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A Hidra de Lerna
O tropel (dos centauros) chegou aos ouvidos da hidra, que se pôs muito atenta. — Olhe! — disse Emília. — Ela acordou. Está com os catorze olhos brilhando como estrelas e as sete línguas de fora, vibrando… 12 Pedrinho viu que era assim mesmo. Estava alerta o monstro, como que farejando inimigos nas redondezas. — Parece aquele mancebo do quarto de Dona Benta — murmurou Emília, referindo-se a um desses antigos cabides de uso nas fazendas, com jeito de candelabros. — E veja quantos corpos pelo chão… O monstro emergia do monte de cadáveres de suas últimas vítimas. Pedrinho fez cara de horror. Nisto os olhos penetrantes de Emília divisaram qualquer coisa no horizonte. — Mais centauros? — perguntou o menino. — Não. Não é centauro agora. É um carro à toda…
12 Em O Minotauro a hidra aparece com sete cabeças, mas em Os doze trabalhos de Hércules ela tem nove. No episódio “O Leão da Nemeia”, do livro Os doze trabalhos de Hércules, Pedrinho corrige Dona Benta quando esta diz que a hidra tem sete cabeças: “— Eu quase morri de medo […] com a tal serpente de sete cabeças… / — Nove — corrigiu Pedrinho. — Oito mortais e uma imortal.”.
68 Era Hércules que vinha se aproximando de carro, em companhia de seu fiel amigo Iolau. Chegou. Saltou em terra e sem a mínima vacilação avançou contra a hidra. Que maravilhoso espetáculo! O monstro de sete cabeças estava como que eletrizado, reteso, com as sete línguas numa vibração permanente e os catorze olhos mais vivos do que diamantes ao sol. Havia ali sete botes armados contra o agressor! Hércules, entretanto, atacou-a sem medo nenhum, como se atacasse um cordeirinho, e foi malhando naquelas cabeças com a sua invencível maça. Notou, porém, que as cabeças destruídas rebrotavam instantaneamente, de modo que por mais que as esmagasse nunca deixava de ter pela frente as mesmas eternas e horríveis sete cabeças. Além disso, os seus movimentos já estavam embaraçados pelas roscas da hidra: a cauda do monstro enleara-lhe as pernas e as ia apertando como num torno. Para agravamento da situação, surgiu da caverna um horrendo e enorme caranguejo, que veio ferrar no calcanhar do herói as terríveis pinças. Hércules foi obrigado a largar a hidra para atender ao novo atacante. Caso simples. Com um golpe de maça esmagou-o. — Que horror! — exclamaram os três heroizinhos lá no alto da pedra, quando um mingau verde-escuro saiu de dentro do caranguejo moído. Mas Hércules verificou que sozinho não conseguiria vencer a hidra — e deu u m berro para Iolau. — Venha queimar as cabeças que eu for esmagando! Iolau correu a uma floresta que havia à esquerda e ateou-lhe fogo — até que as chamas a devorassem e reduzissem os troncos a tições, Hércules, sempre engalfinhado com a hidra e enleado em suas roscas, teve de prosseguir no incessante esmagamento de cabeças. — Que horror! — exclamava Pedrinho. — Ele já moeu duzentas cabeças e nada consegue. Ainda que esmague duzentas mil nada adiantará, porque renascem no mesmo instante. Estou vendo que Hércules vai perder a partida… — E uma das cabeças é imortal — disse Emília. — Nem que ele a
mate e remate e tresmate, e quatremate, esfole-a e queime-a ou reduza-a a pó, de nada adianta porque é imortal. Também penso que o pobre Hércules dessa vez se estrepa. Era tão eletrizante a luta que por um triz Pedrinho não se despenhou da pedranceira, como o Visconde. Ele “torcia” como se também estivesse atracado ao monstro. Por fim não resistiu: começou a lançar pedrinhas com o seu bodoque novo. Uma delas atingiu um dos olhos da hidra, fazendo-a piscar. Lá no bosque, Iolau precipitava o fogaréu, ansioso por obter tições. Um pé de vento mandado por Éolo veio ajudá-lo, varrendo as chamas e deixando ao seu alcance vários troncos em brasa. Iolau correu a eles e com muito jeito conseguiu um magnífico tição. Apagou o fogo de uma das extremidades, segurou-o por ali e correu a ajudar Hércules. — Vá queimando as cabeças que eu esmagar — disse este —, e bá! — esmagou uma. Sem perda de um segundo, Iolau aplicou o tição em cima. O som do chiado subiu ao topo da pedranceira, e logo em seguida um terrível fedor de hidra assada. Pedrinho tapou o nariz. — Bá! — fez Hércules e esmagou a segunda cabeça, e o tição de Iolau chiou em cima. E bá— a terceira, e bá! — a quarta, e bá! — a quinta, e bá! — a sexta, e bá! — a sétima. O três heroizinhos ouviram exatamente sete bás! e sete chiados, e sentiram sete bafos de hidra assada. A sétima cabeça, que era imortal, caiu a certa distância, mais viva do que nunca, de língua de fora, a vibrar, com os olhos cheios do fulgor da imortalidade. Contra ela de nada valia o tição de Iolau, porque o que é imortal é também inqueimável. Hércules teve de enterrá-la num buraco bem fundo e colocar em cima bloco de pedra que o Visconde avaliou em dez mil arrobas. Estava, afinal, vencido o horroroso monstro de Lerna. Privada de suas sete cabeças. E com a imortal enterrada, a hidra descaiu por terra, convulsa de tremores.
