmou o Relator, à época, “as diversas declinações de competência estão prestes a gerar a prescrição pela pena provável, de modo a frustrar a realização da justiça”, salientando que “o sistema é feito para não funcionar” e o caso revelava “a disfuncionalidade prática do regime de foro”, razão pela qual acreditava “ser necessário repensar a questão quanto à prerrogativa”. Para o Ministro Barroso, havia “problemas associados à morosidade, à impunidade e à impropriedade de uma Suprema Corte ocupar-se como primeira instância de centenas de processos criminais”. Ao encaminhar o julgamento do tema para o Plenário, por meio de questão de ordem, o Relator sugeriu a análise da possiblidade de conferir interpretação restritiva às normas da Constituição de 1988 que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função, de modo a limitar tais competências jurisdicionais aos crimes cometidos em razão do ofício e que digam respeito estritamente ao desempenho daquele cargo.


O voto baseou-se no entendimento de que a atuação criminal originária ampla do Supremo Tribunal Federal “tornou-se contraproducente em razão do grande volume de processos e da pouca vocação da sua estrutura para atuar na área. O resultado leva à demora nos julgamentos, à prescrição e cria um obstáculo à atuação do Supremo como corte constitucional”. Para ele, “o foro se tornou penosamente disfuncional na experiência brasileira por duas razões. A primeira delas é atribuir ao Supremo Tribunal Federal uma competência para a qual ele não é vocacionado. Nenhuma corte constitucional do mundo tem a quantidade de processos de competência originária em matéria penal como o Supremo Tribunal Federal”, citando que havia “mais de 500 inquéritos e ações penais em curso na Casa, e lembrando que o julgamento de um deles, a Ação Penal nº 470 (do chamado Mensalão), durou 69 sessões”. Ademais, “os procedimentos que regem o funcionamento do Tribunal são mais complexos do que os utilizados pela primeira instância, o que pode levar à demora nos julgamentos e à prescrição das penas”, ressaltando “que o objetivo do foro é proteger o cargo e garantir a autonomia de seu exercício, portanto, não fazia sentido atribuir a proteção prevista constitucionalmente ao indivíduo que o ocupa. Assim, devem-se excluir dos atos amparados pela regra aqueles sem relação com o cargo”.

Outro problema citado foi o “sobe e desce” processual, que, segundo o Ministro, “retarda o processo e afeta a credibilidade do sistema penal. A brecha acaba sendo usada pelos acusados, que obtêm ou renunciam a cargos a fim de alterar o foro competente e adiar a conclusão do processo, segundo palavras do Relator”. No voto foi citado estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas sobre o tema, segundo o qual o novo entendimento reduziria em mais de 90% os inquéritos e as ações penais em curso no Tribunal. Ainda segundo o estudo, pouco mais de 5% das ações penais em curso tiveram origem no próprio Supremo Tribunal Federal. No dia seguinte, 1º de junho, o julgamento foi retomado, mas um pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes suspendeu a sessão. Para o Ministro, não era “possível se analisar a questão apenas sob o ponto de vista do foro em determinada instância, uma vez que eventual alteração, como a proposta pelo relator do caso, traria repercussões institucionais no âmbito dos Três Poderes e do Ministério Público”. Ele também comentou que não existia estatística ou estudo que comprovasse o grau de efetividade no processamento de ações penais antes e depois do aumento das hipóteses de foro privilegiado, prevista na Constituição de 1988, não sendo possível estabelecer uma conexão, seja ela histórica, sociológica ou jurídica, entre a criação do chamado foro privilegiado e a impunidade. A afirmação de que o foro na Suprema Corte acaba gerando impunidade não só não tem respaldo estatístico, como acaba por ofender e desonrar a própria história do Supremo.

Nessa sessão, o Ministro Marco Aurélio e as Ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia anteciparam seus votos, acompanhando o Relator. O Ministro Marco Aurélio defendeu a aplicação do foro por prerrogativa de função apenas aos crimes cometidos no

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No dia 31 de maio foi iniciado o julgamento. Em seu voto, o Ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que “o foro deve se aplicar apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo, e deve ser relacionado à função desempenhada”. Outro entendimento adotado pelo Ministro foi de que a competência se torna definitiva após o final da instrução. A partir desse momento, a competência para julgar o caso não será mais afetada por eventual mudança no cargo ocupado pelo agente público.

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exercício do cargo, relacionados às funções desempenhadas, assentando que, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça. A fixação da competência está necessariamente ligada ao cargo ocupado na data da prática do crime e avaliou que tal competência, em termos de prerrogativa, é única, portanto não é flexível. A competência que analisamos é funcional e está no âmbito das competências, ou incompetências, absolutas. Não se pode cogitar de prorrogação. Se digo que a competência é funcional, a fixação, sob o ângulo definitivo, ocorre considerado o cargo ocupado quando da prática delituosa, quando do crime, e aí, evidentemente, há de haver o nexo de causalidade, consideradas as atribuições do cargo e o desvio verificado.

Já a Ministra Rosa Weber, que também acompanhou integralmente o voto do Relator, afirmou que a evolução constitucional ampliou progressivamente o instituto do foro por prerrogativa de função. Diante disso é pertinente uma interpretação restritiva que o vincule aos crimes cometidos no exercício do cargo e em razão dele. O instituto do foro especial, pelo qual não tenho a menor simpatia, mas que se encontra albergado na nossa Constituição, só encontra razão de ser na proteção à dignidade do cargo, e não à pessoa que o titulariza.

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Também seguindo o voto do Relator, a Ministra Cármen Lúcia destacou que

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foro não é escolha, e prerrogativa não é privilégio. O Brasil é uma República na esteira da qual a igualdade não é opção, é uma imposição. Essa desigualação que é feita para a fixação de competência dos Tribunais, e, portanto, de definição de foro, se dá em razão de circunstâncias muito específicas. A Constituição faz referência a membros, agentes ou cargos, portanto, no exercício daqueles cargos é que se cometem as práticas que eventualmente podem ser objeto de processamento e julgamento pelo Supremo e pelos órgãos judiciais competentes.

Em 23 de novembro, foi retomado o julgamento e, mais uma vez, suspenso em razão de um pedido de vista, desta vez do Ministro Dias Toffoli. De toda maneira, até o momento, oito Ministros

proferiram voto na matéria, seis acompanhando o entendimento do Relator, no sentido de que o foro se aplica apenas a crimes cometidos no exercício do cargo e em razão das funções a ele relacionadas. Nessa sessão, o Ministro Alexandre de Moraes divergiu parcialmente, pois, segundo seu voto, “o foro deve valer para crimes praticados no exercício do cargo, mas alcançando todas as infrações penais comuns, independentemente de se relacionaram ou não com as funções do mandato”. Em seu voto-vista, o Ministro Alexandre de Moraes acompanhou o Relator na parte que fixa o foro no Supremo Tribunal Federal apenas para os crimes praticados no exercício do cargo, após a diplomação, valendo até o final do mandato ou da instrução processual. Para ele, estender a prerrogativa para alguém que praticou crime antes de ser parlamentar afasta a relação com a finalidade protetiva do mandato, objetivo da prerrogativa, que é voltada para proteção institucional. É uma prerrogativa do Congresso, e não de quem sequer sabia que um dia seria congressista.

Na sua divergência parcial, o Ministro afirmou que o texto constitucional não deixa margem para que se possa dizer que o julgamento das infrações penais comuns praticadas por parlamentares não seja de competência do Supremo Tribunal Federal. A expressão “nas infrações penais comuns”, contida no art. 102, I, b, alcança todo tipo de infrações penais, ligadas ou não ao exercício do mandato.

Em que pese o pedido de vista, adiantou seu voto o Ministro Edson Fachin, salientando, entre outros pontos, que o princípio do duplo grau de jurisdição é atingido pela cláusula de prerrogativa de foro. Algumas das justificativas dadas para sustentar o instituto – como a de que os Tribunais Superiores seriam mais isentos e menos influenciáveis, e como forma de inibir demandas abusivas contra parlamentares – para concluir que essas justificativas não são compatíveis com a Constituição, uma vez que o julgamento imparcial e independente é direito de todos os cidadãos.


Por fim, o decano, Ministro Celso de Mello, destacou em seu voto “que existem cerca de 800 autoridades com prerrogativa de foro apenas no Supremo, entre autoridades do Executivo, militares, Ministros de Tribunais Superiores e outros”, revelando ser um defensor da supressão de todas as prerrogativas em matéria criminal, “por entender que todos os cidadãos devem estar sujeitos à jurisdição comum de magistrados de primeira instância”, lembrando, outrossim, “que, no início do julgamento da Ação Penal nº 470, em agosto de 2012, já havia manifestado seu entendimento no sentido de que a prerrogativa merecia uma nova discussão”. Para o decano, dever-se-ia “reconhecer, mediante legítima interpretação do texto constitucional, que a prerrogativa só deve se aplicar a delitos praticados na vigência da titularidade funcional e que guarde íntima conexão com o desempenho das atividades inerentes ao referido cargo ou mandato”. Com esses fundamentos, o Ministro acompanhou integralmente o voto do Relator. Observa-se, portanto, que, nada obstante o pedido de vista mais uma vez feito nesse julgamento, a questão já está praticamente decidida no sentido do entendimento firmado no voto do Ministro Luís Roberto Barroso, a saber: Primeiro: o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

Segundo: após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. Terceiro: terminado definitivamente o julgamento, o entendimento aplicar-se-á a todos os processos pendentes no Supremo Tribunal Federal, por se tratar de uma regra fixadora da competência.

Oxalá, na próxima sessão, tenhamos finalmente a decisão final, com uma observação: creio que essa interpretação dada pela Suprema Corte (para mim correta, enquanto não se acaba de uma vez por todas com a competência por prerrogativa de função – via uma emenda à Constituição), fatalmente atingirá todo e qualquer réu que tenha prerrogativa de foro, e não somente os parlamentares federais. Assim, doravante, Prefeitos, Deputados Estaduais, Magistrados, membros do Ministério Público, Ministros, etc., deixarão de ter tal prerrogativa, salvo em relação aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Ademais, após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar as respectivas ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.

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Também o fez o Ministro Luiz Fux, igualmente acompanhando integralmente o voto do Relator. Para ele, “a leitura do texto constitucional indica que a competência do Supremo é preservada quando o ato ilícito é praticado no exercício do cargo e em razão do cargo”, afirmando que tinha também preocupação com as declinações de foro, concluindo “que era preciso que os casos tenham seu juízo próprio, e que ao Supremo fossem reservados apenas os ilícitos cometidos no cargo e em razão dele”.

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Doutrina

A Contratação de Advogado sem Licitação Não Constitui Ato de Improbidade Administrativa. A Ordem dos Advogados do Brasil Precisa Defender as Prerrogativas de Seus Inscritos GINA COPOLA

Advogada militante em Direito Administrativo, Pós-Graduada em Direito Administrativo pela FMU, Ex-Professora de Direito Administrativo na FMU. Autora dos livros Elementos de Direito Ambiental (Rio de Janeiro, 2003), Desestatização e Terceirização (São Paulo, 2006), A Lei dos Crimes Ambientais, Comentada Artigo por Artigo (Minas Gerais, 2008, 2. ed. em 2012) e A Improbidade Administrativa no Direito Brasileiro (Minas Gerais, 2011). Coautora do livro Comentários ao Sistema Legal Brasileiro de Licitações e Contratos Administrativos (São Paulo, 2016). Autora de mais de uma centena de artigos sobre o tema de direito administrativo e ambiental, todos publicados em periódicos especializados.

Os serviços foram devidamente prestados e o valor entabulado foi adequado, o que afasta o reconhecimento da prática de atos ímprobos.

É de império destacar que, no caso aqui comentado, a Comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina ingressou nos autos como amicus curiae, e para defender as prerrogativas da advogada, atitude que deveria ser adotada com mais frequência pela OAB em todos os Estados brasileiros em ações judiciais como a aqui referida. II – Isso porque de fato a contratação de advogado sem prévia licitação não constitui, por si só, ato de improbidade administrativa.

I – Uma decisão da Vara da Fazenda Pública de Rio do Sul, em Santa Catarina, proferida nos Autos nº 0904612-23.2015.8.24.0054, afastou a tese de improbidade administrativa em ação manejada contra advogada contratada sem licitação.

Com todo efeito, decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.192.332/RS, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, da 1ª Turma, julgado em 12.11.2013:

Tal decisão não é inédita, mas alcançou destaque no mundo jurídico ao afastar a ocorrência de dano ao Erário, e decretar que:

Administrativo e processual civil. Improbidade administrativa. Contratação de serviços advocatícios com dispensa de licitação. Art. 17 da LIA. Art. 295, V, do CPC, art. 178 do CC/2016. Ausência de prequestionamento. Súmulas


4. É impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do Advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição. 5. A singularidade dos serviços prestados pelo advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, dessa forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço). 6. Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor profissional.

O v. acórdão, portanto, deu provimento ao recurso especial interposto para julgar improcedentes os pedidos da inicial da ação civil por ato de improbidade administrativa proposta, e, com isso, portanto, reconhecer a absoluta legalidade da contratação de advogado de forma direta, por inexigibilidade de licitação, nos termos da Lei Federal nº 8.666/1993, art. 25, e art. 13.

decorrência do Pacto nº 36/97, sob pena de enriquecimento sem causa do ente municipal. Recurso especial provido. Atribuição de efeito expansivo subjetivo à presente decisão, para excluir a condenação da prefeita no alegado ilícito de igual natureza (art. 509 do CPC). 1. A negativa de vigência ao art. 535 do CPC somente se vislumbra quando o Tribunal de origem incorre em omissão, obscuridade ou contradição sobre matérias elementares para o deslinde da controvérsia. 2. A condenação do agente público e de terceiros no ressarcimento ao Erário, via de regra, demanda a comprovação do nexo causal entre a conduta ilícita do agente ou do terceiro (dolosa ou culposa) e o dano causado ao ente estatal, sendo insuficiente, portanto, a mera presunção do prejuízo ao Estado. Precedente: AgRg-AREsp 107.758/GO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 10.12.2012. 3. In casu, restou incontroversa a prestação dos serviços de assessoria jurídica pelo causídico, nos termos pactuados entre este último e o ente municipal no Contrato nº 36/97, de maneira que o Tribunal de origem impôs ao advogado e à prefeita a condenação de ressarcir ao Erário o valor acertado (R$ 18.600,00) sob o fundamento de não haver justificação para a estipulação da quantia e, ainda, por ter o causídico elaborado, concretamente, apenas uma petição, interposto recursos especiais e impetrado mandado de segurança.

III – E ainda no mesmo sentido decidiu o eg. STJ, Recurso Especial nº 1.181.806/SP, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, da 1ª Turma, julgado em 07.11.2013:

4. Contudo, apesar de o desenrolar das ações e dos procedimentos terem requerido, efetivamente, apenas as peças enumeradas pela sentença, o fato é que o acompanhamento das ações e dos procedimentos foram, de fato e em conformidade com o Contrato nº 36/97, prestados, não servindo de parâmetro, para fins de apuração da razoabilidade do valor do contrato, apenas as petições elaboradas pelo advogado; e assim é, porque o desenvolvimento das ações e procedimentos elencados no Contrato nº 36/97 poderiam ter exigido outras atuações do Procurador, mas a sucessão dos fatos ocorridos na realidade demandou, apenas, os trabalhos deflagrados pelo causídico.

Administrativo e processual civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ressarcimento ao Erário. Contratação de assessoria jurídica pelo município de Nhandeara/SP (Contrato nº 36/97). Ausência de comprovação de efetivo dano ao Erário. Recurso especial provido, para afastar a condenação do causídico na devolução dos valores percebidos em

5. Ademais, eventual ausência de justificação do valor estipulado entre o causídico e o município de Nhandeara/SP (R$ 18.600,00), por si só, não configura prejuízo ao Erário; o dano em comento, por ser concreto e auferível empiricamente, deve ser comprovado, não se admitindo presunções, nesse aspecto.

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nºs 282 e 356 do STF. Arts. 13 e 25 da Lei nº 8.666/1993. Requisitos de exigibilidade de licitação. Singularidade do serviço. Inviabilidade de competição. Notória especialização. Discricionariedade do administrador na escolha do melhor profissional, desde que presente o interesse público e inocorrente o desvio de poder, afilhadismo ou compadrio. Recurso especial provido. [...]

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6. Recurso especial provido, em que pese o parecer ministerial em sentido contrário, para afastar a condenação ressarcitória imposta ao causídico. Atribui-se efeito expansivo subjetivo à presente decisão (art. 509 do CPC), para excluir a obrigação de devolução de valores ao município, imposta à prefeita.

É de império destacar que o recurso especial foi interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil, que tem se manifestado a favor dos advogados em lides como a presente, uma vez que o trabalho do advogado é intelectual, singular, e especializado, o que torna impossível sua exposição em competição licitatória, conforme afirmou o Presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da seccional paulista, Dr. Ricardo Toledo Santos Filho.

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IV – E, no mesmo diapasão, decidiu o eg. TJSP, Apelação nº 0007304-74.2005.8.26.0196-Franca, Relatora Desembargadora Maria Olívia Alves, 6ª Câmara de Direito Público, julgado em 16.12.2013:

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Apelações. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Contratação sem licitação de escritório de advocacia para revisar judicialmente o relacionamento do município com as concessionárias de energia elétrica. Sentença de procedência. Inocorrência de nulidade ou cerceamento de defesa. Reforma que entretanto se impõe. Presença dos requisitos legais autorizadores da contratação direta. Ausência de ilegalidade. Não caracterização da improbidade, ademais, em face da falta de prejuízo e na inexistência de qualquer lesão ao princípio da impessoalidade. Rejeição da matéria preliminar. Provimento dos recursos réus, prejudicado o recurso do Ministério Público.

O v. voto condutor cita precedentes do eg. STJ e do próprio TJSP: Parto da premissa, assentada já pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, de que “a contratação de serviços de advogado por inexigibilidade de licitação está expressamente prevista na Lei nº 8.666/1993, art. 25, II, c/c art. 13, V” (REsp 1.285.378/MG, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, J. 13.03.2012). [...] No referente à singularidade do objeto, esta colenda Câmara tem entendido que “o fato de o ente público contar com quadro de Procuradores

não obsta a contratação de auxílio externo para a realização de tarefas específicas [...], ainda que para não sobrecarregar seus funcionários” (Ap. 0009041-61.2010.8.26.0318, Rel. Des. Evaristo dos Santos, J. 04.11.2013).

A única conclusão possível, portanto, é a de que a contratação de advogado notoriamente especializado por inexigibilidade de licitação e para a execução de objetos de natureza singular nos termos do art. 25, II, c/c o art. 13, V, da Lei Federal nº 8.66/1993 é perfeitamente legal, e, dessa forma, não constitui ato de improbidade administrativa, conforme se depreende da leitura do r. acórdão ora comentado. V – O que se almeja, porém, é que a Ordem dos Advogados do Brasil sempre adote uma posição firme e decisiva com relação ao tema, e, com isso, defenda sempre, de forma veemente, as prerrogativas de seus inscritos, como fez a Ordem dos Advogados do Brasil – Conselho Federal, em Conselho Pleno, que deliberou de forma clara sobre o tema contratação de advogados por inexigibilidade de licitação, e determinou orientação a ser seguida por todos os profissionais. Vejamos: Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal Conselho Pleno Súmula nº 4/2012/COP O Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no uso das atribuições que lhe são conferidas nos arts. 75, parágrafo único, e 86 do Regulamento Geral da Lei nº 8.906/1994, considerando o julgamento da Proposição nº 49.0000.2012.003933-6/COP, decidiu, na Sessão Ordinária realizada no dia 17 de setembro de 2012, editar a Súmula nº 04/2012/COP, com o seguinte enunciado: “Advogado. Contratação. Administração Pública. Inexigibilidade


Brasília, 17 de setembro de 2012. Ophir Cavalcante Junior – Presidente Jardson Saraiva Cruz – Relator (DOU nº 205, terça-feira, 23 de outubro de 2012, p. 119)

VI – Cite-se, ainda, o v. acórdão da 1ª Câmara de Direito Público do eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sessão realizada no dia 7 de outubro de 2014, nos autos da Apelação nº 0000987-97.2011.8.26.0439-Pereira Barreto, tendo como relator o Desembargador Luiz Francisco Aguilar Cortez, com o voto nº 16177, e acórdão registrado nº 2014.0000631203, com a ementa: Ação civil pública. Contratação de escritório de advocacia sem licitação. Possibilidade. Arts. 13, V, e 25, II, e § 1º, da Lei nº 8.888/1993. Ajustes com natureza singular. Precedentes. Ilegalidade afastada. Honorários e forma de pagamento regulares. Prática de ato de improbidade não caracterizada. Sucumbência indevida. Recurso provido em parte.

VII – Não se olvide, ainda, da Recomendação expedida pelo órgão máximo do eg. Ministério Público, que é o Conselho Nacional do Ministério Público, que aprovou, por maioria de votos, nos autos do Processo nº 171/2014-42, a recomendação que define que a contratação direta de advogado ou escritório de advocacia por ente público, por inexigibilidade de licitação, por si só, não constitui ato ilícito ou ímprobo. E conforme consta da notícia publicada no próprio site do CNMP, de onde se lê:

O objetivo da recomendação é garantir a inviolabilidade e o exercício profissional do advogado recomendando-se aos membros do Ministério Público de se absterem de adotar medidas contrárias ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que, de acordo com os arts. 13 e 25 da Lei nº 8.666/1993, autoriza o ente público a contratar advogado por inexigibilidade de licitação. (grifos nossos)

Tais decisões precisam ser observadas com mais detença pelos d. órgãos ministeriais. VIII – E, no mesmo diapasão, é a recente decisão do colendo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1626693, Relator para o acórdão Ministro Sérgio Kukina, julgado em 9 de março de 2017, com a seguinte irrepreensível ementa: Ação civil pública. Improbidade. Licitação para contratação de advogado. Carta-convite. Existência de corpo jurídico municipal que não inviabiliza o certame. Respeito às regras dos arts. 22, III, § 3º, e 23, II, a, da Lei nº 8.666/1993. Não caracterização da conduta prevista no art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/1992. Ausência de ato que atente contra os princípios da Administração Pública. Violação ao art. 11 da Lei nº 8.429/1992 não configurada. 1. Tendo em vista que o objeto da licitação por carta-convite foi considerado pelo próprio Ministério Público autor como trabalho rotineiro, não há falar na necessidade de comprovação da notória especialização dos causídicos concorrentes. 2. A existência de corpo jurídico no âmbito da Municipalidade, só por si, não inviabiliza a contratação de advogado externo para a prestação de serviço específico para a Prefeitura.
 3. A licitação do objeto do contrato mediante carta-convite atendeu às regras previstas nos arts. 22, III, § 3º, e 23, II, a, da Lei nº 8.666/1993, motivo pelo qual não há falar na caracterização do ato ímprobo descrito no art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/1992, consubstanciado em “frustrar a licitude de processo licitatório”. 4. O contexto fático probatório dos autos permite concluir que o procedimento licitatório adotado pelo gestor respeitou os princípios da legalidade, da finalidade, da impessoalidade e da moralidade, norteadores

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de licitação. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do referido diploma legal.”

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da Administração Pública, inexistindo, portanto, ato de improbidade enquadrável no art. 11 da LIA. 5. Recursos especiais providos, com a consequente improcedência da ação de improbidade movida contra os recorrentes (advogado contratado e o então prefeito).

E o v. voto condutor é cristalino ao afastar a incidência do ato de improbidade administrativa na contratação de advogado que não restou marcada por qualquer má-fé, dolo ou prejuízo aos cofres públicos. IX – Cite-se, por fim, Mauro Roberto Gomes de Mattos1, com sua habitual lucidez e acerto:

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Portanto, encontrando a sustentação na jurisprudência e na própria Lei de Licitações, não há que se falar em improbidade administrativa do advogado contratado diretamente e nem do administrador público que lhe confiou importante e indelegável missão de bem servir à coletividade e ao Estado.

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Tem-se, para concluir, que a contratação de advogado sem licitação, por si só, não é, nem poderia ser, ato de improbidade administrativa, conforme a jurisprudência e a orientação do Conselho Nacional do Ministério Público, sendo que o que se espera e se deseja é que a Ordem dos Advogados do Brasil atue de forma mais eficaz em ações com tal objeto, e na defesa das prerrogativas de seus inscritos, assim como fez em Rio do Sul, Estado de Santa Catarina.

1 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa. 3. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2006. p. 64.


Doutrina

Breves Ponderações Acerca do Redirecionamento de Ação de Execução Fiscal em Face de Representantes de Pessoa Jurídica Falida

O fundamento legal do redirecionamento de cobrança executiva de crédito tributário em face de determinados representantes gestores de empresa originariamente devedora encontra-se bem delineado fundamentalmente no art. 135 do Código Tributário Nacional, da seguinte forma: Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: [...] III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Walter Alexandre Bussamara Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, Advogado em São Paulo.

RESUMO: O redirecionamento de ação judicial executiva fundamenta-se na ocorrência das diretrizes contidas no art. 135 do Código Tributário Nacional, em nada se associando, necessariamente, uma dada situação falimentar de empresa à alocação dos seus gestores no polo passivo de demanda legal tributária. PALAVRAS-CHAVE: Redirecionamento; ação tributária; tributo; res­ ponsabilidade; ilícito; empresa; gestores; falência. ABSTRACT: The redirection of a judicial tax proceeding is based on the article 135 of the National Tax Code with no regarding necessarily to a company’s bankruptcy context for one intended insertion of their managers as parties of the legal tax proceeding. KEYWORDS: Redirection; tributary proceeding; tribute; responsibility; illicit; company; managers; bankruptcy.

Em qualquer que seja o contexto jurídico existente em determinado processo de execução fiscal, portanto, será o aludido dispositivo legal que deverá nos servir, na qualidade de operadores do Direito, como adequado parâmetro de interpretação quanto à possibilidade de um almejado redirecionamento. Queremos, com isso, significar que um eventual contexto jurídico-falimentar de pessoa jurídica executada judicialmente por suposta dívida tributária não servirá, apenas de per si, a nos conduzir a tal ou qual conclusão acerca de uma pretensão que se tenha de redirecionamento ou não da ação executiva em nome de seus representantes gestores. Com efeito, a exegese em torno da questão do redirecionamento dependerá, na verdade, de uma apropriada verificação da ocorrência das diretrizes e pormenores estabelecidos por aquele preceito normativo (art. 135 do Código Tributário Nacional) e que sejam habilitadores por si só de uma legítima alteração do polo passivo de uma demanda fiscal.


Encontrar-se em situação falimentar (que não se confunde com o evento da dissolução irregular empresarial), assim, não necessariamente justificará um dado ato de redirecionamento. Subsumir-se tal situação, porém, ao contexto do art. 135 do CTN, de seu turno, e apenas por aí, sim.

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Uma análise da simples literalidade do retromencionado artigo já nos imporia, então, uma primeira e clara consideração diante de nosso tema, qual seja, a de o instituto do redirecionamento dever se revelar absolutamente atrelado à ideia de um comportamento pessoal ilícito voluntário (“[...] excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”) por parte de representantes que estejam a gerir empresas suspostamente devedoras de tributos (“[...] diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”), e cuja gestão, por óbvio, tenha influenciado nas suas pendências de ordem tributária.

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Sem o pressuposto básico da ilicitude pessoal espontânea de tais representantes, de pronto já restaria descartado qualquer pensamento tendente à aproximação deles ao contexto da cobrança tributária realizada em face das empresas que administram. A injuridicidade em meio a tais pessoas, então, caminharia de forma incondicionalmente pari passu com o tema ora em comento, do redirecionamento de ação executiva. Pois bem. Premissa bem assentada, nos restaria determinar a quem incumbiria o dever, justamente, de produzir prova material no tocante à efetivação ou não de dado ato ilícito que pudesse vir a justificar a inclusão das pessoas elencadas no art. 135 do

CTN no polo passivo de execução fiscal condizente a débitos tributários de suas respectivas pessoas jurídicas. Tal exegese, neste ensejo, nos tem sido apresentada pelo atual entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, no sentido de que a inclusão originária dos nomes dos representantes de empresas nas certidões de dívida ativa que fundamentem suas execuções fiscais verificar-se-ia de todo suficiente para, legitimando tal forma de 1 redirecionamento , imputar a tais gestores o dever processual de produzirem, eles próprios, toda e qualquer comprovação de suas não incidências em ilicitudes comportamentais pessoais – interpretação essa decorrente, segundo o aludido Tribunal, das próprias características inerentes às certidões de dívida ativa cuja presunção legal, ainda que relativa, seria sempre por sua liquidez e certeza, a teor dos arts. 3º, parágrafo único, da LEF2,

1 Pensamos que o termo “redirecionamento” pode referir-se tanto à situação dos nomes de representantes já constarem de forma inaugural das CDAs, como no caso de este pleito ser feito apenas no curso da execução fiscal. Como a dívida originária pretendida, em nosso contexto, seria das empresas por aqueles geridas, o que teríamos, então, é uma situação de redirecionamento também originária, ou, apenas, posterior. Mas, em ambos os casos, uma forma de redirecionamento. 2 “Art. 3º A dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez. Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.”


Segundo o STJ, portanto, essa intrínseca presunção nuclear das certidões de dívida ativa se estenderia, por via oblíqua, à situação dos representantes de empresas cujos nomes já constassem originariamente do conteúdo delas, de sorte a restar justificada, então, para a aludida Corte, a inversão, em tais casos, do ônus da prova, a partir daí não mais do Fisco, mas, sim, daqueles. Entretanto, no caso de requerimento posterior da entidade pública exequente pela inclusão daquelas pessoas no conteúdo de certidão de dívida ativa, ou seja, no polo passivo de execução fiscal cuja certidão originária contivesse apenas a pessoa jurídica de que fossem representantes, aí, sim, permaneceríamos, de acordo com o STJ, diante da regra geral acerca do ônus da prova, cabendo à entidade exequente, e, somente a ela, a tarefa de comprovação da ocorrência de ilicitude pessoal que justificasse sua pretensão quanto ao redirecionamento da ação. Já tivemos a oportunidade, porém, em outros breves trabalhos, de demonstrar nossa contrariedade, com a devida vênia, em face deste posicionamento exarado pelo colendo STJ4. Para nós, a variável hermenêutica que fora criada para se justificar a corresponsabilidade de representantes de empresas (“[...] constarem os seus nomes ou não em CDA”) não se encontraria, antes de tudo, nem mesmo delineada na norma que trata, justa e legitimamente, da situação processual de redirecionamento, 3 “Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída. Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.” 4 “A inversão do ônus da prova a cargo de administrador”. In: Site Consultor Jurídico – Conjur, 17.04.2011; “Redirecionamento de dívida tributária”. In: Jornal Valor Econômico, 24.01.2012.

consubstanciada no art. 135 do CTN, que, ex vi do art. 146, II e III, a e b, da CF5, haveria de nortear especificamente e de forma suficiente a equação pessoal tributária em sede de corresponsabilidade. Pensamos, ainda, em homenagem à preservação da segurança jurídica, que todo e qualquer crédito tributário não poderia prescindir de todas as fases que digam respeito ao seu próprio e regular ciclo de existência, desde o seu nascimento até a sua ulterior extinção. Nascendo uma obrigação tributária, como sabemos, com a ocorrência no mundo fenomênico (fato imponível tributário) de uma materialidade prevista em lei tributária (hipótese de incidência), tornar-se-á a mesma exigível apenas e tão somente com a sua devida e regular constituição administrativa (art. 142 do CTN6) para, posteriormente, na ausência voluntária de um regular procedimento administrativo, ou, com o seu natural término, poder restar judicialmente exequível com a sua natural inscrição em dívida ativa7. 5 “Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários [...].” 6 “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” 7 Salvo nos casos de autolançamento (lançamento por homologação), em que o próprio contribuinte antecipa ao Estado, espontaneamente, os elementos típicos da constituição do crédito tributário, permitindo a sua inscrição direta em dívida ativa caso não recolhido (“Art. 150. O lança-

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e 204, parágrafo único, do CTN3 (REsp 1104900 e EDREsp 960456).

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Tudo isso nos serve de referência para podermos melhor verberar que qualquer cobrança tributária diante de pessoa jurídica, ou, ainda, de representante seu não estaria a permitir qualquer interrupção em tal ciclo de vida natural atinente à obrigação tributária, que não aceitaria, por sua vez, excluir-se do patrimônio jurídico daquele gestor empresarial os seus direitos constitucionais à ampla defesa (administrativa e judicial), ao contraditório e ao devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, da CF8), coadunados sempre com a existência prévia de um lançamento administrativo de tributo que se pretendesse exigir, bem antes, ainda, de uma sua respectiva possiblidade de cobrança judicial. Aliás, sob tal espírito exegético, assim já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal: “Os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em detrimento de qualquer categoria de sujeito passivo (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc.)” (AgRg-RE 608.426/PR, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 04.10.2011).

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Pensamos, então, que a presunção legal relativa de liquidez e de certeza de uma certidão de dívida ativa está condicionada à necessidade também legal de que o próprio ato de inscrição

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mento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa”). 8 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

seja realizado de forma regular, a teor da literalidade da mesma norma, aliás, que pugna por tal presunção. Noutro giro verbal, não seria a simples inscrição da dívida ativa propriamente dita, com a extração de sua respectiva certidão, que faria brotar qualquer presunção sua de liquidez e de certeza. O que assim o faria, antes de tudo, seria o regular ato dessa inscrição: “...a dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez”.9 Sem o aspecto da regularidade, fruto de um controle administrativo prévio da legalidade da cobrança (art. 2º, § 3º, da LEF10), não haveria como aceitarmos qualquer ideia de presunção de validade da certidão, ainda que relativa, salvo com reflexos danosos, ao final, ao próprio Texto Constitucional. A lei conferiu, relativamente, presunção de liquidez e de certeza não, simplesmente, às certidões de dívida ativa, mas, sobretudo, àquelas regularmente inscritas, ou seja, que assim o foram em 9 Para Misabel Machado Derzi, à regular inscrição “[...] é imprescindível prévio procedimento administrativo contencioso, no qual o sujeito passivo tenha oportunidade de impugnar e questionar a pretensão fazendária” (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. atual. Misabel Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 1010. Citada por Maria Helena Rau de Souza. Código tributário nacional comentado. Doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS e ISS. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1024). 10 “Art. 2º Constitui dívida ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. § 3º A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo” (grifos nossos).


observância aos comandos normativos atuais (controle administrativo de legalidade). Sem a referida regularidade, nem mesmo relativa será sua presunção de validade. Simplesmente, essa presunção nem mesmo existirá.

de empresas nos títulos executivos de ações fiscais para que, literalmente, como que num passe de mágica, eles pegassem carona numa sutil presunção relativa e pontual de certeza e de liquidez de suas correspondes CDAs.

Certidão de dívida ativa que carregue nomes de representantes de empresas sem respeito às fases próprias de existência de um pretenso crédito tributário, ou seja, sem que tenha havido sua devida e prévia constituição administrativa em nome daqueles, não pode restar objeto de qualquer presunção, ainda que relativa, de legitimidade. Faltaria, justamente, a regularidade legalmente pugnada ao ato de inscrição.

Essa tarefa, aliás, sobremodo fácil, mormente nos atuais tempos de evoluída informática, em que uma mera consulta da Administração Pública junto aos órgãos comerciais (Juntas) lhe proveria com farta listagem dos nomes de todos os representantes legais passados, presentes e futuros de uma dada pessoa jurídica, por muitas vezes, nem mesmo contemporâneos aos pretensos créditos de origem tributária ou a quaisquer irregularidades condizentes com eventual ocorrência de dissolução indevida de tal ou qual pessoa jurídica. E, como sabemos, o “papel” tudo aceita, o que seria (como tem sido) muito cômodo ao Fisco.

Verificada tal lacuna procedimental legal, já cairia por terra pensar-se em qualquer forma de presunção. Fosse tão simples uma exegese em torno desta questão, bastaria ao Fisco, em todas as suas ações executivas (como, aliás, tem feito), listar previamente os nomes de todos os representantes 11 Para Renato Lopes Becho, o processo administrativo “regular terá que respeitar o devido processo legal, por exigência constitucional (art. 5º, LV)”, significando que “a pessoa indicada como responsável tributário tem que ser formalmente acusada, com direito à ampla defesa e aos recursos postos à sua disposição”, devendo ser apontado prazo para que o responsável, ao fim do processo, possa recolher o tributo antes de inscrito em dívida ativa, sendo impostergável a necessidade de se “apurar a responsabilidade tributária antes de se inscrever em dívida ativa o eventual crédito fazendário” (Sujeição passiva e responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2000. p. 166 e 167).

Por sua vez, de forma diametralmente oposta, seriam as dificuldades dos próprios representantes empresariais muitas vezes absolutamente impossibilitados de comprovação acerca da inexistência de atos pessoais ilícitos seus, justamente por estes terem, simplesmente, inexistido, passando a ocupar, a partir de então, uma hercúlea situação de terem de comprovar aquilo que materialmente se mostra inviável de comprovação: os denominados fatos fenomênicos negativos. De qualquer forma, seja na trilha da hermenêutica já traçada pelo STJ, ou não, como acima argumentado, o fato é que o instituto do redirecionamento de dívida fiscal deverá estar sempre, de alguma forma, vinculado à determinada ideia de ato pessoal ilícito espontâneo que tenha contribuído ao não recolhimento de tributo, em nada se alterando se estivermos ou não em âmbito de situação empresarial falimentar, que continuará podendo ensejar o alcance de seus representantes em termos de corresponsabilidade tributária apenas e tão somente se diante de fato ilícito pessoal deles, relacionados ao não cumprimento de obrigação tributária (art. 135 do CTN).

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No caso de alocação de corresponsabilidade tributária em face de representantes de empresas supostamente devedoras, o necessário controle de legalidade do ato de inscrição não poderá falhar diante da preservação daquele já aludido ciclo de vida de um crédito tributário, mormente diante de sua fase administrativa condizente à sua formalização (constituição) pelo lançamento11.

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Noutras palavras, falida ou não, as regras do precitado art. 135 do CTN é que comandarão e deverão ser aplicadas em tema de redirecionamento de ação executiva. Verificadas as suas condições legais de aplicação, o redirecionamento será, pois, regular, restando-nos apenas, a partir daí, as já referidas discussões em relação a quem caberia o respectivo ônus probatório, caso já constassem ou não os nomes de seus representantes originariamente do conteúdo de suas certidões de dívida ativa.

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Vale dizer, seria o caso apenas de encamparmos ou não a tese sustentada atualmente pelo colendo STJ, o que, com extrema vênia, não o fazemos.

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Doutrina

A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código de Processo Civil

SUMÁRIO: Introdução; 1 A desconsideração da personalidade jurídica no direito material; 1.1 Artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN); 1.2 Artigo 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC); 1.3 Artigo 34 da Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC); 1.4 Artigo 18, § 3º, da Lei nº 9.847/1999; 1.5 Artigo 4º da Lei de Crimes Ambientais; 1.6 Artigo 50 do Código Civil; 1.7 Artigo 14 da Lei Anticorrupção; 1.8 Artigo 2º da CLT; 2 Quem está sujeito a desconsideração da personalidade jurídica?; 3 O procedimento para desconsideração da personalidade jurídica estabelecido no novo Código de Processo Civil; 4 Considerações de ordem prática; Conclusão; Referências.

Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado da UEN Contencioso Especializado de Lima e Falcão Advogados, Especialista em Direito Público (Pós-Graduação Lato Sensu) pela Faculdade Estácio Recife.

RESUMO: Teoria surgida no direito alienígena, a desconsideração da personalidade jurídica encontrava-se positivada em diversos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro, sem que, contudo, tivesse um regramento que estabelecesse qual seria o seu procedimento. Com o advento do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), finalmente o instituto foi instrumentalizado, garantindo segurança jurídica para sua aplicação. No presente trabalho, procura-se traçar um panorama sobre o tratamento dado pelo ordenamento jurídico ao instituto da desconsideração tanto em seu caráter material, como (e principalmente) nas novas regras procedimentais trazidas pelo NCPC. PALAVRAS-CHAVE: Desconsideração; personalidade jurídica; novo Código de Processo Civil.

INTRODUÇÃO É inegável que, a partir da criação da figura da pessoa jurídica, deixou de ser viável se concentrar a prática de atos empresariais unicamente na figura do empresário. A sofisticação da economia, carecendo do emprego de mão de obra e tecnologia e demandando investimentos, restou por inviabilizar que as atividades desenvolvidas pela indústria, comércio e serviços ficassem adstritas à esfera das pessoas físicas. Se antes o artesão manufaturava o seu produto e o comercializava numa feira para dali obter o lucro necessário para o seu sustento e para a perpetua­ção da sua atividade, na medida em que as relações comerciais passaram a ser mais complexas, o artesão teve de contratar empregados para auxiliar na produção, passando a comercializar sua mercadoria para um intermediário ao invés de diretamente ao consumidor, restando clara a necessidade de se criar algum instrumento que não só descentrali-


zasse a administração da atividade empresarial, como também a fomentasse. Com a criação da pessoa jurídica, permitiu-se que fosse ela a captar recursos e a assumir os riscos patrimoniais da atividade empresarial, possibilitando que diversos investidores passassem a integrar a economia por meio de participações em sociedades empresárias. A partir de sua personificação, as empresas passaram a ter direito a nome, domicílio, capacidade contratual, capacidade processual, existência distinta e autonomia patrimonial1. A importância da separação patrimonial entre a empresa e o empresário para o fomento da economia foi devidamente destacada pelo STJ no EREsp 1.306.553/SC relatado pela Ministra Maria Isabel Gallotti: “A criação teórica da pessoa jurídica foi avanço que permitiu o desenvolvimento da atividade econômica, ensejando a limitação dos riscos do empreendedor ao patrimônio destacado para tal fim”.

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Diante das dificuldades impostas pela complexidade de determinadas atividades econômicas, o compartilhamento de

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1 “A última e mais importante consequência da personificação de uma sociedade é a autonomia patrimonial, isto é, a existência de um patrimônio próprio, o qual responde por suas obrigações. Disso decorre que, a princípio, é o patrimônio da pessoa jurídica a garantia única dos seus credores e, por conseguinte, os credores, a princípio, não possuem pretensão sobre os bens dos sócios. Do mesmo modo, o patrimônio social é imune às dívidas particulares dos sócios. A autonomia significa que as obrigações (créditos e débitos) da pessoa jurídica não se confundem com as obrigações (créditos e débitos) dos sócios, não havendo que se falar em compensação. [...] como corolário da personalidade jurídica, a sociedade assegura aos sócios uma distinção entre seu patrimônio pessoal e o patrimônio para o exercício da atividade.” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2011. p. 229/230)

bens e serviços por parte de pessoas físicas no âmbito de uma sociedade empresária permite que seja obtido um êxito que seria muito difícil de ser alcançado caso os sócios resolvessem empreender atividades empresariais em caráter individual, já que seu desforço coletivo (exercido por meio da pessoa jurídica) torna-se ferramenta para fazer frente aos riscos do negócio2. Entretanto, da mesma forma que se celebra a criação de pessoas jurídicas em razão dos diversos benefícios que a separação do seu patrimônio com relação ao patrimônio pessoal dos sócios que a compõem, há de atentar que se coíbe, com veemência, a utilização de tal separação patrimonial para fins que não se revelem consentâneos com a função social da atividade econômica, com a boa-fé nas relações negociais e com a segurança jurí­dica3. 2 “Para a realização de alguns empreendimentos, por vezes é imprescindível a união de várias pessoas, as quais, todavia, não querem simplesmente entregar recursos para que outra pessoa os administre, mas querem assumir responsabilidades e atuar diretamente na condução do empreendimento. De outro lado, as mesmas pessoas têm medo de comprometer todo o seu patrimônio, preferem não assumir o risco e investem seus recursos em atividades não produtivas.” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2011. p. 231) 3 “Embora a pessoa jurídica também possa atuar no mercado como fornecedor, os bens e serviços no mercado são fornecidos maciçamente por intermédio de pessoas jurídicas. Como se sabe, vigem no Direito brasileiro, acerca da pessoa jurídica, os princípios da autonomia e da separação. O princípio da autonomia atribui personalidade própria à pessoa jurídica, distinta da dos seus membros, sendo ela, e não seus sócios, que pratica condutas, podendo ser sujeito passivo ou ativo em qualquer relação obrigacional. De acordo com o princípio da separação, há uma perfeita distinção entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio dos sócios, que não se confundem. Atribuir a personalidade jurídica a uma pessoa, diferente do ser humano, dando-lhe a capacidade de ser sujeito ativo ou passivo de qualquer relação obrigacional, como uma pessoa comum, interessa não apenas às próprias pessoas que se associam, mas também à coletividade. Entretanto, é evidente que a personalização jurídica des-


ses entes só pode vir para beneficiar a sociedade, desburocratizando as transações, a circulação de bens, enfim, o progresso social. [...] Mas, se à sociedade interessa a constituição de uma pessoa jurídica, esta deixa de considerá-la, enquanto tal, a partir do momento em que ela se vale dos princípios da autonomia da e da separação para prejudicar e lesar terceiros que com ela contratam. Não entende, algumas vezes, o empresário que a empresa não está a serviço apenas de seus interesses. Tanto que ele não pode retirar da pessoa jurídica o numerário que bem entender ou todo o seu patrimônio e transferi-lo para o da pessoa física. O único patrimônio que legalmente pode retirar da empresa habitualmente, sem desconstituí-la, é o lucro apurado. Se, mesmo sem obtenção de lucro, ele retira patrimônio da pessoa jurídica e transfere para o seu nome particular, os credores, que contratam com a pessoa jurídica, ficarão desprotegidos na hora de exigir judicialmente seus créditos. A partir desse momento, a personalidade jurídica deixa de ser um benefício para a coletividade, motivo pelo qual, em determinadas situações, se passou a admitir a sua desconsideração, como que suspendendo o princípio da separação, para fazer com que o patrimônio individual do sócio se confunda com o da própria pessoa jurídica.” (KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 200/201) 4 “O leading case para aplicação desta teoria ocorreu na jurisprudência inglesa, em 1897, e foi o Caso Salomon vs. Salomon & Co., envolvendo o comerciante Aaron Salomon e a sua empresa Salomon & Co. O comerciante Aaron Salomon havia constituído uma company, em conjunto com outros seis membros de sua família, e cedido o seu fundo de comércio à sociedade assim formada, recebendo 20.000 ações representativas de sua contribuição ao capital, enquanto para cada um dos outros membros foi distribuída uma ação apenas. Para a integralização do valor do aporte efetuado, Salomon recebeu ainda obrigações garantidas de dez mil libras esterlinas. A companhia, um ano após, entrou em liquidação, verificando-se que seus bens eram insuficientes para satisfazer as obrigações garantidas, sem que nada sobrasse para os credores quirografários. O liquidante sustentou que a atividade da company era ainda a atividade pessoal de Salomon para limitar a própria responsabilidade, e, em consequência, Aaron Salomon devia ser condenado ao pagamento dos débitos da company, vindo o pagamento de seu crédito após a satisfação dos demais credores quirografários. O Magistrado que conheceu do caso em primeira instância, secundado depois pela Corte de Apelação, acolheu

of the legal entitty, disregard doctrine ou lifting the corporate veil recebeu entre nós o nome de teoria da desconsideração, superação ou penetração da(na) personalidade jurídica. A desconsideração permite “levantar o véu” da personalidade jurídica da sociedade, removendo-se a barreira que separa o seu patrimônio do patrimônio das pessoas físicas que a integram, propiciando que determinadas relações jurídicas havidas pelos sócios passem a ser de responsabilidade da empresa e vice-versa, sempre que, a grosso modo, a separação patrimonial entre as pessoas naturais e a pessoa jurídica esteja violando o interesse público5. esta solicitação, julgando que a company era exatamente apenas uma fiduciária de Salomon, ou melhor, um seu agent ou trustie, que permanecera na verdade o efetivo proprietário do fundo de comércio. A House of Lords acolheu o recurso de Aaron Salomon, para reformar aquele entendimento das instâncias inferiores, na consideração de que a company tinha sido validamente constituída, pois a lei simplesmente requeria a participação de sete pessoas, que no caso não havia perseguido nenhum intuito fraudulento. Esses acionistas, segundo os Lords, haviam dado vida a um sujeito diverso de si mesmos, e, em última análise, não se podiam julgar-se que a company fosse um agent, de Salomon. Em consequência não existia responsabilidade de Salomon para a company e seus credores e era, consequentemente, válido o seu crédito privilegiado.” (FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 272) 5 “Diante de sua concepção como realidade técnica e orgânica, a pessoa jurídica é capaz de direitos e deveres na ordem civil, independentemente dos membros que a compõem, com os quais não tem vínculo. Tal realidade pode ser retirada do art. 45 do Código Civil de 2002, ao dispor que começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro. Fala-se em autonomia da pessoa jurídica quanto aos seus membros, o que constava expressamente no art. 20 do Código Civil de 1916, dispositivo que não foi reproduzido pela atual codificação, sem que isso traga qualquer conclusão diferente. Como decorrência lógica desse enquadramento, em regra, os componentes da pessoa jurídica somente responderão por débitos dentro dos limites do capital social, ficando a salvo o patrimônio individual de-

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Criada no direito anglo-saxão em 18974, o instituto da disregard

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O interesse público (manifestado na letra da lei) restará violado pela separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios sempre que esta se verificar um óbice à boa-fé contratual, à segurança jurídica nas relações empresariais, à proteção ao meio ambiente, à ordem econômica, ao Erário e ao consumidor. Não raro, as pessoas jurídicas são utilizadas para fins atentatórios à função social da propriedade, já que, ao invés de gerar emprego, renda e desenvolver a economia, tornam-se instrumentos para ocultar bens dos sócios, frustrar credores e até mesmo sonegar tributos.

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Em tais casos, há um evidente abuso de direito e um flagrante desvio das finalidades lícitas que devem pautar todas as empresas, fazendo a separação patrimonial entre os bens da sociedade e os bens individuais dos sócios se tornar

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pendendo do tipo societário adotado (responsabilidade in vires). A regra é de que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro se exaure o patrimônio da pessoa jurídica, para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios ou componentes da pessoa jurídica sejam executados. Devido a essa possibilidade de exclusão da responsabilidade dos sócios ou administradores, a pessoa jurídica, por vezes, desviou-se de seus princípios e fins, cometendo fraudes e lesando sociedade ou terceiros, provocando reações na doutrina e na jurisprudência. Visando a coibir tais abusos, surgiu no Direito Comparado a figura da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou teoria da penetração (disregard of the legal entity). Com isso, alcançam-se pessoas e bens que se escondem dentro de uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abuso, além dos limites do capital social (responsabilidade ultra vires).” (TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 348)

um inconveniente, de modo que a lei autoriza o Estado a promover a desconsideração da personalidade jurídica6-7

6 “Desconsideração da pessoa jurídica (disregard of legal entity). Consiste na possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica autônoma da entidade moral sempre que esta venha a ser utilizada para fins fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída, permitindo que o credor de obrigação assumida pela pessoa jurídica alcance o patrimônio particular de seus sócios o administradores para satisfação de seu crédito.” (NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil comentado. 7. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 261) 7 “A regra é de que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro se exaure o patrimônio da pessoa jurídica para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios ou componentes da pessoa jurídica serem executados. Devido a essa possibilidade de exclusão da responsabilidade dos sócios ou administradores, a pessoa jurídica, por vezes, desviou-se de seus princípios e fins, cometendo fraudes e lesando sociedade ou terceiros, provocando reações na doutrina e na jurisprudência. Visando a coibir tais abusos, surgiu a figura da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou teoria da penetração na pessoa física (disregard of the legal entity). Com isso se alcançam pessoas e bens que se escondem dentro de uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abusivos. Tal instituto permite ao juiz não mais considerar os efeitos da personificação da sociedade para atingir e vincular responsabilidades dos sócios, com intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos por eles cometidos, desde que causem prejuízos e danos a terceiros, principalmente a credores da empresa. Dessa forma, os bens particulares dos sócios podem responder pelos danos causados a terceiros. Em suma, o escudo, no caso da pessoa jurídica, é retirado para atingir quem está atrás dele, o sócio ou administrador. Bens da empresa também poderão responder por dívidas dos sócios, por meio do que se denomina como desconsideração inversa ou invertida.” (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 137)


8 “Por personalidade jurídica entende-se a situação fictícia que a lei confere a uma determinada universalidade de pessoas, bens, ou então de pessoas e bens tornando-as assemelhadas às pessoas físicas, no que diz respeito a serem sujeitos ativos e passivos de relações jurídicas. Assim, por exemplo, são pessoas jurídicas as associações civis sem fins lucrativos, as sociedades comerciais, as fundações etc. Ora, sendo assemelhadas às pessoas físicas, no que concerne à capacidade de agir no mundo jurídico, a lei civil parte do pressuposto de que o objetivo social constante dos estatutos ou contratos sociais e suas alterações é o almejado por todos os associados, o que exige deles lealdade, em primeiro lugar, boa-fé e firme propósito de agirem em prol do atingimento dos fins sociais. O Estado, desta forma, ao conceber a criação da pessoa jurídica, partiu exatamente da premissa de que seria utilizada para alcançar fins sociais previamente concebidos. Ao desviar-se de suas finalidades, entretanto, a pessoa jurídica perde sua razão de ser, cabendo ao próprio Estado, mediante o Poder Judiciário, desconsiderá-la. Desconsiderar essa personalidade jurídica, portanto, significa que os sócios passam a responder, com seu patrimônio individual, pelas obrigações sociais, ainda que se revista a sociedade, por exemplo, de responsabilidade limitada ao montante do capital social. E isto em decorrência de alguns abusos e outras circunstâncias, reputadas lesivas à própria sociedade, e a terceiros [...].” (FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso fundamental de direito do consumidor. São Paulo: Atlas, 2007. p. 189) 9 “A personalidade da pessoa jurídica não se confunde com a de seus integrantes nem com a de seus administradores, e isso era norma expressa no art. 20 do Código Civil de 1916. O princípio se sustenta na medida em que a lei atribui personalidade a entidades que especifica (art. 44). Sucede, porém, que, muitas vezes, os sócios ou administradores, agindo contrariamente às finalidades estatutárias ou abusando da personalidade jurídica da pessoa jurídica, acarretam prejuízos a terceiros, quase sempre pela promiscuidade dos negócios próprios com os da entidade que administram. A fim de pôr cobro a esses desvios é que se formou a doutrina conhecida como disregard of legal entity, também chamada doutrina da penetração, para vincular e atingir o patrimônio dos sócios. Adverte, porém, Rubens Requião que ‘não se trata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos’, e prossegue delimitando ‘que a personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso de direito’ (Cur-

Assim, restará desconsiderada a personalidade jurídica da empresa para possibilitar que os bens pessoais dos sócios sejam atingidos em virtude de responsabilização que, a princípio, só deveria afetar os bens da sociedade empresária, admitindo-se ainda o inverso, ou seja, que bens da pessoa jurídica tornem-se objeto de eventual constrição em virtude de atos praticados pelos seus sócios (o que caracteriza a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica10). Estando disciplinada em diversos diplomas legais no Brasil, a desconsideração da personalidade jurídica sempre careceu de uma disciplina que regulamentasse o seu procedimento, o que gerava muitas dúvidas11 na doutrina e jurisprudência acerca de como aplicar tal instituto. so de direito comercial. 22. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 1995. p. 277).” (DUARTE, Nestor. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 3. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2009. p. 60) 10 “Ao invés de desconsiderar a personalidade jurídica para que eventual constrição de bens atinja o patrimônio dos sócios, a desconsideração inversa objetiva atingir os bens da própria sociedade em razão das obrigações contraídas pelo sócio, desde que, da mesma forma que a desconsideração tradicional, sejam preenchidos os requisitos legais.” (DONIZETTI, Elpídio. Novo código de processo civil comentado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73. São Paulo: Atlas, 2015. p. 112) 11 “Muito se discute na doutrina a forma procedimental para a desconsideração da personalidade jurídica. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a desconsideração pode ocorrer em qualquer fase do processo, não havendo que se falar em decadência de um direito potestativo. Existe dúvida, entretanto, de como deve ser conduzido procedimentalmente para se efetivar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresarial. A desconsideração tem natureza constitutiva, considerando-se que por meio dela tem-se a criação de uma nova situação jurídica. Seria possível a criação dessa nova situação jurídica de forma incidental no processo/fase de execução ou caberia ao interessado a propositura de uma ação incidental com esse propósito? Há corrente doutrinária que defende a existência de um processo de conhecimento com os pretensos

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A partir da edição do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), foi instituído um procedimento (nos arts. 133 a 137 da lei) que confere segurança jurídica12

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responsáveis patrimoniais secundários compondo o polo passivo para se discutir os requisitos indispensáveis à desconsideração da personalidade jurídica. Cândido Rangel Dinamarco, ao elaborar parecer a respeito do tema, afirma que ‘seria indispensável colocar esses fatos supostamente caracterizadores da fraude ou da sucessão em algum processo de conhecimento, no qual em sentença o juiz declarasse que a consulente é, ou não é, cotitular da obrigação ou mesmo de responsabilidade por obrigação alheia’. Na realidade, para a corrente doutrinária que defende a existência de um processo para a desconsideração da personalidade jurídica, a maior parte dos doutrinadores afirma que, havendo processo de conhecimento contra a sociedade patrimonial, basta a formação de um litisconsórcio passivo com os sócios. Não seria, portanto, necessário um processo autônomo com o objetivo exclusivo de se determinar a desconsideração, bastando o aproveitamento em contraditório do processo já existente contra a sociedade empresarial devedora. Durante a execução, para uns seria necessário um incidente processual, enquanto para outros uma ação própria para a desconsideração. Por outro lado, há doutrina que afirma que, estando presentes os pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, ‘e o credor consiga prová-los ou ao menos trazer fortes indícios desses fatos, conhecíveis de plano, deverá o juiz determinar a desconsideração, acatando o requerimento do exequente, tornando passíveis de penhora os bens dos terceiros que compõem o quadro societário da executada’.” (TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 552) 12 “A jurisprudência já vinha reconhecendo, sob a égide do CPC revogado, a possibilidade de a desconsideração da personalidade jurídica dar-se incidentalmente no processo, prescindindo, assim, de ação autônoma para sua efetivação. Contudo, a ausência de procedimento específico previsto em lei gerava insegurança jurídica, na medida em que nem sempre se observava a também reconhecida necessidade de citação do sócio para se efetivar a desconsideração. Não raro, a desconsideração da personalidade jurídica e a penhora de bens dos sócios davam-se em decisão interlocutória não precedida do contraditório, obrigando o terceiro atingido em sua esfera jurídica pela decisão a voltar-se contra ela por meio de agravo de instrumento, que não substitui, em hipótese alguma, a defesa

à aplicação do instituto, garantindo previsibilidade e afastando o casuísmo. Nas linhas a seguir, traçaremos um panorama sobre o regramento processual conferido à desconsideração da personalidade jurídica.

1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO MATERIAL Como já dito, no âmbito do direito material, o ordenamento jurídico brasileiro prevê, em diplomas e regimes legais distintos, diversas situações que ensejam a desconsideração da personalidade jurídica. Antes da análise acerca dos dispositivos que preveem hipóteses autorizadoras da desconsideração, há de se esclarecer que em nenhuma delas acolhe-se a possibilidade de despersonificação13 da pessoa jurídica. Desta feita, esclareça-se: nas hipóteses que serão debatidas a seguir, não há casos em que a lei autorize a extinção da sociedade empresária, e sim tão somente o que poderia e deveria ser apresentada em primeiro grau de jurisdição. Os arts. 133 a 137 do atual CPC vieram, assim, trazer segurança jurídica ao tema da desconsideração, transformando em lei o procedimento que já vinha sendo aplicado pela jurisprudência do STJ em diversos julgados.” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 357) 13 “Na verdade, não se pode confundir a desconsideração com a despersonificação da empresa. No primeiro instituto, apenas se desconsidera a regra pela qual a pessoa jurídica tem existência distinta de seus membros. Na despersonificação, a pessoa jurídica é dissolvida. Sendo assim, no caso de ser deferida a desconsideração da personalidade jurídica pelo juiz da causa, deve-se manter a pessoa jurídica no polo passivo da demanda e incluir os sócios e administradores.” (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 139)


1.1 Artigo 135 do Código Tributário Nacional (CTN) Talvez a primeira das hipóteses legais de aplicação da disregard doctrine previstas no ordenamento jurídico brasileiro,

14 “Claro está que a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade que serviu como escudo para a prática de atos fraudulentos, abusivos, ou em desvio de função não pode significar, ressalvadas hipóteses excepcionais, a sua aniquilação. A empresa é um polo de produção e de empregos. O afastamento da personalidade deve ser temporário e tópico, perdurando apenas no caso concreto, até que os credores se satisfaçam no patrimônio pessoal dos sócios infratores, verdadeiros responsáveis pelos ilícitos praticados. Ressarcidos os prejuízos, sem prejuízo de simultânea responsabilização administrativa e criminal dos envolvidos, a empresa, por força do próprio princípio da continuidade, poderá, desde que apresente condições jurídicas e estruturais, voltar a funcionar. Entretanto, reconhecemos que, em situações de excepcional gravidade, poderá justificar-se a despersonalização, em caráter definitivo, da pessoa jurídica, entendido tal fenômeno como a extinção compulsória, pela via judicial, da personalidade jurídica.” (GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil. parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2011. p. 269) 15 “A desconsideração da pessoa jurídica não atinge a validade do ato constitutivo, mas a sua eficácia episódica. Uma sociedade que tenha a autonomia patrimonial desconsiderada continua válida, assim como válidos são todos os demais atos que praticou. A separação patrimonial em relação aos seus sócios é que não produzirá nenhum efeito na decisão judicial referente àquele específico ato objeto da fraude. Esta é, inclusive, a grande vantagem da desconsideração em relação a outros mecanismos de coibição da fraude, como a anulação ou dissolução da sociedade. Por apenas suspender a eficácia do ato constitutivo, no episódio sobre o qual recai o julgamento, sem invalidá-lo, a teoria da desconsideração preserva a empresa, que não será necessariamente atingida por ato fraudulento de um de seus sócios, resguardando-se, desta forma, os demais interesses que gravitam ao seu redor, como o dos empregados, dos demais sócios, da comunidade etc.” (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 154)

o art. 13516 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966) adotou a teoria maior17-18 da desconsideração da personalidade jurídica, já que, para se levantar o véu do ente coletivo e assim desconsiderar a autonomia patrimonial que há entre os sócios e a empresa, é necessário que os responsáveis tributários atuem com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: As pessoas referidas no art. 134 do CTN, em regra, respondem de modo subsidiário, em relação aos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis, e apenas se o contribuinte não tiver condições de cumprir a obrigação tributária. Entretanto, quando agirem dolosamente, em contrariedade à lei, ao contrato ou aos estatutos, em prejuízo não só do Fisco, mas também do contribuinte, sua 16 “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” 17 “A importância do princípio da autonomia patrimonial nos leva, todavia, a aplicar a desconsideração com cautela, apenas em casos excepcionais, atendidos determinados requisitos, vale dizer, a regra é que prevaleça o princípio da autonomia patrimonial. Apenas em situações excepcionais é que se pode cogitar da aplicação da desconsideração. Essas situações excepcionais representam os requisitos fundamentais de aplicação da desconsideração. Para a chamada teoria maior da desconsideração, não basta o descumprimento de uma obrigação por parte da pessoa jurídica; é necessário que tal descumprimento decorra do desvirtuamento de sua função. A personificação é um instrumento legítimo de destaque patrimonial e, eventualmente, de limitação de responsabilidade, que só pode ser descartado caso o uso da pessoa afaste-se dos fins para os quais o direito a criou.” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2011. p. 239/240) 18 “Em virtude da adoção da teoria maior da desconsideração, é necessário comprovar, para fins de desconsideração da personalidade jurídica, a prática de ato abusivo ou fraudulento por gerente ou administrador.” (STJ, REsp 1315110/SE, 2011/0274399-2, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 28.05.2013, DJe 07.06.2013)

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afastamento momentâneo14 e específico15 da sua personalidade jurídica.

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responsabilidade passa a ser pessoal. Essa é a razão da remissão “às pessoas referidas no artigo anterior”, que mostra, ainda, que o mero inadimplemento não pode ser condição para a incidência do art. 135 do CTN, pois, do contrário, o inciso I do art. 135 tornaria inócuo todo o art. 134. O art. 135, III, do CTN cuida da responsabilidade de terceiros que tenham administrado a pessoa jurídica contribuinte, representando-a (ou presenteando-a, para usar a linguagem de Pontes de Miranda), como diretores, administradores ou gerentes. Não é necessário, nem suficiente, que sejam sócios. Um sócio poderá responder se for sócio-gerente, sendo juridicamente impossível responsabilizar o sócio meramente quotista, a menos que se configure situação que autorize a aplicação conjunta dos arts. 135, I, e 134, VII, do CTN (dissolução irregular da sociedade). Em outros termos, se se tratar de aplicação do art. 135, III, do CTN, o sócio meramente quotista não é responsável, e o “sócio-gerente responde por ser gerente, não por ser sócio” [...]. Pode ocorrer de o terceiro, mesmo ostentando a denominação de “diretor”, não haver praticado atos de gestão. Naturalmente, o ônus de provar essa peculiaridade será dele, mas, de qualquer sorte, em tais hipóteses não haverá responsabilidade nos termos do art. 135, III, do CTN. [...] O inadimplemento de um débito tributário até pode configurar infração de lei, mas essa infração, em condições ordinárias, é praticada pelo contribuinte, ou seja, no caso do art. 135, III, do CTN, pela pessoa jurídica, e não pelo seu representante, não sendo, portanto, causa para a sua responsabilização. Apenas quando este atua fora de sua competência, com excesso de poderes, em prejuízo do Fisco e da própria pessoa jurídica, pode-se falar em infração de lei. E nem poderia ser mesmo diferente, sob pena de a responsabilidade das pessoas indicadas no art. 135 do CTN deixar de ser uma exceção à regra de que o tributo é devido pela sociedade, e passar a ser uma regra sem exceções. Por isso, “a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, circunstância que acarrete a responsabilidade solidária dos terceiros, nomeadamente dos sócios-gerentes, pelos débitos tributários da empresa (art. 135 do CTN)”. (SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Código Tributário Nacional: anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e às Leis Complementares nºs 87/1996 e 116/2003. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 260)

Registre-se o caráter excepcional de tal responsabilização prevista no CTN, já que, ao responsabilizar diretores, gerentes ou representantes em caráter pessoal pelo pagamento dos créditos da pessoa jurídica contribuinte quando estes forem correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos

praticados com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos, está o diploma legal instituindo verdadeira responsabilidade subjetiva (já que vai se aferir a atuação ilegal ou com excesso de poderes do responsável tributário19) para a incidência da obrigação tributária quando em regra a responsabilidade é objetiva20.

1.2 Artigo 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) Por seu turno, consagrando a chamada teoria menor21-22 da desconsideração da personalidade jurídica, o caput e principalmen19 “A responsabilidade tributária prevista no art. 135 do CTN é subjetiva e refere-se às infrações à lei comercial, civil, trabalhista etc., e não ao mero inadimplemento da obrigação tributária.” (STJ, REsp 923909/RS, 2007/0007785-2, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJ 24.06.2008, DJe 14.08.2008) 20 “A responsabilidade tributária é, em regra, objetiva, e tem por causa a mora, fato objetivo caracterizado pela impontualidade no pagamento do crédito tributário.” (STJ, REsp 1161661/AL, 2009/0199963-8, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJ 17.06.2010, DJe 28.06.2010) 21 “A respeito da desconsideração da personalidade jurídica, a melhor doutrina aponta a existência de duas grandes teorias, a saber: a) teoria maior – a desconsideração, para ser deferida, exige a presença de dois requisitos: o abuso da personalidade jurídica + o prejuízo ao credor. Essa teoria foi adotada pelo art. 50 do CC/2002; b) teoria menor – a desconsideração da personalidade jurídica exige um único elemento, qual seja, o prejuízo ao credor. Essa teoria foi adotada pela Lei nº 9.605/1998 – para os danos ambientais – e, supostamente, pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.” (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 138) 22 “Fábio Ulhoa Coelho ressalta a existência de uma linha de entendimento, que afirma que não há requisitos específicos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Essa teoria, chamada de teoria menor, afirma que basta o não pagamento de um crédito para se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica. Se a sociedade não tiver


Assim, nos termos do CDC, mesmo que não haja fraude ou abuso de direito na relação da empresa e os seus sócios para com os seus credores, a mera existência de uma dívida proveniente de uma relação de consumo pode ser capaz de ensejar a penetração na personalidade jurídica da sociedade para fins de possibilitar o atendimento do interesse do consumidor lesado: A respeito da desconsideração da personalidade jurídica no CDC, é importante registrar que tal instituto se encontra regulamentado justamente no Capítulo IV, que cuida da qualidade dos produtos e serviços e da reparação de danos ao consumidor. Isto demonstra a intenção clara do legislador em dar efetividade aos direitos do consumidor, quando tenha seus direitos violados por conta de um acidente de consumo ou de um vício do produto. Não basta dar-lhe uma sentença de mérito favorável, reconhecendo seus direitos; o importante é que o consumidor tenha seu eventual crédito totalmente recebido, seja da pessoa jurídica ou da pessoa física do sócio. O art. 28 fala expressamente em desconsideração da pessoa jurídica. Entretanto, das hipóteses enumeradas pelo legislador para a aplicação do instituto, pode-se dizer que foram criadas outras situações permissivas da desconsideração, além da fraude e do abuso de direito, que não eram tratadas pela doutrina, patrimônio para honrar suas obrigações, mas os sócios forem solventes, deve-se aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2011. p. 241/242) 23 “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. [...] § 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”

anteriormente [...]. Parece que as situações indicadas no caput do art. 28 são meramente exemplificativas. É que a disposição contida no § 5º autoriza o Magistrado a desconsiderar a personalidade jurídica e obrigar pes­soalmente os sócios pelo ressarcimento dos prejuízos causados, toda vez que a personalidade for obstáculo para tanto. É como se a disposição do § 5º atuasse como caput e as situações listadas no caput do art. 28 atuassem como incisos meramente exemplificativos. [...] E qual poderá ser este obstáculo de que fala o § 5º do art. 28? Parece-me que aqui a simples ausência de bens penhoráveis na pessoa jurídica, ainda que seus sócios não tenham procedido com fraude ou abuso de direito, é suficiente para que se proceda à desconsideração. [...] Entretanto, o entendimento anteriormente exposto deve cingir-se às hipóteses de acidente de consumo, previstas nos arts. 12 e 14 do CDC para dar efetividade à reparação dos danos, seja de ordem material ou moral, causados pelos produtos e serviços. [...] Ou seja, a desconsideração, nos termos em que está disciplinada no CDC, encontra também respaldo no risco da atividade econômica, que deve ser suportado pelo capitalista e não pelo consumidor. E o ressarcimento de que fala o § 5º do art. 26 é exatamente a indenização a que faz jus o consumidor em decorrência do acidente de consumo. Se a pessoa jurídica, a sua autonomia patrimonial, constitui o obstáculo ao recebimento da indenização, seja pela ocorrência de fraude, abuso de direito, falência, ou até mesmo pela simples falta de bens penhoráveis no seu patrimônio, deve esta ser desconsiderada para atingir os bens particulares dos sócios.” (KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 203/205)

1.3 Artigo 34 da Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) Em sede de direito regulatório econômico, o revogado art. 1824 da Lei nº 8.884/1994 (Lei de criação do Cade) e 24 “Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”

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te o § 5º do art. 2823 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) permitem ao juiz aplicar o instituto sempre que a personalidade jurídica do ente coletivo se mostre um empecilho para o ressarcimento do consumidor.

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o art. 3425 da Lei nº 12.529/2011 (Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) dão azo ao debate se, na seara administrativa, seria admissível ao Estado desconsiderar a personalidade jurídica de empresas por meio de ato administrativo. Analisando a questão num caso concreto que envolvia um certame licitatório, o STJ admitiu, em precedente isolado, a possibilidade de a Administração Pública, com base no princípio da moralidade, desconsiderar a personalidade jurídica de uma sociedade empresária: A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. (STJ, RMS 15166/BA, 2002/0094265-7, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJ 07.08.2003, DJ 08.09.2003, p. 262; RDR, v. 27, p. 378; RSTJ, v. 172, p. 247)

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Também considerando válida a atuação administrativa neste particular, o Tribunal de Contas da União proferiu decisões na qual ele próprio promovia a superação da personalidade jurídica, citando-se, como exemplo, o Acórdão nº 1.327/2012-Plenário:

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Em caso de fraude comprovada, é possível a responsabilização não só da empresa, mas também dos sócios, de fato ou de direito, a partir da desconsideração da personalidade jurídica da instituição empresarial. (TCU, Acórdão nº 1.327/2012-Plenário, TC 008.267/2010-3, Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 30.05.2012) 25 “Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”

Contudo, registre-se que o STF concedeu, em caráter liminar, medida que suspendeu um acórdão do TCU onde se decidiu pela desconsideração da personalidade jurídica, destacando-se, entre outros argumentos, a existência de posicionamentos da doutrina26 no sentido de considerar que a aplicação da disregard doctrine está adstrita à reserva jurisdicional, sendo, portanto, defeso ao Estado aplicá-la: Ocorre, no entanto, que razões de prudência e o reconhecimento da plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte impetrante impõem que se outorgue, na espécie, a pretendida tutela cautelar, seja porque esta Suprema Corte ainda não se pronunciou sobre a validade da aplicação da disregard doctrine no âmbito dos procedimentos administrativos, seja porque há eminentes doutrinadores, apoiados na cláusula constitucional da reserva de jurisdição, que entendem imprescindível a existência de ato jurisdicional para legitimar a desconsideração da personalidade jurídica (o que tornaria inadmissível a utilização dessa técnica por órgãos e Tribunais administrativos), seja porque se mostra relevante examinar o tema da desconsideração expansiva da personalidade civil em face do princípio da intranscendência das sanções administrativas e das medidas restritivas de direitos, seja, ainda, porque assume significativa importância o debate em torno da possibilidade de utilização da disregard doctrine, pela própria Administração Pública, agindo pro domo sua, examinada essa específica questão na perspectiva do princípio da legalidade. (STF, MS 32.494-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello)

Como não há posicionamento definitivo da nossa Suprema Corte acerca da possibilidade de a desconsideração da personalidade jurídica ser efetuada pela Administração Pública, a presunção de 26 “A desconsideração da pessoa jurídica é ato privativo do juiz, que, também, não agirá de ofício, dependendo de iniciativa da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo. A decisão fixará quais relações ou obrigações serão estendidas aos sócios ou administradores, de modo que a pessoa jurídica não se extingue, mas é apenas afastado o véu protetor, para que os bens particulares daqueles respondam pelos atos abusivos ou fraudulentos.” (DUARTE, Nestor. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. Sob a coordenação de Cezar Peluso. 3. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2009. p. 60)


constitucionalidade do art. 34 da Lei nº 12.529/2011 autorizaria concluir que seria lícito ao Estado (no caso, os integrantes do SBDC – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência: o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda) desconsiderar a personalidade jurídica de empresas por meio de ato administrativo.

ca – Cade e a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda quando da aplicação do art. 34 da Lei nº 12.529/2011, ou seja, quando forem promover em sede administrativa a desconsideração da personalidade jurídica, deverão observar, fazendo-se as adequações necessárias, o procedimento previsto nos arts. 133 a 137 do Novo Código de Processo Civil.

Em razão do disposto no art. 1527-28-29-30 do NCPC, é possível defender que o Conselho Administrativo de Defesa Econômi-

1.4 Artigo 18, § 3º, da Lei nº 9.847/1999

térprete entender que é disso que se trata.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo (livro eletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 45) 31 “Art. 18. Os fornecedores e transportadores de petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade, inclusive aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem ou rotulagem, que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor. (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005) [...] § 3º Poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica da sociedade sempre que esta constituir obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao abastecimento nacional de combustíveis ou ao Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis.”

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27 “Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.” 28 “[...] na ausência de norma específica, a disciplina do processo civil tem caráter geral – isto é, transetorial.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado (livro eletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 55) 29 “A despeito da inexistência de dispositivo semelhante no CPC revogado, a introdução do art. 15 no CPC atual em nada altera o estado de coisas anterior, em que se reconhecia a aplicação subsidiária do CPC, como norma fundamental, a todo o ordenamento jurídico, inclusive aos processos regidos por leis especiais.” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 79) 30 “O legislador disse menos do que queria. Não se trata somente de aplicar as normas processuais aos processos administrativos, trabalhistas e eleitorais quando não houver normas, nestes ramos do direito, que resolvam a situação. A aplicação subsidiária ocorre também em situações nas quais não há omissão. Trata-se, como sugere a expressão ‘subsidiária’, de uma possibilidade de enriquecimento, de leitura de um dispositivo sob um outro viés, de extrair-se da norma processual eleitoral, trabalhista ou administrativa um sentido diferente, iluminado pelos princípios fundamentais do processo civil. A aplicação supletiva é que supõe omissão. Aliás, o legislador, deixando de lado a preocupação com a própria expressão, precisão da linguagem, serve-se das duas expressões. Não deve ter suposto que significam a mesma coisa, se não, não teria usado as duas. Mas como empregou também a mais rica, mais abrangente, deve o in-

Finalizando as considerações acerca da superação da personalidade jurídica no direito regulatório econômico e fazendo-se as mesmas ressalvas já feitas com relação ao art. 34 da Lei nº 12.529/2011, registre-se que o § 3º do art. 1831 da Lei nº 9.847/1999 concede à ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) o poder de promover, em sede administrativa, a desconsideração da personalidade jurídica de empresas que infrinjam as normas pertinentes ao exercício de atividades relativas à indústria do petróleo, à indústria de biocombustíveis, ao abastecimento nacional de combustíveis, ao Sistema Nacional de Estoques de

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Combustíveis e ao Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis.

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1.5 Artigo 4º da Lei de Crimes Ambientais

para alcançar os bens dos sócios apenas e tão somente nos casos em que a indenização devida pela pessoa jurídica pela prática de infrações às normas penais e administrativas contra o meio ambiente também redunde de responsabilidade civil.

Estranhamente deslocado em um diploma que dispõe sobre sanções penais e administrativas em face de infrações contra o meio ambiente, o art. 4º32 da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) permite a superação da personalidade jurídica para fins de reparação civil:

Destarte, quando as infrações às normas penais e administrativas contra o meio ambiente derem azo apenas a sanções de natureza pecuniária e não ao ressarcimento decorrente de responsabilidade civil, não há de se cogitar em levantar o véu corporativo da pessoa jurídica.

Embora seja instituto importante, transferindo a responsabilidade da pessoa jurídica aos sócios, caso aquela se torne insolvente, diz respeito à área civil e não penal. Outra não poderia ser a interpretação em face do disposto no art. 5º, XLV, da CF: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Portanto, qualquer pena de caráter pecuniário aplicada à pessoa jurídica, caso ela torne insolvente, não poderá ser executada – o mesmo se dá quando a pessoa física é, criminalmente, condenada ao pagamento de multa. A pena não passará da pessoa do delinquente. Logo, não se poderia desconsiderar a pessoa jurídica, buscando ressarcimento penal diretamente dos sócios. Estes, aliás, somente seriam obrigados a cumprir pena – ainda que pecuniária – se forem condenados como coautores, mas cada um cumpre sua parte da sentença, não sendo responsável pela do corréu. Se a pessoa jurídica, no entanto, em razão do ilícito penal, ficar obrigada a repará-lo civilmente, há possibilidade de se desconsiderar a pessoa jurídica, voltando-se a cobrança aos sócios, conforme o caso. (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 881/882)

Entretanto, esclareça-se que a dicção do art. 4º da Lei de Crimes Ambientais só autoriza a superação da personalidade jurídica 32 “Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”

1.6 Artigo 50 do Código Civil Diferentemente do § 5º do art. 28 do CDC, do art. 34 da Lei do SBDC e do art. 4º da Lei de Crimes Ambientais, o art. 5033 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002) adotou, a exemplo do art. 135 do CTN, a chamada teoria maior34 da desconsideração da personalidade jurídica. 33 “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.” 34 “Para analisar o cabimento da desconsideração, o Magistrado deverá verificar se foram preenchidos os requisitos estabelecidos em lei (art. 134, § 4º). O art. 50 do Código Civil, por exemplo, que consagra a chamada teoria maior da desconsideração, prevê a necessidade do preenchimento dos seguintes requisitos: (i) o requisito objetivo, que consiste na insufi­ ciência patrimonial do devedor; e (ii) o requisito subjetivo, consistente no desvio de finalidade ou confusão patrimonial através da fraude ou abuso de direito. Para a aplicação da teoria da desconsideração, não basta estar presente apenas o primeiro requisito. Deve, pois, também estar demonstrada, no caso concreto, a existência de uma conduta culposa do sócio ou a sua intervenção abusiva ou fraudulenta de utilizar os bens da sociedade para fins diversos daqueles permitidos em lei (requisito subjetivo).” (DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comen-


tado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73. São Paulo: Atlas, 2015. p. 115) 35 “A desconsideração será possível, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir, se o abuso consistir em: a) desvio de finalidade; b) confusão patrimonial. No primeiro caso, desvirtuou-se o objetivo social, para se perseguirem fins não previstos contratualmente ou proibidos por lei. No segundo, a atuação do sócio ou administrador confundiu-se com o funcionamento da própria sociedade, utilizada como verdadeiro escudo, não se podendo identificar a separação patrimonial entre ambos. Nas duas situações, faz-se imprescindível a ocorrência de prejuízo – individual ou social –, justificador da suspensão temporária da personalidade jurídica da sociedade.” (GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2011. p. 272) 36 “Desvio de finalidade. A identificação do desvio de finalidade nas atividades da pessoa jurídica deve partir da constatação da efetiva desenvoltura com que a pessoa jurídica produz a circulação de serviços ou de mercadorias por atividade lícita, cumprindo ou não o seu papel social, nos termos dos traços de sua personalidade jurídica. Se a pessoa jurídica se põe a praticar atos ilícitos ou incompatíveis com sua atividade autorizada, bem como se com sua atividade favorece o enriquecimento de seus sócios e sua derrocada administrativa e econômica, dá-se ocasião de o sistema de direito desconsiderar sua personalidade e alcançar o patrimônio das pessoas que se ocultam por detrás de sua existência jurídica.” (NERY JUNIOR, Nelson. Código civil comentado. 7. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 261/262) 37 “Confusão patrimonial. Também é aplicada a desconsideração nos casos em que houver confusão entre o patrimônio dos sócios e da pessoa jurídica. Essa situação decorre da não separação do patrimônio do sócio e da pessoa jurídica por conveniência da entidade moral. Neste caso, o sócio responde com seu patrimônio para evitar prejuízos aos credores, ressalvada a impenhorabilidade do bem de família e os limites do patrimônio da família.” (NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil comentado. 7. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 262)

tanto da teoria maior subjetiva38 como da teoria maior objetiva da desconsideração da personalidade jurídica: O art. 50 representa um nítido avanço na sistematização e consagração de soluções reconhecidas pela jurisprudência, especialmente quanto à desconsideração da personalidade jurídica (Nichtbeachtung der juristischen Personen), cuja atenção se volta especialmente para o regime das sociedades (Medicus, Allgemeiner Teil des BGB, p. 455: “weil sie für Verein und Stifung kaum Bedeutung hat”). Apesar da complexidade do tema proposto pelo art. 50, a finalidade da desconsideração é simples, como informa Menezes Cordeiro: “O levantamento destina-se, precisamente, a evitar que, a coberto da personalidade coletiva, os agentes possam, contra o sistema, contornar situações de responsabilidade que lhes seriam imputáveis” (O levantamento da personalidade colectiva, p. 164). Várias são as hipóteses práticas que podem levar à aplicação da desconsideração, as quais são enquadráveis em sua generalidade: a) no abuso de direito; b) abuso específico da personalidade; c) no desvio da finalidade da empresa; c) infração à lei ou do contrato social que vise a prejudicar as relações constituídas e amparadas pela boa-fé; d) e a confusão patrimonial, especialmente na sociedade unipessoal. Esta última situação merece exame cuidadoso, especialmente pela possibilidade expressa de limitação da responsabilidade, pelo sistema atual (art. 980-A). As construções do quadro probatório para fins de aplicação da desconsideração dependerão do caso concreto, embora algumas sejam mais simples quanto à sua constatação, como na hipótese de subcapitalização da empresa com o objetivo de contratar e limitar a futura responsabilidade da pessoa jurídica. (MEDINA, José Miguel. Código Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 101) 38 “Uma primeira vertente pode ser chamada de teoria subjetiva, na qual o pressuposto fundamental da desconsideração é o desvio da função da pessoa jurídica, que se constata na fraude e no abuso de direito relativos à autonomia patrimonial, pois a desconsideração nada mais é do que uma forma de limitar o uso da pessoa jurídica aos fins para os quais ela é destinada. A autonomia patrimonial da pessoa jurídica só subsiste quando ela é usada para seus devidos fins, isto é, quando ela não se confunde com os sócios e quando não é utilizada para fins não merecedores de tutela de acordo com o ordenamento jurídico.” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2011. p. 240/241)

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As hipóteses35 para que ocorra uma determinação judicial autorizando a penetração na personalidade jurídica previstas no art. 50 do Código Civil são o desvio de finalidade36 e a confusão patrimonial37, o que denota a coexistência no nosso ordenamento

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A pessoa jurídica é uma realidade autônoma, capaz de direitos e obrigações, independentemente de seus membros, pois efetua negócios sem qualquer ligação com a vontade deles, e, além disso, se a pessoa jurídica não se confunde com as pessoas naturais que a compõem, se o patrimônio da sociedade não se identifica com o dos sócios, fácil será lesar credores, mediante abuso de direito, caracterizado por desvio de finalidade, tendo-se em vista que os bens particulares dos sócios não podem ser executados antes dos bens sociais, havendo dívida da sociedade. Por isso o Código Civil pretende que, quando a pessoa jurídica se desviar dos fins determinantes de sua constituição, ou quando houver confusão patrimonial, em razão do abuso da personalidade jurídica, o órgão judicante, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, está autorizado, com base na prova material do dano, a desconsiderar, episodicamente, a personalidade jurídica, para coibir fraudes de sócios que dela se valeram como escudo, sem importar essa medida numa dissolução da pessoa jurídica. Com isso subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa jurídica, distinta da pessoa de seus sócios, mas tal distinção é afastada, provisoriamente, para dado caso concreto, estendendo a responsabilidade negocial aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica [...]. Ter-se-á a ineficácia temporária da personalidade jurídica para determinados efeitos, afastando a fraude perpetrada contra terceiro mediante a utilização da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, prosseguindo incólume para atender suas finalidades sociais. (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 100/101)

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Para o STJ, o art. 50 do Código Civil (e consequentemente a teoria maior da desconsideração) caracteriza-se como uma regra geral para a superação da personalidade jurídica, devendo os efeitos decorrentes da suspensão momentânea e episódica da separação patrimonial entre a empresa e seus sócios alcançar apenas as pessoas físicas que agiram de forma ilícita ou se beneficiaram da ilicitude: 3. A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro, prevista no art. 50 do CC/2002, consagra a teoria maior da desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. 4. Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (teoria maior subjetiva da desconsideração), caracterizado

pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (teoria maior objetiva da desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. 5. Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se beneficiaram, ainda que se trate de sócio majoritário ou controlador. (STJ, REsp 1325663/SP, 2012/0024374-2, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 11.06.2013, DJe 24.06.2013)

1.7 Artigo 14 da Lei Anticorrupção No direito administrativo, a Lei nº 12.846/2013 (a chamada Lei Anticorrupção), ao dispor sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, previu, em seu art. 14, a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica das empresas que sejam utilizadas para praticar os atos coibidos pelo art. 5º39 do aludido diploma legal: 39 “Art. 5º Constituem atos lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II – com­provadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta lei; III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV – no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;


Sobre a possibilidade de a Administração Pública promover sponte propria, ou seja, sem recorrer ao Judiciário, a desconsideração da personalidade jurídica, cabem aqui as mesmas considerações feitas quando da análise do art. 34 da Lei nº 12.529/2011 e do § 3º do art. 18 da Lei nº 9.847/1999.

1.8 Artigo 2º da CLT Por fim, diga-se que, muito embora já tenha sido considerado um exemplo de positivação da disregard doctrine no ordenamento jurídico brasileiro 40, entendemos que o e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração Pública; V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.” 40 “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine –, conquanto encontre amparo no direito positivo brasileiro (art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, art. 4º da Lei nº 9.605/1998, art. 50 do CC/2002, entre outros), deve ser aplicada com cautela, diante da previsão de autonomia e existência de patrimônios distintos entre as pessoas físicas e jurídicas.” (STJ, REsp 693235/MT, 2004/0140247-0, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 17.11.2009, DJe 30.11.2009)

§ 2º 41 do art. 2º da CLT não configura uma hipótese de desconsideração da pessoa jurídica como as demais aqui analisadas, já que aqui não se desconsidera a autonomia patrimonial da empresa para alcançar os bens dos sócios ou vice-versa, pois o que ocorre na hipótese prevista na norma juslaboral é a possibilidade de se penetrar na personalidade jurídica para considerar que ela integra um grupo econômico42-43 em que existe uma natureza da relação de dominação44 entre as empresas participantes (com unicidade 41 “Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. [...] § 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.” 42 “Grupo econômico é um conglomerado de empresas que, embora tenham personalidade jurídica própria, estão sob o controle administrativo ou acionário de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de outra atividade econômica.” (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 385) 43 “Preferimos definir o grupo econômico como um conjunto de empresas no qual uma das integrantes pode exercer o domínio sobre as demais.” (MEIRELES, Edilton. Grupo econômico trabalhista. São Paulo: LTr, 2002. p. 80 apud CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito do trabalho. 6. ed. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 320) 44 “A relação que deve haver entre as empresas do grupo econômico é uma relação de dominação, mostrando a existência de uma empresa principal, que é a controladora, e as empresas controladas. A dominação exterioriza-se pela direção, controle ou administração. O requisito principal é o controle de uma empresa sobre outra, que consiste na possibilidade de uma empresa exercer influência dominante sobre outra, mesmo não tendo a maioria das ações, mas sim o número suficiente para controlá-la. A administração decorre da organização do grupo, do poder de uma empresa se investe em relação a outra, quanto à orientação e ingerência de seus órgãos.” (MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 78)

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Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.

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de controle45 e direção46), podendo tal natureza ser de: a) de direção, quando há efetivo controle, por meio do exercício do poder diretivo (diretivo, de fiscalização e disciplinar); b) de controle, quando se verifica a possibilidade do exercício de uma influência dominante, de uma empresa sobre a outra, a fim de subordinar a sua atuação à consecução de suas finalidades; ou c) de administração, quando há uma organização destinada a um fim comum.

A disregard doctrine tem um papel importantíssimo, mas deve ser aplicada com cautela para conter os casos efetivos de desvio de propósito da pessoa jurídica. Trata-se de uma forma de correção. Os pressupostos para a sua aplicação são: a) existência da pessoa jurídica distinta dos seus sócios. Logo, deverá ter situação de registro e existência, pois quando for uma sociedade de fato, a responsabilidade será automaticamente voltada para os seus membros; b) a sociedade deve ter responsabilidade limitada, pois, se fosse ilimitada, a desconsideração seria desnecessária [...]. (MEDINA, José Miguel. Código Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 101/102)

2 QUEM ESTÁ SUJEITO A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA?

Assim, não estão sujeitas à desconsideração as chamadas sociedades despersonificadas, como: a) a sociedade em comum (também conhecida como sociedade de fato ou sociedade irregular), caracterizada por não ter seus atos constitutivos registrados na Junta Comercial, uma vez que nelas os sócios assumem responsabilidade solidária e ilimitada pelos atos praticados pela sociedade; e b) a sociedade em conta de participação, em que apenas o sócio ostensivo responde perante terceiros em face das obrigações contraídas47.

Como bem esclarece a doutrina, só podem ser objeto de medidas (administrativas ou judiciais) visando a desconsiderar a personalidade jurídica as sociedades personificadas e em que haja responsabilidade limitada dos sócios:

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A própria terminologia usada deixa claro que a desconsideração só tem cabimento quando estivermos diante de uma pessoa jurídica, isto é, de uma sociedade personificada. Sem a existência de personalidade, não há o que desconsiderar. (TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: teoria geral e direito societário. 3. ed. São Paulo: Atlas, v. 1, 2011. p. 229/230)

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45 “O controle, segundo Octavio Bueno Magano, é a ‘possibilidade do exercício de uma influência dominante de uma empresa sobre a outra, subordinando os bens a ela atribuídos à consecução de suas finalidades’. Ele poderá ser administrativo ou acionário. Já a direção é a efetivação do controle. Consiste, como assevera o mesmo autor, ‘no poder de subordinar pessoas e coisas à realização dos objetivos da empresa’, enquanto a administração é a submissão de uma empresa à orientação e à interferência de órgãos administrativos de outra.” (BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 385) 46 “[...] sempre que houver uma gestão única de todas elas, haverá um grupo de empresas.” (CAIRO JÚNIOR, José. Curso de direito do trabalho. 6. ed. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2011. p. 320)

Registre-se ainda que Amador Paes de Almeida entende que as empresas submetidas à recuperação judicial não estão sujeitas à desconsideração da personalidade jurídica48 (pelo menos não a que for fundamentada no art. 50 do Código Civil): 47 “‘Na sociedade em conta de participação, o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata’ (REsp 168.028/SP). Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (STJ, REsp 192.603/SP, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, J. 15.04.2004, DJ 01.07.2004, p. 197) 48 Todavia, é bom pontuar que o STJ não vislumbra tal óbice: “1. Nos termos da Súmula nº 480/STJ: ‘O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa’. 2. Desse modo, não configura conflito positivo de competência a apreensão, pela Justiça Es-


Por outro lado, estão sujeitas à desconsideração da personalidade jurídica: a) as sociedades empresárias, b) as sociedades simples, c) as sociedades anônimas, d) as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não econômicos (conforme entendimento contido no Enunciado nº 28449 da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e pecializada, por eventual aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine), de bens de sócios ou dos diretores da sociedade em recuperação, porquanto tais medidas não implicam a constrição de bens vinculados ao cumprimento do plano de reorganização da sociedade empresária, tampouco interferem em atos de competência do juízo da recuperação. 3. Os bens dos sócios ou dos diretores da devedora não estão sob a tutela do juízo da recuperação judicial, a menos que haja decisão deste em tal sentido. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, AgRg-EDcl-CC 130436/MT, 2013/0333637-8, 2ª S., Rel. Min. Raul Araújo, DJ 27.11.2013, DJe 19.12.2013) 49 “284. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins não econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica.”

e) as sociedades de economia mista50 e empresas públicas51 que explorem atividade econômica, já que, por mandamento constitucional, se submetem ao mesmo regime jurídico das demais empresas privadas que integram o mercado52-53. 50 “Agravo de instrumento. Recurso de revista. Execução. Legitimidade passiva. Estado. Responsabilidade subsidiária. 1. Não importa em violação direta e literal dos arts. 5º, II e LV, e 173 da Constituição Federal a decisão proferida em execução em que, não obstante o silêncio do título exequendo, declara a responsabilidade subsidiária da unidade da federação ao pagamento de verbas trabalhista devidas por sociedade de economia mista integrante da Administração Pública estadual, da qual o Estado é sócio majoritário e controlador. A desconsideração da personalidade jurídica do ente público (Companhia Alagoana de Recursos Humanos e Patrimoniais – CARHP), justificada ante a inexistência de patrimônio próprio para cumprir o débito trabalhista, remete a questão ao plano infraconstitucional, insuscetível de reexame em recurso de revista interposto em fase de execução. 2. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.” (TST, AI-RR 1853007020005190005, 18530070.2000.5.19.0005, 4ª T., Rel. João Oreste Dalazen, DJ 13.11.2013, DEJT 22.11.2013) 51 “Agravo de instrumento. Execução. Desconsideração da personalidade jurídica. Execução direcionada contra o Estado. Acionista majoritário. Não viola a Constituição da República a desconsideração da personalidade jurídica de empresa pública, com o consequente direcionamento da execução ao ente federado instituidor. Juros de mora. Recurso desfundamentado a teor da Súmula nº 266 do TST e do art. 896, § 2º, da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TST, AI-RR 1630000920025010050, 8ª T., Relª Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ 03.06.2015, DEJT 08.06.2015) 52 “Quanto às relações com terceiros, fornecedores e empreiteiros, estas estão submetidas, no Brasil, em face do art. 173, § 1º, II, ao direito privado, na sua pureza.” (MUKAI, Toshio. O direito administrativo e os regimes jurídicos das empresas estatais. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 303) 53 “De início, observemos o já anteriormente referido art. 173, § 1º, da CF. Como já salientado anteriormente, seja no seu texto original, seja no texto hoje vigente, nossa Lei Maior firma a diretiva de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista que exploram atividade econômica deverão sujeitar-se sempre ‘ao regime jurídico próprio das empresas

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No período de recuperação judicial, o devedor é mantido na condução da atividade empresarial, podendo, porém, ser destituído, entre outros fatos, se agir com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores. Assim, deferido o pedido de recuperação judicial, estando suspensas as ações contra o devedor (exceto quanto ao processo do trabalho – até a fixação do crédito trabalhista para posterior habilitação no juízo cível da recuperação), não há fundamento legal para a invocação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mesmo porque ausentes os seus pressupostos fundamentais, a saber: desvio de finalidade ou confusão patrimonial (art. 50 do CC). (ALMEIDA, Amador Paes de. Execução dos bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica (doutrina e jurisprudência). 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 210)

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3 O PROCEDIMENTO PARA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ESTABELECIDO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

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O novo Código de Processo Civil instituiu – nos seus arts. 133 a 137 – o procedimento judicial (obrigatório e aplicável também à Justiça do Trabalho54 e aos juizados especiais, conforme dicção dos arts. 1555,

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privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários’. A intenção do legislador parece ser clara. Seu desejo é o de equiparar as empresas estatais a empresas privadas comuns para que, no exercício de suas atividades privadas, atuem em condição igualitária, ou ao menos a mais equivalente possível. Devem ter os mesmos direitos e os mesmos deveres. Sendo assim, parece-nos rigorosamente correto afirmar que as empresas públicas, as sociedades de economia mista que explorem atividade econômica e suas subsidiárias jamais poderão receber da legislação infraconstitucional qualquer tipo de tratamento privilegiado que as coloque em patamar jurídico diferenciado daquele em que estão situadas as empresas comuns, de modo a que possam vir a receber qualquer favorecimento especial na sua atuação.” (CARDOZO, José Eduardo Martins. O dever de licitar e os contratos das empresas estatais que exercem atividade econômica. In: Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, v. III, 2006. p. 784/785) 54 Enunciado nº 124 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho deve ser processada na forma dos arts. 133 a 137, podendo o incidente ser resolvido em decisão interlocutória ou na sentença”. 55 “Etimologicamente, existe uma diferença entre aplicação supletiva e aplicação subsidiária. A primeira se destina a suprir algo que não existe em uma determinada legislação, enquanto a segunda serve de ajuda ou de subsídio para a interpretação de alguma norma ou mesmo um instituto. Todavia, na prática, tem-se confundido a etimologia destas palavras, aplicando, uma ou outra, nos dois sentidos. A propósito, o art. 769 da CLT afirma que, ‘nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, e assim tem ocorrido com aplicação de inúmeros institutos previstos no CPC ou em leis específicas. É o caso, por exemplo, e respectivamente, das regras que dispõem sobre a tutela antecipada e da lei que regulamenta o mandado de segurança (Lei nº 12.016/2009). É justamente no processo do trabalho que o novo Código de Processo Civil terá grande utilidade. Isto porque

795, § 4º56 e 1.06257 do referido diploma) para se promover a des­con­sideração da personalidade jurídica. Em linhas gerais, a desconsideração da personalidade jurídica no NCPC é uma intervenção de terceiros58 que provoca necesa CLT, que contém reduzido número de artigos que regulamentam os conflitos trabalhistas (um título com oito capítulos), foi elaborada em 1940, e, apesar do grande avanço para a época, encontra-se, hoje, longe da realidade e desatualizada. Nesta linha, algumas inovações processuais do novo Código de Processo Civil terão importante papel no processo trabalho, como o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137) e o incidente de resolução de demandas repetitivas (arts. 976 a 987) etc. No que se refere ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica, é comum na justiça do trabalho a aplicação indiscriminada do instituto, com a imediata determinação da penhora online nas contas dos sócios, sem que a eles seja sequer dada oportunidade de defesa, isto porque dificilmente os sócios participaram da relação jurídica processual. Ora, os eventuais abusos cometidos pelos sócios de algumas empresas, que não cumprem as suas obrigações trabalhistas, não justificam, por si só, a generalização que hoje ocorre, sem que sejam observados, minimamente, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Assim, a partir da vigência do novo Código de Processo Civil, a Justiça do Trabalho só poderá desconsiderar a personalidade jurídica da empresa depois de assegurar o procedimento previsto nos arts. 133 a 137 do novo CPC.” (CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. In: WAMBIER, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários do Código de Processo Civil (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 69/70) 56 “Art. 795. [...] § 4º Para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código.” 57 “Art. 1.062. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao processo de competência dos juizados especiais.” 58 “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é uma novidade trazida pelo CPC/2015. Trata-se de uma espécie de intervenção de terceiros que não era encontrada no CPC/1973 e que recebeu disciplina processual expressa pelo novo diploma legal com o objetivo de harmonizar a desconsideração da personalidade jurídica com o princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV, e CPC/2015, arts. 7º, 9º e 10).” (SOUZA, André Pagani de. Código de Processo Civil anotado. Sob a coordenação de José Rogério Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo


O Código de Processo Civil inclui, entre as modalidades de intervenção de terceiro, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se, na verdade, de um incidente processual que provoca uma intervenção forçada de terceiro (já que alguém estranho ao processo – o sócio ou a sociedade, conforme o caso –, será citado e passará a ser parte no processo, ao menos até que seja resolvido o incidente). Caso se decida por não ser caso de desconsideração, aquele que foi citado por força do incidente será excluído do processo, encerrando-se assim sua participação. De outro lado, caso se decida pela desconsideração, o sujeito que ingressou no processo passará a ocupar a posição de demandado, em litisconsórcio com o demandado original. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica, então, pode acarretar uma ampliação subjetiva da demanda, formando-se, por força do resultado nele produzido, um litisconsórcio passivo facultativo. (CÂMARA, de Carvalho Aprigliano, Sandro Gilbert Martins, Rogéria Fagundes Dotti. Curitiba: AASP, OAB/PR, 2015. p. 227) 59 “Importante notar que o conceito de parte na demanda ou no processo não se confunde com o conceito de parte material, que é o sujeito que participa da relação de direito material que constitui o objeto do processo. Dessa forma, mesmo que não seja o titular dessa relação de direito material, mas participe do processo, o sujeito será considerado parte processual, independentemente da legalidade de sua presença no processo. É por isso que, mesmo sendo parte ilegítima, o sujeito é considerado parte processual pelo simples fato de participar do processo. Significa que o sócio será parte, querendo ou não, tendo ou não legitimidade para participar da execução.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 148) 60 Enunciado nº 125 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Há litisconsórcio passivo facultativo quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica, juntamente com outro pedido formulado na petição inicial ou incidentemente no processo em curso”.

Alexandre Freitas. In: WAMBIER, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários do Código de Processo Civil (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 513)

Nos termos do NCPC, tal procedimento de ampliação subjetiva da demanda (verdadeiro incidente cognitivo61), por acarretar o risco de constrição judicial do patrimônio daquele que passa a integrar a lide, necessariamente estará submetido ao crivo do contraditório: Importante, ainda, é registrar que este incidente – que não estava previsto expressamente na legislação processual anterior – vem assegurar o pleno respeito ao contraditório e ao devido processo legal no que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica. É que sem a realização desse incidente, o que se via era a apreensão de bens de sócios (ou da sociedade, no caso de desconsideração inversa) sem que fossem eles chamados a participar, em contraditório, do processo de formação da decisão que define sua responsabilidade patrimonial. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ao tempo da legislação processual anterior, admitia a desconsideração da personalidade jurídica sem prévia citação daqueles que seriam atingidos pelos efeitos da decisão, diferindo-se o contraditório. (STJ, REsp 1266666/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 09.08.2011). Este entendimento, porém, contraria frontalmente o modelo constitucional de processo brasileiro, já que admite a produção de uma decisão que afeta 61 “A utilização de um incidente cognitivo para desconsiderar a personalidade jurídica é prescrita pelos arts. 133 a 137 do CPC/2015 como forma de garantir que o princípio do contraditório seja observado sempre que, por determinação judicial, os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica. Com a instauração deste incidente, permite-se que seja estabelecido o contraditório entre aquele que pede a desconsideração da personalidade jurídica e aquele que poderá sofrer os seus efeitos, de maneira que o juiz realize a sua cognição e profira a sua decisão no curso de um processo pendente, sem prejudicar o direito de defesa do integrante da pessoa jurídica.” (SOUZA, André Pagani de. Código de Processo Civil anotado. Sob a coordenação de José Rogério Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Sandro Gilbert Martins, Rogéria Fagundes Dotti. Curitiba: AASP, OAB/PR, 2015. p. 227)

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sariamente uma mudança no polo passivo da demanda, já que, num primeiro momento, haverá sua ampliação59 (com a formação de litisconsórcio passivo60), em razão da inclusão do sócio (ou da pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa e da desconsideração fundada na CLT) e, num segundo momento, poderá ocorrer sua substituição, com a exclusão do réu/executado original:

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diretamente os interesses de alguém sem que lhe seja assegurada a possibilidade de participar com influência na formação do aludido pronunciamento judicial (o que só seria admitido, em caráter absolutamente excepcional, nas hipóteses em que se profere decisão concessiva de tutela de urgência, e mesmo assim somente nos casos nos quais não se pode aguardar pelo pronunciamento prévio do demandado). Ora, se ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, então é absolutamente essencial que se permita àquele que está na iminência de ser privado de um bem que seja chamado a debater no processo se é ou não legítimo que seu patrimônio seja alcançado por força da desconsideração da personalidade jurídica. (CÂMARA, Alexandre Freitas. In: WAMBIER, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários do Código de Processo Civil (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 514)

Desta forma, ao instrumentalizar a desconsideração da personalidade jurídica, o NCPC criou procedimentos para alterar não só o polo passivo da demanda como também a responsabilidade patrimonial (art. 78962 do NCPC), sem, contudo, descurar do contraditório e da ampla defesa. Tecidas essas considerações gerais, passemos a analisar um a um os artigos do NCPC que regulam a desconsideração da personalidade jurídica.

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No art. 133 e seus respectivos parágrafos, o NCPC começa apresentando a desconsideração da personalidade em sua forma incidental:

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Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. 62 “Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.”

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsidera­ção inversa da personalidade jurídica.

O dispositivo deixa evidente que o juiz só atua mediante provocação das partes, de modo que, não havendo expresso pedido da parte ou do Ministério Público, é vedado ao julgador sequer cogitar63 em promover o afastamento da personalidade do ente coletivo: De acordo com o NCPC, não há possibilidade de atuação jurisdicional sem o requerimento da parte ou do Ministério Público; ou seja, é vedado ao juiz, de ofício, determinar a inclusão do sócio ou do administrador no polo passivo da demanda, para fins de desconsideração da personalidade jurídica. O art. 133 do NCPC está em consonância com o art. 50 do Código Civil, que também prevê o expresso requerimento do interessado ou do Ministério Público, não se podendo cogitar de atuação ex officio. (DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73. São Paulo: Atlas, 2015. p. 112) O pedido de desconsideração da pessoa jurídica deve ser necessariamente formulado pela parte ou pelo Ministério Público, este quando estiver no processo atuando como custos legis (fiscal da lei). Não é possível atuação do juiz sem provocação da parte. O art. 133, § 1º, deixa claro que os pressupostos de aplicação desta teoria que leva à 63 “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica não pode ser instaurado de ofício, dependendo sempre de provocação da parte interessada ou, quando atue no processo, do Ministério Público. O dispositivo está em plena consonância com o que dispõe o art. 50 do CC/2002, que expressamente exige provocação da parte (ou do Ministério Público) para a desconsideração da personalidade jurídica, mas vem eliminar o risco de que, nas causas regidas pela legislação consumerista, se desse ao art. 28 do CDC (que é silente sobre o ponto) interpretação no sentido de que ali seria possível desconsiderar-se ex officio a personalidade jurídica. Fica claro, então, que a desconsideração da personalidade jurídica jamais poderá ser decretada de ofício, dependendo, sempre, de provocação.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. In: WAMBIER, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários do Código de Processo Civil (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 515/516)


Entretanto, a vedação à atuação ex officio do juiz em sede de penetração da personalidade jurídica repousa no sistema previsto no NCPC, uma vez que o § 2º64 do art. 82 da Lei de Recuperação Judicial e Falências alberga-se tal possibilidade: Há casos especiais em que a legislação permite adoção de medidas de ofício pelo juiz em decorrência da descon­ideração da personalidade jurídica, como ocorre no art. 82, § 2º, da Lei nº 11.101 (regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária). Trata-se, contudo, de exceção à regra geral estabelecida no CPC. (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 362)

64 “Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil. § 1º Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo. § 2º O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização.”

Entre outras determinações, o art. 134 do NCPC disciplina o momento processual65-66 em que pode ser formulado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, bem como a possibilidade de ele integrar o bojo da peça vestibu­-

65 “Pode-se suscitar o incidente de desconsideração da pessoa jurídica em qualquer fase do processo e em qualquer tipo de processo, seja qual for o procedimento. É indiferente que o processo esteja em 1º ou em 2º grau de jurisdição. Já na fase de recurso especial ou extraordinário, não é possível a suscitação do incidente, já que é a Constituição Federal que disciplina a competência dos Tribunais Superiores e, ademais, por causa dos estreitos limites do efeito devolutivo destes recursos, que estão adstritos à questão federal ou à questão constitucional, revestida esta última de repercussão geral, seria despropositado admitir-se um incidente cujos limites pudessem extrapolar o da questão discutida nestes recursos.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 253/254) 66 “É claro que poderá o órgão julgador julgar inconveniente a instauração do incidente em determinados casos e, com isso, indeferi-la, sem prejuízo de renovação do requerimento em momento posterior. Isto porque se a desconsideração da personalidade jurídica serve para que ‘os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico’, não haveria interesse processual em se instaurar o incidente, por exemplo, em grau de apelação contra sentença que julgou improcedente a demanda, na medida em que nem sequer o reconhecimento da obrigação do réu verificar-se-ia na hipótese.” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 364)

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alteração da responsabilidade patrimonial estão previstos na lei material, já que o conflito entre as partes pode ter fundamento no direito civil, no direito do consumidor etc. [...] Os pressupostos para a incidência deste mecanismo são diferentes em diversos ramos do direito material, mas a disciplina processual é uma só: em caso algum pode haver a instauração de ofício deste incidente. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 252)

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lar67 e assim dispensar68 a sua apresentação por meio de incidente:

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

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§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

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67 “Há casos em que o demandante, já na petição inicial (de processo cognitivo ou executivo), postula a desconsideração da personalidade jurídica. Nesse caso, a citação do sócio ou da sociedade (esta no caso de desconsideração inversa) já será requerida originariamente. Ocorrendo esse requerimento originário, a demanda terá sido proposta em face do indigitado devedor da obrigação (seja a sociedade, seja o sócio) e, também, em face de terceiro (o sócio ou a sociedade, conforme o caso) que, não obstante estranho à relação obrigacional deduzida no processo, pode ser considerado também responsável pelo pagamento. Formar-se-á, aí, então, um litisconsórcio passivo originário entre a sociedade e o sócio. E em razão desse litisconsórcio originário não haverá qualquer motivo para a instauração do incidente. Afinal, nesse feito a pretensão à desconsideração integrará o próprio objeto do processo, cabendo ao juiz, ao proferir decisão sobre o ponto, acolher ou rejeitar tal pretensão. Sendo originário o litisconsórcio entre sociedade e sócio, não haveria como tratar o indigitado responsável (não devedor), seja ele o sócio, seja a sociedade (no caso de desconsideração inversa), como terceiro, motivo pelo qual não haveria qualquer sentido em instaurar-se um incidente que tem por fim promover uma intervenção de terceiro. Ressalvado esse caso, porém, a instauração do incidente é obrigatória para que se possa ampliar subjetivamente o processo e, com isso, legitimar-se a decisão que determina que a execução contra a sociedade atinja o patrimônio do sócio (ou vice-versa).” (CÂMARA, Alexandre Freitas. In: WAMBIER, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários do Código de Processo Civil (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 521) 68 “Não será necessária a instauração do incidente, logicamente, quando o pedido de desconsideração da personalidade jurídica for realizado na própria petição inicial, hipótese em que o sócio (ou a pessoa jurídica, na desconsideração inversa) será citado como parte já de início. Neste caso, tampouco há falar em suspensão do processo, uma vez que a desconsideração da personalidade jurídica já integra seu objeto original.” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 364/365)

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

O art. 134 também deixa claro que o incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo69, quer no processo de conhecimento, na fase recursal (à exceção óbvia das instâncias extraordinárias) ou quando da fase executiva: O incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode instaurar-se em qualquer tipo de processo, cognitivo ou executivo, seja qual for o procedimento observado, comum ou especial. Pode, ainda, instaurar-se em qualquer fase do desenvolvimento processual, inclusive na fase executiva que o processo civil brasileiro designa por “cumprimento de sentença”. É possível, inclusive, que o incidente se instaure perante os tribunais, seja nos processos de competência originária, seja em grau de recurso, como se extrai do disposto no parágrafo único do art. 136, que prevê a possibilidade de decisão do incidente por relator. Caso o incidente se instaure no curso de um processo cognitivo (ou na 69 “De acordo com a redação do art. 134, o incidente é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento da sentença e na execução fundada em título extrajudicial. Logo, quem pretender a desconsideração não precisará aguardar a sentença ou acórdão para pleitear a medida. Prova disso é que o § 2º possibilita à parte requerer a desconsideração ainda na petição inicial, hipótese em que será desnecessária a instauração do incidente. Ressalte-se que a medida também é aplicável no âmbito dos processos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis, nos termos do novo art. 1.062.” (DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73. São Paulo: Atlas, 2015. p. 114/115)


Sendo a desconsideração da personalidade jurídica requerida de forma incidental, o § 3º do art. 134 prevê a suspensão70 do feito. O que é passível de discussão é a abrangência de tal suspensão, conforme leciona José Miguel Medina: De acordo com o § 3º do art. 134, a instauração do incidente suspenderá o processo. Não nos parece acertado suspender-se todo o processo, em razão da instauração do incidente. Mais adequado cingir-se eventual suspensão à questão da desconsideração – nada impedindo a prática 70 “A instauração do incidente de desconsideração implica suspensão do processo, salvo quando requerida na petição inicial, hipótese em que o sócio ou sociedade serão citados para responder ao incidente no prazo para a defesa. Suspenso o processo, fica resguardada ao juiz a prerrogativa de determinar atos urgentes (art. 314). Frise-se, ainda, que independentemente da suspensão, o incidente deve ser decidido antes do mérito, uma vez que o seu resultado pode inserir novos réus no processo, os quais terão suas garantias processuais violadas se contra eles incidir decisão prolatada anteriormente.” (DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73. São Paulo: Atlas, 2015. p. 115)

de outros atos executivos, por exemplo, no curso do procedimento. (MEDINA, José Miguel. Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 227)

Sobre a suspensão da marcha processual prevista § 3º do art. 134, veja-se também o entendimento de Ruy Zoch Rodrigues: A suspensão do processo prevista no art. 134, § 3º, faz sentido para a generalidade dos casos, que ocorrem ao tempo da penhora na execução/cumprimento de sentença para cobrança de valor pecuniário, quando se revela a falta de patrimônio penhorável. A decisão do tema incidental se torna, aí, condição para o ato seguinte do processo – a penhora –, com o que não há como prosseguir a execução, que fatalmente ficará suspensa. Entretanto, a desconsideração não se limita àquelas hipóteses. Por isso, e porque a lógica do NCPC prestigia a celeridade com menos destaque à formalidade, parece que a melhor exegese do § 3º do art. 134 deva ser a de que o processo em que tem curso a questão principal só se suspende em vista do incidente se o tema incidental constituir condição para o prosseguimento. Fora disso, não. E tudo remete à possibilidade de autuação apartada, a fim de se garantir celeridade e melhor organização procedimental. Ainda sobre suspensão, a parte final do § 3º do art. 134, que remete ao § 2º, não significa que o mero posicionamento topográfico do incidente (na inicial) seja o elemento-chave para definir se o processo deve ser suspenso ou não. Até porque o § 2º sequer trata de tema propriamente incidente, mas de hipóteses menos frequentes em que a desconsideração compõe a lide principal, ainda que acessoriamente. Inclusive ações reais ou reipersecutórias, nas quais, ao tempo da propositura, tendo-se já claro qual é o bem (ou conjunto de bens) apto à satisfação da parte autora, esse patrimônio se encontra desviado (ao sócio ou à sociedade). Nessas hipóteses, a desconsideração da personalidade jurídica é proposta na inicial e não suspende o andamento do processo, porque está ligada ao objeto principal. (RODRIGUES, Ruy Zoch. Novo Código de Processo Civil anotado/OAB. Porto Alegre: OAB RS, 2015. p. 145)

Ainda sobre o pedido de desconsideração feito em caráter incidental, há de se atentar que nele deverá se demonstrar (e não alegar, em que pese o entendimento de Daniel Amorim

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fase de conhecimento de um processo “sincrético”), e vindo a ser proferida decisão que desconsidere a personalidade jurídica, o sócio (ou a sociedade, no caso de desconsideração inversa) passará a integrar o processo como demandado. Consequência disso é que a sentença poderá afirmar sua condição de responsável pela obrigação, o que tornará possível fazer com que a execução atinja seu patrimônio, nos termos do art. 790, II. De outro lado, não tendo sido instaurado o incidente durante o processo de conhecimento, sempre será possível postular a desconsideração da personalidade jurídica na fase de cumprimento da sentença. Neste caso, assim como ocorrerá quando o incidente for instaurado no curso de execução fundada em título extrajudicial, sendo proferida a decisão que desconsidera a personalidade jurídica, o sócio (ou a sociedade, no caso de desconsideração inversa) assumirá a posição de executado, de modo que sobre seu patrimônio passará a ser possível incidir a atividade executiva. (CÂMARA, Alexandre Freitas. In: WAMBIER, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários do Código de Processo Civil (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 519)

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Assumpção Neves71) que houve o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica (ou seja, os requisitos previstos no direito material):

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O incidente tem cabimento em todas as fases do processo, assim na fase de conhecimento e na de cumprimento de sentença. Também cabe nas execuções fundadas em título extrajudicial. Trata-se, em qualquer caso, de incidente predestinado à criação (ou à ampliação) do título executivo (judicial ou extrajudicial) para permitir a prática de atos executivos em face de quem, até então, não consta, como devedor, do título que embasa o cumprimento de sentença ou a execução. O pedido de sua instauração, com a demonstração da presença dos pressupostos materiais, será comunicado imediatamente ao distribuidor, que fará as anotações cabíveis, suspendendo o processo, salvo se o requerimento for feito com a petição inicial, hipótese que, em rigor, nenhuma relação tem com o instituto ora anotado. Neste caso, que está previsto no § 2º, a situação parece se amoldar melhor à ocorrência de um litisconsórcio, ainda que formulado a título eventual e provavelmente fundado em diversa causa de pedir, isto é, na hipótese de a pessoa jurídica não ter condições de arcar com sua responsabilização. (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 133)

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71 “Como toda petição postulatória, a petição que veicula o pedido para a instauração do incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica deve conter fundamentação (pressupostos legais para a desconsideração) e pedido (desconsideração e penhora sobre o bem dos sócios). Nesse sentido, deve-se compreender o § 4º do art. 134 do Novo CPC, que não foi feliz em prever que no requerimento cabe à parte demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais para a desconsideração, o que pode passar a equivocada impressão de que o requerente terá que apresentar prova pré-constituída e liminarmente demonstrar o cabimento da desconsideração. Na realidade, o requerente não deve demonstrar, mas apenas alegar o preenchimento dos requisitos legais para a desconsideração, tendo o direito à produção de prova para convencer o juízo de sua alegação, inclusive conforme expressamente previsto nos arts. 135 e 136 do novo CPC, ao preverem expressamente a possibilidade de instrução probatória no incidente ora analisado.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 143/144)

O que nos parece sensato é que essa demonstração do preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica exigida pelo § 4º do art. 134 deve se dar à luz da verossimilhança das alegações do requerente e não num juízo de cognição exauriente, conforme bem esclarece Guilherme Rizzo Amaral: Ao requerer a instauração do incidente, deve a parte ou o Ministério Público demonstrar os preenchimentos legais específicos para a desconsideração. Note-se que, aqui, o juízo de admissibilidade do incidente não será um juízo de certeza nem mesmo de preponderância de provas, mas, sim, de verossimilhança das alegações do requerente. É o que basta para a instauração do incidente, sendo que a efetiva comprovação dos pressupostos legais da desconsideração é exigida apenas para a desconsideração propriamente dita da personalidade jurídica, a ser determinada em decisão final do incidente após sua devida instrução. (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 364)

Diferentemente do que ocorre quando o pedido de desconsideração é formulado por meio de incidente, quando ele se dá na exordial, não há necessidade de suspensão do processo e, como bem apontam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, não é necessário se demonstrar, de imediato, que houve o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica, permitindo-se que as provas de tal demonstração sejam carreadas durante o trâmite do processo: O incidente de desconsideração é cabível em qualquer tipo de processo e em qualquer momento do processo. Na instância recursal, a atribuição é do relator, embora de sua decisão caiba recurso de agravo interno para o colegiado (art. 136, parágrafo único, do CPC). Se a desconsideração é requerida na petição inicial, o contraditório se faz na própria contestação, dispensando a realização de incidente autônomo. Nesse caso, para o processo, devem também ser citados o sócio ou a pessoa jurídica que poderão ser atingidos pela desconsideração. Não haverá suspensão do processo e a prova dos requisitos para a desconsideração devem ser trazidos no curso do processo. Se requerida em outro momento, o incidente suspende o curso do processo até sua decisão. Será objeto de petição própria, em que o requerente demonstrará a satisfação dos pressupostos


materiais para a desconsideração. Além da oitiva da parte contrária, também deverão ser citados para o contraditório o sócio ou a sociedade que poderão ser atingidos pela desconsideração. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 208/209)

bem patente um cenário no qual há uma ampliação subjetiva momentânea da demanda, já que haverá um réu no incidente de desconsideração de personalidade jurídica que poderá a vir se tornar o réu da ação principal em substituição ao réu originário:

Demonstrando uma grande preocupação em manter a superação da personalidade jurídica como uma medida excepcional, o legislador garantiu, no art. 135 do NCPC, que a autonomia patrimonial entre a empresa e os seus sócios só será afastada após o inevitável oferecimento do contraditório para aquele que poderá a vir sofrer com os efeitos da decisão (de modo que não haverá constrição judicial de patrimônio72 sem a possibilidade de defesa): “Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”.

Em atenção à garantia do contraditório e da ampla defesa, uma vez instaurado o incidente, a pessoa jurídica ou o sócio – conforme o caso – será citada para apresentar defesa e, se necessário, requerer as provas cabíveis, no prazo de 15 dias. A regra vale quando o requerimento se der de forma incidental. (DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73. São Paulo: Atlas, 2015. p. 116)

72 “Apesar da ampliação do instituto, o NCPC condicionou o deferimento da medida – pleiteada na petição inicial ou em caráter incidental – à prévia citação do sócio ou da pessoa jurídica (art. 134, § 2º, parte final, e art. 135). O que a nova legislação pretende é evitar a constrição judicial dos bens do sócio (ou da pessoa jurídica, na hipótese da desconsideração inversa) sem qualquer possibilidade de defesa.” (DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73. São Paulo: Atlas, 2015. p. 115) 73 “A citação (e não mera intimação) dos sócios ou terceiros é indispensável, estabelecendo-se, de maneira incidental ao processo em curso, independentemente da fase que ele se encontre, o cabível contraditório sobre a existência, ou não, de fundamento para a desconsideração da personalidade jurídica pretendida. O prazo para defesa é de quinze dias.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 134) 74 Como contraponto, registre-se a posição de Guilherme Rizzo Amaral, que pugna pela possibilidade de intimação para apresentação da manifesta-

ção, muito embora ele não esclareça como alguém possa fazer já parte do processo principal e ainda assim dar azo à instauração do incidente de desconsideração de personalidade jurídica: “Embora o dispositivo faça menção à citação, caso uma dessas pessoas já seja parte no processo principal, poderá ela ser intimada na pessoa de seu advogado constituído nos autos, sendo desnecessária a adoção da forma de citação para o ato. Isto porque, sendo a citação ‘o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual’ (art. 238), não há sentido na sua realização caso o destinatário já integre a relação processual originária” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 365/366).

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Ao fazer referência à citação (e não intimação, como bem ressalta Cassio Scarpinella Bueno73-74), o art. 135 do NCPC deixa

Bem, como dito acima, o réu, no incidente, terá 15 dias para se manifestar (e a terminologia do Código impõe que o nome da peça seja manifestação, não defesa ou muito menos contestação, muito embora o conteúdo da petição, por óbvio, assemelhe-

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-se àquela última75-76). Ao contrário de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero77, entendemos que não há motivos para, estando presentes as condições estabelecidas no art. 22978 do NCPC, não se dobrar o prazo para os réus no incidente apresentarem suas manifestações (basta, por exemplo, que a desconsideração alcance mais de um sócio da empresa

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75 “O sócio ou a pessoa jurídica, citados para integrar a relação processual, têm em suas manifestações todos os contornos de verdadeira contestação, submetendo-se inclusive, na hipótese de não apresentação da defesa, aos efeitos da revelia, entre os quais a presunção de veracidade dos fatos afirmados por quem requereu a desconsideração da personalidade jurídica, desde que as alegações deste sejam verossímeis (arts. 344 e 345, IV).” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 366) 76 “O CPC 135 apenas fala em ‘manifestação’ do sócio ou da pessoa jurídica. Pressupõe-se, então, que essa manifestação se dará por meio de petição. Mas nessa petição deverão ser apresentadas todas as alegações e argumentos pelos quais não seria possível o reconhecimento de confusão patrimonial ou desvio de finalidade, bem como requeridas as provas necessárias. É praticamente uma contestação àquele pedido incidente.” (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil (livro eletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.201/1.202) 77 “Os interessados (a parte contrária e o sócio ou a sociedade que poderão ser atingidos pela desconsideração) deverão ouvidos no prazo comum de quinze dias. Não se aplica aqui a causa de aumento de prazo prevista no art. 229 do CPC. Os terceiros, que não compõem os polos da relação processual (sócio ou sociedade que podem ser atingidos pela decisão), deverão ser citados para o incidente, podendo oferecer defesa no prazo de quinze dias.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 209) 78 “Art. 229. Os litisconsortes que tiverem diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos, terão prazos contados em dobro para todas as suas manifestações, em qualquer juízo ou tribunal, independentemente de requerimento. § 1º Cessa a contagem do prazo em dobro se, havendo apenas 2 (dois) réus, é oferecida defesa por apenas um deles. § 2º Não se aplica o disposto no caput aos processos em autos eletrônicos.”

e que cada um deles tenha seu próprio advogado). Por fim, caso o réu no incidente não se manifeste, há de se aplicar os efeitos da revelia: Citado o sócio ou a pessoa jurídica, terá 15 (quinze) dias para se manifestar e requerer provas que pretende produzir. O fato de a lei exigir que haja citação do requerido indica: 1) que se trata, realmente, do réu do incidente; 2) e que, se acolhido no mérito o requerimento de desconsideração, este passará a ser réu no processo em que o incidente foi suscitado. Silente o requerido, incidem, a nosso ver, os efeitos da revelia (art. 319 do CPC/1973). Se este, ao contrário, se defender, o juiz deferirá as provas para depois, decidir.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 254)

Embora discordemos de tal opinião, por a considerarmos equivocada (por atentar contra expressa previsão legal), há de se registrar o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves e André Pagani de Souza no sentido de que seria possível um contraditório diferido no qual a desconsideração da personalidade jurídica poderia anteceder a manifestação do réu: Ao prever que, instaurado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou a pessoa jurídica será citada para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de quinze dias, o art. 135 do novo CPC consagrou a exigência do contraditório tradicional para a desconsideração da personalidade jurídica, exigindo a intimação e a oportunidade de manifestação dos sócios e da sociedade antes de ser proferida a decisão. [...] É preciso registrar que a previsão legal que exige o contraditório tradicional não afasta peremptoriamente o contraditório diferido na desconsideração da personalidade jurídica, apenas tornando-o excepcional. Dessa forma, sendo preenchidos os requisitos típicos da tutela de urgência e do pedido de antecipação dos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, entendo admissível a prolação de decisão antes da intimação dos sócios e da sociedade. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 144/145)


Finalizando a análise do art. 135 do NCPC, que preconiza a obrigatoriedade do contraditório antes de acolher o pedido incidental de desconsideração da personalidade jurídica, há de se esclarecer que, quando tal pedido se dá na petição inicial, cabe ao réu impugnar na sua contestação não só o pedido de superação da personalidade do ente coletivo, como também todos os demais: Enunciado nº 248 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: Quando a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, incumbe ao sócio ou à pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa.

Em seu art. 136, o NCPC categorizou a decisão que resolve o incidente de desconsideração da personalidade como interlocutória, passível, portanto, de questionamento mediante a interposição de agravo de instrumento (art. 1.015, IV79, do NCPC), agravo interno (caso o incidente tenha sido ajuizado e decidido na segunda instância) ou agravo de petição (no caso do processo do trabalho80): 79 “Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: [...] IV – in­cidente de desconsideração da personalidade jurídica; [...]” 80 Enunciado nº 126 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “No processo do trabalho, da decisão que resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de execução cabe agravo de petição, dispensado o preparo”.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resol­vido por decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo in­terno.

Coerente a decisão do legislador em classificar a decisão que resolve o incidente de desconsideração de personalidade jurídica como interlocutória, uma vez que, nos termos do § 1º do art. 20381 do NCPC, considera-se sentença “o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução”. Como a decisão que resolve o incidente não encerra a fase cognitiva ou executiva do processo (já que o incidente é um processo assessório), enquadra-se como decisão interlocutória nos termos § 2º82 do art. 203 do NCPC. O art. 136 deve ser interpretado em conjunto com o art. 1.015, IV, do NCPC (que prevê a possibilidade de a decisão que resolve o incidente ser questionada por meio de agravo de instrumento), já que, a princípio, as decisões interlocutórias são irrecorríveis: A decisão de mérito proferida no incidente (assim entendida a decisão que resolve o mérito próprio do incidente, isto é, que acolhe ou rejeita a pretensão de desconsideração da personalidade jurídica) é apta a alcançar a autoridade de coisa julgada material, tornando-se imutável e indiscutível. Após seu trânsito em julgado, só será possível desconstituí-la por meio de ação rescisória, nos casos previstos no art. 966 do CPC. O pronunciamento judicial que resolve o incidente tem natureza de decisão interlocutória, já que não põe termo ao processo ou a qualquer de suas fases (cognitiva ou executiva). Assim, não sendo este provimento judicial capaz de enquadrar-se no disposto no art. 203, § 1º, deve ser ele classificado como decisão interlocutória, nos precisos termos do § 2º desse mesmo art. 203. E sendo este ato uma decisão interlocutória, o recurso admissível só pode ser o agravo de 81 “Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.” 82 “Art. 203. [...] § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.”

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Na hipótese de haver risco ao resultado útil do processo se for determinada a citação do sócio, do administrador ou da própria pessoa jurídica para se manifestar no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, pode-se primeiro pleitear uma tutela de urgência de natureza cautelar (CPC/2015, art. 301), para depois ser realizada a citação a que se refere o art. 135 do CPC/2015 e a prática dos demais atos processuais previstos nos arts. 133 a 137 do CPC/2015, sob pena de se violar o art. 5º, XXXV, da CF. (SOUZA, André Pagani de. Código de Processo Civil anotado. Sob a coordenação de José Rogério Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Sandro Gilbert Martins, Rogéria Fagundes Dotti. Curitiba: AASP, OAB/PR, 2015. p. 234)

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instrumento. Vale ressaltar, porém, a importância de a lei expressamente afirmar o cabimento do agravo de instrumento, já que pelo sistema recursal inaugurado pelo Código de Processo Civil só são agraváveis as decisões interlocutórias expressamente indicadas por lei (art. 1.015). Pois o cabimento de agravo de instrumento contra a decisão que resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica vem expressamente afirmado no art. 1.015, IV. É agravável não só a decisão de meritis proferida no incidente, mas também a que o declara inadmissível (liminarmente ou após a manifestação do requerido). Eventuais outras decisões interlocutórias proferidas no curso do incidente, porém (como seria o caso de alguma decisão que indeferisse a produção de certa prova), serão irrecorríveis, só podendo ser impugnadas juntamente com a decisão final do incidente (aplicando-se, por analogia, o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 1.009 do CPC). (CÂMARA, Alexandre Freitas. In: WAMBIER, Teresa Arruda et al. (Coord.). Breves comentários do Código de Processo Civil (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 527/528)

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Decidirá o juiz por decisão que a lei qualifica de interlocutória e considera recorrível por agravo de instrumento (art. 1.015, IV). No entanto, trata-se de decisão que resolve o mérito do incidente: a desconsideração. Portanto, é equiparável a uma sentença, tendo, pois, o condão de transitar em julgado. Trata-se, também, de pronunciamento rescindível. Está-se, aqui, diante de mais uma exceção criada pelo NCPC, quanto à regra geral sobre a irrecorribilidade das interlocutórias. É que, na verdade, esta interlocutória é a “sentença” do incidente. Tanto é assim que as demais interlocutórias proferidas no curso deste incidente não são objeto de recurso autônomo: serão impugnadas, se for o caso, no agravo de instrumento interponível da decisão “final” (de mérito) do incidente. Por coerência, criou a nova lei outra possibilidade de recurso: a decisão sobre a desconsideração proferida pelo relator, caso o incidente seja instaurado em 2º grau. O relator admitirá, conduzirá e julgará o incidente como se fosse o juiz de 1º grau. Só é recorrível, indubitavelmente, a decisão final, porque é necessário haver simetria entre os dois procedimentos: o de 1º e o de 2º grau. Só poderá haver pedido de desconsideração no Tribunal se o processo já estiver no Tribunal, em razão de já ter sido interposta apelação. O agravo de instrumento que pode ter sido antes interposto da decisão que resolveu o pedido de desconsideração, segundo pensamos, não tem o condão de “transferir o feito” para a segunda instância. Da decisão do relator, como diz o parágrafo único, caberá agravo interno. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva;

MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 254/255)

Encerrando o tratamento acerca dos procedimentos processuais para desconsiderar a personalidade jurídica, o NCPC prevê, em seu art. 137, efeitos materiais decorrentes do acolhimento do pedido, no caso a equiparar as alienações de bens havidas durante a desconsideração da personalidade jurídica à fraude à execução83-84: “Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”. Só se promove a desconsideração da personalidade jurídica quando se pretende alcançar o patrimônio de alguém (pessoa física ou jurídica, no caso da desconsideração inversa) que a princípio, pelo princípio da autonomia patrimonial entre a empresa e seus sócios, não seria alcançado na relação processual original. Em tal cenário, o art. 137 torna ineficazes as alienações e onerações de bens que ocorrerem em fraude à execução, uma vez que, do contrário, correr-se-ia o risco de ser inócua a desconsideração da personalidade jurídica: 83 “A alienação de bens realizada em fraude à execução é considerada ineficaz, em relação àquele que pediu a desconsideração.” (MEDINA, José Miguel. Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 228) 84 “Embora, em regra geral, a fraude à execução só se caracterize quando o devedor aliena bens na pendência da demanda, porque na desconsideração de personalidade jurídica bens de terceiros (sócios ou sociedade) são atingidos, responsabilizando-os pela dívida do devedor original, a fraude de execução também pode atingir esses terceiros.” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 209)


Este dispositivo remete-nos aos preceitos contidos no art. 792 do NCPC, que prevê as hipóteses caracterizadoras da fraude à execução. Se, acolhido o pedido de desconsideração, algumas daquelas hipóteses ocorrerem após a instauração do incidente, a respectiva alienação ou oneração de bens da pessoa jurídica ou do sócio não gerará efeitos perante o que requereu a desconsideração. Assim, por exemplo, se o credor propuser demanda para cobrar uma dívida e, ao mesmo tempo, requerer e for concedida a desconsideração da pessoa jurídica da qual o devedor é sócio, serão considerados nulos todos os atos realizados por este, na pendência do processo, que visem ao desfazimento de seus bens. A norma prevê efeito retroativo (ou ex tunc), impossibilitando que os direitos do requerente (credor) sejam atingidos pelos atos cometidos em fraude à execução. Quanto ao terceiro adquirente de boa-fé, nada impede que pleiteie, em ação de regresso contra o sócio,

o ressarcimento dos valores pagos para aquisição do bem. Nesse caso, o terceiro adquirente ainda poderá requerer a desconsideração inversa da personalidade jurídica, a fim de atingir o patrimônio da sociedade caso se torne insolvente o sócio fraudador. (DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil comentado (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015): análise comparativa entre o novo CPC e o CPC/73. São Paulo: Atlas, 2015. p. 117)

O art. 137 do NCPC deverá ser interpretado levando em consideração o art. 792, § 3º85, do mesmo diploma, já que há claramente dúvidas na doutrina86-87 acerca de qual interpretação harmonizará as regras contidas nos dois dispositivos. Debate-se a partir 85 “Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: [...] § 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.” 86 “O art. 137 do Novo CPC prevê que, sendo acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente. Como se pode notar do dispositivo legal, somente após o acolhimento do pedido de desconsideração haverá fraude à execução, em previsão que contraria o disposto no art. 792, § 3º, do Novo CPC, que estabelece haver fraude à execução nos casos de desconsideração da personalidade jurídica a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 149) 87 “O art. 137 quer evidenciar que a alienação de bens nas condições que especifica é considerada fraude à execução e, como tal, ineficaz em relação àquele que pediu a instauração do incidente. O inciso VII do art. 790 preceitua que fica sujeito à execução os bens do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica. Cabe destacar que a instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor (art. 134, § 1º), o que dará ensejo, certamente, a interessantes questões sobre o instante em que cessa a boa-fé de eventual terceiro adquirente, máxime diante do § 3º do art. 792, segundo o qual a fraude à execução considera-se ‘a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar’. O sócio (ou a sociedade) que teve bem seu penhorado independentemente da instauração do incidente aqui anotado tem legitimidade para opor embargos de terceiro, como expressamente prevê o

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O principal efeito da decisão que desconsidera a personalidade jurídica da sociedade, para atingir o patrimônio dos sócios (ou o contrário, no caso da teoria da desconsideração inversa que desconsidera a personalidade da pessoa física, para atingir a sociedade), é o de tornar possível que atos da execução atinjam o patrimônio dos sócios (ou, no caso da teoria da desconsideração inversa, da empresa), estendendo a responsabilidade patrimonial a um terceiro, que passa a ser réu. A alienação dos bens realizada por aqueles (ou aquela) a quem a responsabilidade for estendida por causa da decisão que desconsiderou a personalidade jurídica será tida como ineficaz (ou seja, serão desconsiderados seus efeitos) em relação ao requerente, se ocorrida em fraude à execução, i.e., se preenchidos os pressupostos do art. 593 do CPC/1973. Assim como será ineficaz alienação de um réu qualquer, em relação ao autor, se realizada em fraude à execução. A lei menciona requerente, mas quer referir-se àquele em favor de quem for decretada a desconsideração, uma vez que, como já vimos, a desconsideração pode ser requerida pelo Ministério Público – e, neste caso, o Ministério Público será o requerente! Por fim, a decisão que declara a desconsideração, por ser declaratória, retroage pelo menos à data do requerimento. Deve-se ter em mente a necessidade de se verificar, pela análise dos elementos produzidos pela instrução, em que momento ocorreu o fato gerador da desconsideração (o ato praticado com excesso de poder, a confusão patrimonial etc.). (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 255/256)

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de que momento se considera ocorrida a fraude à execução: se quando a alienação ou oneração de bens se der após o acolhimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica ou se quando a alienação ou oneração de bens se der a partir da citação88 da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar. Neste cenário, nos parecem acertadas as lições de Nelson Nery Junior e Guilherme Rizzo Amaral:

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A intenção do dispositivo é punir a conduta do sócio ou administrador que aliena bens no curso do incidente de desconsideração. Todavia, parece mais correto considerar que a ineficácia da alienação ou oneração de bens ocorrida nessa situação incida apenas caso ocorram após a citação do sócio ou administrador para responder aos termos do incidente, ou após algum fato que dê a entender que tais pessoas tinham ciência da instauração. (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil (livro eletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1203)

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O art. 137 deve ser interpretado à luz do art. 792 do CPC, que prevê as hipóteses de fraude à execução e que estatui, em seu § 3º, que, “nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”. Assim, o simples fato de se desconsiderar a personalidade jurídica não gera presunção de que os bens alienados pela pessoa jurídica ou pelo sócio (na desconsideração inversa) o tenham sido em fraude, sendo necessário o reconhecimento de uma das hipóteses do art. 792. Além disso, a alienação havida antes da citação do sócio ou da pessoa jurídica no incidente de desconsideração ou na ação principal (art. 134, § 2º) não será considerada fraude à execução, podendo, contudo, ser configurada como fraude a credores e vir a ser objeto da competente ação pauliana (CC, art. 161). (AMARAL, Guilherme inciso III do § 2º do art. 674.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 134) 88 Enunciado nº 52 da Enfam – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoa­ mento de Magistrados: “A citação a que se refere o art. 792, § 3º, do CPC/2015 (fraude à execução) é a do executado originário, e não aquela prevista para o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 135 do CPC/2015)”.

Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC (livro eletrônico). 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 369)

Ainda sobre o momento em que se configura a fraude à execução na desconsideração da personalidade jurídica, veja-se a lição de André Pagani de Souza: Questão de difícil solução será estabelecer o momento a partir do qual a alienação ou oneração de um bem particular do sócio ou do administrador – ou da própria pessoa jurídica, no caso de desconsideração inversa – pode ser considerada fraude de execução em relação ao requerente da desconsideração da personalidade jurídica. Como se sabe, a fraude de execução independe de ação própria para seu reconhecimento, sendo permitido ao juiz que a reconheça incidentalmente no processo. Dentre as hipóteses mais comuns de fraude de execução, há a do inciso IV do art. 792 do CPC/2015, que repete a norma do art. 593, II, do CPC/1973, ou seja, a de se considerar a alienação ou oneração de bens fraudulenta quando “ao tempo da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência”. Se assim é, a questão a ser respondida será indicar qual o momento a partir do qual se deve considerar que contra o devedor tramitava ação capaz de reduzi-lo à insolvência: (i) o momento que houve a citação válida da pessoa jurídica no processo em que posteriormente foi instaurado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou (ii) o momento em que o sócio ou administrador foi citado nos termos do art. 135 do CPC/2015 para se manifestar sobre o requerimento de desconsideração. Sob pena de se instaurar grave insegurança jurídica para todos os adquirentes de boa-fé, a solução mais adequada para o problema que se apresenta seria considerar fraude de execução a alienação ou oneração de bens por parte do sócio ou administrador da pessoa jurídica somente após eles terem sido validamente citados para se manifestarem no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (CPC/2015, art. 135), pois, nesse caso, o distribuidor já teria sido informado da instauração do incidente e realizado as anotações cabíveis (CPC/2015, art. 134, § 1º), tornando possível ao adquirente tomar conhecimento da existência de “ação capaz de reduzi-lo à insolvência” (CPC/2015, art. 792, IV). Solução diversa da ora sugerida prejudicaria o adquirente de boa-fé que comprou um bem do sócio ou administrador da pessoa jurídica, fez todas as pesquisas no distribuidor em nome dessas pessoas e não encontrou qualquer demanda capaz de reduzi-los à insolvência. Nem se diga que seria possível ao adquirente consultar algum órgão para saber se o alienante de determinado bem é sócio ou administrador de


sob os seus cuidados. Assim, mediante uma pesquisa no distribuidor, seria possível saber todas as pessoas jurídicas, todos os sócios e todos os administradores que podem ser atingidos por uma decisão de desconsideração da personalidade jurídica, mesmo que não tenham sido ainda instaurados os incidentes de desconsideração. Portanto, para proteger terceiros de boa-fé e garantir a segurança jurídica, o mais adequado seria considerar que a ineficácia da alienação do bem somente deve ser reconhecida se ela for realizada a partir da citação do sócio, administrador ou pessoa jurídica para manifestar-se no incidente. (SOUZA, André Pagani de. Código de Processo Civil anotado. Sob a coordenação de José Rogério Cruz e Tucci, Manoel Caetano Ferreira Filho, Ricardo de Carvalho Aprigliano, Sandro Gilbert Martins, Rogéria Fagundes Dotti. Curitiba: AASP, OAB/PR, 2015. p. 236/237)

Por fim, a citação referida no art. 792, § 3º, do NCPC é a que ocorre no processo originário, e não a que ocorre para apresentação de manifestação no incidente de desconsideração de personalidade jurídica89.

4 CONSIDERAÇÕES DE ORDEM PRÁTICA Os arts. 133 a 137 do NCPC se detiveram mais em regulamentar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado de forma incidental, tratando de forma residual ou reflexa quando ele é formulado entre os demais pedidos da petição inicial. Para não descaracterizar o tratamento processual conferido pelo legislador ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica, será necessário adaptar o procedimento da desconsideração intentada junto à petição inicial ao procedimento da desconsideração incidental. 89 Enunciado nº 52 da Enfam – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoa­ mento de Magistrados: “A citação a que se refere o art. 792, § 3º, do CPC/2015 (fraude à execução) é a do executado originário, e não aquela prevista para o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 135 do CPC/2015)”.

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pessoas jurídicas, pois teria que se fazer uma consulta em todas as juntas comerciais de todos os Estados da nação, depois em todos os cartórios de registro civil das pessoas jurídicas de todas as comarcas do país, além de verificar nos órgãos de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil, que também são responsáveis pelo registro de pessoas jurídicas em todo o território nacional para saber se o alienante integra alguma pessoa jurídica em vias de se tornar insolvente. Entretanto, parece que o CPC/2015 adotou esta última solução anteriormente indicada como parâmetro para estabelecer o momento a partir do qual determinada alienação ou oneração de bem por parte do sócio deve ser considerada fraude de execução. Isso porque a redação do § 3º do art. 792 é a seguinte: “Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar” (grifos nossos). Assim, pela interpretação literal, se o sócio ou o administrador de determinada pessoa jurídica alienarem ou onerarem um bem particular deles, no curso de um processo movido exclusivamente contra a pessoa jurídica, pode haver risco de tal alienação ou oneração serem consideradas fraude de execução caso no futuro seja formulado um pedido de desconsideração da personalidade jurídica e ele seja acolhido (CPC/2015, art. 137). Esta interpretação literal do art. 792, § 3º, do CPC/2015, ao que tudo indica, prejudica os terceiros de boa-fé que não têm como verificar se aquele que aliena ou onera um bem é ou não é sócio ou administrador de uma pessoa jurídica, à míngua de um cadastro unificado das pessoas jurídicas em território nacional. Uma solução interpretativa para o § 3º do art. 792 do CPC/2015 é considerar que tal dispositivo se refere à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica (CPC/2015, art. 133, § 2º). Nesse caso, a “citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar” acontece após a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a comunicação ao distribuidor para as anotações devidas (CPC/2015, art. 134, § 1º). Assim, o adquirente de um bem da pessoa jurídica não pode alegar desconhecimento de que havia uma demanda capaz de reduzi-la a insolvência (CPC/2015, art. 792, IV). Caso contrário, é inútil a determinação constante no § 1º do art. 134 do CPC/2015 para que o distribuidor realize as anotações devidas após a instauração do incidente, se for considerada fraude de execução a alienação ou oneração de bens por parte de alguém que nem sequer constava dos registros do distribuidor na época em que tal alienação ou oneração fora praticada. Nesse caso, seria melhor então que se determinasse a todos os cartórios distribuidores que mantivessem um registro de todos os sócios e administradores de todas as pessoas jurídicas que figurassem como parte nos processos

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Por exemplo, a decisão que resolve o incidente de desconsideração de personalidade jurídica é passível de reforma pelo tribunal ante a interposição de agravo de instrumento (art. 1.015, IV, do NCPC), ao passo que, via de regra, o pedido de desconsideração formulado na petição inicial será julgado na sentença e será passível de discussão por meio de apelação (art. 1.00990 do NCPC). Pois bem, mantendo-se o espírito do microssistema da desconsideração da personalidade jurídica constante dos arts. 133 a 137 do NCPC, nada impede que, em alguns casos, o pedido de desconsideração formulado na petição inicial enseje a prolação de decisões passíveis de questionamento por meio de agravo de instrumento.

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Ora, nos casos em que o pedido de desconsideração formulado na petição inicial se fundamente em elementos enquadráveis nas tutelas provisórias previstas no art. 29491 do NCPC, o deferimento ou indeferimento de tal pedido ensejará a possibilidade de manejo de agravo de instrumento (art. 1.015, I92, do NCPC).

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Ainda em observância ao espírito que inspira o microssistema da desconsideração da personalidade jurídica constante dos arts. 133 a 137 do NCPC, há de se atentar para o fato de que, mesmo quando o pedido de desconsideração formulado na petição inicial seja enquadrável como uma hipótese de tutela provisória, não se autoriza a concessão de tal pleito em sede inaudita altera pars, já que a obrigatoriedade de realização do contraditório, antes de quaisquer atos que promovam o afastamento da personalidade do ente coletivo, é uma das marcas 90 “Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.” 91 “Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.” 92 “Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I – tutelas provisórias; [...]”

mais acentuadas deste novo tratamento processual dado aos procedimentos para desconsiderar a personalidade jurídica.

CONCLUSÃO Instrumento valiosíssimo para coibir condutas abusivas que deturpam o objetivo e a utilidade social das empresas, a desconsideração da personalidade jurídica, em face do seu caráter excepcional, não pode ser utilizada indiscriminadamente, sob pena de tornar inócua a garantia da separação patrimonial e transformar aquilo que deveria ser exceção em regra. Alguns abusos praticados na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica geravam uma grande incerteza jurídica nas partes que se viam arrastadas para um processo que poderia redundar na constrição dos seus bens. Incerteza essa que, com a entrada em vigor do NCPC, espera-se tenha fim. Ao estabelecer um procedimento com contraditório, ampla defesa e acesso a um duplo grau de jurisdição, o NCPC torna a desconsideração da personalidade jurídica racional, sem desnaturar o instituto ou enfra-­que­cê-lo. Ainda sujeitos a diversas interpretações (e eventuais críticas), os arts. 133 a 137 do Novo Código de Processo Civil inequivocamente constituem um grande avanço, permitindo que a desconsideração da personalidade jurídica seja aplicada em estrita observância a garantias constitucionais que se manifestam no ambiente processual.

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Doutrina

Tribunal Penal Internacional – TPI de Haia x Direito Ambiental: o Marco Histórico no Julgamento de Crimes Ambientais LORENA GRANGEIRO DE LUCENA TÔRRES Administradora de Empresas, Advogada inscrita na OAB/CE, Especialista em Perícia e Auditoria Ambiental, Membro da Comissão de Direito Ambiental e Direito Marítimo, Portuário, Aeroportuário e Aduaneiro.

Neste azo, o TPI se configura como uma corte permanente e independente e possui a finalidade de julgar pessoas acusadas de crimes do mais elevado interesse internacional, como genocídio, crimes contra a humanidade, bem como crimes de guerra. Tal corte se baseia em um Estatuto do qual fazem parte 106 países. Ademais, o TPI é uma corte de última instância, atuante em casos considerados extremamente graves.

ESTRUTURA DO TRIBUNAL O TPI é considerado uma instituição independente e, embora não faça parte das Nações Unidas, ele mantém uma relação de cooperação com a ONU. Assim, o Tribunal encontra-se sediado em Haia, na Holanda; contudo, caso haja necessidade, poderá haver reunião em outros locais. Dessa feita, a composição do TPI se dá da seguinte forma:

Inicialmente, é necessário entender o que é o Tribunal Penal Internacional – TPI e como ele funciona. Dessa forma, temos que o TPI nada mais é do que um fruto do liame de muitos Estados que cederam parte de sua soberania e de seu jus puniendi para que o mesmo nascesse, sendo um desses Estados signatários do Estatuto de Roma1, a República Federativa do Brasil, que permitiu a esta Corte Internacional processar e julgar qualquer brasileiro ou estrangeiro que esteja em seu território nacional. 1 O Estatuto de Roma foi inserto no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, tendo como arrimo o Decreto Legislativo nº 112, de 6 de novembro de 2002, e, por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, se incluiu o § 4º ao art. 5º da Constituição Federal, dispositivo este que, in verbis, dispôs que “o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

São quatro órgãos: a Presidência, as divisões judiciais, o escritório do promotor e o secretariado. 1) A Presidência é responsável pela administração geral do Tribunal, com exceção do escritório do procurador. Ela é composta por três juízes do Tribunal, eleitos para o cargo pelos seus colegas juízes, para um mandato de três anos. 2) Divisões Judiciais: As divisões judiciais consistem em 18 (dezoito) juízes distribuídos na Divisão de Pré-Julgamento, na Divisão de Julgamentos, bem como na Divisão de Apelações. Assim, os juízes de cada divisão permanecem em seus gabinetes e são responsáveis pela condução dos procedimentos do Tribunal em diferentes estágios. 3) Escritório do Procurador: O escritório do procurador é responsável pelo recebimento de referências ou outras informações substanciais a respeito de crimes dentro da jurisdição do Tribunal. Ademais, o escritório é che-


fiado por um Procurador, que é eleito pelos Estados-partes para um mandato de 9 (nove) anos. Ele é auxiliado por dois ViceProcuradores. 4) Secretariado: O Secretariado é responsável por todos os aspectos não jurídicos da administração do Tribunal. Ele é chefiado pelo Secretário, que o principal oficial administrativo do Tribunal. Por fim, o Secretário exerce suas funções sob a autoridade do Presidente do Tribunal.

Dessa forma, o TPI foi criado originalmente para o julgamento de crimes que basicamente se caracterizam pela hostilidade e violência do homem contra o próprio homem, e que, ao utilizar-se do poder bélico e de interesses internos, acaba agredindo o próximo e colocando a dignidade da pessoa humana e toda a comunidade internacional em risco.

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Em outro giro, mais uma vez o TPI inovou ao anunciar, em 15 de setembro do corrente ano, que irá processar e julgar crimes ambientais. Tal anúncio foi feito em um documento de 18 (dezoito) páginas e traz as prioridades para a seleção dos casos pela corte.

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dedicada à matéria ambiental; segundo, porque o acesso de autores não estatais – seja como autores ou réus – às cortes internacionais de competências diversas que apreciam também casos ambientais é ainda significativamente limitado; e terceiro, porque é vital que a proteção internacional do meio ambiente seja compreendida como preocupação comum da humanidade, ou seja, como parte de um conjunto de valores fundamentais. Neste azo, a expansão do foco relacionado ao julgamento de determinados crimes ambientais só demonstra a preocupação da comunidade mundial com a ciência do Direito Ambiental e com o meio ambiente. Todavia, para questões diretamente ligadas às mudanças climáticas e que têm como principal causador das mudanças as empresas (pessoas jurídicas), o mandato do TPI é limitado, pois, em seu princípio da responsabilidade penal individual, estabelecido no art. 25 do Estatuto de Roma, pessoas jurídicas não estão sujeitas à sua jurisdição.

Sendo assim, o gabinete do procurador explicitou que a corte dará especial atenção a crimes relacionados à destruição do meio ambiente, à exploração de recursos naturais e à apropriação ilegal de terras.

Ocorre que o que vemos é uma decisão do Tribunal Penal Internacional de Haia, que até então se ocupava no julgamento de genocídios, crimes de guerra e contra a humanidade, e que vai ampliar sua área de atuação, dando início ao julgamento de crimes ambientais.

Tal notícia é de extrema relevância e importância para o Direito Internacional Ambiental, e isso se dá por três motivos centrais: primeiro, porque não há, hoje, corte internacional exclusivamente

Isso significa um avanço extraordinário, uma vitória significativa não apenas para os ambientalistas, mas para a preservação do homem como espécie, para o futuro do planeta. Com isso, as


Ademais, o princípio de complementaridade, previsto no parágrafo 10o do preâmbulo e art. 1o do Estatuto de Roma, está regulado de forma detalhada no art. 17, segundo Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, que trata das questões de admissibilidade, senão vejamos: Art. 17 Questões Relativas à Admissibilidade 1. Tendo em consideração o décimo parágrafo do preâmbulo e o art. 1º, o Tribunal decidirá sobre a não admissibilidade de um caso se: a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer; b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer; c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3o do artigo 20; d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal. 2. A fim de determinar se há ou não vontade de agir num determinado caso, o Tribunal, tendo em consideração as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, verificará a existência de uma ou mais das seguintes circunstâncias: a) O processo ter sido instaurado ou estar pendente ou a decisão ter sido proferida no Estado com o propósito de subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal, nos termos do disposto no art. 5º;

b) Ter havido demora injustificada no processamento, a qual, dadas as circunstâncias, se mostra incompatível com a intenção de fazer responder a pessoa em causa perante a justiça; c) O processo não ter sido ou não estar sendo conduzido de maneira independente ou imparcial, e ter estado ou estar sendo conduzido de uma maneira que, dadas as circunstâncias, seja incompatível com a intenção de levar a pessoa em causa perante a justiça; 3. A fim de determinar se há incapacidade de agir num determinado caso, o Tribunal verificará se o Estado, por colapso total ou substancial da respectiva administração da justiça ou por indisponibilidade desta, não estará em condições de fazer comparecer o acusado, de reunir os meios de prova e depoimentos necessários ou não estará, por outros motivos, em condições de concluir o processo.

Assim, acerca dos crimes relacionados às mudanças do clima, deve-se notar, porém, que, entre os Estados que ratificaram o Estatuto de Roma, há ausências notáveis de grandes emissores de gases de efeito estufa, tais como Estados Unidos, China, Índia e Rússia. Além disso, o TPI julga apenas crimes ocorridos após a entrada em vigor do Estatuto de Roma, ou seja, em 1º de julho de 2002, o que limita a possibilidade de o Tribunal apreciar crimes relativos às emissões históricas. Restrições à parte, a implicação mais relevante do anúncio do TPI reside, talvez, não em um aspecto prático, mas no reforço da noção de que o meio ambiente constitui uma preocupação comum da humanidade. De que as normas destinadas à sua proteção são jus cogens, e que o interesse no seu cumprimento e aplicação é erga omnes2. Por fim, conclui-se que a priorização que foi anunciada – julgamentos – está diretamente relacionada a crimes ambientais em que estão inseridos aos já existentes para processar e julgar

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catástrofes ambientais tendem a deixar de ficar impunes, haja vista uma maior fiscalização e punições mais severas.

2 Que tem efeito ou vale para todos (diz-se de ato jurídico).

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crimes contra a humanidade, devendo tal notícia, sem dúvida, ser saudada como um passo decisivo. Tal medida servirá para que catástrofes como a da barragem de Mariana/MG, no Brasil, passem a ser também da jurisdição da Corte de Haia, haja vista esta tragédia ser considerada a maior catástrofe ambiental do Brasil.

REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. O princípio de complementaridade no Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a soberania contemporânea. Disponível em: <https://norbertobobbio.wordpress.com/2009/11/15/o-principio-de-com-plementaridade-no-estatuto-do-tribunal-penal-internacional-e-a-soberania-contemporanea/>. Acesso em: 16 out. 2016. BRASIL. Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm>. Acesso em: 18 out. 2016. GROKSKREUTZ, Hugo Rogério. A extensão dos danos ambientais: uma discussão quanto à inclusão de crimes ambientais na competência do Tribunal Penal Internacional. Disponível em: <http://www.publicadireito.com. br/artigos/?cod=21a94c7628fa8d17>. Acesso em: 16 out. 2016.

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LEHMEN, Alessandra. Julgamento de crimes ambientais pelo TPI é marco histórico no Direito Ambiental. Consultor Jurídico – Conjur. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-out-16/julgamento-crimes-ambientais-tpi-marco-historico#_ftn5>. Acesso em: 16 out. 2016.

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RFI. Linha Direta. Tribunal Penal Internacional de Haia vai julgar crimes ambientais. Disponível em: <http://br.rfi.fr/mundo/20160921-tribunal-penal-internacional-de-haia-vai-julgar-crimes-ambientais>. Acesso em: 16 out. 2016. TPI – Tribunal Penal Internacional. Gabinete do Procurador. Policy Paper on Case Selection and Prioritization. Disponível em: <https://www.icc-cpi.int/ itemsDocuments/20160915_OTP-Policy_Case-Selection_Eng.pdf>. Acesso em: 16 out. 2016. USP. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www. direitoshumanos.usp.br/index.php/Tribunal-Penal-Internacional/o-que-e. html>. Acesso em: 18 out. 2016.


GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA

Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, Pós-Doutorado em Direito na Universidad de Sevilla, Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho – Titular da Cadeira nº 27, Membro Pesquisador do IBDSCJ, Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Advogado. Foi Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, exProcurador do Trabalho do Ministério Público da União e ex-Auditor-Fiscal do Trabalho.

A Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129, de 13 de outubro de 2017, publicada no Diário Oficial da União de 16.10.2017, dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas às de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho, nos termos do art. 2º-C da Lei nº 7.998/1990, bem como altera dispositivos da Portaria Interministerial MTPS/ MMIRDH nº 4, de 11 de maio de 2016, a qual dispõe sobre

as regras relativas ao cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo. Um dos aspectos de maior destaque na referida Portaria nº 1.129/2017 é a conceituação restritiva de “trabalho forçado”, “jornada exaustiva”, “condição degradante” e “condição análoga à de escravo” (art. 1º). Como desdobramento de nítida relevância, de acordo com o art. 2º da Portaria nº 1.129/2017, os conceitos estabelecidos no seu art. 1º deverão ser observados em quaisquer fiscalizações procedidas pelo Ministério do Trabalho, inclusive para fins de inclusão de nome de empregadores no cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4/2016. A Portaria nº 1.129/2017 conceitua, de forma restritiva, “trabalho forçado” como “aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade” (art. 1º, inciso I). Não obstante, na atualidade, considera-se trabalho forçado não só aquele em que o empregado não tenha se oferecido espontaneamente, mas também quando o trabalhador é enganado com falsas promessas de condições de trabalho, havendo coação física ou moral.

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Trabalho em Condições Análogas à de Escravo: Restrição de Sua Abrangência por meio de Portaria Ministerial

Na mesma linha de restrição, a Portaria nº 1.129/2017 a conceitua a “jornada exaustiva” (art. 1º, inciso II) como “a submissão

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do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria” (destaquei). A hipótese de jornada exaustiva, entretanto, segundo a previsão legal (art. 149 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 10.803/2003), não exige essa privação da liberdade de locomoção propriamente. Conforme a Portaria nº 1.129/2017, “condição degradante” (art. 1º, inciso III) é caracterizada por “atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade” (destaquei). Como se pode notar, restringe-se o conceito de trabalho em condição degradante, exigindo, sempre, o cerceamento da liberdade de locomoção do trabalhador.

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O argumento que prevaleceu, ao que tudo indica, pode ser no sentido de se buscar conferir maior segurança jurídica a respeito do tema.

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Entretanto, o conceito contemporâneo de trabalho em condições análogas às de escravo, inclusive em conformidade com a atual previsão do art. 149 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 10.803/2003, por ser mais amplo, não faz essa exigência restritiva. No sentido exposto, consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Penal. Redução a condição análoga a de escravo. Escravidão moderna. Desnecessidade de coação direta contra a liberdade de ir e vir. Denúncia recebida. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a

submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade. Denúncia recebida pela presença dos requisitos legais. (STF, Inq 3.412/AL, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. p/o Ac. Min. Rosa Weber, m.v., DJe 12.11.2012, destaquei) Recurso extraordinário. Constitucional. Penal. Processual Penal. Competência. Redução a condição análoga à de escravo. Conduta tipificada no art. 149 do Código Penal. Crime contra a organização do trabalho. Competência da Justiça Federal. Art. 109, inciso VI, da Constituição Federal. Conhecimento e provimento do recurso. 1. O bem jurídico objeto de tutela pelo art. 149 do Código Penal vai além da liberdade individual, já que a prática da conduta em questão acaba por vilipendiar outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente como a dignidade da pessoa humana, os direitos trabalhistas e previdenciários, indistintamente considerados. 2. A referida conduta acaba por frustrar os direitos assegurados pela lei trabalhista, atingindo, sobremodo, a organização do trabalho, que visa exatamente a consubstanciar o sistema social trazido pela Constituição Federal em seus arts. 7º e 8º, em conjunto com os postulados do art. 5º, cujo escopo, evidentemente, é proteger o trabalhador em todos os sentidos, evitando a usurpação de sua força de trabalho de forma vil. 3. É dever do Estado (lato sensu) proteger a atividade laboral do trabalhador por meio de sua organização social e trabalhista, bem como zelar pelo respeito à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III). 4. A conjugação harmoniosa dessas circunstâncias se mostra hábil para atrair para a competência da Jus-


Desse modo, na atualidade, entende-se que o trabalho degradante é caracterizado por condições precárias de labor, sem a observância das normas mínimas de segurança, higiene e saúde do trabalho, em afronta à dignidade humana. Ainda segundo a mencionada Portaria nº 1.129/2017, “condição análoga à de escravo” (art. 1º, inciso IV) é considerada: a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária; b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico; c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto; d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho.

Não obstante, conforme o art. 149 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 10.803/2003, que tipifica o crime de “redução à condição análoga à de escravo”: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhados forçados ou a jornada excessiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

Logo, de acordo com a previsão legal, a “redução à condição análoga à de escravo”, ou seja, o trabalho em condições análogas às de escravo é gênero que engloba as seguintes espécies ou modalidades: a) trabalho forçado; b) jornada exaustiva; c) condição degradante de trabalho; d) restrição da locomoção em razão de dívida; e) cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; f) manutenção de vigilância ostensiva no local de trabalho; g) apoderar-se de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

A redução de trabalhador à condição análoga à de escravo configura grave violação à dignidade da pessoa humana, prevista como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III, da Constituição da República), o que resulta em manifesta contrariedade ao chamado trabalho decente, previsto e exigido também na esfera internacional1. 1 Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 200-202.

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tiça Federal (CF, art. 109, inciso VI) o processamento e o julgamento do feito. 5. Recurso extraordinário do qual se conhece e ao qual se dá provimento. (STF, RE 459.510/MT, Pleno, Rel. p/o Ac. Min. Dias Toffoli, DJe 12.04.2016, destaquei)

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Neste contexto, foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal arguição de descumprimento de preceito fundamental em face da Portaria nº 1.129/2017 do Ministério do Trabalho, tendo sido deferido o pedido de liminar para suspender, até o julgamento do mérito da ação, os efeitos da referida Portaria (MC-ADPF 489/DF, Relª Min. Rosa Weber, DJe 26.10.2017).

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Merecem destaque as seguintes razões constantes da mencionada decisão monocrática:

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jurisprudência desta Suprema Corte” (STF, MC-ADPF 489/DF, Relª Min. Rosa Weber, J. 23.10.2017)2. Portanto, em respeito à hierarquia das normas no sistema jurídico e mesmo ao princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988), não caberia a ato de natureza administrativa, como portaria ministerial, versar sobre matéria reservada à lei (art. 22, inciso I, da Constituição da República), nem restringir o alcance e o sentido de determinações de ordem legal.

Como revela a evolução do direito internacional sobre o tema, a “escravidão moderna” é mais sutil e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. O ato de privar alguém de sua liberdade e de sua dignidade, tratando-o como coisa e não como pessoa humana, é repudiado pela ordem constitucional, quer se faça mediante coação, quer pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno, com impacto na capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação, também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Por evidente, não é qualquer violação dos direitos trabalhistas que configura trabalho escravo. Se, no entanto, a afronta aos direitos assegurados pela legislação regente do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se submetidos os trabalhadores a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes, com a privação de sua liberdade e de sua dignidade, resulta configurada, mesmo na ausência de coação direta contra a liberdade de ir e vir, hipótese de sujeição de trabalhadores a tratamento análogo ao de escravos, nos moldes do art. 149 do Código Penal, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 10.803/2003. (STF, MC-ADPF 489/DF, Relª Min. Rosa Weber, J. 23.10.2017)

Entendeu-se, assim, que “a conceituação restritiva presente no ato normativo impugnado divorcia-se da compreensão contemporânea, amparada na legislação penal vigente no país, em instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário e na

2 Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ ADPF489liminar.pdf>.


Acórdão na Íntegra

Tribunal Regional Federal da 2ª Região Apelação Cível – Turma Espec. III – Administrativo e Cível Nº CNJ: 0142662-87.2015.4.02.5102 (2015.51.02.142662-5) Relator: Desembargador Federal Sergio Schwaitzer Apelante: União Federal/Fazenda Nacional Procurador: Procurador da Fazenda Nacional Apelado: Oldacir Jose Pinheiro Advogado: RJ201541 – Oldacir Jose Pinheiro Origem: 05ª Vara Federal de São João de Meriti (01426628720154025102) EMENTA ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – CANCELAMENTO DO CPF ORIGINÁRIO DO CONTRIBUINTE – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – CABIMENTO Não se justifica a conduta da ré que entendeu pelo cancelamento de plano da primeira inscrição do Cadastro de Pessoa Física do autor, sem uma análise mais apurada dos fatos ocorridos, ignorando, por completo, a documentação apresentada pelo autor. Há elementos suficientes nos autos que comprovam que a segunda inscrição do CPF do autor é proveniente de fraude praticada por terceiros, não merecendo prevalecer sobre o CPF originário do autor. A condenação pecuniária por dano moral atende a dois pressupostos básicos; uma compensação que, disponibilizando

recursos à parte lesada, procure minimizar os efeitos do evento danoso; uma afetação no patrimônio do ofensor, constituindo reprimenda de conteúdo punitivo/educativo. O quantum indenizatório deve ser arbitrado pelo juiz, observando-se que o valor não deve ser muito alto, eis que não se objetiva o enriquecimento sem causa, tampouco irrisório, o que excluiria o caráter educativo/punitivo da condenação. Inolvidável que na fixação do dano moral sejam utilizados o bom senso e a moderação, e observadas as peculiaridades de cada caso, as quais poderão apontar para o estabelecimento de parâmetros norteadores da quantificação indenizatória. A fixação do quantum indenizatório deve ser levada em conta a dimensão do evento danoso e sua repercussão na esfera do ofendido, pelo que se afigura razoável o valor fixado na sentença. Recurso não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas. Decide a Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, à unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, constante dos autos, e das notas taquigráficas ou registros fonográficos do julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, juntamente com a ementa. Assinado eletronicamente Sergio Schwaitzer Relator


VOTO Objetiva o Autor o restabelecimento do seu CPF XXXX, emitido em data anterior a 10.11.1990 (fl. 158), e o cancelamento da inscrição do CPF XXXX, bem como a condenação da ré à indenização por danos morais. Segundo o relato dos acontecimentos, o autor foi vítima de ato fraudulento que originou a inscrição, em 09.03.2005 (fl. 35), de um segundo Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda em seu nome – XXXX. Para fins de comprovação do direito alegado, o demandante juntou aos autos o Registro de Ocorrência nº 064-07627/201 da 64º Delegacia de Polícia (fl. 26), diversos documentos comprovando que CPF utilizado pelo mesmo é o de nº XXXX (fls. 15/18, 23 e 25), bem como que sempre residiu no endereço da Avenida Miguel Couto, 288, São João de Meriti/RJ (fl. 21).

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Consta ainda a existência de ação declaratória de inexistência de relação jurídica proposta pela parte autora em face do Banco do Brasil, a qual tramitou na Justiça Estadual e foi julgada procedente, contestando justamente a abertura de conta-corrente com a utilização do CPF fraudulento em discussão (fls. 67/70).

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Contudo, apesar de comunicado o ocorrido à Receita Federal do Brasil em Nova Iguaçu e ter requerido o cancelamento do CPF XXXX, foi surpreendido com a decisão desse órgão que preferiu cancelar o primeiro CPF (XXXX) ao invés do segundo supostamente fraudulento, sob a seguinte justificativa (fls. 32 e 125): “Trata-se o presente processo de solicitação de cancelamento de inscrição de CPF. O Sr. Oldacir José Pinheiro, afirma desconhecer a inscrição XXXX e o endereço vinculado no cadastro, e que o seu número é o XXXX (fl. 02).

Das pesquisas realizadas: A inscrição XXXX, foi incluída em 03/2005 pela ECT, tendo como data de nascimento informada 04.03.1955 – filiação Octacilia Freitas Pinheiro - sem título eleitoral (excluído em 03/2009 por apuração especial) Apresentação de DIRPF 2008 – 02 inscrições em Dívida Ativa – DAU. A inscrição XXXX, data de nascimento 04.03.1956 – filiação Octacilia de Freitas Pinheiro – título de eleitor XXXX – natural do RJ, a utilizada pelo requerente, consta como regular (atualizada em 01/2011) e todos os seus dados confere com o RG acostado de fls. 06 – Apresentação de DIRPF 2004. Em face do apurado, notas-e que a inscrição XXXX, possui todos os quesitos de ser da mesma pessoa, uma vez que para o desempate não foi localizada inscrição de título eleitoral na base do TSE para ano de nascimento 1955 e filiação Octacília Freitas Pinheiro. Excluídas todas as possibilidades de ocorrência de homonomia, opino pelo Indeferimento do cancelamento da inscrição XXXX, por ser um cadastro de Interesse da Administração Pública Geral (existência de débito inscrito em Dívida Ativa – PGFN e apresentação de declaração no ano de 2008). Sendo eleita a XXXX a ser cancelada. Proponho que seja dada ciência ao Interessado do Indeferimento do seu pleito e que a inscrição XXXX é que será mantida, cientificando-o, também, do arquivamento do processo.”

Com efeito, analisando detidamente os autos, não se justifica a conduta da ré, ora apelante, que entendeu pelo cancelamento de plano da primeira inscrição do Cadastro de Pessoa Física do autor – CPF XXXX, mantendo-se a segunda inscrição do autor – CPF XXXX, sem uma análise mais apurada dos fatos ocorridos, ignorando, por completo, a documentação apresentada pelo autor. Inclusive, causa estranheza o fato de o Sistema da Receita Federal não ter detectado a existência de um CPF anterior em nome da mesma pessoa quando da segunda inscrição.


Assim, ao contrário do que alega a apelante, há elementos suficientes nos autos que comprovam que a inscrição XXXX é proveniente de fraude praticada por terceiros, não merecendo prevalecer sobre o CPF originário do autor. Conforme destacado pelo Juiz a quo (fls. 162/163): “Os documentos trazidos aos autos deixam claro que houve equívoco da Receita Federal. O CPF original do autor, de XXXX foi emitido anteriormente a 10.11.1990 (fl. 158) e tem dados idênticos aos que constam em sua carteira de identidade (fl. 94), quais sejam, data de nascimento em 04.03.1956 e filiação Octacília de Freitas Pinheiro (fl. 120), com o número correto do Título Eleitoral: XXXX. (fl. 34). Por outro lado, o CPF de XXXX apresenta erros evidentes, como na data de nascimento em 04.03.1955 e filiação Octacília Freitas Pinheiro, estando ausente o número do título eleitoral (fl. 110).

[...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelo danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Assim, na responsabilidade objetiva todo o prejuízo deve ser atribuído por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa, desde que haja comprovação da relação causal entre o fato e o efeito danoso, ou seja, faz-se necessária a comprovação do nexo causal entre a ação atribuída ao agente público e o referido dano. Sobre o assunto, cabe conferir o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo, 5. ed. Editora Lumen Juris, 1999. p. 389), verbis:

Assim, o autor faz jus ao restabelecimento imediato da sua inscrição XXXX no Cadastro de Pessoas Físicas, e, por conseguinte, merece ser cancelada a inscrição do CPF XXXX em nome do mesmo contribuinte.

“ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou a culpa. Se o dano decorre de fato que, de modo algum, pode ser imputado à Administração, não se poderá imputar responsabilidade civil a esta; inexistindo o fato administrativo, não haverá, por consequência, o nexo causal. Essa é a razão por que não se pode responsabilizar o Estado por todos os danos sofridos pelos indivíduos, principalmente quando decorrem de fato de terceiro ou de ação da própria vítima”.

Quanto à responsabilidade do réu quanto ao dano moral ocorrido, como se sabe, a Constituição Federal de 1988, no § 6º de seu art. 37, tem consagrado a responsabilidade objetiva do Estado – “teoria do risco administrativo”, segundo a qual, havendo relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano, responde a Administração pelo mesmo:

Tratando-se de dano moral, tanto a doutrina como a jurisprudência têm se posicionado no sentido de que deve ser reputado como dano moral a dor, a vergonha, a humilhação e os transtornos, que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, de forma a lhe causar sensível aflição e desequilíbrio em seu bem estar.

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Causa espécie o resultado do relatório da Delegacia da Receita Federal (fl. 125) que chegou a uma conclusão diametralmente oposta às provas apresentadas, com intuito único de cobrar do autor, o débito inscrito na dívida ativa e que está vinculado ao CPF fraudado.”

Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

“Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Segundo a lição de Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil. Responsabilidade Civil, 2. ed., São Paulo: Atlas, 2002):

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“Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal.”

Nessa mesma linha, confira-se o entendimento de Sergio Cavalieri Filho: “Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situação não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.”

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(Programa de Responsabilidade Civil, 5. ed., São Paulo: Malheiros, 2004)

Dessa forma, a indenização por danos morais tem a finalidade de amenizar a angústia injustamente causada, sendo que para a sua constatação há de se levar em consideração as condições em que ocorreu suposta ofensa, bem como a intensidade da amargura experimentada pela vítima e as particularidades inerentes a ela e ao agressor.

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Na hipótese, há de se reconhecer que a falha da ré em determinar o cancelamento do CPF originário do autor – documento

de grande relevância nos dias atuais, mantendo o segundo CPF, de origem fraudulenta, causou-lhe inegavelmente ensejou desconforto e aborrecimentos, passíveis de reparação. Dessa forma, demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável ao ente público e o dano, exsurge para a ré o dever de indenizar o particular, mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio de uma compensação pecuniária compatível com o prejuízo. É sabido, porém, que a pretensa reparação do dano moral não se resolve numa indenização propriamente dita, uma vez que não ocorre a eliminação do prejuízo e de suas conseqüências, na medida em que a dor, o sofrimento e o constrangimento não são aquilatáveis em pecúnia. Com efeito, a condenação pecuniária atende a dois pressupostos básicos; uma compensação, que, disponibilizando recursos à parte lesada, procure minimizar os efeitos do evento danoso; uma afetação no patrimônio do ofensor, constituindo reprimenda de conteúdo punitivo/educativo. O quantum deve ser fixado com moderação, eis que seu objetivo não é o enriquecimento da parte que o pleiteia, devendo ser levada em conta a dimensão do evento danoso e sua repercussão na esfera do ofendido, conforme, aliás, tem asseverado reiteradamente a jurisprudência, verbis: “RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – ESPANCAMENTO DE CONDÔMINO POR SEGURANÇAS DO BARRASHOPING – INDENIZAÇÃO – FIXAÇÃO I – A indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e a sociedade a cometerem atos dessa natureza.


II – Segundo reiterados precedentes, o valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle desta Corte, recomendando-se que a sua fixação seja feita com moderação. III – Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (STJ, REsp 283319, 3ª T., DJ 11.06.01, Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro) “RESPONSABILIDADE CIVIL – TRANSPORTE AÉREO – ATRASO EM VÔO INTERNACIONAL – AGÊNCIA DE TURISMO – FRETAMENTO – RESPONSABILIDADE DA EMPRESA AFRETADORA – DANO MORAL – CABIMENTO – QUANTUM – RAZOABILIDADE EM FACE DAS CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS DO CASO CONCRETO – PRECEDENTES – RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO

Honorários advocatícios majorados para o percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, a teor do art. 85, § 11, do novo CPC, c/c Enunciado Administrativo nº 7 do STJ. É como voto. Assinado eletronicamente Sergio Schwaitzer Relator

I – Nos termos da orientação das Turmas que compõem a Segunda Seção, a empresa afretadora responde pelo dano oriundo da deficiente prestação do serviço de transporte, incidindo o Código de Defesa do Consumidor. II – Ausente prova de caso fortuito, força maior ou que foram tomadas as medidas necessárias para que não ocorresse o dano decorrente do atraso do vôo, cabível é o pedido de indenização por danos morais.

No caso presente, cumpre reconhecer razoável o valor fixado na r. sentença, correspondente a R$ 4.000,00 (quatro mil reais), valor este que merece ser mantido.

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III – A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte financeiro das partes, orientando-se o julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.”

Face ao exposto, nego provimento ao recurso, nos termos da fundamentação supra.

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(STJ, REsp 305566, 4ª Turma., 13.08.2001, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira)


Pesquisa Temática

Execução Execução – ausência de bens penhoráveis – suspensão do processo “Direito processual civil. Ação de execução. Ausência de bens penhoráveis. Suspensão do processo. 1. Citado o devedor e não localizados bens penhoráveis suficientes à satisfação do crédito, a hipótese é de suspensão da execução, nos termos do art. 791, inciso III, do Código de Processo Civil. 2. Deu-se provimento ao apelo, a fim de tornar sem efeito o ato sentencial recorrido, determinando a suspensão da execução, nos termos do art. 791, III, do CPC.” (TJDFT – Proc. 20040110408549 – (524055) – Rel. Des. Flávio Rostirola – DJe 02.08.2011) Execução – cheque – devedor não citado – prescrição intercorrente “Ação de execução. Cheque. Devedor não citado. Prescrição intercorrente. Reconhecimento. Extinção do processo. Recurso não provido. 1. Segundo o art. 219 do Código de Processo Civil, incumbe à parte autora promover a citação do réu que, quando válida, interrompe a prescrição. 2. Não tendo a parte exequente se desincumbido do seu ônus de fornecer o endereço correto da executada, não há como atribuir o insucesso da citação ao Poder Judiciário. Assim, diante da não ocorrência da citação válida e, ausentes quaisquer causas de interrupção da prescrição, impõe-se a extinção do processo, pelo reconhecimento da prescrição, nos termos do art. 269, IV, do Código de Processo Civil. 3. Apelação não provida.” (TJDFT – Proc. 20070110880172 – (520341) – Rel. Des. J. J. Costa Carvalho – DJe 19.07.2011) Execução – cumprimento de sentença – critério para apurar o montante devido – alteração – impossibilidade – coisa julgada “Processo civil. Execução. Cumprimento de sentença. Critério para apurar o montante devido. Alteração. Impossibilidade. Coisa julgada. Recurso manifestamente improcedente. Aplicação de multa. Art. 557, § 2º, do CPC. 1. Transitada em julgado a decisão condenatória, as questões ali definidas não comportam novas discussões na fase de execução, sob pena de ofensa ao instituto da coisa julgada. 2. Aplica-se a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC na hipótese de agravo regimental manifestamente improcedente, ficando condicionada a interposição de qualquer outro apelo ao depósito do respectivo valor. 3. Agravo regimental desprovido. Aplicação de multa de 1% sobre o valor corrigido da causa.” (STJ – AgRg-REsp 1.183.467 – (2010/0038101-2) – 4ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 18.04.2011) Execução – cumprimento de sentença – multa – prazo – termo inicial – intimação “Processual civil. Fungibilidade recursal. Recurso recebido como agravo regimental. Execução. Cumprimento de sentença. Art. 475-J do CPC. Multa. Prazo. Termo inicial. Intimação. 1. Em nome dos princípios da economia processual e da fungibilidade, admitem-se como agravo regimental os embargos de declaração opostos a decisão monocrática proferida pelo relator do feito no Tribunal. 2. A multa prevista no art. 475-J do CPC não incide de forma automática. É necessário o exercício de atos pelo credor para o regular cumprimento da decisão condenatória. Concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário, o não pagamento em quinze dias contados da intimação do devedor na pessoa do advogado implica incidência da referida sanção processual. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se dá provimento.” (STJ – EDcl-REsp 1.237.257 – (2011/0023279-2) – 4ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 19.08.2011)


Execução – desconsideração da personalidade jurídica – bem de valor superior ao débito – interesse do credor “Civil e processual civil. Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Desconsideração da personalidade jurídica. Bem de valor superior ao débito. Interesse do credor e menor onerosidade do devedor. Conciliação entre os dois princípios. Confusão patrimonial. Caracterização. Cabimento da desconsideração da pessoa jurídica. 1. A execução se dá no interesse do credor, razão pela qual se mostra insuficiente a alegação de que o bem indicado para penhora tem valor superior ao débito executado. Necessário se faz, em verdade, a conciliação entre o princípio da menor onerosidade do devedor e o do interesse do credor. 1.1. A aplicação do princípio da menor onerosidade não pode servir de óbice à satisfação do crédito, mormente quando a parte executada deixa de se manifestar quanto à existência de outros bens penhoráveis. 2. A necessidade de se garantir a efetividade do processo reforça a importância da adoção da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de afastar uma utilização desvirtuada da pessoa jurídica e, assim, reprimir atos lesivos a direitos alheios. 3. Tendo restado demonstrada nos autos a confusão patrimonial, pelo fato de o patrimônio da empresa devedora se confundir com o patrimônio da sócia majoritária, cabível a pleiteada desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do art. 50 do Código Civil, a fim de combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, de modo a fraudar a execução. 4. Recurso improvido.” (TJDFT – Proc. 20110020008232 – (509330) – Rel. Des. João Egmont – DJe 03.06.2011) Execução – embargos – título judicial “Execução. Embargos. Título judicial. Acordo celebrado entre as partes e devidamente homologado em audiência. Descumprimento do acordo por parte dos apelantes referente à regularização da documentação do veículo, dado como forma de pagamento no contrato de compra e venda de imóvel havido entre as partes. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 991.03.031701-1 – Campinas – 13ª CDPriv. – Rel. Irineu Fava – DJe 31.08.2011)

“Execução de honorários advocatícios. Interpretação do título executivo judicial. I – A recorrida promoveu execução, dando à causa o valor de R$ 16.795,60 com base em contrato de abertura de crédito rotativo em conta-corrente e, depois, requereu a conversão do feito em ação monitória, atribuindo a esta o valor de R$ 587.198,16. Tendo em vista a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que o contrato de abertura de crédito, mesmo quando acompanhado de extrato da conta-corrente (Súmula nº 233/STJ), não constitui título executivo extrajudicial. II – A conversão da execução em monitória foi deferida em um primeiro momento, mas sobreveio, em seguida, sentença de extinção do feito sem julgamento de mérito, por entender que a conversão não poderia ocorrer, após a citação, sem o consentimento do requerido. Nessa sentença, a autora, ora recorrida, foi condenada ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados sobre o valor da causa. III – Na fase de execução desse título judicial, discute-se se o cálculo de 10% de honorários fixados sobre o valor da causa tendo por base o valor indicado na execução proposta, R$ 16.795,60, ou o valor pleiteado na ação monitória em que esta foi de início convertida, R$ 587.198,16, mas em conversão, declarada inadmissível. IV – O título executivo judicial fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa ao argumento de que tal verba seria devida nas execuções independentemente da interposição de embargos, usando, pois, de terminologia relativa ao processo de execução, não à ação monitória. Com base nessa razão de decidir, é de se reconhecer que o valor da causa a ser considerado como base de cálculo dos honorários advocatícios é o indicado no processo de execução, e não o relativo à ação monitória em que esse processo de execução foi invalidamente convertido. V – Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.097.081 – (2008/0230849-7) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 13.06.2011) Execução – penhora on-line – admissibilidade “Execução. Penhora on-line. Admissibilidade. Valor depositado por terceiro a título oneroso. Art. 649, inciso IV, do CPC, ao aludir à impenhorabilidade das quantias recebidas por liberalidade de terceiro, refere-se à renda percebida a título gratuito e destinada ao sustento do devedor e sua família. Verba de caráter alimentar, não sendo o caso do valor bloqueado em conta da empresa-executada. Se o valor pertence a terceiro, em razão de venda por consignação, não tem a executada legitimidade para pleitear em nome próprio direito alheio. Manutenção da constrição judicial. Recurso desprovido.” (TJSP – AI 990.10.542536-4 – Campinas – 20ª CDPriv. – Rel. Álvaro Torres Júnior – DJe 03.08.2011)

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Execução – honorários de advogado – interpretação do título executivo judicial

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Execução – precatório – cessão de crédito – habilitação de credor “Processual civil. Execução de sentença. Precatório. Cessão de crédito. Habilitação de credor. Substituição de partes. Inteligência do art. 567, II, do CPC. 1. Admite-se o prosseguimento da execução pelo cessionário do direito resultante do precatório. Precedentes do STJ. 2. A habilitação do cessionário implica seu ingresso no polo ativo da demanda executiva, na condição de substituto processual (art. 567, II, do CPC). 3. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.227.334 – (2011/0000112-1) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 20.05.2011) Execução – recuperação judicial da sociedade empresária devedora – suspensão “Agravo de instrumento. Execução. Recuperação judicial da sociedade empresária devedora. Suspensão. Prazo de 180 dias. Insuficiência. Princípio da preservação da empresa. Recurso desprovido. I – Segundo dispõe a Lei nº 11.101/2005, em seu art. 6º, deferido o processamento da recuperação judicial, todas as execuções em face do devedor serão suspensas. O § 4º do mesmo artigo dispõe que a suspensão findará em 180 (cento e oitenta) dias de forma automática, retomando-se o curso da execução imediatamente. Tal entendimento origina-se de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, observando os princípios norteadores da nova lei de recuperação judicial e falência, em especial, o princípio da preservação da empresa, como geradora de postos de trabalho, e a livre iniciativa econômica, que é um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 1º da Constituição da República), pois, por meio da atividade econômica, é que se torna viável o desenvolvimento econômico-social do País. II – O objetivo da recuperação judicial é ‘viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica’ (princípio da preservação da empresa – art. 47 da Lei nº 11.101/2005). III – Cabe apenas ao juízo da falência decidir acerca do destino do patrimônio da sociedade em recuperação judicial, sob pena de frustrar-lhe a execução do plano, em observância à regra do juízo universal da falência e recuperação judicial, segundo o disposto no art. 3º da Lei nº 11.101/2005. IV – Decisão agravada mantida.” (TJDFT – AI 20110020078237 – (531250) – Rel. Des. Lecir Manoel da Luz – DJe 31.08.2011) Execução – suspensão – ação declaratória de inexistência do débito – diversidade de títulos de crédito “Direito processual civil. Suspensão da ação de execução até que seja julgada ação declaratória de inexistência do débito. Diversidade de títulos de crédito. Reexame de prova. É inviável o recurso especial para se discutir a suspensão da ação de execução se para a conclusão acerca da relação de prejudicialidade com ação declaratória de inexistência de débito for necessário o reexame dos documentos que instruem cada ação. Aplicação da Súmula STJ nº 7. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 2.187 – (2011/0031491-8) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 06.06.2011)

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Execução – título extrajudicial – cédula de crédito bancário – indeferimento liminar

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“Apelação cível. Execução de título extrajudicial. Cédula de crédito bancário. Indeferimento liminar da petição inicial em primeiro grau. Lei nº 10.930/2004. Obrigação líquida, certa e exigível. Requisitos legais atendidos. Precedentes do STJ e desta Corte de Justiça. Recurso conhecido e provido. I – De acordo com a jurisprudência da Corte Superior, as cédulas de crédito bancário, instituídas pela Medida Provisória nº 1.925 e vigentes no ordenamento jurídico brasileiro desde a entrada em vigor da Lei nº 10.930/2004 são títulos que, emitidos em conformidade com os requisitos legais exigidos, expressam obrigação líquida, certa e exigível. II – O art. 28, § 2º, inciso II, da Lei nº 10.931/2004 disciplina este caráter de título executivo mesmo quando o valor expresso na cédula de crédito bancário seja oriundo de saldo devedor em contrato de abertura de crédito em conta-corrente.” (TJMS – AC-Ex 2011.014264-9/0000-00 – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Marco André Nogueira Hanson – DJe 22.07.2011) Execução – título extrajudicial – cédula rural pignoratícia – impenhorabilidade “Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Cédula rural pignoratícia. Impenhorabilidade de bens em garantia. Impenhorabilidade. Não incidência. Possibilidade. Manifesta intenção de prorrogação da dívida. Via inadequada. Recurso desprovido. I – Podem ser objeto de penhor cedular, entre outros, quando destinados aos serviços das atividades rurais quaisquer veículos automotores ou de tração mecânica, bem como máquinas e utensílios destinados ao preparo


de rações ou ao beneficiamento, armazenagem, industrialização, frigorificação, conservação, acondicionamento e transporte de produtos e subprodutos agropecuários ou extrativos, ou utilizados nas atividades rurais. II – Penhorados os bens constitutivos da garantia real, assistirá ao credor o direito de promover a qualquer tempo, contestada ou não a ação, a venda daqueles bens. III – A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem. IV – A mera intenção de obter prorrogação da dívida não impede a execução do penhor.” (TJPR – AI 0660999-2 – 14ª C.Cív. – Rel. Des. Laertes Ferreira Gomes – DJe 29.08.2011) Execução – título extrajudicial – confissão de dívida – inaplicabilidade “Processo civil. Execução de título extrajudicial. Confissão de dívida. Inaplicabilidade do Decreto-Lei nº 70/1966. Dívida líquida, certa e exigível. 1. O Decreto-Lei nº 70/1966 disciplina a execução hipotecária de contrato de financiamento imobiliário, regido pelo sistema financeiro da habitação. Se se trata de confissão de dívida, firmada por instrumento público, com garantia hipotecária, a matéria regida pelo CPC e pelo Código Civil. 2. Quando o embargante alegar excesso de execução, deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento. 3. Apelação não provida. Recurso adesivo prejudicado.” (TJDFT – Proc. 20080110662890 – (507351) – Rel. Des. João Mariosi – DJe 06.06.2011) Execução – título extrajudicial – fraude à execução – agravo de instrumento – requisitos – terceiros – boa-fé “Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Fraude à execução. Agravo de instrumento. Requisitos. Terceiros. Boa-fé. 1. É assente o entendimento jurisprudencial recente de que a fraude à execução somente poder ser caracterizada nos autos se: a) houve citação válida; b) ciência do comprador acerca do ônus que recai sobre o imóvel, por registro em cartório ou por outro meio capaz de indicar o conhecimento do gravame; c) redução do devedor à insolvência. 2. O ordenamento jurídico brasileiro, há muito, consagrou o princípio da presunção da boa-fé, em virtude dessa presunção que os Tribunais só admitem a configuração de fraude à execução, quando se tenha provado que o adquirente agiu imbuído de interesses ilegítimos, ciente de que contra o alienante pendia demanda judicial que poderia reduzi-lo à insolvência Agravo de instrumento desprovido.” (TJPR – AI 0710745-1 – Rel. Des. Paulo Cezar Bellio – DJe 20.06.2011)

“Agravo de instrumento. Execução fundada em título judicial. Honorários advocatícios. Complementação. Ausência de traslado de peça necessária à exata compreensão da controvérsia. 1. Orientação jurisprudencial assente nesta Corte Regional a de que, além das peças de traslado obrigatório reclamadas pelo inciso I do art. 525 do Código de Processo Civil, é dever processual do agravante fazer compor o instrumento também com aquelas necessárias à exata compreensão da controvérsia. 2. Hipótese em que, embora o recurso se funde no argumento de ofensa à sentença proferida em sede de embargos à execução, deixou o agravante de compor o instrumento com fotocópia do documento em referência, não permitindo, assim, contrastar a deliberação ora recorrida com a fundamentação utilizada para impugná-la. 3. Agravo de instrumento não conhecido.” (TRF 1ª R. – AI 0066826-62.2008.4.01.0000 – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Moreira Alves – DJe 19.09.2011) Execução – título judicial – juros moratórios – termo inicial “Execução de título judicial. Honorários advocatícios. Juros moratórios. Termo inicial. Tratando-se de cumprimento de sentença relativa a honorários advocatícios, somente incidem juros a partir da data da citação do executado no processo de execução, observado o prazo para cumprimento espontâneo previsto no art. 475-J do CPC.” (TRF 4ª R. – AI 0009238-11.2011.404.0000/RS – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Vilson Darós – DJe 19.09.2011) Execução – título judicial – nomeação de notas do Tesouro Nacional – recusa do exequente – possibilidade “Processual civil. Recurso especial. Execução por título judicial. Nomeação de notas do Tesouro Nacional. Baixa liquidez. Recusa do exequente. Possibilidade. Moldura fática a apontar que o executado dispõe de numerário suficiente. Inconveniência da medida, por acarretar, sem razoabilidade, maior dispêndio de tempo

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Execução – título judicial – honorários advocatícios – complementação

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e de atos processuais. 1. Conforme remansosa jurisprudência desta Corte, é legítima a recusa à penhora de título de baixa liquidez, de difícil alienação. 2. Em execução por quantia certa de valor que não se mostra exorbitante para a instituição financeira, é de rigor que a penhora, em observância à gradação legal, recaia sobre dinheiro, respeitadas apenas as reservas bancárias mantidas pelo Banco Central. 3. A moldura fática apurada pela Corte local aponta que a executada dispõe de numerário suficiente à garantia do Juízo, por isso a penhora das ‘Notas do Tesouro Nacional’ mostra-se inconveniente, visto que acarretará maior dispêndio de tempo e de atos processuais para o Judiciário, afrontando, por não haver razoabilidade na adoção da medida, os princípios da efetividade, economia e celeridade processual. 4. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 918.677/RS – (2007/0008902-3) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 13.09.2011) Execução contra a Fazenda – requisição de pequeno valor – juros de mora – prazo “Processual civil e administrativo. Execução contra a Fazenda. Requisição de pequeno valor. Juros de mora. Prazo para pagamento. Não incidência, quando o pagamento for realizado no prazo de sessenta dias. Matéria decidida pela Corte Especial, no REsp 1.143.677/RS, Min. Luiz Fux, DJe de 04.02.2010, julgado sob o regime do art. 543-C do CPC. Especial eficácia vinculativa desse precedente (CPC, art. 543-C, § 7º), que impõe sua adoção em casos análogos. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.252.154 – (2011/0101177-9) – 1ª T. – Rel. Min. Teori Albino Zavascki – DJe 30.08.2011) Execução por título extrajudicial – excesso de penhora – revogação parcial – princípio da menor onerosidade

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“Execução por título extrajudicial. Excesso de penhora. Revogação parcial. Princípio da menor onerosidade. Agravo de instrumento. Execução. Título extrajudicial. Penhora que recaiu sobre três imóveis. Excesso de penhora. Levantamento parcial da constrição. Insurgência contra decisão que determinou o levantamento da penhora em relação a dois dos três imóveis penhorados. Sendo o valor atualizado do crédito exequendo R$ 99.086,36 e o valor total dos imóveis penhorados de R$ 650.000,00, há evidente excesso de garantia da execução, estando em consonância com o princípio da menor onerosidade para o devedor a decisão que determina a constrição apenas sobre um dos imóveis, que foi avaliado em R$ 150.000,00, valor este que não foi impugnado e se revela suficiente para garantir a execução. Desprovimento do recurso.” (TJRJ – AI 0056873-69.2010.8.19.0000 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Jorge Luiz Habib – DJe 30.06.2011)

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Parecer Jurídico

Resolução nº 15 de 2017 do Senado Federal Suspendendo, nos Termos do Inciso X do Artigo 52 da CF, a Eficácia de Disposições Consideradas Inconstitucionais em Controle Difuso das Leis nºs 8.212/1991 e 9.528/1997 – Efeitos da Perda de Eficácia Ex Tunc de Tais Dispositivos – Parecer IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

Professor Emérito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UNIFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – Eceme, Superior de Guerra – ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), Doutor Honoris Causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs-Paraná e Rio Grande do Sul,

Catedrático da Universidade do Minho (Portugal), Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio/SP, Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária – CEU e do Instituto Internacional de Ciências Sociais – IICS.

FÁTIMA FERNANDES RODRIGUES DE SOUZA Procuradora do Estado de São Paulo (aposentada), Professora do Centro de Extensão Universitária-Escola de Direito, Integrante do Conselho Superior de Direito da Fecomércio.

ROGÉRIO GANDRA DA SILVA MARTINS Acadêmico da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Membro do Conselho Superior de Direito da Fecomércio, Diretor do NEET – Núcleo de Estudos Estratégicos em Tributação.

CONSULTA A Associação Nacional de Defesa dos Agricultores Pecuaristas e Produtores da Terra – Andaterra formula-nos pedido de elaboração de Parecer sobre a eficácia e validade, no mundo jurídico, da Resolução nº 15, de 2017, que “suspende, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução do inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e a execução do art. 1º da Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992, que deu nova redação ao art. 12, inciso V, ao art. 25, incisos I e II, e ao art. 30, inciso IV, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, todos com a redação atualizada até a Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997”.


Segundo informa, referida Resolução foi promulgada pelo Presidente do Senado, Senador Eunício Oliveira, em 12.09.2017, e publicada, no dia seguinte, no DOU, primeira página, de 13.09.2017, encontrando-se em pleno vigor desde então. A questão é saber se a mencionada Resolução do Senado tem eficácia ex tunc, no que diz respeito à retirada, do ordenamento jurídico, dos incisos I e II do art. 25 e do inciso IV do art. 30, ambos da Lei nº 8.212/1991 (na atual redação, dada pela Lei nº 9.528/1997), justamente as normas que definem base de cálculo e alíquota da contribuição social rural (alcunhada pelos agricultores de Funrural) e determinam a modalidade de arrecadação por meio da substituição tributária (adquirente da produção desconta os 2,1% e os repassa ao Fisco). Pretendem, também, ver esclarecido se a Resolução conflita, em algum grau, com o que restou decidido no RE 718.874 pelo STF, em março de 2017.

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Os referidos incisos já haviam sido julgados inconstitucionais pelo STF, em controle difuso de constitucionalidade, no RE 363.852, basicamente por considerar, a Suprema Corte, que a base de cálculo (receita bruta da comercialização da produção) era própria do segurado especial, definida pelo próprio texto constitucional (art. 195, § 8º, da CF), razão pela qual somente lei complementar poderia ter instituído o tributo para os demais contribuintes (neste o, os empregadores rurais pessoas naturais).

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Neste sentido a ementa e parte dispositiva do RE 363.852 (inconstitucionalidade proclamada por 11 x 0), julgado em 2010. Em 2011, novo julgamento em repercussão geral sobre o tema, agora no RE 596.177, restando decidido por 11 x 0 que: CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA – EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA – INCIDÊNCIA SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO – ART. 25 DA LEI Nº 8.212/1991, NA REDAÇÃO DADA PELO ART. 1º DA LEI Nº 8.540/1992 – INCONSTITUCIONALIDADE –

I – Ofensa ao art. 150, II, da CF em virtude da exigência de dupla contribuição caso o produtor rural seja empregador. II – Necessidade de lei complementar para a instituição de nova fonte de custeio para a seguridade social. III – RE conhecido e provido para reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 8.540/1992, aplicando-se aos casos semelhantes o disposto no art. 543-B do CPC.

Na oportunidade, foi aprovada tese, nos termos do item 2 da Ata da 12ª Sessão Administrativa do STF, realizada em 09.12.2015, nos termos seguintes: “É inconstitucional a contribuição, a ser recolhida pelo empregador rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pelo art. 1º da Lei nº 8.540/1992”. Dessa decisão, a Fazenda Nacional interpôs embargos de declaração, sustentando que a Lei nº 10.256/2001 – norma posterior à EC 20/1998, que incluiu o vocábulo “receita” ao lado de “faturamento” no caput do art. 195 da CF – teria alterado apenas o caput do art. 25 da Lei nº 8.212/1991 (sem reproduzir as alíquotas e a base de cálculo do tributo, previstas na Lei nº 9.528/1997) – aproveitando os incisos (inconstitucionais, segundo o RE 363.852) e “constitucionalizando” a contribuição após 2001. No entender da Consulente, referida tese afronta o disposto no art. 12, III, alínea c, da LC 95/1997, vez que impossível o aproveitamento de normas ligadas a dispositivo declarado inconstitucional pelo STF. Ademais, mesmo em se admitindo a hipótese de aproveitamento dos incisos inconstitucionais pela Lei de 2001, não resta alterada a flagrante inconstitucionalidade, reconhecida no RE 363852, no tocante à base de cálculo, eis que continua sendo “receita bruta da comercialização da produção”, que é própria da incidência relativa ao segurado especial, prevista no § 8º do art. 195 da CF, só podendo ser estendida aos demais contribuintes por lei complementar. Nesse sentido, a ementa e


trecho do voto do Ministro Marco Aurélio, no acórdão que julgou os embargos de declaração ofertados no RE 596.177.

nº 10.256/2001, considerando, ao fim e ao cabo, constitucional a cobrança, desde a entrada em vigor da Lei nº 10.256/2001.

A jurisprudência do STF passou, dessa forma, com todos os casos julgados à unanimidade, a ideia, ao jurisdicionado, produtor rural, de que o chamado Funrural era, de fato, inconstitucional, não sendo mais devido pelo empregador rural pessoa física. Nesse sentido, a ampla divulgação nos meios próprios de comunicação, a saber:

O resultado do julgamento, no que interessa, resta assim disponibilizado:

Supremo desobriga empregador rural de recolher Funrural sobre receita bruta de sua comercialização (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.as p?idConteudo=119605&caixaBusca=N>) Segunda-feira, 1º de agosto de 2011 Empregador rural pessoa física não precisa recolher contribuição sobre receita bruta (Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.as p?idConteudo=185468&caixaBusca=N>)

A tese foi adotada pela maioria dos Tribunais Regionais Federais do País, resultando em milhares de ações julgadas procedentes em primeiro e segundo graus de jurisdição, além de inúmeros casos com trânsito em julgado favorável ao produtor rural empregador pessoa natural. Todavia, no dia 30.03.2017, o STF voltou a apreciar um caso em repercussão geral, dessa vez tratando, explicitamente, da Lei nº 10.256/2001. O RE 718.874, contrariando a jurisprudência firmada por quase uma década na Corte Suprema, acabou entendendo (por 6 x 5) que as normas relativas aos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/1991 haviam sido “aproveitadas” pela Lei

Em que pese o resultado desconcertante dessa decisão do STF – que abala os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança – após enorme reação por parte dos produtores rurais do País, o Senado da República resolveu atender a dois ofícios encaminhados pelo próprio STF ao Senado (ofícios de 2013 e 2014), reclamando o cumprimento do art. 52, X, da CF, como explicitado no relatório e resultado da votação do PRS 13/2017. Dessa iniciativa resultou a promulgação e publicação da Resolução nº 15, de 2017, que, justamente, retira do ordenamento jurídico os incisos I e II do art. 25 e o inciso IV do art. 30, ambos da Lei nº 8.212/1991 (na redação atualizada até a Lei nº 9.528/1997). QUESITOS Diante disso, há interesse da Consulente na obtenção de um parecer de Vossa Senhoria, a fim de que sejam esclarecidas as seguintes questões:

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Quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 669 da repercussão geral, conheceu do recurso extraordinário e a ele deu provimento, vencidos os Ministros Edson Fachin (Relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello, que negavam provimento ao recurso. Em seguida, por maioria, acompanhando proposta da Ministra Cármen Lúcia (Presidente), o Tribunal fixou a seguinte tese: “É constitucional formal e materialmente a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei nº 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção”, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não se pronunciou quanto à tese. Redator para o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. Plenário, 30.03.2017.

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1. Qual o conteúdo e alcance da Resolução nº 15, de 2017? Possui o referido ato efeitos ex tunc, tal como indica o art. 1º, § 2º, do Decreto Presidencial nº 2.346/1997? 2. Caso a resposta anterior seja positiva, poderia a Resolução alterar o resultado do julgamento do RE 718.874? Essa decisão pode ser revista? Em caso afirmativo, por meio de quais instrumentos? 3. Após a publicação da Resolução nº 15, de 2017, os produtores devem continuar recolhendo a exação preconizada no art. 25, incisos I e II, da Lei nº 8.212/1991? 4. As empresas adquirentes deverão descontar o tributo, tal como indica o inciso IV do art. 30 da Lei nº 8.212/1991? 5. Com a publicação da Resolução nº 15, de 2017, existe direito à repetição do indébito tributário pelos contribuintes, produtores rurais empregadores pessoas naturais, independentemente da decisão final do RE 718.874? RESPOSTA

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Algumas questões preliminares.

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Toda a questão objeto da consulta formulada pela Andaterra focada está nas forças do art. 52, inciso X, da Lei Suprema, assim redigido:

[...].1

Nos controles difuso e concentrado de constitucionalidade, houve por bem o constituinte ofertar, no segundo, efeito vinculante imediato ao trânsito em julgado da decisão e, no primeiro, subordinar sua aplicação ampla à manifestação do Senado Federal, que poderá dar extensão idêntica à do efeito vinculante, a toda ou a parte da exegese ofertada pelo Pretório Excelso2. Pessoalmente, entendemos que o efeito é maior, pois retira formal1 Celso Ribeiro Bastos, ao examinar o conteúdo ôntico do preceito constitucional, comenta-o da forma seguinte: “A mais correta decisão nos parece ser aquela que atribui significado ao papel do Senado, sendo este, contudo, meramente formal. Cabe, ao nosso ver, ao Senado examinar se ocorreram os pressupostos constitucionais, para a declaração de inconstitucionalidade. Não nos parece merecer acolhida a alegação de se tratar de questões interna corporis do Supremo. Ao Senado incumbe justamente o indagar do respeito a todos os requisitos constitucionais. Trata-se, pois, de atividade vinculada, de exame dos requisitos, formais para a suspensão da lei ou ato. O Senado, nestas condições, em exercendo função própria do Legislativo, não se pode furtar à suspensão de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal desde que se tenham verificado os requisitos para tanto.” (grifos nossos) (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva, 4 v., t. I, p. 198) 2 Sobre o efeito vinculante, reza o art. 102 da CF:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

[...]

§ 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na


Por ser o controle difuso solução judicial entre partes, entendeu o constituinte que a Casa Representativa da Federação – que possui o maior Poder da República, pois podendo afastar Presidentes da República e Ministros da Suprema Corte de suas funções, por conduta não republicana3 – teria o poder supremo de dar eficácia ampla ou limitada às decisões do Pretório Excelso proferidas em litígios entre partes, cujo resultado fosse de declaração de inconstitucionalidades4.

forma da lei. (Transformado do parágrafo único em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17.03.1993)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

[...].” 3 “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...]

X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

[...].” 4 A maior parte da doutrina entende que a expressão “no todo ou em parte” não diz respeito a eficácia – extensão da incidência da norma –, mas apenas aos limites da decisão, ou seja, se a lei é toda inconstitucional ou parte. Neste sentido, leia-se Cretella Jr.:

“Conforme o caso, o tribunal competente julga o texto, concluindo pela inconstitucionalidade, por exemplo, e nesse caso, o Senado Federal determina a suspensão da execução da medida, no todo, ou em parte. Incide a suspensão apenas sobre a parte arguida de inconstitucional, mas

Em outras palavras, declarada entre as partes a inconstitucionalidade de uma lei, sua inteligência ampla ou limitada, a ser seguida por todos os brasileiros, haveria de ser definida pelo Senado Federal, e não pela Suprema Corte, faculdade a ser exercida, sem qualquer prazo imposto pelo legislador maior, no denominado controle concreto, e não no abstrato de constitucionalidade, em que os efeitos erga omnes e vinculante emanam diretamente da própria decisão da Suprema Corte. Em termos diversos, declarada a inconstitucionalidade de uma lei pela Suprema Corte em controle difuso, a extensão dessa decisão, se não definida pela própria Corte, passa automaticamente para o crivo do Senado, tendo por bem o constituinte definido a competência da Casa da Federação para balizar seus efeitos, a qualquer tempo, nas decisões transitadas em julgado5. No momento em que o Senado Federal decide suspender a eficácia de uma “lei” considerada inconstitucional, em controle difuso, pelo Pretório Excelso, essa lei é afastada do universo a suspensão de parte do todo não atinge o todo, prevalecendo a regra: Utile per inutile non vitiatur.

Votos concordantes da maioria, metade mais um, são exigidos para a decretação da inconstitucionalidade da lei, ou da medida, ou do ato do poder público, que conflita com a Constituição.” (Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, v. II, p. 2601) 5 Pinto Ferreira esclarece:

“Somente existe o dever de o STF comunicar a decisão suspendendo a execução do ato normativo, para os fins do art. 52, X, quando se trate de ação incidental de inconstitucionalidade, isto é, por via de exceção, se a inconstitucionalidade houver sido declarada incidentur tantum, STF, art. 178). Tal interpretação foi pela primeira vez concretizada no Processo Administrativo nº 4.777/72, para determinar e fixar o art. 42 da Carta Constitucional de 1967, que corresponde ao art. 52, X, do Texto Constitucional vigente. Assim sendo, as decisões do STF que declaram em ação direta a inconstitucionalidade não mais serão comunicadas ao Senado.” (Comentários à Constituição brasileira. Saraiva, p. 618/9)

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mente o dispositivo do ordenamento, tendo o ato do Senado função revogatória da norma.

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jurídico e não poderá mais ser revitalizada, senão por uma nova lei aprovada pelo Congresso Nacional6. Em tais condições, não pode a Suprema Corte, em exame de legislação posterior, após ter declarado a inconstitucionalidade de dispositivo legal e de o Senado Federal tê-lo retirado do elenco legislativo aplicável aos brasileiros, reintroduzi-lo por nova orientação exegética, pinçando das disposições consideradas inconstitucionais erga omnes pelo Senado, preceitos não mais constantes expressamente da legislação anterior, nem da nova7. 6 É, ainda, Pinto Ferreira que explica: “O Senado exaure a sua competência quando promulga a resolução suspensiva da inconstitucionalidade das leis, não podendo mais ampliar ou restringir o sentido de tal resolução, para efeito de interpretação da lei, conforme decisão do STF (RTJ, 38:5, 38:569 e 39:628; José Celso de Mello Filho, Constituição Federal anotada, cit., p. 183).” (Comentários à Constituição brasileira. Saraiva, p. 619) 7 A hipótese que examino não é de alteração jurisprudencial sobre a mesma lei a que se refere Pinto Ferreira, mas da nova lei aproveitar disposições nela não citadas expressamente para reintroduzir as disposições inconstitucionais, não por ato legislativo, mas judicial. O caso em exame neste Parecer não se assemelha ao de alteração jurisprudencial, a que se refere Pinto Ferreira: Março/2018 – Ed. 252

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“O Senado não deve proceder à suspensão da execução da lei por inteiro se somente parte dela foi declarada inconstitucional. Neste caso suspende a execução apenas em parte. Pode acontecer que a Câmara Alta suspenda a execução da lei, porque julgada inconstitucional pelo Supremo, e este venha a mudar de orientação, mudando de jurisprudência. Convém, então, distinguir o novo julgado para verificar se houve mudança apenas acidental, ou se a mudança é real; só na última hipótese é que o Senado deve também modificar a sua orientação” (Comentários à Constituição brasileira. Saraiva, p. 617). Pinto Ferreira parece dar a entender que a mudança jurisprudencial, que não é a hipótese aqui tratada, dependerá do Senado avalizar a modificação. Esta inteligência não aplicável à presente hipótese, todavia, não é de aceitação pacífica entre os constitucionalistas, eu mesmo não a hospedando.

A esmagadora maioria dos doutrinadores entendem, apesar de o vocábulo utilizado ser “suspensão”, que, declarada a inconstitucionalidade em controle difuso de constitucionalidade, é definitivo o afastamento da lei do universo jurídico, retirando da Suprema Corte competência para restabelecer a lei inconstitucional, tornando-a constitucional. Tendo em vista que tal matéria é passada à competência do Legislativo, ao Legislativo cabe a elaboração de nova lei, na linha de uma espécie de “repristinação legislativa”. Portanto: enquanto não houver manifestação do Senado, acerca de inconstitucionalidade de dispositivos reconhecida em controle difuso, pode a Suprema Corte rever a interpretação dada à lei, mas, no momento em que o Senado Federal se manifesta sobre os efeitos, eficácia e validade da lei, retirando-a do ordenamento, a competência para reintroduzir os dispositivos expurgados não é mais da Suprema Corte, mas apenas do Congresso Nacional. Nesse sentido, leia-se a gráfica manifestação de Pontes de Miranda: “Em caso de suspensão, não mais pode o Supremo Tribunal Federal, ou qualquer Tribunal, ou juízo, aplicá-la: não é eficaz, portanto, não incide”8. Ainda que, para efeito de argumentação, se admitisse ser possível a Suprema Corte alterar sua exegese relativamente aos dispositivos declarados inconstitucionais, a nova exegese, que só poderia referir-se às leis declaradas inconstitucionais, necessariamente, teria eficácia ex nunc ou efeitos prospectivos, podendo, nos termos dos arts. 28 da Lei nº 9.868/1999 e 11 da Lei nº 9.882/1999 – de cuja elaboração o primeiro dos signatários deste Parecer participou, integrando Comissão nomeada pelo Presidente Fernando Henrique, ao lado dos Professores Celso Bastos, Oscar Corrêa, Gilmar Mendes e Arnoldo Wald – valer para o futuro, mas jamais ter eficácia ex tunc. Entendemos, 8 Comentários à Constituição de 1946. Forense, v. I, p. 463.


Deve-se, todavia, ter presente que, no caso da consulta, não se trata de alteração jurisprudencial quanto às mesmas leis, mas da “reintrodução”, pela Suprema Corte, de dispositivos da lei anterior e que foram expressamente retirados pelo Senado Federal do ordenamento jurídico impositivo9, na nova lei, da qual não constavam. Assim sendo, nenhuma alteração de interpretação jurisprudencial acerca de dispositivos não constantes da nova e extirpados do ordenamento por Resolução do Senado em face de inconstitucionalidade da lei anterior, reconhecida em controle difuso pela Suprema Corte, poderia ter efeitos retroativos ou ex tunc, após ter sido dado efeito erga omnes à retirada dos dispositivos inconstitucionais do ordenamento jurídico, pela Casa da Federação. Nem seria admissível cogitar da reintrodução, via Poder Judiciário, de disposições extirpadas e não expressamente repristinadas pela legislação posterior, por não ser o Judiciário 9 Sobre usurpação de competência, leia-se em Cretella Jr. o seguinte: “Pode a lei ser inconstitucional não só pelo conteúdo, que conflita com o paralelo do texto da Constituição, como também quanto à iniciativa do processo legislativo. Se a iniciativa estiver viciada, inconstitucional é a lei. Assim, se a competência para a iniciativa é exclusiva do Chefe do Poder Executivo, é inconstitucional a lei se o Poder Legislativo a deflagra, dando início ao processo nomogenético, constituindo flagrante e intolerável usurpação do poder de iniciativa.” (Comentários à Constituição de 1988. Forense Universitária, v. II, p. 2603)

legislador positivo, carecendo de competência para restaurar dispositivos legais retirados pelo Senado do universo jurídico10. Um segundo aspecto, ainda nessas considerações preliminares. As decisões da Suprema Corte, em que se adotou o termo, a nosso ver muito mal escolhido, de “arrastamento” – ou seja, declarada a inconstitucionalidade de um dispositivo, o vício se estende a todos os dispositivos dele dependentes –, merecem reflexão. O termo faz lembrar a pesca predatória realizada com a utilização de redes, embora, muitas vezes, haja alguma semelhança entre as decisões por arrastamento e os métodos empregados pelos pescadores. Melhor seria utilizar uma expressão mais clássica, talvez, inconstitucionalidade “por extensão”. O certo, todavia, é que se tem adotado constitucionalmente tal técnica hermenêutica. Aplica-se, todavia, para declarações de inconstitucionalidade e não de constitucionalidade11. 10 Pinto Ferreira lembra Lúcio Bittencourt ao dizer:

“Lucio Bittencourt pretende que o objetivo de suspensão pelo Senado seja apenas tornar pública a decisão do STF, dar-lhe publicidade, comunicando-a aos cidadãos. Afirmar que o Senado suspende a execução da lei inconstitucional é, positivamente, impropriedade técnica, uma vez que o ato, sendo ‘inexistente ou ineficaz, não pode ter suspensa a sua execução’ (Comentários à Constituição brasileira. Saraiva, p. 620). A lição de Lúcio Bittencourt, de rigor, torna o controle difuso semelhante ao concentrado”. 11 Diogo de Assis Russo explica: “A teoria da inconstitucionalidade por arrastamento, também conhecida como inconstitucionalidade por atração ou inconstitucionalidade consequente de preceitos não impugnados, deriva de uma construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. Portanto, não se encontra positivada em qualquer norma constitucional ou legal de nosso sistema jurídico.

Por esta teoria, o Supremo Tribunal Federal poderá declarar como inconstitucional, em futuro processo, norma dependente de outra já julgada

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todavia, que tal interpretação, sobre não ser da esmagadora maioria da doutrina, não é tampouco a nossa. Para nós, o que saiu do ordenamento jurídico não pode voltar, a não ser por obra e força do Legislativo.

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Vale dizer, impossível sua adoção para validar disposição da lei anterior afastada do ordenamento jurídico. Em face de lei posterior considerada constitucional, mas da qual não constem expressamente disposições de leis anteriores, consideradas inconstitucionais e retiradas do ordenamento jurídico, não se pode cogitar de aproveitar por “arrastamento” ou “extensão”, os dispositivos já extirpados, pois tais disposições já não mais existem, visto que afastadas do ordenamento jurídico por Resolução do Senado.

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Pode-se adotar a técnica de arrastamento quanto a disposições que perdem a razão de ser, quando a norma à qual estão vinculadas é declarada inválida por inconstitucionalidade. Não, porém, adotar a referida técnica para o fim de trazer de volta para o universo jurídico dispositivo afastado pelo Senado Federal, a partir de delegação constitucional de competência de um poder para o outro, nos casos de inconstitucionalidade decretada em controle difuso, principalmente se se pretender “arrastar” para tornar constitucional dispositivo já reconhecido inconstitucional.

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No momento em que o Senado Federal decide afastar do ordenamento jurídico determinadas disposições legislativas reconhecidas como inválidas por decisão da Suprema Corte, principalmente quando tomadas por unanimidade, as disposições delas dependentes caem no vazio, daí a jurisprudência do STF concluir que, por arrastamento, são também inválidas.

Mas, repita-se, não há que falar em arrastamento para o fim de repristinar disposições que não existem mais, ou seja, que já não mais se encontram no universo jurídico12. Um terceiro aspecto merece consideração, ou seja, o de que o trânsito em julgado é que determina a definitividade de uma solução judiciária. Enquanto não se encerrar o processo judicial, tudo pode ser alterado por embargos de declaração com efeitos infringentes, mesmo que a decisão tenha sido tomada pelo plenário da Suprema Corte. E a não definitividade, no caso, é tanto mais evidente quando a mudança de inteligência judicial acerca da nova lei tenha reformado a interpretação anterior, tomada por 11 votos a zero, por apenas seis votos a cinco13. 12 Carlos Mário Velloso, em voto sobre a teoria do arrastamento, esclarece:

“Todavia, quando a declaração de inconstitucionalidade de uma norma fira um sistema normativo dela dependente, ou, em virtude da declaração de inconstitucionalidade, normas subsequentes são afetadas pela declaração, a declaração de inconstitucionalidade pode ser estendida a estas, porque ocorre o fenômeno da inconstitucionalidade ‘por arrastamento’ ou ‘por atração’.” (ADI 2895-2/AL) 13 É de se lembrar que já o Senado negou-se a dar eficácia erga omnes às decisões do STF tomadas por 6 x 5 como no RE 150764-1. O Senador Amir Lando assim se manifestou:

inconstitucional em processo do controle concentrado de constitucionalidade.” Segundo a obra de Gilmar F. Mendes, Inocêncio M. Coelho e Paulo Gustavo G. Branco:

“A dependência ou a interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais mesmo nos casos em que estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação.” (Jusbrasil.com.br)

“É incontestável, pois, que a suspensão da eficácia desses artigos de leis pelo Senado Federal, operando erga omnes, trará profunda repercussão na vida econômica do país, notadamente em momento de acentuada crise do Tesouro Nacional e de conjugação de esforços no sentido da recuperação da economia nacional. Ademais, a decisão declaratória de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, no presente caso, embora configurada em maioria absoluta nos precisos termos do art. 97 da Lei maior, ocorreu pelo voto de seis de seus membros contra cinco, demonstrando, com isso, que o entendimento sobre a questão não é pacífico.” (RE 150.764-1, Pernambuco)


de seus efeitos, principalmente enquanto não decididos os embargos de declaração com efeitos modificativos apresentados. Enquanto não transitada em julgado a decisão, não há definitividade, razão pela qual a decisão está sujeita a ser alterada pela própria Corte14. 14 Em bem fundamentados embargos de declaração com efeitos infringentes, os eminentes Advogados Felisberto Odilon Córdova, Rafael Peliciolli Nunes e Jeferson da Rocha concluem:

Um quarto aspecto preliminar é relevante, ou seja, o princípio da segurança jurídica. As decisões sobre as duas Leis de 1991 e 1997 foram consideradas inconstitucionais desde sua promulgação, por 11 x 0 em 2010 e 2014, quanto aos arts. 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, pela Suprema Corte, havendo incontáveis decisões em instâncias inferiores na mesma linha. Geraram, portanto, certeza de segurança jurídica, nos meios ruralistas, em face da reiterada interpretação no mesmo sentido pela Justiça do País. Tal orientação foi seguida pela esmagadora maioria dos sujeitos à lei. Ora, por meio da mudança de interpretação sobre a contribuição Funrural, em 2017, a partir de uma imprecisa lei promulgada em 2001, na qual não há referência expressa aos incisos antes tidos por inconstitucionais, não se pode pretender “constitucionalizar” o “inexistente”, mediante a técnica do “arrastamento”, o que é, ademais, incabível nas declarações de constitucionalidade, ferindo o art. 5º, caput, da Constituição, que diz ser inviolável a segurança jurídica. A valer a exegese da “constitucionalidade por 6 x 5” do RE 718.874, restaria o direito maltratado. A inviolabilidade da segurança jurídica, desfrutada ao longo de 16 anos por ruralistas e assegurada pela Lei Suprema como um dos cinco princípios fundamentais de direitos individuais, seria severamente desfigurada15.

“11. Tempestividade, infringência, conclusão e pedidos:

11.1. Além da republicação do acórdão por erronias (e ainda incompleto), a tempestividade do presente se firma também pela duplicidade do prazo em face da multiplicidade de litisconsortes com diferentes procuradores.

11.2. Sendo notória a virtualidade de mudança do acórdão apresentado, os presentes embargos passam pelo contraditório, art. 1.023, § 22, CPC.

11.3. De toda a análise deste recurso, e as bem lançadas pelo recorrido e demais amici curiae, igualmente envolvidos e interessados, confiam todos na tramitação expedita, conhecimento e provimento final, a bem da estabilidade e segurança jurídica em falta no trato da contribuição social, Funrural, em discussão.

11.4. Pelo exposto, e os melhores de Direito que o eminente Relator e eg. Plenário bem haverão de servir, pede e requer a embargante, em ordem sucessiva, o seguinte:

1 – seja, pelo Exmo. Sr. Ministro Relator, desde logo, suspensos todos os efeitos do acórdão embargado, até final julgamento integrativo e seu trânsito em julgado;

2 – ibidem, determine a correção do erro material e a conexão (itens 2 e 3);

Termos em que,

Pede deferimento.

3 – uma vez regularmente processados os embargos declaratórios nos autos, ouvidos a União e a Procuradoria Geral da República, seja, em Plenário, pela eg. Corte, conhecidos e providos para o fim de se declarar, definitivamente, inconstitucionais as leis ordinárias acerca da contribuição social em debate, especialmente a última, nº 10.256/2001, até que

10 de outubro de 2017.” (Doc. a que tive acesso) 15 Está o caput do art. 5º da CF assim redigido:

bases de cálculo e alíquotas, segundo a Constituição Federal, formal e materialmente, sejam proclamadas.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

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Essa “não definitividade” torna inconclusa a produção imediata

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Tais considerações preliminares permitem-nos agora adentrar as respostas às questões formuladas. Passamos, portanto, a examinar a lei em concreto. As Leis nºs 8.212/1991, 8.540/1992 e 9.528/1997 foram consideradas inconstitucionais em duas votações pela Suprema Corte, nos RE 363852 e RE 596177, quanto aos retromencionados dispositivos. Embora em controle difuso, tais dispositivos foram tidos por não aplicáveis para todos os ruralistas, resultando em dois ofícios enviados pela Suprema Corte ao Senado Federal, para que fossem retirados, por Resolução, do ordenamento jurídico nacional16.

No momento em que, nos termos do art. 52, inciso X, o Senado Federal – que, constitucionalmente, tem a faculdade de estender, erga omnes, a decisão entre partes, prolatada pelo STF em controle difuso, quando declara a inconstitucionalidade de qualquer dispositivo – decidiu, mediante a Resolução nº 15/2017, dar-lhe extensão máxima, tornando sem eficácia os dispositivos dos arts. 25 e 30 das leis anteriores, deixaram eles de existir no universo jurídico.Veja-se que o início do texto senatorial tem a seguinte dicção:

É de se lembrar que as decisões dos Tribunais inferiores e dos Juizados de 1ª Instância sempre seguiram a inteligência de que os dispositivos eram inconstitucionais e, nos dois casos, por 11 x 0, o entendimento foi confirmado pelo Pretório Excelso.

A Resolução nº 15, de 2017, promulgada pelo Senador Eunício de Oliveira em 12.09.2017 e publicada no Diário Oficial da União em 13.09.2017, já está em plena vigência, gerando efeitos concretos sobre a exigibilidade da Contribuição Social Rural, a que todos, por habitualidade, chamamos de Funrural.

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...].”

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Embora as Leis de 1991 e 1997 só tenham sido examinadas pela Suprema Corte em 2010 e 2014, o certo é que a jurisprudência de 1ª Instância e dos Tribunais inferiores já vinham confirmando o entendimento consagrado pelo Pretório Excelso naqueles julgados, muito antes disto.

Tendo merecido de Cretella Jr. as seguintes considerações:

“Comentamos, neste livro, o ideal dos constituintes, expresso no Preâmbulo, de ‘assegurar o exercício dos direitos, sociais e individuais, como a segurança’, repetindo-se, agora, no art. 6º, que ‘a Constituição assegura a inviolabilidade dos direitos concernentes à segurança’. Nos dois passos da Constituição, podemos observar os vocábulos ‘assegurar a segurança’, o que reflete a falta de cuidado com a linguagem e o estilo do diploma mais importante e significativo da Nação brasileira. Garantir a segurança é, de fato, garantir o exercício das demais liberdades, porque a vis inquietativa impede o homem de agir.” (grifos meus) (Comentários à Constituição 1988. Forense Universitária, v. I, 1989. p. 185) 16 Os ofícios do STF tiveram os seguintes números: Ofício s/nº 27/2013, referente ao RE 363852, e Ofícios/nº 48/2014, referente ao RE 5961-12.

O Senado da República, obedecendo o disposto no art. 52, inciso X, da Constituição Federal, e em observância a 2 (dois) ofícios encaminhados pelo Supremo Tribunal Federal (Ofício “S” nº 27/2013, referente ao RE 363852 e Ofício “S” nº 48/2014, referente ao RE 596177), através da citada Resolução, retirou do ordenamento jurídico por vício de constitucionalidade, os incisos I e II do art. 25, bem como o inciso IV do art. 30, ambos da Lei nº 8.212/1991, na redação dada pelas Leis nºs 8.540/1992 e 9.528/1997. Portanto, a Resolução do Senado, com a publicação no diário oficial, passa a ter efeito imediato sobre a legislação em vigor. A lei que regulamenta a cobrança do Funrural, deste modo, deverá ser lida da seguinte forma:


Ora, a decisão no RE 718.874/RS, por estreita margem (6 x 5), considerou constitucional a Lei nº 10.256/2001, cujo art. 25 estabelece o seguinte: Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997) (Execução suspensa pela Resolução nº 15, de 2017) II – 0,1% da receita-bruta proveniente-da-comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente de trabalho. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997). (Execução suspensa pela Resolução nº 15, de 2017)” Ou, no preâmbulo da Lei nº 8.212/1991, a seguinte anotação (com a mesma força):

[...] § 9º (Vetado).

Ora, a partir da Resolução do Senado passou a ser de absoluta inocuidade e de manifesta impossibilidade material a aplicação desse dispositivo, à falta de base de cálculo e alíquota18.

(Vide Resolução do Senado Federal nº 15, de 2017).

a do inciso V do art. 42 -e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 26 desta Lei, independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento; (Redação dada pela Lei nº 9.628, de 10.12.1997) (Execução suspensa pela Resolução nº , de 2017) (Execução suspensa pela Resolução nº 15, de 2017)’

É de se lembrar que tal competência do Senado poderia ser exercida a qualquer momento, à falta de prazo estabelecido no texto supremo, razão pela qual, ao decidir retirar do ordenamento aqueles dispositivos considerados inconstitucionais nos RREE 363852 e 596177, passaram eles a não mais constar do ordenamento jurídico17.

17 A justificativa de tal decisão encontra-se na sequência dos dispositivos:

[...]

“O objetivo da resolução senatorial, como observado, é retirar base de cálculo e alíquota do Funrural, na atual redação da Lei de Custeio, dada pela Lei nº 9.528/1997 (em que pese a MPV 793, cujos efeitos ficaram para janeiro de 2018). Além disso, tal resolução desobriga o adquirente de produção da retenção e recolhimento dos 2,1% incidentes sobre a receita bruta da comercialização da produção, tendo em conta que o art. 30, inciso IV, também foi fulminado pela medida, senão vejamos:

‘Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

IV – a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea

Ou, tal como no caso anterior, no preâmbulo da Lei nº 8.212/1991, a seguinte anotação (com a mesma força): Vide Resolução do Senado Federal nº 15, de 2017

Em resumo, vigora hoje, apenas o caput do art. 25 da Lei nº 8.212/1991, com a redação atribuída pela Lei nº 10.256/2001, contudo, sem os elementos necessários para tornar exigível a contribuição ao Funrural, fato concreto que beneficia aproximadamente 5 milhões de produtores rurais em todo o Brasil (produtores que desde a publicação da norma estão desonerados do desconto dos 2,1%).” 18 A Comissão de Direitos Agrários da OAB/SC ainda antes da Resolução do Senado nº 15 posicionou-se favorável à via legislativa, ao concluir sua manifestação:

“Além disso, não se descarta a via legislativa, sobretudo a amparada no art. 52, X, da CF, e que reclamaria a retirada do art. 25, I e II, da Lei

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“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 2001).

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É que esse artigo, considerado constitucional pela Suprema Corte, faz remissão a incisos I e II já retirados do universo jurídico, a pedido da Suprema Corte, pela Resolução do Senado nº 15/2017. Reitere-se: tais incisos não constam expressamente da Lei de 2017! Vale dizer: o Senado Federal, no exercício de sua competência exclusiva e com base no art. 52, X, da CF, retirara do ordenamento jurídico, pela mencionada resolução, os incisos I e II, outrora constantes das leis anteriores, por solicitação da Suprema Corte, que não impôs qualquer prazo para a prática desse ato (Ofícios nºs 3/13 e 48/14). Assim, em face da Resolução do Senado Federal, o art. 25 da Lei nº 10.256/2001 é de impossível aplicação, à falta de normas (incisos I e II), reconhecidas como inconstitucionais nas leis anteriores e que não foram reproduzidas na Lei de 2001.

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Não é o caso, neste Parecer, de discutir inúmeros outros aspectos que poderiam ser contestados, já que a Suprema Corte, por 11 x 0, sobre eles se debruçou, nos citados acórdãos aplicáveis erga omnes pela Resolução nº 15/201719.

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nº 8.212/1991 (com a redação dada pela Lei nº 9.528/1997) por resolução do Senado, ainda em função do julgamento do RE 596.177, o que deixaria sem norma válida a justificar a cobrança e, sobretudo, sem validara conclusão a que chegou o RE 718.874, segundo o qual ainda no ordenamento jurídico estariam os incisos I e II do art. 25 da Lei de Custeio (um descalabro inominável).” 19 Cito algumas manifestações: Marco Aurélio, RE 363.852/MG: “Afastando qualquer possibilidade de cobrança do Funrural com base no art. 195, I, alínea b, sobre receita ou faturamento nos ensina o ilustre Ministro: ‘Também sob esse prisma, procede a irresignação, entendendo-se que comercialização da produção é algo diverso de faturamento e este não se confunde com receita. [...] houvesse confusão, houvesse sinonímia entre o faturamento e o resultado da comercialização da produção, não haveria razão para a norma do 81

A necessidade de lei complementar, por outro lado, impor-se-ia, por ter sido objeto de apreciação nos acórdãos anteriores, lembrando-se que a extensão da base de cálculo para “receita”, do art. 195 da Constituição Federal relativa ao produtor que não conta com empregados e exerça atividades em regime de economia familiar’”. Ricardo Lewandowski, RE 596.177/RS: “[...] não se poderia desconsiderar a ausência de previsão constitucional para a base de incidência da contribuição social trazida pelo art. 25, I e II, da Lei nº 8.212/1991, a reclamar a necessidade de instituição por meio de lei complementar”. RE 363.852/MG: “Convenci-me de que há ofensa ao princípio da isonomia, inexiste lei complementar definindo o tributo. Há duplicidade de recolhimento, tendo em vista a mesma destinação”.

Cesar Peluzo, RE 363.852/MG: “Em primeiro lugar, salta aos olhos que a contribuição social foi criada de forma teratológica: enxertou-se regra, aplicável exclusivamente às pessoas físicas produtores rurais, sem empregados permanentes (art. 195, § 8º), a quaisquer produtores rurais pessoas físicas, inclusive àqueles – e este é o cerne da controvérsia – que lançam mão da colaboração de empregados. Ora, a contribuição sobre o resultado da comercialização da produção rural do art. 195, § 8º, existe precisamente porque seu destinatário – o produtor rural sem empregados permanentes – não pode, é óbvio, contribuir sobre a folha de salários, faturamento ou receita, já que não dispõe de empregados, nem é pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada. Logo, é imediata a conclusão de que o sujeito passivo objeto pela parte inicial do art. 25 não se enquadra na exceção do art. 195, § 8º, reservada, em caráter exclusivo, ao segurado especial, que recebe proteção constitucional em vista de sua vulnerabilidade socioeconômica. Não entrando na exceção do art. 195, § 8º, subsume-se o empregador rural pessoa física à regra geral do art. 195, I, que estabelece a contribuição social devida pelo empregador, sobre diferentes bases de cálculo, notadamente a folha de salários – dentre os quais não se encontra, está claro, o ‘resultado’ ou a ‘receita bruta da comercialização da produção’. Essa razão já bastaria ao reconhecimento da inconstitucionalidade da contribuição social. Há, contudo outras ofensas à Constituição. [...] Além disso, sob tal base de cálculo, o empregador rural pessoa física recebe tratamento tributário desfavorável em relação aos contribuintes não-rurais, que contribuem apenas sob as fontes previstas nas alíneas do art. 195, inciso I, o que evidencia ofensa ao princípio da isonomia. Assim, o art. 150, inciso II, da Constituição da República, é atingido gravemente, como o é o


art. 194, inciso V, que estabelece a equidade na forma de participação do custeio”.

Eros Grau, RE 363.852/MG: “[...] no mesmo sentido, por sua vez nos ensina às fls. 727/728 do mesmo acórdão: Quanto ao argumento de equivalência entre as expressões, ‘receita bruta’ e ‘resultado da comercialização da sua produção’, lembre-se o recente posicionamento do Tribunal no julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 346.084, 358.273, 357.950 e 390.840, sessão do dia 09.11.2005, que trataram de questão análoga com relação à base de cálculo do PIS e da Cofins. 32. Aqui a amplitude das expressões é ainda maior, uma vez que ‘receita bruta’ é espécie do gênero ‘resultado’, que por sua vez não pode ser equiparado a ‘faturamento’ [...] ‘Em matéria tributária – e dessa matéria cuida-se esses autos – a legalidade prevalece em termos absolutos. Não há espaço, no que concerne a obrigação tributária principal, para o exercício, pelo Poder Executivo, de qualquer parcela de função regulamentar. 25. Nenhum dos preceitos da Lei nº 8.212/1991 autoriza ou poderia autorizar o Poder Executivo a determinar, por ato seu, no exercício de função regulamentar, o fato gerador da contribuição social. O Código Tributário Nacional estabelece, em seu art. 97, III e 114, que somente a Lei pode fixar o fato gerador do tributo. 26. Daí porque se torna impossível a exigência do tributo dos empregadores rurais pessoas físicas e dos segurados especiais’”. 20 É de se lembrar que, no próprio julgamento da Lei nº 10.256/2001, o Ministro Marco Aurélio lembrou que: “[...] apenas em atenção ao que foi veiculado da tribuna, consigno que persiste o erro glosado quando do pronunciamento anterior do Tribunal. É que veio a baila não uma lei complementar, que atendesse o art. 195, § 4º, da Constituição Federal, mas sim uma Lei Ordinária, nº 10.256, e nem se diga que a Emenda Constitucional nº 20, acabou por plecitar a utilização de Lei Ordinária na criação desse tributo, porque a Emenda apenas alterou o § 8º do art. 195, para expungir a referência a garimpeiro.

Este Parecer, todavia, resume-se a analisar, exclusivamente, os efeitos da Resolução do Senado sobre a exigência ou não do Funrural, que, a nosso ver, à luz dos textos examinados, não tem legitimidade, pois que o Senado Federal retirara do ordenamento jurídico, no exercício de sua exclusiva competência, os incisos I e II do art. 25 da legislação anterior. Dessa forma, o Supremo, ao considerar a Lei nº 10.256/2001 constitucional, referiu-se a um artigo com caput sem incisos, ou seja, a um artigo cuja inaplicabilidade é nenhuma, à falta de alíquotas e base de cálculo. Não poderia a Suprema Corte, inclusive, entender que tais dispositivos seriam restabelecidos por sua decisão, visto que a função de legislar é do Congresso Nacional, e não do Supremo. Retirados os incisos I e II do art. 25 do ordenamento jurídico, não há como o Poder Judiciário assumir as funções do Poder Legislativo, recolocando-os na Lei nº 10.256/2001, no vácuo do art. 25, que, repito, não os mencionou expressamente. É de se lembrar, ainda, que a teoria do arrastamento só é possível para ampliar a inconstitucionalidade a dispositivos legais dependentes daquele reconhecido como inválido. Não para introduzir e declarar constitucionais disposições retiradas do ordenamento jurídico, nos termos previstos na Constituição – o que só o legislador pode fazer. Parece-nos, pois, que tem a Resolução nº 15/2017 plena eficácia e a decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 718870 é de impossível aplicação, por inexistirem, quer na Lei nº 10.246/2001 A situação, portanto, é idêntica àquela com a qual se defrontou o plenário que concluiu pelo provimento do recurso do contribuinte [...] quando do julgamento do RE 363852, reporto-me ao voto proferido que farei juntar ao processo e acompanho o Relator, provendo o Recurso e declarando a inconstitucionalidade dos preceitos referidos por sua Excelência”, tendo sido acompanhado pelos Ministros Celso de Mello, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luiz Fux.

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além do “faturamento” – o primeiro subscritor sustentou perante a Suprema Corte o primeiro caso de inconstitucionalidade da Lei nº 9.718/1998, quanto à inconstitucional extensão da base de cálculo do PIS e da Cofins, antes da EC 20/1998 –, já foi suficientemente abordada em votos e estudos, assim como outros aspectos obscuros na decisão de 2017, propiciando os embargos de declaração com efeitos infringentes, já mencionados anteriormente20.

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quer no ordenamento jurídico nacional, os elementos essenciais à aplicabilidade do artigo considerado constitucional21. Vale dizer, o art. 25 da Lei nº 10.256/2001 não possui os incisos I e II, que das leis anteriores foram retirados pelo Senado Federal por inconstitucionais22. Antes de começar a responder às questões formuladas, entretanto, cabem algumas considerações de natureza econômica,

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21 A Senadora Kátia Abreu, autora do texto da Resolução nº 15/2017, esclareceu que mais de 5 milhões de pequenos produtores rurais não teriam como arcar com um passivo de 17 bilhões de reais se a Resolução não fosse promulgada (Canal Rural, 13.03.2017, às 9:22). 22 Cretella Jr., citando eminentes juristas, lembra:

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“Óbvio que inconstitucional é a lei que contém, no todo ou em parte, prescrições incompatíveis ou inconciliáveis com a Constituição (cf. C. A. Lúcio Bittencourt, O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, atualizado por José de Aguiar Dias, 2. ed., Ed. Forense, 1968, p. 53).

Vicente Ráo ensina que ‘o princípio da constitucionalidade exige a conformidade de todas as normas e atos inferiores, leis, decretos, regulamentos, atos administrativos e judiciais, às disposições substanciais ou formais da Constituição; o princípio da legalidade reclama a subordinação dos atos executivos e judiciais às leis e, também, a subordinação, nos termos acima indicados, das leis estaduais às federais e das municipais a umas e outras’ (O direito e a vida dos direitos, Ed. Max Limonad, 1952, v. 1, p. 347).

‘Se o conflito é entre a lei e a Constituição, diz-se que aquela é inconstitucional; se entre duas leis, uma hierarquicamente superior à outra, a mais fraca cede à mais forte; diz-se então que há ilegalidade’ (cf. Alfredo Buzaid, Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro, Ed. Saraiva, 1958, p. 45).

O conflito entre o texto da lei impugnado e o paralelo dispositivo constitucional deve ser facilmente verificado ou, pelo menos, se refletir na própria significação e finalidade dos dois dispositivos (cf. Temístocles Brandão Cavalcanti, Do controle da constitucionalidade, Ed. Forense, 1966, p. 81).” (Comentários à Constituição 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, v. V, p. 2607)

obtidas de instituições especializadas no setor agropecuário sobre o novo tributo, se ainda permanecessem os incisos I e II do art. 25 das Leis nºs 8.212/1991 e 9.528/1997, não reproduzidos na Lei nº 10.256/2001, que não mais permanecem, por força da decisão senatorial – considerações essas que mostram que sua manutenção implicaria, para a grande maioria dos contribuintes, confisco. Enumeramo-las apenas para reflexão dos que sobre esta matéria se debruçaram: – O PIB do agronegócio, em 2016, foi de R$ 1,425 trilhões, o que corresponde a 23% do total do PIB brasileiro (CNA – PIB e Performance do Agronegócio); – O VPB (valor bruto da produção agropecuária), em 2016, foi de R$ 541,7 bilhões. O valor bruto da produção agropecuária é aquele calculado sem contar a industrialização, ou seja, só entra o que é produzido dentro da porteira (CNA e Mapa). É sobre essa base de cálculo que incide o Funrural; – O agronegócio emprega 19 milhões de pessoas no Brasil (Cepea/Esalq). Contudo, diretamente empregados no campo, são apenas 4 milhões de funcionários segundo o Dieese. São relativamente a estes 4 milhões de empregados que os produtores rurais empregadores teriam, em tese, a responsabilidade sobre a previdência (recolhimento da cota patronal); – Neste aspecto existe um descasamento monstruoso. O Funrural, com a atual base de cálculo, arrecada aproximadamente R$ 11,3 bilhões por ano. No entanto, caso a base de cálculo fosse a folha de salários, como o setor urbano, o recolhimento seria de, no máximo, R$ 1,5 bilhões. Existe um estudo da Farsul nesse sentido;


– A produção de grãos está estimada, neste ano, em 238,8 milhões de toneladas, crescimento de 28% em relação à safra 2015/2016 (IBGE e Conab); – O Brasil tem, aproximadamente, 5 milhões de propriedades rurais, segundo o IBGE. Uma propriedade rural é responsável por alimentar, em um ano, de 150 a 200 pessoas. Portanto, os 5 milhões de estabelecimentos rurais que existem no Brasil alimentam, aproximadamente, 1 bilhão de pessoas em todo o mundo (USDA, Farmer Feed US); – O agronegócio foi responsável por 46% das exportações totais do País em 2016. Dos US$ 185,2 bilhões exportados, US$ 84,93 bilhões eram do agronegócio, sendo o grande responsável pelo superávit de US$ 47,69 bilhões da balança comercial (Cepea/Esalq e Globo Rural); – De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), a população mundial deverá chegar a 9 bilhões em 2050. O órgão faz um alerta: para atingir essa demanda, os países deverão investir aproximadamente US$ 44 bilhões por ano na produção e distribuição de alimentos, cinco vezes mais do que os US$ 7,9 bilhões que são investidos atualmente. Com esse investimento, a produção de alimentos deverá crescer 60%, valor apontado como necessário para que se atenda a essa demanda (Globo Rural).

Por fim, e o mais relevante é que a lucratividade do pequeno agricultor gira em torno de 2% do valor da venda, o que vale dizer, o Funrural de 2,1% retirar-lhe-ia a totalidade do benefício. Passo, agora, a responder as questões formuladas: 1. Qual o conteúdo e alcance da Resolução nº 15, de 2017? Possui o referido ato efeitos ex tunc, tal como indica o art. 1º, § 2º, do Decreto Presidencial nº 2.346/1997? O Decreto Presidencial nº 2.346/1997 declara, na parte que interessa a este Parecer, que: Decreto nº 2.346, de 10 de outubro de 1997 Consolida normas de procedimentos a serem observadas pela Administração Pública Federal em razão de decisões judiciais, regulamenta os dispositivos legais que menciona, e dá outras providências. O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos arts. 131 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, alterada pela Medida Provisória nº 1.523-12, de 25 de setembro de 1997, 77 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e 1º a 4º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, Decreta: CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto. § 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado

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– O Brasil destaca-se nas exportações de soja, milho e algodão, sendo o maior exportador de soja do mundo, o segundo maior de milho e o terceiro maior de algodão (USDA, 2016). Possui o maior rebanho bovino comercial (Esalq, G1 e IBGE) e é, segundo a FAO, o segundo maior produtor de alimentos do mundo;

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com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial. § 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal. § 3º O Presidente da República, mediante proposta de Ministro de Estado, dirigente de órgão integrante da Presidência da República ou do Advogado-Geral da União, poderá autorizar a extensão dos efeitos jurídicos de decisão proferida em caso concreto. (grifos nossos)

Embora relevante, considerando que esclarece o efeito ex tunc das Resoluções do Senado – o que se justifica, visto que efeitos prospectivos só existem, quando o STF expressamente os dá, não cabendo ao Senado ofertar-lhes no exercício de sua competência do art. 52, inciso X, da CF –, entendemos que o conteúdo da Resolução é, a qualquer momento, dar extensão às decisões do STF limitada ou ampla, a qual prevalece desde o início da vigência da norma inconstitucional que é retirada do ordenamento jurídico23.

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Acresce-se que, no caso deste Parecer, a Resolução refere-se à legislação anterior, de cujos textos o Senado retirou do ordena-

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23 Quando, na Comissão para redigir a lei que regulamentou a ADPF, opus-me à redação do art. 11 da Leinº 9.882/1999 a respeito de efeitos prospectivos. Transcrevo algumas das objeções:

“Embora as decisões tomadas pela Comissão tenham sido quase sempre consensuais, em um ponto divergi de meus ilustres colegas Amoldo Wald, Celso Bastos, Oscar Corrêa e Gilmar Mendes, qual seja, na extensão dada ao art. 11, que reproduzo neste trabalho:

‘Art. 11. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela

mento jurídico alguns dispositivos. Lembre-se que a Lei de 2001 não se refere expressamente aos incisos I e II do art. 25 das leis anteriores. Em outras palavras, retirou o Senado, no exercício da sua competência, os itens expressamente mencionados nas leis anteriores declarados inconstitucionais, com a única eficácia que lhes podia dar, ou seja, eficácia ex tunc. A resposta, portanto, é que a Resolução tem eficácia ex tunc. 2. Caso a resposta anterior seja positiva, poderia a Resolução alterar o resultado do julgamento do RE 718.874? Essa decisão pode ser revista? Em caso afirmativo, por meio de quais instrumentos? Não há que se falar em efeito retroativo, mas efeito ex tunc, que, de rigor, significa que, desde o início da promulgação das Leis só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.’

Não me parece possa ser o texto mencionado tido por constitucional, uma vez que adota princípio do Direito alemão de não possível hospedagem pelo Direito brasileiro.

Embora tenha sido voto vencido na Comissão, passo a expor as razões de minha inteligência sobre o dispositivo.

A norma admite que uma lei considerada inconstitucional pela arguição de descumprimento de preceito fundamental possa ter eficácia ex nunc ou mesmo dilatada por tempo posterior à declaração.

O vício, portanto, da inconstitucionalidade não prevaleceria ex tunc, maculando a lei ab initio, visto que por decisão de 2/3 de seus integrantes, o Supremo Tribunal Federal poderia ‘constitucionalizar’ e ‘desconstitucionalizar’ o mesmo texto legal, admitindo sua ‘inconstitucionalidade com eficácia de constitucionalidade’ até a decisão, para depois declarar uma ‘inconstitucionalidade sem eficácia de constitucionalidade’, com base no novo espaço temporal determinado pelo Pretório Excelso.” (Diversos autores. Arguição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei nº 9.882/1999. Org. Andre Ramos Tavares e Walter Claudius Rothenburg. Atlas Jurídico, 2001. p. 173)


nºs 8.212/1991 e 9.528/1997, os dispositivos eram inconstitucionais, como disse Paulo Brossard em julgado do STF:

edição da Resolução nº 15/2017, por solicitação do próprio Pretório Excelso.

EMENTA: CONSTITUIÇÃO – LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE – REVOGAÇÃO – INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE – IMPOSSIBILIDADE

3. Após a publicação da Resolução nº 15, de 2017, os produtores devem continuar recolhendo a exação preconizada no art. 25, incisos I e II, da Lei nº 8.212/1991?

Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinquentenária.

A decisão no RE 718.874 não transitada em julgado, por reduzida maioria contra expressiva minoria, não versa sobre os textos expressos das Leis nºs 8.212/1991 e 9.528/1997 objeto da Resolução do Senado, nem sobre a omissão da Lei nº 10.256/2001, que, por falta de reprodução dos dispositivos da legislação anterior expurgados do ordenamento, tornou-se inaplicável. Declarou, portanto, constitucional artigo que faz remissão a dispositivos inexistentes e já retirados do ordenamento jurídico pelo Poder que poderia fazê-lo, ou seja, a Casa Maior da República, que é o Senado Federal.

Entendo, também, que a decisão pode ser revista, não só em face dos embargos interpostos, mas pelo fato novo, que é a

A decisão ainda não é definitiva, e espera-se a sua revisão, à luz da Resolução nº 15/2017, pois não tem o STF o condão de reintroduzir disposições retiradas do ordenamento por sua solicitação (Ofícios do STF de 2013 e 2014). Realçamos que a Suprema Corte pediu a retirada de tais dispositivos do ordenamento jurídico 12 e 13 anos depois de promulgada a Lei de 2001, na qual os referidos incisos não são mencionados. É, por outro lado, de se lembrar que a Resolução do Senado, ao eliminar os incisos I e II da Lei nº 8.212/1991, tornou a exigência fiscal indevida por inoperante, matéria que certamente será examinada pela Suprema Corte. Ademais, para os agricultores – os pequenos, que constituem 5 milhões de produtores rurais com uma lucratividade em torno de 2% sobre o custo da produção – o tributo pode ter efeito confiscatório, algo que o inciso IV do art. 150 da Lei Suprema veda expressamente25.

24 Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, DJ 21.11.1997, Ementário 1892-01.

25 O inciso IV do art. 150 da CF tem a seguinte dicção: “IV – utilizar tributo com efeito de confisco; [...]”. Comentei-o:

Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2/600, Distrito Federal, Rel. Min. Paulo Brossard, Requerente: Fed. Nac. dos Estabelecimentos de Ensino – Fenen, Requerido: Presidente da República)24

Em consequência, o RE 718.874, ainda não transitado em julgado, pois que pendentes embargos de declaração com efeitos infringentes, deu pela constitucionalidade de lei que não pode ser aplicada, por força da extinção erga omnes de dispositivos prevendo base de cálculo e alíquota, em decorrência da Resolução nº 15/2017.

Março/2018 – Ed. 252

A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária.

84


À evidência, esta matéria será sujeita a um exame final pelo STF, que, ao decidir por 6 x 5, fê-lo sem levar em consideração fato novo e de rigorosa constitucionalidade, provocado pelo Senado Federal, por solicitação do próprio STF, ou seja, a retirada dos incisos I e II do art. 25 da legislação anterior, tornando o art. 25 da Lei de 2001 vazio de eficácia, como se vê de seu texto: Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: [...] (nada mais consta).

Março/2018 – Ed. 252

O ideal seria, todavia, que o próprio governo, mediante medida provisória, em face da urgência e relevância do tema, regulasse de vez a matéria, com o que a decisão final do STF poderia perder objeto, visto que não foi prolatada em controle concentrado (ADI, AD, ADPF), mas em repercussão geral. 4. As empresas adquirentes deverão descontar o tributo, tal como indica o inciso IV do art. 30 da Lei nº 8.212/1991?

“O quinto princípio a limitar o poder de tributar é o de vedação de confisco, a que já me referi ao analisar o princípio da capacidade contributiva.

O inciso IV do art. 30 foi retirado do ordenamento jurídico nacional por força da Resolução nº 15/2017 do Senado Federal. Não mais existe. As empresas não precisaram, portanto, descontar o tributo. Sugiro, todavia, para maior garantia, que recorram à proteção judicial mediante ações individuais.

Não é fácil definir o que seja confisco, entendendo eu que sempre que a tributação agregada retire a capacidade de o contribuinte se sustentar e se desenvolver (ganhos para suas necessidades essenciais e ganhos superiores ao atendimento destas necessidades para reinvestimento ou desenvolvimento) estar-se-á perante o confisco.

5. Com a publicação da Resolução nº 15, de 2017, existe direito à repetição do indébito tributário pelos contribuintes, produtores rurais empregadores pessoas naturais, independentemente da decisão final do RE 718.874?

Na minha especial maneira de ver o confisco, não posso examiná-lo a partir de cada tributo, mas da universalidade de toda a carga tributária incidente sobre um único contribuinte.

Se a soma dos diversos tributos incidentes representa carga que impeça o pagador de tributos de viver e se desenvolver, estar-se-á perante carga geral confiscatória, razão pela qual todo o sistema terá que ser revisto, mas principalmente aquele tributo que, quando criado, ultrapasse o limite da capacidade contributiva do cidadão.

Há, pois, um tributo confiscatório e um sistema confiscatório decorrencial. A meu ver, a Constituição proibiu a ocorrência dos dois, como proteção ao cidadão.” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil, ob. cit., 6 v., t. I, p. 177/179)

Até decisão final, por parte da Suprema Corte e em face do próprio efeito confiscatório que a exigência do tributo pode

85

provocar com base em incisos I e II, já não mais existentes no ordenamento jurídico nacional, entendemos que não devem pagar. Porém, por prudência, sugerimos que essa conduta seja amparada em decisão judicial, mediante ações individuais ajuizadas para tal fim, com apoio na Resolução.

O direito à repetição do indébito existe, à evidência, mas seria prudente aguardar a manifestação definitiva do STF no tocante à decisão que considerou constitucional dispositivo que deixou de existir. A eficácia ex tunc é evidente, visto que a declaração incidental de inconstitucionalidade dos diplomas anteriores teve extensão erga omnes pelo Senado, o qual retirou os referidos dispositivos do ordenamento jurídico, sem que eles tenham constado expressamente da Lei de 2001. Reiteramos que os julgamentos do STF sobre os incisos I e II do art. 25 são de 2010 e 2014, com solicitação ao Senado para que desse efeito erga


omnes pelo próprio STF. Vale dizer 9 e 13 anos após a edição da Lei de 2001, que não se referiu expressamente aos incisos I e II!!! Nada obstante a clareza do direito, sugerimos que se aguarde a possível revisão do RE 718.874, por impossibilidade de aplicação, dada sua incompletude. Isso posto, concluímos, tendo examinado apenas as forças constitucionais da Resolução do Senado nº 15/2017, que tem ela validade ex tunc e, em face disso, o art. 25 da Lei nº 10.256/2001 ficou esvaziado de conteúdo, pois os incisos que determinariam aquela incidência foram retirados pelo Senado Federal, sem terem sido expressamente nela mencionados. À evidência, a teoria de arrastamento não se aplica para as declarações de constitucionalidade, mas apenas para aquelas de inconstitucionalidade. Pelos mesmos motivos o art. 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/1991 deixou de existir. É esta nossa opinião, s.m.j.

Março/2018 – Ed. 252

São Paulo, 19 de outubro de 2017.

86


Medida Provisória Medida Provisória nº 820, de 15.02.2018 Dispõe sobre medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária. (DOU de 16.02.2018)


Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com. 2.186-16, DE 23.08.2001

Patrimônio Genético. Diversidade Biológica

2.187-13, DE 24.08.2001

Previdência Social. Alteração na Legislação

2.189-49, DE 23.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.190-34, DE 23.08.2001

Vigilância Sanitária. Alteração da Lei nº 9.782/1999

2.192-70, DE 24.08.2001

Proes. Bancos Estaduais

2.196-3, DE 24.08.2001

Instituições Financeiras Federais. Recuperação. Empresa Gestora de Ativos – Emgea

2.197-43, DE 24.08.2001

SFH. Disposições

2.198-5, DE 24.08.2001

Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica

2.199-14, DE 24.08.2001

IR. Incentivos Fiscais

2.200-2, DE 24.08.2001

Infraestrutura de Chaves Públicas. ICP-Brasil

2.206-1, DE 06.09.2001

Programa Nacional de Renda Mínima

2.208, DE 17.08.2001

Estudante Menor de 18 Anos. Comprovação

2.209, DE 29.08.2001

Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica  –  CBEE

2.210, DE 29.08.2001

Orçamento. Crédito Extraordinário

2.211, DE 29.08.2001

Orçamento 2001 e 2002. Diretrizes

2.213-1, DE 30.08.2001

Programa Bolsa-Renda. Estiagem

2.214, DE 31.08.2001

Administração Pública Federal. Recursos

Planos de Saúde. Alteração da Lei nº 9.656/1998

2.215-10, DE 31.08.2001

Militares das Forças Armadas. Reestruturação da Remuneração

Programa Nacional de Alimentação Escolar. Dinheiro Direto na Escola

2.220, DE 04.09.2001

Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano – CNDU

2.224, DE 04.09.2001

Capitais Brasileiros no Exterior

2.179-36, DE 24.08.2001

União e Banco Central. Relações Financeiras

2.225-45, DE 04.09.2001

2.180-35, DE 24.08.2001

Advocacia-Geral da União. Alteração na Legislação

Servidor Público. Tráfico de Entorpecentes. Alteração das Leis nºs 6.368/1976 e 8.112/1990

2.181-45, DE 24.08.2001

Operações Financeiras do Tesouro Nacional

2.226, DE 04.09.2001

Alteração da CLT

2.183-56, DE 24.08.2001

Reforma Agrária. Alteração na Legislação

2.227, DE 04.09.2001

Plano Real. Correção Monetária. Exceção

2.184-23, DE 24.08.2001

Carreira Policial. Gratificação

2.228-1, DE 06.09.2001

2.185-35, DE 24.08.2001

Dívida Pública Mobiliária. Consolidação. Assunção. Refinanciamento

Cultura. Política Nacional do Cinema – Ancine. Prodecine. Funcines

2.229-43, DE 06.09.2001

Policiais Civis da União e DF. Alteração na legislação

2.156-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento do Nordeste – Adene

2.157-5, DE 24.08.2001

Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA

2.158-35, DE 24.08.2001

Cofins, PIS/Pasep e IR. Alteração na Legislação

2.159-70, DE 24.08.2001

IR. Alteração na Legislação

2.161-35, DE 23.08.2001

Programa Nacional de Desestatização. Alteração da Lei nº 9.491/1997

2.162-72, DE 23.08.2001

Notas do Tesouro Nacional – NTN

2.163-41, DE 23.08.2001

Meio Ambiente. Alteração da Lei nº 9.605/1998

2.164-41, DE 24.08.2001

Alteração da CLT. Trabalho a Tempo Parcial e PAT

2.165-36, DE 23.08.2001

Servidor Público e Militar. Auxílio-Transporte

2.166-67, DE 24.08.2001

Código Florestal. Alteração da Lei nº 4.771/1965

2.167-53, DE 23.08.2001

Recebimento de Valores Mobiliários pela União

2.168-40, DE 24.08.2001

Cooperativas. Recoop. Sescoop

2.169-43, DE 24.08.2001

Servidor Público. Vantagem de 28,86%

2.170-36, DE 23.08.2001

Tesouro Nacional. Administração de Recursos

2.172-32, DE 23.08.2001

Usura. Agiotagem

2.173-24, DE 23.08.2001

Anuidades Escolares

2.174-28, DE 24.08.2001

União. Programa de Desligamento Voluntário – PDV

2.177-44, DE 24.08.2001 2.178-36, DE 24.08.2001

Normas do Juris SÍNTESE atingidas pelas Medidas Provisórias em vigor (até 28.02.2018)

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

801

21.09.2017

4

Lei nº 9.496/1997

807

31.10.2017-extra

MP 804/2017

802

27.09.2017

Lei nº 11.110/2005

1º ao 6º

808

14.11.2017- extra

DL 5.452/43

802

27.09.2017

Lei nº 10.735/2003

1º e 2º

803

29.09.2017

MP 793/2017

1º, 5º, 7º

59-A, 223-C, 223-G, 394-A 442-B, 452-A, 452-B,0 452-C, 452-D, 452-E, 452-F, 452-G, 452-H, 457, 510-B, 611-A, 911-A

806

30.10.2017-extra

Lei nº 11.312/2006

808

14.11.2017- extra

DL 5.452/43

394-A, 452-A, 611-A

809

04.12.2017

Lei nº 7.957/89

12

810

11.12.2017

Lei nº 8.248/91

4º, 9º, 11, 12, 16-A

810

11.12.2017

Lei nº 8.387/91

806

30.10.2017-extra

11

Lei nº 11.312/2006

807

31.10.2017-extra

Lei nº 13.496/2017

1º e 8º

ALTERAÇÃO

Março/2018 – Ed. 252

Nota: Prezado assinante, todas as normas selecionadas, inclusive as medidas provisórias, podem ser consultadas em nosso endereço eletrônico www.sintese.com.

88


Março/2018 – Ed. 252

89

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

810

11.12.2017

Lei nº 8.248/91

11, 14

2.158-35

27.08.2001

64

DL 70.235/72

1º, 25 e 64-A

811

22.12.2017

Lei nº 12.304/2010

2º, 4º, 7º

2.158-35

27.08.2001

69

DL 1.455/76

1º, 9º, 10, 16, 18, 19 e 64-A

812

27.12.2017

Lei nº 10.177/2001

1º, 1º-A, 1º-B, 1º-C, 1º-D

2.158-35

27.08.2001

70

Lei nº 9.430/96

63

812

27.12.2017

Lei nº 7.827/89

9º-A, 17-A

2.158-35

27.08.2001

72

Lei nº 8.218/91

11 e 12

812

27.12.2017

Lei nº 9.126/95

2.158-35

27.08.2001

73

Lei nº 9.317/96

1º e 64-A

812

27.12.2017

MP 2.199-14/2001

13º

2.158-35

27.08.2001

73 e 93

Lei nº 9.317/96

9º e 15

812

27.12.2017

Lei nº 10.177/2001

2.158-35

27.08.2001

75

Lei nº 9.532/97

1º, 15 e 64-A

813

27.12.2017

LC 26/75

4º, 4º-A

2.158-35

27.08.2001

82

Lei nº 8.981/95

29

813

27.12.2017

LC 26/75

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.432/97

11

814

29.12.2017

Lei nº 12.111/2009

2º, 3º, 3º-A

2.158-35

27.08.2001

93

LC 70/91

6º e 7º

814

29.12.2017

Lei nº 10.438/2002

13º

2.158-35

27.08.2001

93

LC 85/96

Revogada

814

29.12.2017

Lei nº 10.848/2004

31

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 7.714/88

814

29.12.2017

Lei nº 12.111/2009

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.004/95

Revogada

817

05.01.2018

36

Lei nº 12.249/2010

85 a 102

2.158-35

27.08.2001

93

Lei nº 9.493/97

817

05.01.2018

36

Lei nº 12.800/2013

2.161-35

24.08.2001

1º e 6º

Lei nº 9.491/97

2º, 4º, 5º, 6º e 30

817

05.01.2018

36

Lei nº 13.121/2015

2.162-72

24.08.2001

Lei nº 9.094/95

818

12.01.2018

Lei nº 13.089/2018

2 e 21

2.163-41

24.08.2001

Lei nº 9.605/98

79-A

818

12.01.2018

Lei nº 12.587/2012

24

2.164-41

27.08.2001

7º e 8º

Lei nº 7.998/90

822

26.02.2018

Lei nº 13.502/2017

21, 40-A, 40-B, 47, 48, Seção IX-A e Seção XIII

2º, 2º-A, 2º-B, 3º-A, 7º-A, 8º-A, 8º-B e 8º-C

2.164-41

27.08.2001

1º e 2º

CLT

822

26.02.2018

11

Lei nº 13.502/2017

47 e 48

58-A, 59, 130-A, 143, 476-A, 627-A, 643 e 652

822

26.02.2018

11

Lei nº 11.483/2007

23

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 4.923/65

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 5.889/73

18

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.321/76

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 6.494/77

2.164-41

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

19-A, 20, 29-C e 29-D

2.164-41

27.08.2001

10

Lei nº 9.601/98

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 7.418/85

2.165-36

24.08.2001

13

Lei nº 8.627/93

2.166-67

25.08.2001-extra

Lei nº 4.771/65

1º, 3º-A, 4º, 14, 16, 37-A, 44, 44-A, 44-B e 44-C

2.156-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

1º e 11

2.156-5

27.08.2001

32

DL 2.397/87

12

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 8.034/90

2.156-5

27.08.2001

32

Lei nº 9.532/97

2.157-5

27.08.2001

32

DL 1.376/74

2.158-35

27.08.2001

2º e 93

Lei nº 9.718/98

3º e 8º

2.158-35

27.08.2001

3º e 93

Lei nº 9.701/98

2.158-35

27.08.2001

10 e 93

Lei nº 9.779/99

14 e 17

2.158-35

27.08.2001

19 e 93

Lei nº 9.715/98

2º e 4º

2.166-67

25.08.2001

Lei nº 9.393/96

10

2.158-35

27.08.2001

34 e 75

Lei nº 9.532/97

1º e 64-A

2.167-53

24.08.2001

2º e 3º

Lei nº 9.619/98

1º e 4º-A


DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

MP

DOU

ART

NORMA LEGAL

ALTERAÇÃO

2.168-40

27.08.2001

13

Lei nº 5.764/71

88

2.189-49

24.08.2001

13

Lei nº 9.430/96

79

2.168-40

27.08.2001

14

Lei nº 9.138/95

2.189-49

24.08.2001

14

Lei nº 9.317/96

2.168-40

27.08.2001

18

Lei nº 10.186/01

2.190-34

24.08.2001

7º e 8º

Lei nº 9.294/96

2º, 3º e 7º

2.170-36

24.08.2001

Lei nº 8.212/91

60

2.192-70

25.08.2001-extra

23

Lei nº 9.496/97

1º, 3º, 6º, 7º-A e 7º-B

2.172-32

24.08.2001

Lei nº 1.521/51

4º, § 3º

2.196-3

25.08.2001

12

Lei nº 8.036/90

2.173-24

24.08.2001

1º e 2º

Lei nº 9.870/99

1º e 6º

2.196-3

25.08.2001

14

Lei nº 7.827/89

9º-A

2.177-44

27.08.2001

1º e 8º

Lei nº 9.656/98

1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 24-A, 24-B, 24-C, 24-D, 25, 26, 27, 28, 29, 29-A, 30, 31, 32, 34, 35, 35-A, 35-B, 35-C, 35-D, 35-E, 35-F, 35-G, 35-H e 35-I

2.197-43

27.08.2001

3º e 8º

Lei nº 8.692/93

23 e 25

2.197-43

27.08.2001

4º e 8º

Lei nº 4.380/64

9º, 14 e 18

2.197-43

27.08.2001

Lei nº 8.036/90

9º, 20, 23, 29-A e 29-B

2.199-14

27.08.2001

18

Lei nº 9.532/97

2.178-36

25.08.2001-extra

16

Lei nº 9.533/97

2.211

30.08.2001

Lei nº 9.995/00

35 e 70

2.178-36

25.08.2001-extra

32

Lei nº 8.913/97

Revogada

2.211

30.08.2001

Lei nº 10.266/01

18, 34, 38 e 51

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.437/92

1º e 4º

2.214

01.09.2001-extra

Lei nº 10.261/01

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.494/97

1º-A, 1º-B (CPC e CLT), 1º-C, 1º-D, 1º-E, 1º-F, 2º-A e 2º-B

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.448/92

2.215-10

01.09.2001

41

Lei nº 8.460/92

2º, 20, 25, 26 e 27, 5º, 7º-A, 13, 14, 14-A, 23, 24, 27, 28, 30, 32, 34-A, 38, 44, 51-A e 61-A

2.217-3

05.09.2001

Lei nº 10.233/01

74, 77, 78-A, 78-B, 78-C, 78-D, 78-E, 78-F, 78-G, 78-H, 78-I 78-J, 82, 83, 84, 85-A, 85-B, 85-C, 85-D, 86, 88, 89, 100, 102-A, 103-A, 103-B, 103-C, 103-D, 113-A, 114-A, 15, 116-A, 118 e 119

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 7.347/85

1º e 2º

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.180-35

27.08.2001

Lei nº 9.704/98

2.180-35

27.08.2001

10

CPC

741

2.180-35

27.08.2001

14

Lei nº 4.348/64

2.180-35

27.08.2001

21

Lei nº 10.257/01

53

2.220

05.09.2001-extra

15

Lei nº 6.015/73

167, I

2.181-45

27.08.2001

45

Lei nº 8.177/91

18

2.224

05.09.2001

Lei nº 4.131/62

2.181-45

27.08.2001

46

Lei nº 9.365/96

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 6.368/76

2.181-45

27.08.2001

52

Lei nº 10.150/00

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 8.112/90

2.183-56

27.08.2001

DL 3.365/41

10, 15-A, 15-B e 27

2º, 3º e 15

25, 26, 46, 47, 61, 62-A, 67, 91, 117 e 119

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.177/91

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 8.429/92

17

2.183-56

27.08.2001

Lei nº 8.629/93

2º, 2º-A, 5º, 6º, 7º, 11, 12, 17, 18 e 26-A

2.225-45

05.09.2001

Lei nº 9.525/97

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 6.015/73

80

2.226

05.09.2001

CLT

896-A

2.226

05.09.2001

Lei nº 9.469/97

2.228-1

05.09.2001

51

Lei nº 8.685/93

2.228-1

05.09.2001

52 e 53

Lei nº 8.313/91

3º, II, a (a partir de 01.01.2007), e 18, § 3º

2.229-43

10.09.2001

72

Lei nº 9.986/00

22

2.229-43

10.09.2001

74

Lei nº 8.745/93

2.187-13

27.08.2001

3º e 16

Lei nº 8.212/91

38, 55, 56, 68, 101 e 102

2.187-13

27.08.2001

4º e 16

Lei nº 8.213/91

41, 95, 96, 134, 144, 145, 146 e 147

2.187-13

27.08.2001

Lei nº 9.639/98

1º, 2º e 5º

2.187-13

27.08.2001

16

Lei nº 9.711/98

7º, 8º, 9º, 12, 13, 14, 15, 16 e 17

2.189-49

24.08.2001

10

Lei nº 9.532/97

6º, II, 34 e 82, II, f

2.189-49

24.08.2001

11

Lei nº 9.250/95

10 e 25

Março/2018 – Ed. 252

MP

90


Norma Legal Lei nº 13.630, de 28.02.2018

Altera a Lei nº 13.606, de 9 de janeiro de 2018, para prorrogar o prazo de adesão ao Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) para 30 de abril de 2018. (DOU 01.03.2018)


Indicadores I  Índices de dos Débitos Trabalhistas I –– Índices deAtualização Atualização dos Débitos Trabalhistas (Vigência: Junho/2011 – Atualização: Maio/2011) TABELA ÚNICA PARA ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS TRABALHISTAS ATÉ 31 DE MARÇO DE 2018 – PARA 1º DE ABRIL DE 2018* *TR prefixada de 1º Março/2018 a 1º Abril/2018 (Banco Central) = 0,00% (ZERO)

1 – Índice de Atualização Monetária até 31 de maio de 2011 – Decreto-Lei nº 2.322/1987 combinado com a Lei nº 7.738/1989 (incluindo a Lei nº 8.177/1991 – TR – a partir de fev. 1991) – TR prefixada de 1º maio/2011 a 1º junho/2011 (Banco Central) = 0,1570% Mês/Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000 JAN 2,426631075 1,843627460 1,682370705 1,532423263 1,421623913 1,344585029

Mês/Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012 JAN 1,120226659 1,104266573 1,086503930 1,078854786 1,071474984 1,058687023

FEV

2,376689694 1,820819871 1,669946304 1,515062166 1,414321770 1,341701712

FEV

1,117779838 1,103152389 1,084508435 1,078854786 1,070709426 1,057773107

MAR

2,333448559 1,803461553 1,658970521 1,508333490 1,402682312 1,338585485

MAR

1,116974500 1,102884388 1,084019542 1,078854786 1,070148669 1,057773107

ABR

2,280990343 1,788901682 1,648558261 1,494886982 1,386578588 1,335591090

ABR

1,114882979 1,102433493 1,082462960 1,078001009 1,068853218 1,056644610

MAIO

2,204564699 1,777177642 1,638382269 1,487864262 1,378182699 1,333855744

MAIO

1,113466650 1,101381673 1,081971745 1,078001009 1,068458957 1,056404806

JUN

2,135231594 1,766774871 1,628037717 1,481135464 1,370288467 1,330540038

JUN

1,111589176 1,100571653 1,081486158 1,077451509 1,066784106 1,055910640

JUL

2,075331306 1,756064633 1,617467567 1,473894222 1,366042806 1,327698763

JUL

1,110529730 1,099311841 1,080777168 1,076817264 1,065597031 1,055910640

AGO

2,015070619 1,745849667 1,606894203 1,465827772 1,362047920 1,325647985

AGO

1,108900755 1,097211778 1,079642464 1,075579272 1,064289020 1,055758611

SET

1,963920315 1,733477897 1,596881754 1,460352908 1,358048467 1,322968973

SET

1,107277486 1,095487481 1,079429816 1,074602458 1,062084133 1,055628769

OUT

1,926558564 1,722077743 1,586610041 1,453793393 1,354371349 1,321597155

OUT

1,106887862 1,093333613 1,079429816 1,073848617 1,061019930 1,055628769

NOV

1,895211762 1,710859985 1,576280674 1,440980197 1,351310630 1,319860219

NOV

1,105625238 1,090600568 1,079429816 1,073341999 1,060362505 1,055628769

DEZ

1,868332068 1,697035930 1,552475022 1,432192265 1,348616095 1,318282235

DEZ

1,104973304 1,088838827 1,079429816 1,072981478 1,059679012 1,055628769

Mês/Ano 2001 2002 2003 2004 2005 2006 JAN 1,316977111 1,287553227 1,252452733 1,196817078 1,175442615 1,143053885

Mês/Ano 2013 2014 2015 2016 2017 2018 JAN 1,055628769 1,053616119 1,044639348 1,026213718 1,005967334 1,000000000

FEV

1,315176634 1,284225798 1,246372926 1,195287110 1,173236929 1,140401312

FEV

1,055628769 1,052431081 1,043722960 1,024860901 1,004260092 1,000000000

MAR

1,314692827 1,282723729 1,241263884 1,194739919 1,172109360 1,139575120

MAR

1,055628769 1,051866229 1,043547644 1,023881047 1,003956897 1,000000000

ABR

1,312430197 1,280472658 1,236587111 1,192619442 1,169028969 1,137217668

ABR

1,055628769 1,051586507 1,042196956 1,021666075 1,002434199 1,000000000

MAIO

1,310404312 1,277461681 1,231434788 1,191578003 1,166692085 1,136246177

MAIO

1,055628769 1,051104050 1,041078838 1,020335558 1,002434199

JUN

1,308014570 1,274782089 1,225735120 1,189738667 1,163751285 1,134104987

JUN

1,055628769 1,050469567 1,039879856 1,018773777 1,001668924

JUL

1,306110261 1,272768569 1,220649892 1,187647220 1,160278571 1,131912473

JUL

1,055628769 1,049981325 1,037997966 1,016696666 1,001132317

AGO

1,302929809 1,269397050 1,214015299 1,185333449 1,157298528 1,129933958

AGO

1,055408188 1,048875810 1,035610883 1,015051268 1,000509000

SET

1,298468272 1,266255470 1,209132820 1,182961611 1,153301186 1,127188128

SET

1,055408188 1,048244767 1,033681000 1,012474520 1,000000000

OUT

1,296359096 1,263784771 1,205078935 1,180920980 1,150267929 1,125476279

OUT

1,055324818 1,047330447 1,031700136 1,010882381 1,000000000

NOV

1,292593770 1,260296271 1,201219417 1,179613967 1,147857429 1,123369960

NOV

1,054354811 1,046244446 1,029856693 1,009266545 1,000000000

DEZ

1,290106445 1,256972835 1,199089833 1,178263677 1,145647475 1,121931644

DEZ

1,054136605 1,045739354 1,028522699 1,007827367 1,000000000

OBS.: Foram consideradas as divisões por 1.000 ocorridas em março/1986, janeiro/1989, agosto/1993, e por 2.750 ocorridas em julho/1994.


TABELA DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO PARA APURAÇÃO DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO (Art. 33 do Decreto nº 3.048/1999) MARÇO/2018

Março/2018 – Ed. 252

MÊS

93

jul/94 ago/94 set/94 out/94 nov/94 dez/94 jan/95 fev/95 mar/95 abr/95 mai/95 jun/95 jul/95 ago/95 set/95 out/95 nov/95 dez/95 jan/96 fev/96 mar/96 abr/96 mai/96 jun/96 jul/96 ago/96 set/96 out/96 nov/96 dez/96 jan/97 fev/97 mar/97

FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 7,738007 7,294501 6,916841 6,813950 6,689526 6,477705 6,338883 6,234761 6,173643 6,087805 5,973122 5,823458 5,719366 5,582048 5,525685 5,461783 5,386373 5,306248 5,220117 5,145000 5,108728 5,093956 5,058545 4,974967 4,915003 4,862008 4,861812 4,855501 4,844843 4,831316 4,789170 4,714677 4,694958

MÊS abr/97 mai/97 jun/97 jul/97 ago/97 set/97 out/97 nov/97 dez/97 jan/98 fev/98 mar/98 abr/98 mai/98 jun/98 jul/98 ago/98 set/98 out/98 nov/98 dez/98 jan/99 fev/99 mar/99 abr/99 mai/99 jun/99 jul/99 ago/99 set/99 out/99 nov/99 dez/99

FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 4,641121 4,613900 4,600099 4,568123 4,564014 4,564014 4,537245 4,521872 4,484649 4,453917 4,415064 4,414180 4,404051 4,404051 4,393946 4,381677 4,381677 4,381677 4,381677 4,381677 4,381677 4,339153 4,289820 4,107450 4,027702 4,026493 4,026493 3,985838 3,923456 3,867378 3,811350 3,740652 3,648349

MÊS jan/00 fev/00 mar/00 abr/00 mai/00 jun/00 jul/00 ago/00 set/00 out/00 nov/00 dez/00 jan/01 fev/01 mar/01 abr/01 mai/01 jun/01 jul/01 ago/01 set/01 out/01 nov/01 dez/01 jan/02 fev/02 mar/02 abr/02 mai/02 jun/02 jul/02 ago/02 set/02

FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 3,604020 3,567629 3,560864 3,554467 3,549851 3,526226 3,493734 3,416522 3,355452 3,332458 3,320174 3,307275 3,282328 3,266325 3,255255 3,229421 3,193336 3,179347 3,133596 3,083642 3,056136 3,044567 3,001051 2,978416 2,973063 2,967426 2,962094 2,958840 2,938271 2,906015 2,856315 2,798936 2,734404

MÊS out/02 nov/02 dez/02 jan/03 fev/03 mar/03 abr/03 mai/03 jun/03 jul/03 ago/03 set/03 out/03 nov/03 dez/03 jan/04 fev/04 mar/04 abr/04 mai/04 jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 mar/05 abr/05 mai/05 jun/05

FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 2,664073 2,556447 2,415388 2,351887 2,301935 2,265906 2,228908 2,219806 2,234780 2,250533 2,255043 2,241148 2,217860 2,208145 2,197597 2,184490 2,167152 2,158733 2,146499 2,137733 2,129216 2,118624 2,103270 2,092805 2,089254 2,085710 2,076571 2,058864 2,047195 2,038228 2,023456 2,005209 1,991270


set/06

1,937559

out/06

1,934466

nov/06

1,926183

dez/06

1,918126

jan/07

1,906307

fev/07

1,897011

mar/07

1,889078

abr/07

1,880801

mai/07

1,875925

jun/07 jul/07 ago/07 set/07 out/07 nov/07 dez/07 jan/08 fev/08 mar/08 abr/08 mai/08 jun/08 jul/08 ago/08

1,871060 1,865277 1,859328 1,848422 1,843813 1,838298 1,830427 1,812842 1,800419 1,791284 1,782195 1,770862 1,754024 1,738205 1,728181

set/08 out/08 nov/08 dez/08 jan/09 fev/09 mar/09 abr/09 mai/09 jun/09 jul/09 ago/09 set/09 out/09 nov/09 dez/09 jan/10 fev/10 mar/10 abr/10 mai/10 jun/10 jul/10 ago/10 set/10 out/10

FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 1,724560 1,721976 1,713410 1,706923 1,701989 1,691165 1,685938 1,682573 1,673370 1,663389 1,656431 1,652631 1,651309 1,648672 1,644724 1,638662 1,634739 1,620478 1,609213 1,597869 1,586289 1,579497 1,581236 1,582344 1,583452 1,574949

nov/11 dez/11 jan/12 fev/12 mar/12 abr/12 mai/12 jun/12 jul/12 ago/12 set/12 out/12 nov/12 dez/12 jan/13 fev/13 mar/13 abr/13 mai/13 jun/13 jul/13 ago/13 set/13 out/13 nov/13 dez/13

FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 1,463137 1,454845 1,447463 1,440118 1,434524 1,431946 1,422840 1,415058 1,411388 1,405345 1,399049 1,390290 1,380488 1,373074 1,362988 1,350563 1,343576 1,335563 1,327729 1,323098 1,319405 1,321122 1,319011 1,315459 1,307484 1,300462

jan/15 fev/15 mar/15 abr/15 mai/15 jun/15 jul/15 ago/15 set/15 out/15 nov/15 dez/15 jan/16 fev/16 mar/16 abr/16 mai/16 jun/16 jul/16 ago/16 set/16 out/16 nov/16 dez/16

FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 1,215462 1,197736 1,184001 1,166389 1,158166 1,146814 1,138050 1,131487 1,128665 1,122938 1,114358 1,102124 1,092294 1,076046 1,065919 1,061250 1,054500 1,044267 1,039382 1,032772 1,029581 1,028756 1,027010 1,026294

jan/17

1,024858

fev/17

nov/10

1,020572

1,560590

jan/14

1,291165

mar/17

1,018127

dez/10

1,544679

fev/14

1,283081

abr/17

1,014881

jan/11

1,535467

mar/14

1,274922

mai/17

1,014070

fev/11

1,521168

abr/14

1,264553

jun/17

1,010432

mar/11

1,512999

mai/14

1,254765

jul/17

1,013472

MÊS

MÊS

MÊS

abr/11

1,503078

jun/14

1,247281

ago/17

1,011753

mai/11

1,492331

jul/14

1,244047

set/17

1,012055

jun/11

1,483874

ago/14

1,242431

out/17

1,012259

jul/11

1,480618

set/14

1,240199

ago/11

1,480618 1,474425 1,467819

1,234152 1,229479 1,222998

1,008527 1,006715

set/11 out/11

out/14 nov/14 dez/14

nov/17 dez/17 jan/18

1,004104

fev/18

1,001800

Março/2018 – Ed. 252

jul/05 ago/05 set/05 out/05 nov/05 dez/05 jan/06 fev/06 mar/06 abr/06 mai/06 jun/06 jul/06 ago/06

FATOR SIMPLIFICADO (MULTIPLICAR) 1,993462 1,992866 1,992866 1,989880 1,978406 1,967779 1,959940 1,952520 1,948039 1,942794 1,940466 1,937946 1,939303 1,937172

MÊS

94


ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO – TR – DIÁRIA (PRO RATA DIE)

Março/2018 – Ed. 252

MÊS: MARÇO ANO: 2018 TR: 0,00000%

95

DIA 1º 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29

MÊS MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO MARÇO

TR DIÁRIA 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000%

TR ACUMULADA 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000% 0,000000%

ÍNDICE 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000 1,00000000

30 31 1º

MARÇO MARÇO ABRIL

-

0,000000% 0,000000% 0,000000%

1,00000000 1,00000000 1,00000000

Banco Central do Brasil, 02.03.2018 – A TR DE MARÇO É ZERO.


2 – Juros de mora (incidentes a partir da propositura da ação e aplicados sobre o principal corrigido): • Até 28.02.1987 – Juros simples – 0,5% ao mês; • De 01.03.1987 até 31.01.1991 – Juros capitalizados mensalmente – 1% ao mês; • De 01.02.1991 em diante – Juros simples – 1% ao mês.

Fórmula para cálculo da taxa efetiva (T) dos juros capitalizados: T = (1,01)n – 1, onde “n” é igual ao número de dias decorridos desde a data da propositura da ação, contidos no período compreendido entre 01.03.1987 e 31.01.1991, dividido por 30.

Juros Capitalizados Mensalmente Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

Nº Meses

% Efetivo

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

1,0000 2,0100 3,0301 4,0604 5,1010 6,1520 7,2135 8,2856 9,3685 10,4622 11,5668 12,6825 13,8093 14,9474 16,0968 17,2578

17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

18,4304 19,6147 20,8108 22,0190 23,2391 24,4715 25,7163 26,9734 28,2431 29,5256 30,8208 32,1290 33,4503 34,7848 36,1327 37,4940

33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 –

38,8690 40,257+6 41,6602 43,0768 44,5076 45,9527 47,4122 48,8863 50,3752 51,8789 53,3977 54,9317 56,4810 58,0458 59,6263 –

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.10.1989

NCz$

381,73

Decreto nº 98.211/89

02.10.1989

01.10.1990

Cr$

6.425,14

Port. 3.628/90

01.10.1990

01.11.1989

NCz$

557,33

Decreto nº 98.346/89

31.10.1989

01.11.1990

Cr$

8.329,55

Port. 3.719/90

01.11.1990

01.12.1989

NCz$

788,18

Decreto nº 98.456/89

01.12.1989

01.12.1990

Cr$

8.836,82

Port. 3.787/90

03.12.1990

01.01.1990

NCz$

1.283,95

Decreto nº 98.783/89

29.12.1989

01.01.1991

Cr$

12.325,50

Port. 3.828/90

31.12.1990

01.02.1990

NCz$

2.004,37

Decreto nº 98.900/90

01.02.1990

01.02.1991

Cr$

15.895,46

MP 295/91

01.02.1991

01.03.1990

NCz$

3.674,06

Decreto nº 98.985/90

01.03.1990

01.03.1991

Cr$

17.000,00

Lei nº 8.178/91

04.03.1991

01.04.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.143/90

24.04.1990

01.09.1991

Cr$

42.000,00

Lei nº 8.222/91

06.09.1991

01.05.1990

Cr$

3.674,06

Port. 3.352/90

23.05.1990

01.01.1992

Cr$

96.037,33

Port. 42/92

21.01.1992

01.06.1990

Cr$

3.857,76

Port. 3.387/90

04.06.1990

01.05.1992

Cr$

230.000,00

Lei nº 8.419/92

08.05.1992

01.07.1990

Cr$

4.904,76

Port. 3.501/90

16.07.1990

01.09.1992

Cr$

522.186,94

Port. 601/92

31.08.1992

01.08.1990

Cr$

5.203,46

Port. 429/90

01.08.1990

01.01.1993

Cr$

1.250.700,00

Lei nº 8.542/92

24.12.1992

01.09.1990

Cr$

6.056,31

Port. 3.588/90

03.09.1990

01.03.1993

Cr$

1.709.400,00

Port. Interm. 4/93

01.03.1993

Março/2018 – Ed. 252

II – Evolução do Salário-Mínimo desde 1989

96


Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

Vigência

Moeda

Valor

Norma Legal

DOU

01.05.1993

Cr$

3.303.300,00

Port. Interm. 7/93

04.05.1993

01.04.2002

R$

200,00

Lei nº 10.525/02

28.03.2002

01.07.1993

Cr$

4.639.800,00

Port. Interm. 11/93

01.08.1993

01.04.2003

R$

240,00

Lei nº 10.699/03

10.07.2003

01.08.1993

CR$

5.534,00

Port. Interm. 12/93

03.08.1993

01.05.2004

R$

260,00

Lei nº 10.888/04

25.06.2004

01.09.1993

CR$

9.606,00

Port. Interm. 14/93

02.09.1993

01.05.2005

R$

300,00

Lei nº 11.164/05

19.08.2005

01.10.1993

CR$

12.024,00

Port. Interm. 15/93

04.10.1993

01.04.2006

R$

350,00

MP 288/06

31.03.2006

01.11.1993

CR$

15.021,00

Port. Interm. 17/93

03.11.1993

01.04.2006

R$

350,00

Lei nº 11.321/06

10.07.2006

01.12.1993

CR$

18.760,00

Port. Interm. 19/93

02.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

MP 362/07

30.03.2007-extra

01.01.1994

CR$

32.882,00

Port. Interm. 20/93

31.12.1993

01.04.2007

R$

380,00

Lei nº 11.498/07

29.06.2007

01.02.1994

CR$

42.829,00

Port. Interm. 02/94

02.02.1994

01.03.2008

R$

415,00

MP 421/08

29.02.2008-extra

01.03.1994

URV

64,79

Port. Interm. 04/94

03.03.1994

01.02.2009

R$

465,00

MP 456/09

30.01.2009-extra

01.07.1994

R$

64,79

Lei nº 9.069/95

30.06.1994/30.06.1995

01.01.2010

R$

510,00

MP 474/09

24.12.2009

01.09.1994

R$

70,00

Lei nº 9.063/95

01.09.1994/20.06.1995

01.01.2011

R$

540,00

MP 516/10

31.12.2010

01.05.1995

R$

100,00

Lei nº 9.032/95

29.04.1995

01.03.2011

R$

545,00

Lei nº 12.382/11

28.02.2011

01.05.1996

R$

112,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2012

RS

622,00

Decreto nº 7.655/11

26.12.2011

01.05.1997

R$

120,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2013

R$

678.00

Decreto nº 7.872/11

26.12.2012

01.05.1998

R$

130,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2014

R$

724,00

Decreto nº 8.166/13

24.12.2013

01.05.1999

R$

136,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2015

R$

788,00

Decreto nº 8.381/14

29.12.2014

03.04.2000

R$

151,00

Lei nº 9.971/00

19.05.2000

01.01.2016

R$

880,00

Decreto nº 8.618/15

30.12.2015

01.04.2001

R$

180,00

MP 2.142/01 (atual 2.194-6)

30.03.2001

01.01.2017

R$

937,00

Lei nº 13.152/15

30.07.2015

Março/2018 – Ed. 252

III – Previdência Social – Valores de Benefícios

97

Salário-de-benefício mínimo Salário-de-benefício máximo Renda mensal vitalícia Salário-família:

R$ 937,00 R$ 5.531,31 R$ 937,00 I – R$ 44,09 (quarenta e quatro reais e nove centavos) para o segurado com remuneração mensal não superior a R$ 859,88 (oitocentos e cinquenta e nove reais e oitenta e oito centavos);

II – R$ 31,07 (trinta e um reais e sete centavos) para o segurado com remuneração mensal superior a R$ 859,89 (oitocentos e cinquenta e nove reais e oitenta e nove centavos) e igual ou inferior a R$ 1.292,43 (um mil e duzentos e noventa e dois reais e quarenta e três centavos). Benefícios a idosos e portadores de deficiência Um salário-mínimo (Decreto nº 1.744/1995)


INSS – JANEIRO 2018 Tabela de contribuição dos segurados empregado, empregado doméstico e trabalhador avulso, a partir de 1º de janeiro de 2018 Alíquota para fins de recolhimento ao INSS (%)

Até 1.693,72

8%

De 1.693,73 a 2.822,90

9%

De 2.822,91 até 5.645,80

11%

Nota: Escala extinta, conforme o art. 9º da Lei nº 10.666, de 08.05.2003, DOU 09.05.2003, e o art. 39 da Instrução Normativa DC/INSS nº 89, de 11.06.2003, DOU 13.06.2003.

IV – Imposto de Renda na Fonte TABELA PROGRESSIVA MENSAL Base de cálculo em R$

Alíquota %

Até 1.903,98

-

Parcela a deduzir do imposto em R$

O imposto de renda anual devido, incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas, será calculado de acordo com a tabela progressiva anual correspondente à soma das tabelas progressivas mensais vigentes nos meses de cada ano-calendário.

-

De 1.903,99 até 2.826,65

7,5 142,80

De 2.826,66 até 3.751,05

15,0 354,80

De 3.751,06 até 4.664,68

22,5 636,13

Acima de 4.664,68

27,5 869,36

Dedução por dependente

TABELA PROGRESSIVA ANUAL

189,59

V – Limites de Depósitos Recursais na Justiça do Trabalho NOVOS VALORES PARA DEPÓSITOS RECURSAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO (Ato nº 360/2017 do TST, DJe de 13.07.2017, vigência a partir de 01.08.2017) Recurso Ordinário

R$ 9.189,00

Recurso de Revista, Embargos, Recurso Extraordinário e Recurso em Ação Rescisória

R$ 18.378,00

Ação Rescisória – Depósito prévio de 20% do valor da causa, salvo prova de miserabilidade, nos termos do art. 836 da CLT, alterado pela Lei nº 11.495/2007, cujos efeitos começam a fluir a partir do dia 24.09.2007.

Março/2018 – Ed. 252

Salário-de-contribuição (R$)

ESCALA DE SALÁRIOS-BASE PARA OS SEGURADOS CONTRIBUINTE INDIVIDUAL E FACULTATIVO

98


VI – Indexadores Indexador

Setembro

INPC

-0,02%

IGPM UFIR

0,47%

SELIC

0,64%

TDA

Outubro

Novembro

0,37%

Dezembro

0,18%

0,26%

Janeiro 0,23%

Fevereiro 0,18%

0,20% 0,52% 0,89% 0,76% 0,07% Extinta, a partir de outubro de 2000, pela MP 1.973-67, atual Lei nº 10.522, de 19.07.2002, DOU 22.07.2002, art. 29, § 3º. 0,64% 0,57% Valor de Referência Base Maio/1992 – Cruzeiros 79.297,75 Emissão anterior a Jan./1989 79.297,75

0,54%

0,58% 0,47% Valores nominais reajustados – Reais 91,87 Emissão anterior a Jan./1989 157,23

(*) Referente ao primeiro dia de cada mês.

VII  – Índices de Atualização dos Débitos Judiciais Tabela editada em face da Jurisprudência ora predominante.

Mês/Ano 1995 1996 1997 1998 1999

Março/2018 – Ed. 252

JAN

99

13,851199 16,819757 18,353215

19,149765

19,626072

2000

Mês/Ano

2001 2002 2003

2004

2005

2006

21,280595

JAN

22,402504 24,517690 28,131595

31,052744

32,957268

34,620735

FEV

14,082514 17,065325

18,501876

19,312538

19,753641

21,410406

FEV

22,575003 24,780029

28,826445

31,310481

33,145124

34,752293

MAR

14,221930 17,186488

18,585134

19,416825

20,008462

21,421111

MAR

22,685620 24,856847

29,247311

31,432591

33,290962

34,832223

ABR

14,422459 17,236328

18,711512

19,511967

20,264570

21,448958

ABR

22,794510 25,010959

29,647999

31,611756

33,533986

34,926270

MAIO

14,699370 17,396625

18,823781

19,599770

20,359813

21,468262

MAIO

22,985983 25,181033

30,057141

31,741364

33,839145

34,968181

JUN

15,077143 17,619301

18,844487

19,740888

20,369992

21,457527

JUN

23,117003 25,203695

30,354706

31,868329

34,076019

35,013639

JUL

15,351547 17,853637

18,910442

19,770499

20,384250

21,521899

JUL

23,255705 25,357437

30,336493

32,027670

34,038535

34,989129

AGO

15,729195 18,067880

18,944480

19,715141

20,535093

21,821053

AGO

23,513843 25,649047

30,348627

32,261471

34,048746

35,027617

SET

15,889632 18,158219

18,938796

19,618536

20,648036

22,085087

SET

23,699602 25,869628

30,403254

32,422778

34,048746

35,020611

OUT

16,075540 18,161850

18,957734

19,557718

20,728563

22,180052

OUT

23,803880 26,084345

30,652560

32,477896

34,099819

35,076643

24,027636 26,493869

30,772104

32,533108

34,297597

35,227472

24,337592 27,392011

30,885960

32,676253

34,482804

35,375427

NOV

16,300597 18,230865

19,012711

19,579231

20,927557

22,215540

NOV

DEZ

16,546736 18,292849

19,041230

19,543988

21,124276

22,279965

DEZ


Mês/Ano

2007 2008

2009

2010

2011

2012

JAN

35,594754 37,429911

39,855905

41,495485

44,178247

46,864232

Mês/Ano 2013 2014 JAN

49,768770 52,537233 55,809388 62,102540 66,188858 67,556931

2015

2016

2017

2018

FEV

35,769168 37,688177

40,110982

41,860645

44,593522

47,103239

FEV

50,226642 52,868217 56,635366 63,040288 66,466851 67,712311

MAR

35,919398 37,869080

40,235326

42,153669

44,834327

47,286941

MAR

50,487820 53,206573 57,292336 63,639170 66,626371 67,834193

ABR

36,077443 38,062212

40,315796

42,452960

45,130233

47,372057

ABR

50,790746 53,642866 58,157450 63,919182 66,839575

MAIO

36,171244 38,305810

40,537532

42,762866

45,455170

47,675238

MAIO

51,090411 54,061280 58,570367 64,328264 66,893046

JUN

36,265289 38,673545

40,780757

42,946746

45,714264

47,937451

JUN

51,269227 54,385647 59,150213 64,958680 67,133860

JUL

36,377711 39,025474

40,952036

42,899504

45,814835

48,062088

JUL

51,412780 54,527049 59,605669 65,263985 66,932458

AGO

36,494119 39,251821

41,046225

42,869474

45,814835

48,268754

AGO

51,345943 54,597934 59,951381 65,681674 67,046243

SET

36,709434 39,334249

41,079061

42,839465

46,007257

48,485963

SET

51,428096 54,696210 60,101259 65,885287 67,026129

OUT

36,801207 39,393250

41,144787

43,070798

46,214289

48,791424

OUT

51,566951 54,964221 60,407775 65,937995 67,012723

NOV

36,911610 39,590216

41,243534

43,467049

46,362174

49,137843

NOV

51,881509 55,173085 60,872914 66,050089 67,260670

DEZ

37,070329 39,740658

41,396135

43,914759

46,626438

49,403187

DEZ

52,161669 55,465502 61,548603 66,096324 67,381739

Observação I – Dividir o valor a atualizar (observar o padrão monetário vigente à época) pelo fator do mês do termo inicial e multiplicar pelo fator do mês do termo final, obtendo-se o resultado na moeda vigente na data do termo final, não sendo necessário efetuar qualquer conversão. Esclarecendo que, nesta tabela, não estão incluídos os juros moratórios, apenas a correção monetária.

Padrões monetários a considerar: Cr$ (cruzeiro): de out./1964 a jan./1967

NCz$ (cruzado novo): de jan./1989 a fev./1990

NCr$ (cruzeiro novo): de fev./1967 a maio/1970

Cr$ (cruzeiro): de mar./1990 a jul./1993

Cr$ (cruzeiro): de jun./1970 a fev./1986

CR$ (cruzeiro real): de ago./1993 a jun./1994

Cz$ (cruzado): de mar./1986 a dez./1988

R$ (real): de jul./1994 em diante

Exemplo: Atualização, até março de 2018, do valor de Cz$1.000,00 fixado em janeiro de 1988 Cz$ 1.000,00 : 596,94 (janeiro/1988) x 67,834193 (Março/2018) = R$ 113,63

Out./1964 a fev./1986: ORTN Mar./1986 e mar./1987 a jan./1989: OTN Abr./1986 a fev./1987: OTN pro rata Fev./1989: 42,72% (conforme STJ, índice de jan./1989)

Abr./1989 a mar./1991: IPC do IBGE (de mar./1989 a fev./1991) Abr./1991 a jul./1994: INPC do IBGE (de mar./1991 a jun./1994) Ago./1994 a jul./1995: IPC-r do IBGE (de jul./1994 a jun./1995) Ago./1995 em diante: INPC do IBGE (de jul./1995 em diante), sendo que, com relação à aplicação da deflação, a matéria ficará sub judice

Mar./1989: 10,14% (conforme STJ, índice de fev./1989) Observação III – Aplicação do índice de 10,14%, relativo ao mês de fevereiro de 1989, ao invés de 23,60%, em cumprimento ao decidido no Processo nº G-36.676/2002.

Março/2018 – Ed. 252

Observação II – Os fatores de atualização monetária foram compostos pela aplicação dos seguintes índices:

Fonte: DJe, TJSP, Administrativo, 12.03.2018, p. 5. * Aplicável aos cálculos judiciais, exceto para aqueles com normas específicas estabelecidas por lei ou com decisão transitada em julgado, que estabelece critérios e índices diferentes.

100


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Jornal Jurídico Março/2018 – Edição 251


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