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A resposta imunológica, particularmente a resposta imunológica inata, é igualmente afetada pelos níveis séricos elevados de amônia. Estudos demonstram que a amônia induz disfunção dos neutrófilos por ocasionar edema celular e diminuir fagocitose. Isso não apenas deixa os pacientes mais vulneráveis a infecções bacterianas e fúngicas como também pode induzir estresse oxidativo e interrupção da resposta imunológica semelhante à que ocorre na sepse.
Aminoácidos de cadeia aromática e falsos neurotransmissores Modificações foram observadas no metabolismo dos AA na EH, de modo que, em pacientes com cirrose hepática (CH), as concentrações cerebrais e séricas de aminoácidos de cadeia aromática (AACA: fenilalanina, triptofano e tirosina) estão aumentadas, enquanto as concentrações de aminoácidos de cadeia ramificada (AACR: valina, leucina e isoleucina) estão diminuídas, sendo a relação AACR/AACA inferior a 1 (denominada relação de Fischer), diferentemente da relação em pessoas sadias, que seria de 3:1. Os AACA parecem ser precursores de falsos neurotransmissores, os quais alterariam as transmissões sinápticas cerebrais por inibição competidora nos receptores neuronais. Essa teoria, no entanto, tem sido cada vez menos aceita, por se observar que essas alterações ocorrem em pacientes com cirrose apresentando ou não EH e que a relação de Fischer associa-se melhor à disfunção hepatocelular do que à EH, de maneira que não existem novas publicações científicas sobre o assunto desde a década de 1990.
Astrócitos e glutamina Constitutivamente, os astrócitos ajudam na conservação das outras células nervosas, fornecendo nutrientes, e também são importantes na manutenção da barreira hematoencefálica.11 Como foi descrito anteriormente, por serem as únicas células cerebrais capazes de metabolizar a amônia, os astrócitos são considerados a base celular para a maioria das alterações observadas na EH.12 Os astrócitos têm participação central no desenvolvimento do edema cerebral observado na EH. Para o edema dos astrócitos, parecem contribuir vários fatores, como celulares, vasogênicos e moleculares. Uma proteína fortemente relacionada é a proteína do canal de água, a aquaporina 4, que é amplamente expressa nos astrócitos. Várias observações demonstram o potencial da aquaporina 4 no edema cerebral em modelos in vivo de EH em culturas de astrócitos com edema celular. A metabolização da amônia pelos astrócitos só é possível devido a reações de amidação com síntese de glutamina a partir de glutamato por ação de uma enzima denominada glutamina sintetase (GS), distribuída amplamente nessa estrutura celular (Figura 16.2).13,14 Esse mecanismo é considerado a principal via de destoxificação da amônia cerebral. Em condições fisiológicas normais, o efluxo da glutamina dos astrócitos para o líquido extracelular ocorre por difusão passiva; entretanto, em condições de elevação nas concentrações de amônia plasmática favorecendo o pH
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Figura 16.2 Metabolismo da glutamina. Glutamina é sintetizada a partir de glutamato e amônia por reação de amidação por ação da glutamina sintetase com utilização de uma molécula de ATP, liberando ADP + Pi. A metabolização da glutamina em reação de desaminação por ação da glutaminase ocorre com liberação de NH3 + glutamato ADP: difosfato de adenosina; ATP: trifosfato de adenosina; NH2: amônia; NH3: amônia livre; NH4: amônia ionizada; Pi: radical fosfato inorgânico.
intracelular mais alcalino, a saída de íons hidrogênio (H+) fica impedida, comprometendo, assim, o efluxo de glutamina.15 Entretanto, é importante lembrar que o metabolismo da glutamina ocorre no interior das mitocôndrias por reações de desaminação, catalisada por uma enzima denominada glutaminase, liberando glutamato e amônia (Figura 16.2). Dessa maneira, a glutamina é considerada um “cavalo de Troia”: atua como carreador de amônia para o interior das mitocôndrias dos astrócitos. O acúmulo de glutamina interfere na função normal das mitocôndrias, induzindo o aumento de radicais livres e a alteração na permeabilidade mitocondrial transitória, com consequente disfunção dos astrócitos, inclusive edema celular.14-16 As alterações nos astrócitos expostas anteriormente e que coletivamente determinam mudança fenotípica desse tipo celular (sendo denominado astrócito Alzheimer tipo II) podem modificar essa barreira, permitindo a entrada de substâncias no SNC, as quais normalmente não teriam acesso a este sistema. Entre tais substâncias, os AA teriam grande importância, sendo que a elevação da concentração cerebral de AA neutros pode afetar a síntese de neurotransmissores como dopamina, norepinefrina e serotonina. A alteração do clareamento de glutamina pelos astrócitos com liberação excessiva de glutamina por essas células induzida pela amônia pode elevar os níveis extracelulares de glutamina e causar hiperestimulação dos receptores de N-metil-Daspartato (NMDA), cuja ativação estimula a produção de óxido nítrico pela enzima óxido nítrico sintetase induzida (ONSi). O ON produzido pela ONSi causa vasodilatação que contribui para o edema e o aumento da pressão intracraniana.17,18
C o p y r i g h t ©2 0 1 4E d i t o r aR u b i oL t d a . J e s u se t . a l . Nu t r i ç ã oeHe p a t o l o g i a : Ab o r d a g e mT e r a p ê u t i c aC l í n i c aeC i r ú r g i c a . Al g u ma sp á g i n a s , n ã os e q u e n c i a i s , ee mb a i x ar e s o l u ç ã o .
TRATAMENTO CLÍNICO E NUTRICIONAL DAS COMPLICAÇÕES DA CIRROSE HEPÁTICA: ENCEFALOPATIA HEPÁTICA
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