Filosofia autentica

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Todas as imagens interessam a você? Onde você busca imagens extremas?

livro, Georges Bataille – seria talvez, então, um modo de responder à sua questão.

Felizmente nem todas as imagens me interessam. Se todas me interessassem, eu já teria enlouquecido há muito tempo... Há tantas imagens; há imagens demais e elas se acumulam frequentemente para matar o nosso olhar, ofuscar nossa visão, abafar nosso pensamento... É preciso saber escolher. “Saber é saber decidir”, era mais ou menos o que dizia Michel Foucault. Então, eu escolho. Mas não segundo critérios que correspondem ao que eu definiria como “imagens boas”, e sim segundo encontros que me abrem de repente a uma dimensão inesperada da experiência visual. O que “me interessa”, como você diz, não é fatalmente o que é mais belo. Como diziam os filósofos gregos, é a potência que me interessa de início nas imagens. As imagens “extremas” em todos os sentidos possíveis, seja por sua doçura (Vermeer), seja por sua violência (imagens dos campos de concentração), seja por sua diafaneidade (como em James Turrell), seja por sua opacidade (como nas diversas camadas de Goya). Eis também por que não é somente para “a Arte” ou para a “grande Arte” que dou minha atenção: a potência de uma imagem não depende da sua inscrição no registro das Belas Artes.

Você poderia, por favor, situar-se no campo do pensamento contemporâneo? Ou você permanece impossível de ser situado, longe de uma posição fixa? O que define melhor sua carreira seria o princípio de circulação entre as obras, entre os discursos, entre as disciplinas...?

Você diz frequentemente que não aprecia as formas definitivas, como se nada bastasse para reduzir uma imagem a uma dimensão única. Deixando de lado uma definição (que é impossível), há mesmo assim tipos de imagens pelas quais você é obcecado? Quais? É verdade que eu gosto de apreciar a variedade infinita que as imagens são capazes de produzir. Tentando responder honestamente à sua questão, constato que há uma espécie de ligação entre meus primeiros objetos de trabalho e os mais recentes: eu me orientei livremente – quando era jovem – para certa relação entre a imagem e a dor (sem dúvida há algo de autobiográfico nisso, mas não vem ao caso agora). É por isso que Goya me fascinou com tanta potência. É por isso que pude fazer trabalhos sobre os doentes mentais do hospital La Salpêtrière: as fotografias documentavam ao mesmo tempo o “charme” deles e um sofrimento mais profundo. Digamos, então: éros (desejo) e tánathos (morte). Mais do que isso, digamos: páthos (paixão). A montagem de filmes projetados no chão, durante a exposição do Palais de Tokyo, em Paris, tem como tema a lamentação pelos mortos e, mais particularmente, a energia dos vivos – a dança dos vivos – em torno desses mortos. O desafio não é mórbido ou mortífero; ele consiste, ao contrário, em mostrar que os “povos em lágrimas” – como vemos em uma cena famosa do filme O encouraçado Potemkin, de Sergeï Eisenstein – podem transformar sua queixa em apelo à justiça: eles, então, “dão queixa” perante a História e podem tornar-se povos revolucionários. Mas, para dizer tudo isso, é preciso também um lógos: uma língua, uma lógica, uma análise, um ato de conhecimento. A ligação entre páthos e lógos – essencial no pensamento de Warburg e em um autor fundamental a meu ver e ao qual já consagrei um

De cara, eu teria vontade de responder à sua pergunta com outra pergunta: não caberia a você me “situar”? Será que cabe realmente a mim dizer o lugar que eventualmente eu ocupo? Se eu ocupo um lugar, então você, do lugar em que está e como observador, verá melhor do que eu qual é o meu lugar. Eu poderia também lhe responder de um modo completamente diferente: não vejo nada de tão “impossível de ser situado” ou de “longe” em meu trabalho. Tenho a grande sorte de ensinar na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, e isso já é bastante “situável” na paisagem intelectual, mesmo se essa instituição não quisesse me “habilitar”, como se diz. Posso acrescentar que nessa mesma instituição eu participei dos cursos de Roland Barthes, de Louis Marin, de grandes linguistas, e aí convivi com pessoas maravilhosas, como Pierre Vidal-Naquet e Nicole Loraux. Não sou, portanto, nem um pouco “impossível de ser situado”. Apenas continuo obstinadamente a recorrer às tradições de pensamento como a iconologia de Warburg, a crítica literária de Walter Benjamin, a filosofia de Deleuze e Foucault, e muitas outras coisas mais. Porém, é verdade que a “circulação”, como você disse, estremece um pouco as lógicas territoriais que, no mundo universitário, têm vida dura. LES INROCKUPTIBLES. Paris, 12 abr. 2014. Entrevista concedida por Georges Didi-Huberman. Acesse: Original francês disponível em: <http://www. lesinrocks.com/2014/02/12/arts-scenes/tout-estla-rien-nest-cache-11472282/>. Acesso em: 10 out. 2015. (Tradução nossa.)

SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS DANTO, A. O descredenciamento filosófico da arte. Tradução Rodrigo Duarte. Belo Horizonte: Autêntica, 2014. HELLOT, E. O homem: a vida, a ciência e a arte. Tradução Roberto Mallet. São Paulo: Ecclesiae, 2015. LACOSTE, J.-Y. A filosofia da arte. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. RAGO CAMPOS, M. J. Arte e verdade. São Paulo: Loyola, 1992. SCRUTON, R. Beleza. Tradução Hugo Langone. São Paulo: É Realizações, 2015. WISNIK, J. M. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. WOLFE, G. A beleza salvará o mundo: redescobrindo o homem numa era ideológica. Tradução Marcelo G. de Oliveira. São Paulo: Vide, 2015. Manual do Professor

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