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Enciclopédia helênica


pelo Visconde de Sabugosa









O Visconde tinha um gostinho especial pelas coisas da Grécia antiga. Andava com um plano na cabeça: escrever uma enciclopédia sobre a Grécia antiga, a Enciclopédia helênica pelo Visconde de Sabugosa. Leia, a seguir, alguns verbetes da enciclopédia que ele estava escrevendo.

O Partenon, em Atenas, Grécia. Templo à deusa Atena, construído no século V a.C.
76 HELÊNICO “Helênico” vem de “heleno”, nome do povo que teria dado origem aos gregos. Por isso se usa “helênico” como sinôni mo de “grego”. Os habitantes da Grécia nunca gostaram de ser chamados “gregos”, termo que foi popularizado pelos romanos, quando conquistaram o país. Hoje a Grécia se chama oficial mente República Helênica. MONSTROS Monteiro Lobato chama de monstros a Quimera, a hidra, os centauros e a Medusa. Dificilmente discordaríamos dele. Monstro é o que não conseguimos reconhecer nem classificar, que não é nem gente, nem bicho, nem planta. Essas criaturas têm em comum uma aparência composta. Seu corpo é uma mistura de partes de diferentes espécies animais, como a Quimera (leão, cabra e serpen te), ou destes com homens, como os centauros (homem e cavalo). Outros não aparentam a monstruosidade física,
como o Leão da Nemeia, que Hércules derrotou em seu primeiro trabalho, ou ainda a Corça e os cavalos de Diomedes. À primeira vista par ecem bichos comuns, mas quando se olha de perto a diferença logo aparece. O leão tem o couro tão duro que é impossível perfu rá-lo; a Corça, que tem pés de bronze, além de muito rápida, pode correr longas distâncias sem se cansar; e os cavalos se alimentam de carne humana, coisa que esses animais não fazem, porque são herbívoros. Assim, eles agem contra a natureza e a nossa expectativa.
Chamamos de monstro também aquilo que dá medo, que é perigoso e ameaçador. Muitas dessas criaturas qu e Hércules enfrentou representavam uma ameaça para os homens ou porque os matavam (a Hidra de Lerna e o Leão da Nemei a), ou porque destruíam as plantações ou pilhavam as casas, como o Javali de Erimanto e os centau ros. Por isso, os heróis que os enfrentavam, arriscando suas vidas, eram muito admirados. Dentre os mais conhecidos na Grécia estão Belerofonte e Perseu, que mataram a Quimera e a Medusa, respectivamente. Mas o maior de todos foi sem dúvida Hércules, que só na rea lização de seus doze trabalhos eliminou nove dessas criaturas.

Mosaico de Belerofonte lutando com a Quimera.
O medo do desconhecido é o principal motivo para considerarmos algo monstruoso. Só que, às vezes, o monstro não é tão feio quanto parece. Pedrinho, Emília e o Visconde ficam muito amigos do filhote de centauro que amansam, o Meioameio; e até mesmo a temível Quimera vira “monstro de estimação” quando, já velha, sem dentes e incapaz de cuspir fogo, vai morar no Sítio do Picapau Amarelo, seguindo Belerofonte como se fosse um cachorrinho. Essa aventura é contada no livro O Picapau Amarelo. Para ela, o Visconde, meio gente, meio espiga de milho, que os gregos achavam que era uma
Vaso ático, 480-460 a.C., com a imagem de Hércules e Iolau enfrentando a Hidra de Lerna.







“aranha de cartola”, era um monstro da fábula moderna, assim como ela era um da fábula antiga.
É sabido que Hércules derrotou a Hidra de Lerna, mas teria o herói vencido mesmo a luta? Uma das cabeças do monstro era imortal e, por isso, “inqueimável e imatável” na linguagem de Emília. Hércules cortou-a e lançou- -a longe do corpo, mas ela continuou bem viva, se mexendo toda. Para evitar que mordesse alguém, o herói a enterrou num buraco muito fundo e ainda teve o cuidado de colocar uma pedra pesada em cima. Assim, o monstro estava derrotado e a luta, decidida, por enquanto… As cabeças da hidra eram de serpente e, assim como as cobras podem ser peçonhentas, o veneno dela era muito poderoso e levava à morte.
Hoje, quem é mordido por uma cobra deve ir imediatamente ao hospital para tomar o soro antiofídico, que é o antídoto para o veneno. Na Grécia, não havia remédio conhecido, mas, quando Hércules foi ferido na batalha, os deuses o salvaram com a indicação de uma planta capaz de anular o veneno.
Para os gregos, o sangue da hidra também era venenoso. Por isso, Hércules molhou a ponta de suas fl echas nele,
para torná-las uma arma mortal. Tempos depois, o feitiço virou contra o feiticeiro. Quando o centauro Nesso atacou Dejanira, mulher do herói, Hércules acertou-o em cheio. Antes de morrer, o centauro aconselhou Dejanira a reco lher um pouco do sangue que brotava da ferida, que teria o poder de restaurar o amor do marido, caso ele deixasse de amá-la. Um dia ela aplicou a poção nas roupas de Hércules, sem descon fiar que era venenosa, pois o sangue do centauro estava contaminado pelo da hidra. Em contato com a poção, o herói morreu depois de muito sofrimen to. Assim, pode-se dizer que Hércules derrotou a hidra e matou o centauro, mas terminou morto pelo sangue deles. Quem derrotou quem afinal?

Ânfora ática, 540-530 a.C., com Hércules, usando a pele do Leão da Nemeia, a hidra, Iolau e personagem desconhecido.
TEOGONIA Hesíodo é um dos mais antigos poetas gregos. Em Teogonia (que significa “a origem dos deuses”), o poeta narra o princípio do universo, o nascimento de deuses, monstros e a conquista do po der por Zeus.
“Em seguida Equidna gerou a Hidra de Lerna, maligna, que Hera de braços brancos criou por muito ressentir-se contra a força de Héracles. E o filho de Zeus matou-a com bronze impiedoso, o filho de Anfitrião, Héracles, junto com Iolau favorito de Ares, seguindo o plano de Atena condutora do espólio de guerra.”
HESÍODO. Teogonia, 326-332. Tradução Adriane da Silva Duarte.

Escultura de Zeus acompanhado de crianças.