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4 VOL. 10 / N. 49 JAN/FEV/MAR 2021

5 27 AGO 22 — 15 JAN 23 Exposição traz uma leitura ficcional do Modernismo brasileiro. Num exercício de imaginação histórica a partir de obras e documentos que vêm do Egito antigo até o Brasil contemporâneo, Desvairar 22 renova a compreensão da Semana de Arte Moderna. Sesc Pinheiros São Paulosescsp.org.br/pinheirosSP

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REPORTAGEM117 REIMAGINADASCURADORIAS Projetos autorais propõem outras abordagens e narrativas para expor e pensar arte ENTREVISTA125 JOSUÉ MATTOS Curador detalha o projeto do Centro Cultural Veras, instituição transcultural recém-inaugurada em Florianópolis ENSAIO69 A CIDADE É UMA TELA A leitura estética de Lorraine Mendes para a ação incendiária de Paulo Galo sobre o monumento do Borba Gato EM151CONSTRUÇÃO I WANT A PRESIDENT Poema da artista Zoe Leonard é interpretado em uma ação coletiva no Brasil e adaptado para a situação local CURADORIA47 HISTÓRIAS INTERESPÉCIES Verdade e fábula convivem na arte habitada por seres sencientes multiespecíficos ENSAIO97 VISUAL AUTODEFESAS MEXICANAS Reportagem fotográfica de Francisco Proner é parte de um estudo sobre métodos de resistência latino-americanos PORTFÓLIO107 JARBAS LOPES Artista celebra 20 anos do projeto Cicloviaérea com proposição de eixo suspenso na Amazônia COLUNA37 MÓVEL COMUNA DE OAXACA Nahú Rodríguez Montoya faz um relato sobre sua participação no movimento social que destituiu o governo do Estado mexicano em 2006 Sem Título, da série Resistência (2017-19), de Sallisa Rosa REPORTAGEM83 A FAVELA VENCEU? Artistas e personalidades ponderam se a arte pode ser um meio de transformação da sociedade PROJETO79 #FLORESTAPROTESTA Jarbas Lopes elabora cartaz para projeto de gráfica ativista da seLecT 1334333199EditorialDaHora Acervos Itaú Cultural Mundo CodificadoCrítica

VOL. 11 / N. 54 JUN/JUL/AGO 2022

No contexto de uma das maiores crises nos âmbitos político, social e ambiental da vida brasileira, a revista deve articular suas funções de documentação e intervenção sobre o debate público pensando a arte como dispositivo de luta política;

A última palavra é “lutar”: ela atende ao projeto de Arte e Política da seLecT em 2022, que afirma as edições como campos propositivos, nomeadas por verbos, para acentuar o caráter de intervenção que a publicação deve ter no atual contexto;

O primeiro jogador deve escrever uma palavra num papel e dobrá-lo; o segundo deve escrever outra palavra e voltar a dobrá-lo, e assim sucessivamente.

EDITORIAL

O método utilizado é o cadavre exquis, jogo surrealista criado nos anos 1920, envolvendo três ou mais participantes que adicionam um desenho, uma colagem ou uma sentença, sem conhecimento do que os outros tenham realizado;

A forma que adotamos para esse movimento é a do Ojogo;jogo, rompendo de forma radical com um tempo e um espaço lúdicos acanhados, deve tomar conta da vida inteira;

Da Redação

Operando dentro de um quadro de regras, as páginas pares foram compostas pelo DFA, as ímpares, pela seLecT;

A revista desenhada coletivamente é um ato político;

A primeira palavra escrita é “imaginação política”;

IMAGINAÇÃO POLÍTICA *

A distinção central a superar é a que se estabelece entre jogo e vida Ocorriqueira;gestoirracional, o poético e o revolucionário devem subverter o discurso editorial convencional;

Olúdicas;cadáver

Os participantes do nosso cadavre exquis são os membros do grupo de pesquisa Depois do Fim da Arte e os integrantes da redação da seLecT;

*Uma interpretação do (e livre associação com o) texto Contribuição para uma Definição Situacionista de Jogo, publicado no jornal Internacional Situacionista nº 1, em junho de 1958.

O elemento de competição deve desaparecer em favor de um conceito coletivo: a criação comum das ambiências lúdicas escolhidas;

O trabalho consiste, precisamente, em preparar futuras possibilidades

delicioso beberá o vinho novo.

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O jogo é luta e representação: luta por uma vida à altura do desejo, representação concreta desta vida;

Ao desdobrar o papel, o grupo descobre uma frase;

O resultado é uma revista cadavre exquis;

MANIFESTO 3

Cristina Dias Yara ACROBÁTICAfaleconosco@select.art.brHassanCéuAyoubEDITORALTDA.

Pelo e-mail assinaturas.select@gmail.com ou (11) 3618.4566. De 2ª a 6ª feira das 09h00 às 20h30 OUTRAS CAPITAIS: 4002.7334

EXPEDIENTE APOIO CULTURAL: 11

SELECT (ISSN 2675-8296) é uma publicação da ACROBÁTICA EDITORA LTDA., Rua Angatuba, 54 - São Paulo - SP, CEP: 01247-000, Tel.: (11) 3661.7320 / Nossa Redação está situada na Travessa Dona Paula 112, CEP 01239-050, São Paulo, SP

Daniela Labra, Francisco Proner, Jarbas Lopes, Lorraine Mendes, Mateus Nunes, Nahú Rodríguez Montoya, Neri Pedroso, Paulo Reis, Depois do Fim da Arte (Alex Avelino, Ana Paula Albé, Anna Talebi, AriFrost, Cláudia Guimarães, Dora Longo Bahia, Felipe Salem, Fernanda Pujol, Gabriel Ussami, Guilherme Ferreira, Janaina Wagner, Juliana Frontin, Lara Ovídio, Leila Zelic, Marcos Kaiser, Maya Guizzo, Meia, Murillu, Nina Lins, Ottavia Delfanti, Pedro Andrada, Thais Suguiyama).

EDITORA RESPONSÁVEL: PAULA ALZUGARAY

DIRETORA DE REDAÇÃO: PAULA ALZUGARAY REDATORA-CHEFE: JULIANA MONACHESI DIRETORA DE ARTE: NINA LINS REPÓRTER JÚNIOR: LUANA ROSIELLO PROJETO GRÁFICO ORIGINAL: RICARDO VAN STEEN E CÁSSIO LEITÃO

DEMAIS LOCALIDADES: 0800-888 2111 (EXCETO LIGAÇÕES DE CELULARES)

ATENDIMENTOSECRETÁRIACOLABORADORESFINANCEIRAESTÁGIÁRIAFINANCEIRACOPY-DESKEREVISÃOCONTATOPUBLICIDADEAOASSINANTEWWW.SELECT.ART.BR

Rua Angatuba, 54 - São Paulo - SP, CEP: 01247-000, Tel.: (11) 3661.7320

Curadora, pesquisadora e crítica de arte. Doutora em História e Crítica da Arte pela PPGAV EBA/ UFRJ e pós-doutora na ECO-UFRJ. Fundadora e coordenadora da plataforma Zait. CRÍTICA 135

COLABORADORES

NERI PEDROSO

DEPOIS DO FIM DA ARTE

PAULO REIS

Professor do Departamento de Artes da UFPR. Autor de diversos livros, entre eles Arte de Vanguarda no Brasil (2006, Jorge Zahar Editor), e curador de “Panorama da Arte Brasileira” (2001, MAM-SP, em colaboração com Ricardo Resende e Ricardo Basbaum).

CRÍTICA 133

Jornalista e escritora com atuação voltada ao campo da cultura.

ENSAIO 69

Crítica e curadora. Doutoranda em História e Crítica da Arte no PPGAVUFRJ, onde desenvolve sua pesquisa sobre as representações da negritude na história da arte branco-brasileira e os projetos de Nação.

FLORESTA PROTESTA 79

Fotógrafo, membro da Agencia VU’ e da Agência Farpa. Colabora com The New York Times , The Washington Post , The Guardian , Le Monde e El País , entre outros meios. Em 2015, trabalhou com as redes Mídia Ninja e Jornalistas Livres na cobertura de protestos e da crise política no Brasil.

LORRAINE MENDES

Integrante da Associação Brasileira de Críticos de Arte (Abca).

CRÍTICA 145

NAHÚ RODRÍGUEZ

FRANCISCO PRONER

MATEUS NUNES

Artista visual. Vive e trabalha em Maricá, Rio de Janeiro. Seu processo criativo permeia uma reconfiguração dos objetos e das experiências estéticas, dando-lhes um novo significado e movimento.

Grupo de pesquisa vinculado formalmente ao Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP e certificado pelo CNPq, coordenado por Dora Longo Bahia. Com base na afirmação situacionista de que a arte estaria ultrapassada, o DFA começou a se reunir em 2015, para investigar o papel do artista na contemporaneidade e a relação da arte com o contexto geral. O objetivo é apresentar experimentos práticos – publicações, exposições, cineclubes – que explicitem as contradições presentes no fazer artístico, as controvérsias relacionadas à função social da arte e ao estatuto do artista.

JARBAS LOPES

ENSAIO VISUAL 97

Doutor em História da Arte pela Universidade de Lisboa. Arquiteto e urbanista pela UFPA, em Belém, pesquisador integrado do Instituto de História da Arte da Universidade de Lisboa e professor do Masp. REPORTAGEM 117 CRÍTICA 141

Vive e trabalha em Oaxaca, México. Artista e acadêmico da Universidad Iberoamericana – Puebla. Enfoca seu trabalho em processos sociais de justiça, escuta e memória. Membro da Red de Ecología Acústica de México e de Herramientas para el Buen Vivir. COLUNA MÓVEL 37

DANIELA LABRA

PÁGINAS PARES

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Acesse escola.itaucultural.org.br A Escola Itaú Cultural oferece diversas formações nos campos da arte e da cultura brasileiras. Cursos para quem ama literatura, fotografia, gastronomia, música, artes visuais e muito mais! Tudo gratuito, com certificação e disponível para você fazer quando e onde quiser. Aprender é descobrir novos mundos

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curadoria Lorenzo Mammì

MILLAN 6 DE OUTUBRO A 5 DE NOVEMBRO ALMEIDA & DALE 7 DE OUTUBRO A 10 DE DEZEMBRO Rua Fradique Coutinho, 1360 | 1416 São Paulo SP Brasil Rua Caconde, 152 São Paulo SP Brasil

PINTURA PAISAGEM Rodrigo Andrade

SÃO PAULO FLÁVIO DE CARVALHO EXPERIMENTAL

Até 29/1/2023, Sesc Pompeia, Rua Clélia, 93 | https://www. sescsp.org.br/unidades/pompeia/ Realizada em razão das reflexões acerca das efemérides de 22, a mostra no Sesc Pompeia revisita a produção do artista modernista e traça um panorama das suas contribuições no período de transi ção entre as vanguardas do século 20. Dividida em quatro núcleos – Arquitetura, Teatro, Experiências e Retratos –, a curadoria de Kiki Mazzuchelli e Pollyana Quintella reúne documentações e 52 obras históricas de Carvalho, concebidas de 1930 a 1973, além de contar com 18 trabalhos de dez artistas e dois coletivos com produção já no século 21. Para construir esse diálogo entre passado e presente es tão: arquivo mangue | camila mota y cafira zoé, Ana Mazzei, Antônio Tarsis [Ofertão (2016)], Cibelle Cavalli Bastos, Cristiano Lenhardt, Crochê de Vilão, Engel Leonardo, Guerreiro do Divino Amor, Maxwell Alexandre, Panmela Castro, Pedro França e Teatro Oficina.

FOTO: JOÃO LIBERATO / DIVULGAÇÃO

A primeira mostra panorâmica da produção de Rodolpho Parigi narra seu processo de pesquisa por intermédio de um conjunto de obras compreendidas entre os anos 2000 e 2022. Com curadoria de Paulo Miyada, Diego Mauro e Priscyla Gomes, a individual apresenta cerca de 70 pinturas, percorrendo momentos-chave de sua trajetória e destacando a imponência de seus retratos, gênero pictórico que atualmente toma grande parte dos seus estudos. Além disso, um mural, intitulado Látex Guernica, com mais de 8 metros de extensão, foi produzido exclusi vamente para a mostra. Em cartaz também no Instituto está a mostra O Rinoceronte: 5 Séculos de Gravuras do Museu ALBERTINA, com 154 trabalhos provenientes do maior acervo de desenhos e gravuras do mundo, o The ALBERTINA Museum Vienna, fundado em 1776, em Viena, que conta com mais de 1 milhão de obras gráficas.

Baseada nos contextos sociais, culturais, econômicos e políticos do século 19, abordados no livro de mesmo nome da escritora mineira Ana Maria Gonçalves, que também assina a curadoria, a mostra apresenta 400 obras de mais de cem artistas de locais como Rio de Janeiro, Bahia, Mara nhão e do continente africano, em sua maioria negros, principalmente mulheres. Dividida em dez núcleos, que se espelham nos capítulos do livro, a mostra discorre sobre revoltas negras, empre endedorismo, protagonismo feminino, culto aos ancestrais e África Contemporânea, entre outros temas, em busca de uma revisão historiográfica da escravidão. Obras comissionadas de Kwaku Ananse Kintê, Kika Carvalho, Antonio Oloxedê e Goya Lopes foram produzidas especialmente.

Até 30/10, Instituto Tomie Ohtake, Rua Coropé, 88 | institutotomieohtake.org.br

Com curadoria geral de Paulo Herkenhoff e curadoria adjunta de Laura Rago, Roberta Maiorana e Vânia Leal, a próxima edição do salão promete ampliar a representatividade de gênero, raça, religião, orientação sexual e de grupos historicamente marginalizados, promovendo um recorte significativo de mulheres artistas da Amazônia – projeto de 2020 que não pôde ser realizado em razão da pan demia de Covid-19. O evento é dividido em dois projetos expositivos: a Mostra Nacional, com artis tas selecionados por edital, como Bianca Turner, Coletivo Coletores, Pedro Carneiro, Paul Setúbal, Paula Sampaio e Ricardo Villa, entre outros; e a Mostra Fomento à Produção de Artistas Emergentes da Amazônia Legal, que apresenta produções de Fernando Paranhos, Gabriel Bicho, Lab Tukún, Mauricio Igor, Moara Tupinambá, Nayara Jinknss, PV Dias e Ramon Reis.

RIO DE JANEIRO UM DEFEITO DE COR

A partir de 10/9, Museu de Arte do Rio, Praça Mauá, 5 | museudeartedorio.org.br

FOTOS: DIVULGAÇÃO

SÃO PAULO LATEXGUERNICA

A partir de 22/9, Museu de Arte Sacra e Casa das Onze Janelas, PA | projetoartepara.com.br

BELÉM 40º ARTE PARÁ

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Até 27/11, Museu de Arte Moderna da Bahia, Av. Lafayete Coutinho, s/n | mam.ba.gov.br

FOTOS: DIVULGAÇÃO; ARQUIVO NISE DA SILVEIRA

Goethe-Institut São Paulo, coordenação artística de Debora Pill | goethe.de/ins/br/pt/kul/pod/prf.html

Com foco na investigação artística e na ampliação de repertório, o Risca Faca abarca questões anticoloniais que dizem respeito à arte contemporânea no Brasil em diálogo com o mundo, costurando vivências críticas dos convidados na retomada de territórios narrativos com proposições e afetos. Na segunda temporada do podcast, composta de seis episódios, o tema geral é Transformação, a partir de perspectivas feministas, antirracistas e de justiça ambiental e social, valendo-se de depoimentos e texturas de imersão sonora para abordar os laços entre estética, ética e política. Aline Baiana, All Ice, Davi Pontes, Davi Collio, Jota Mombaça, Meliny Bevacqua, Mirella Façanha, Rafael RG, Rosane Borges, Tarina Quelho, Tatiana Nascimento e Ventura Profana estão entre os entrevistados da série. Cada episódio tem capa assinada por um artista; o segundo, intitulado A Pele do Meu Sonho, tem arte de Bonikta

A mostra marca a tríade de exposições realizadas pelo museu desde a sua reabertura na pandemia da Covid-19, em agosto do ano passado, que formam um só discurso de consciência e luta através da arte. Com curadoria de Daniel Rangel, a coletiva trata da circularidade do tempo histórico no Brasil, buscando estabelecer um diálogo entre o acervo fixo do MAM-Bahia e a arte contemporânea bra sileira, como ato de reflexão poética durante um momento em que a democracia e a liberdade de expressão vêm sendo ameaçadas. Cerca de cem artistas, entre os quais Flávio de Carvalho, Anna Bella Geiger, Siron Franco [Semelhantes (1981)], Cildo Meireles, Paulo Bruscky, Lenora de Barros, Rubem Valentim e Cícero Dias, integram a mostra.

RIO DE JANEIRO PROJETO RESPIRAÇÃO DEVIR INDÍGENA –DENILSON BANIWA E GUSTAVO CABOCO

SALVADOR UTOPIAS E DISTOPIAS

De 17/9 a 20/11, Casa Museu Eva Klabin, Av. Epitácio Pessoa, 2.480 | projetoartepara.com.br Devir Indígena é a 25ª edição do Projeto Respiração, que convida artistas contemporâneos a dialogar com o acervo da Casa Museu Eva Klabin. O fio condutor das intervenções de Denilson Baniwa e Gustavo Caboco é a transformação e a memória. Entrelaçados em torno das fases de vida de uma lagarta, os projetos dos dois artis tas atravessam as salas da instituição, como comentários sobre a passagem do tempo na vida animal, no corpo da casa e na nature za modificada da paisagem do Rio de Janeiro. “Suas intervenções trouxeram anima para a fossilização do presente, desencadeando uma reflexão potente sobre a vivência do tempo na casa e na nossa sociedade”, diz o curador Marcio Doctors, que divide a curadoria da exposição com Paula Alzugaray, diretora de Redação da seLecT

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PODCAST RISCA FACA

Parque da Independência, Ipiranga | museudoipiranga2022.org.br/novo-museu/

SÃO PAULO DEMONUMENTARA

FOTOS: DIVULGAÇÃO 25

O antigo Museu Paulista reabre suas portas para o bicen tenário da Independência do Brasil. Além do restauro do Edifício-Monumento, o projeto incluiu a modernização e ampliação do espaço, que passa a ser totalmente acessí vel; 3.500 obras do acervo também passaram por restauro e ganham recursos multissensoriais. No total, são expos tos 3.058 itens do acervo do Museu, 509 itens de outras co leções e 76 reproduções e fac-símiles (como a obra Fake Hero (2021), de Diogo Rustoff), em 12 exposições – 11 de longa duração e uma temporária. As de longa duração são divididas em dois eixos temáticos: Para Entender a Socie dade e Para Entender o Museu. A maior parte dos objetos data dos séculos 19 e 20, e outros que remontam ao Brasil colonial. A exposição de curta duração, intitulada Memó rias da Independência, fica até janeiro de 2023.

LIVRO INDEPENDÊNCIA – AS MULHERES QUE ESTAVAM LÁ

Org. Heloisa M. Starling e Antonia Pellegrino | Bazar do Tempo, 224 págs., R$ 62,90 | independencia-do-brasil-as-mulheres-que-estavam-la/bazardotempo.com.br/loja/

SÃO PAULO NOVO MUSEU DO IPIRANGA

LIVRO O SEQUESTRO DA INDEPENDÊNCIA

Org. Carlos Lima Júnior, Lilia Moritz Schwarcz e Lúcia Klück Stumpf | Companhia das Letras, 378 págs., R$ 99,90 | museudoipiranga2022.org.br/ novo-museu/ Tomando como ponto de partida uma vasta coleção imagética que tem como elemento central a pintura Independência ou Morte (1888), de Pedro Améri co, o livro analisa a formação complexa da identidade nacional brasileira e a transformação do motivo retratado na obra de Américo em símbolo do rom pimento com a coroa portuguesa. Das tensões do Segundo Reinado e rivali dades entre Rio e São Paulo à ditadura, chegando ao governo bolsonarista, a pesquisa evidencia o percurso histórico que contribuiu para silenciar outras narrativas possíveis para a Independência, suscitando o que os autores cha mam de “uma política de sequestros”, que tem como origem o Sudeste, os paulistas e, posteriormente, os militares.

Seja escrevendo panfletos anticoloniais, seja conspirando nos bastidores do poder, ou mesmo liderando revoltas e lutando no front, as mulheres que desempenharam papéis-chave em mo mentos decisivos são apagadas descaradamente da narrativa histórica. Este livro, lançado em decorrência das celebrações do bicentenário da Independência, é composto de textos de histo riadoras e escritoras em torno de sete heroínas – Hipólita Jacin ta Teixeira de Melo, Bárbara de Alencar, Urânia Vanério, Maria Felipa de Oliveira, Maria Quitéria de Jesus, Maria Leopoldina da Áustria e Ana Lins – que participaram ativamente dos movimen tos separatistas no Brasil.

A partir de 19/9, Praça do Relógio da USP, Rua do Anfiteatro, Rua Cidade Universitária, S/N | demonumenta.fau.usp.br Como parte do projeto demonumenta, que propõe debates sobre a colonialidade em barcada no patrimônio e acervos públicos da cidade de São Paulo, a intervenção di gital utiliza realidade aumentada para dis cutir a colonialidade do patrimônio históri co com 22 monumentos relacionados aos anos de 1922, 1954 e 1972. Um aplicativo gratuito para celular permite visualizar modelos em 3D e visitar com audioguias monumentos inaugurados durante datas comemorativas de nossa história e dis persos na cidade de São Paulo, a partir de distintos pontos de vista.

A partir de 17/9, MAM-Rio, Av. Infante Dom Henrique, 85 | mam.rio Em colaboração com o Museu da Inconfidência de Ouro Preto, a mostra parte de uma série de levantes, motins e insurreições que antecederam a Independência ou que ocorreram nas décadas subsequentes, para abordar os diversos imaginários de país então esboçados. Com curadoria de Beatriz Lemos, Keyna Eleison, Pa blo Lafuente e Thiago de Paula Souza, a exposição revela as con tradições da historiografia brasileira, que produziu apagamentos de personagens determinantes, sobretudo de populações negras, indígenas e mulheres, a partir de trabalhos de artistas de gera ções e geografias diversas, pensando sobre essas narrativas e as cicatrizes do sistema colonial. Entre os artistas, destaque para Arissana Pataxó, Ana Lira, Elian Almeida, Gê Viana, Glauco Ro drigues [Catecismo Brasílico - Da Criação do Primeiro Homem (1971)] , Gustavo Caboco Wapichana (com Roseane Cadete Wapi chana), Arjan Martins e Thiago Martins de Melo.

Até 8/10, Biblioteca Mário de Andrade, Rua da Consolação, 94 | prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bma/ Com curadoria de Paula Borghi, a mostra tem como objetivo tirar a “morte” das celebrações do 7/9 e dar espaço à vida. Em busca de amplificar vozes de coletivos de arte que potencializam o viver e atuam como agentes de transformações sociais, Birico, Dulcinéia Catadora, JAMAC, Lanchonete <> Lanchonete e Mexa foram selecionados para ocupar o espaço da bi blioteca paulistana, trazendo, por meio da arte, projetos que celebram a vida em sua diversidade.

SÃO PAULO OUTROS NAVIOS: FOTOGRAFIAS DE EUSTÁQUIO NEVES

SÃO PAULO INDEPENDÊNCIA E VIDA!

ATOS DE REVOLTA: OUTROS IMAGINÁRIOS SOBRE INDEPENDÊNCIA

RIO DE JANEIRO

A mostra retrospectiva da obra do artista mineiro atravessa quase 40 anos de produção e carrega uma história extensa de diásporas e resistências. No Sesc Ipiranga, o visitante encontra séries que aludem às violências e silenciamentos perpetrados contra pessoas es cravizadas; obras que tematizam a resistência por meio de saberes ancestrais e rituais afro -brasileiros e uma videoinstalação, criada a partir do material bruto de três vídeos do artista Post No Bill (Nigéria, 2009-2022); Bariga (Nigéria, 2009-2022) e Crispim: Encomendador de Almas, (Brasil, 2006-2022). A exposição reúne ainda cópias de filmes fotográficos e negati vos, estudos de paleta de cor e texturas utilizados nos experimentos do artista no laboratório analógico de seu ateliê. A mostra integra a programação do projeto Diversos 22: Projetos, Memórias, Conexões, desenvolvida pelo Sesc São Paulo. A curadoria é de Eder Chiodetto.

Até 26/2/2023, Ipiranga, Sesc Ipiranga, Rua Bom Pastor, 822 | sesc.com.br/unidade/sescipiranga/

FOTOS: DIVULGAÇÃO

Em coletânea de textos em que compartilha seu olhar sobre escritores, poetas e artistas que a inspiram, o livro da premiada escritora argentina apresenta um mapa de leitura que passa sobre 16 artistas, como Arthur Rimbaud, Emily Dickinson e Walter Benjamin, além de trazer à luz nomes da literatura argentina, como Xul Solar, H. A. Murena e Juan Gelman. Para além da escrita, Negroni também retrata autores que se dedicaram às artes visuais, como o polonês Bruno Schulz e a inglesa Julia Margaret Cameron. Outros livros publicados recentemente pela editora são A Religião do Capital, de Paul Lafargue (160 págs., R$ 42), e Pequena Anatomia da Imagem, de Hans Bellmer (123 págs., R$ 55).

Org. Elisa Larkin e Luiz Carlos Gá, Cobogó, 160 págs., R$ 56

O catálogo reúne obras da mostra retros pectiva que aconteceu no IC, em celebra ção aos 70 anos do artista pernambuca no. Com mais de 300 trabalhos, muitos deles inéditos, o livro ilustra um panora ma sobre as relações e os desdobramen tos da pesquisa do artista desde a década de 1970 até o ano de seu falecimento, em 2016. Além do desenho, esculturas, obje tos, instalações, vídeos e performances revelam a dimensão de seus múltiplos in teresses, que transitavam livremente por diversas áreas do conhecimento, como arte, literatura, ciência e filosofia. Grande parte da obra do artista encontra-se sob a guarda do Instituto Tunga, que tem a responsabilidade de manter, divulgar e resguardar o seu legado.

Claudia Jaguaribe, Éditions Bessard, 50 págs.

TUNGA: MAGNÉTICASCONJUNÇÕES

Publicado em 2008, o livro ganha primeira edição em português pela Ubu, com tradução de Juliana Faus to e apresentação da jornalista e escritora Marilene Felinto. Quando as Espécies se Encontram parte do convívio de Haraway com suas três cadelas e com seu pai cadeirante e faz referência aos seus estudos so bre tecnologia e biologia. Ao longo de três capítulos, a pensadora explora a convivência cultural com as espé cies companheiras e a problemática relação entre tecnologia, consumo e animais (do doméstico à cadeia de produção alimentícia), para propor, então, uma ética que considere a so ciabilidade horizontal entre animais humanos e não humanos, reconhe cendo suas múltiplas existências.

Org. Carlos Costa, Edição Itaú Cultural, 208 págs.

ADINKRA – SABEDORIA EM SÍMBOLOS AFRICANOS

ASPHALT FLOWER

A obra reúne mais de 80 símbolos, acompanhados por significados, provér bios e simbologias originais da civiliza ção asante, cujo povo habita o território hoje conhecido como Gana. Em um universo filosófico e estético baseado no corpo humano, figuras de animais, plantas, astros e outros objetos, os de senhos apresentados no livro transmi tem aspectos da história, filosofia, valo res e normas socioculturais da cultura africana. Mais do que uma homenagem a essa ancestralidade, a obra ajuda a fundamentar uma nova articulação da identidade brasileira.

A edição de artista revisita o conceito de pai sagem como a ligação entre homem e natu reza, abordando os ciclos da vida e reflexões acerca da sociedade que nos molda. Em sua produção, a natureza é um tema muito pre sente, inspirando séries como Flor do Asfalto (2020) e Jardim Imaginário (2019). Saiba mais na seção Curadoria.

QUANDO AS ESPÉCIES SE ENCONTRAM

Donna Haraway, Ubu Editora, 416 págs., R$ 99

A obra resgata e registra a produção do artista paulistano que, por mais de cinco décadas, vem se dedicando à investiga ção do desenho, com a criação de um universo e uma imagética surrealistas. Além de conter texto crítico sobre sua produção, assinado pelo curador Olívio Tavares de Araújo, a publicação apre senta uma criteriosa seleção de obras e um depoimento do artista sobre sua trajetória. A ótima notícia que chega com o livro de Glass é que a Cosac Naify continua ativa: em ritmo mais dilatado, o editor Charles Cosac segue publicando seus achados surpreendentes.

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María Negroni, Edições 100/cabeças, 114 págs., R$ 45

A ARTE DO ERRO

Composto de uma única imagem, em formato leporello, o fotolivro inédito da artista carioca cria uma “segunda natureza” por meio de uma composição fotográfica entre a ideia de um mundo que parece caminhar para um de sastre natural e um futuro que ainda resiste.

JAIR GLASS: INTRODUÇÕES A ESCOMBROS

Olívio Tavares de Araújo, Cosac Naify, 360 págs., R$ 280

Em projetos e verbetes do Itaú Cultural, a proposição de um pensamento crítico sobre as relações entre sociedade, política, tecnologia e meio ambiente

CINECLUBE

VERBETES

O trabalho de Dora Longo Bahia é marcado pela utilização plural de pintura, fotografia, vídeo, cenografia e instalação. No início de sua produção, utiliza imagens que estabelecem algum vínculo com a violência, oriundas de jornais, da história da arte e da literatura. Sua obra ganha circulação internacional na década de 1990, quando participa de exposições em países como Índia, Holanda e Cuba. A distorção sonora surge como interesse em suas produções audiovisuais e, em pa ralelo, na participação como baixista em bandas de rock experimental, como Disk-Putas, Verafischer e Cão. A distorção de imagens também é tema recorrente de seus trabalhos, em que investiga imagens em baixa definição e imagens que retratam diretamente a violência. Inicia, em 1994, sua carreira docente, como professora de pintura na Faap e, a partir de 2013, professora na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), onde coordena o Programa de Pós-graduação em Artes Visuais e o grupo de pesquisa Depois do Fim da Arte.

CARIMBÓ

DORA LONGO BAHIA

SABERES INDÍGENAS

+ Links em select.art.br/acervos

MULTICULTURALISMO (...) No campo das artes, o multiculturalismo assume formas variadas, ainda que tenha sempre caráter engajado e intervencionista, definido em função da experiência social do artista: sua origem, pertencimento de classe, orientação sexual etc. (...) Nos EUA – onde o multiculturalismo é definido e teorizado por intelectuais de origem terceiro-mundista –, as relações entre produção artística e política estreitam-se na década de 1970. Basta lembrar a criação, em 1969, da Art Workers Coalition – AWC [Coalizão dos Trabalhadores de Arte], em Nova York, e do simpósio organizado pela revista Artforum , “O Artista e a Política”. [...] O Brasil parece ficar à margem dessas discussões até a década de 1980, data do fortalecimento e da visibilidade das chamadas minorias étnicas, raciais e culturais.

ACERVOS ITAÚ CULTURAL

ACERVOS ITAÚ CULTURAL

CINEMA E POLÍTICA NO BRASIL

Iniciativas do instituto dão destaque ao audiovisual brasileiro como potência imaginativa VERBETES

As raízes do cineclube estão ligadas diretamente ao contexto político. Em 1913, um grupo de anarquistas espanhóis realiza um curta-metragem sobre a Comuna de Paris, produzido fora dos padrões da época. No Brasil, o primeiro projeto surge em 1917, no Rio de Janeiro. O movimento cineclubista ganha força nos anos 1920 na França, mesma década em que se espa lha pelo mundo com a agitação política e cultural do período. O Chaplin, organizado no Rio de Janeiro nessa época, exibia filmes mudos e promo via debates a partir das produções, fomentando um olhar crítico para o cinema nacional. O caráter ativo e político dos cineclubes permanece na ascensão dos regimes fascistas em 1930 e, durante a ditadura de Getúlio Vargas, filmes críticos ao Estado Novo (1937-1945) eram exibidos no Clube de Cinema de São Paulo. Após a queda do regime, uma série de cineclubes é aberta pelo país, incentivando parte significativa da produção e sendo teia de circulação do audiovisual brasileiro. Com a dissolução dos grupos durante a ditadura militar brasileira (1964-1985) e os cortes no cinema du rante o governo Collor (1989-1992), o movimento volta a se estruturar nos anos 2000, apoiado em políticas estatais de organização e fomento aos cineclubes, que ganham capilaridade e relevância comunitária.

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Gênero musical, dança e expressão artística de origem amazônica, em particular no nordeste do estado do Pará, o carimbó conta com matrizes africanas, indígenas e europeias historicamente desenvolvidas por setores sociais marginalizados, entre os quais comunidades pesqueiras, rurais e suburbanas. A hipótese é de que o nome advém do tupi curi m’bó: em português, pau oco escavado. “Curimbó” – ou korimbó –também designa o tambor tocado nas apresentações (...). Menções a carimbó já eram publicadas no século 19, mas de modo depreciativo e persecutório (...). Antes atacadas e menosprezadas pelas elites econômicas e políticas, as expressões sociais, culturais, artísticas e religiosas vinculadas ao carimbó paulatinamente ganham a apreciação de outras camadas da sociedade.

Iniciada em maio de 2022, uma série de curtas e longas-me tragens está em exibição no Itaú Cultural Play, plataforma de transmissão online de filmes do IC. Intitulada Viva a Democracia, a mostra reúne 11 documentários e um drama que perpassam momentos importantes para a formação e continuidade da democracia no Brasil. A seleção do crítico e pesquisador Carlos Alberto Mattos apresenta os modos como o cinema brasileiro elaborou o assunto a partir da década de 1960 e traz obras como Maranhão 66 (1966), de Glauber Rocha e Fernando Duarte, um retrato da eleição de José Sarney ao governo do Maranhão, dois anos após o golpe de 1964, em paralelo à condição de pobreza do estado, e Gretchen – Filme de Estrada (2009), de Eliane Brum e Paschoal Samora, registro da última turnê da atriz e cantora e sua primeira campanha eleitoral à prefeitura da pequena cidade de Ilha de Itamaracá, em Pernambuco.

Na edição 2013-2014 do edital Rumos Itaú Cultural, a Editora Dantes foi selecionada para a publicação de um livro que registrava a sabedoria medicinal dos Huni Kuin, população indígena do Acre. O livro é parte de um projeto mais amplo, que inclui Una Shubu Hiwea –Livro Escola Viva, documentário e site que organizam a pesquisa desenvolvida pela editora Anna Dantes e sua equipe, com membros como o botânico Alexandre Quinet, o etnobotânico Pedro Luz, a fotógrafa Camila Coutinho, o pajé Manuel Vandique Dua Buse, a liderança Huni Kuin José Mateus Itsairu e a escritora Ana Miranda.

PODCASTS MEKUKRADJÁ

PROJETOSUNASHUBU

TODA OBRA DE ARTE É POLÍTICA – FILMES E VÍDEOS DE ARTISTAS (2016)

Apresentado por Daniel Munduruku, o programa tem enfoque na experiência política, social e cultural dos povos indígenas. A palavra que dá nome ao projeto tem origem caiapó e significa sabedoria e transmissão de conhecimento. O uso da linguagem do podcast pode ser compreendido como uma expansão das tradições orais de aprendizado e ensino das culturas indígenas. O apresentador, da etnia Munduruku – predominante na região do Rio Tapajós –, tem formação em história, filosofia e psicologia, e, além de dezenas de livros publicados, recebeu o Prêmio Jabuti em 2017. Atualmente na sua quinta temporada, o podcast já teve par ticipação de agentes como a curadora Naine Terena, a cineasta Graci Guarani e a antropóloga Varin Mema (na foto)

A mostra Filmes e Vídeos de Artistas na Coleção Itaú Cultural apresentou as possibilidades do que pode ser um trabalho político e a multiplicidade das pos sibilidades de interseção entre arte e política. Curada por Roberto Moreira S. Cruz, a programação priorizou trabalhos e artistas com diferentes formas de elaboração do político, como Anna Bella Geiger, Cao Guimarães, Eder Santos, Gisela Motta e Leandro Lima, Thiago Rocha Pitta e Regina Silveira. Em série de entrevistas com os artistas participantes realizada na ocasião da mostra, Gei ger discorre sobre o início de sua produção no auge da ditadura militar brasi leira, enquanto os pesquisadores André Parente e Christine Mello analisam os diferentes contextos políticos no Brasil a que se referem os filmes.

A diretora colombiano-brasileira tem construído uma carrei ra múltipla e intensa em diversas linguagens, em especial no cinema. Três filmes de Gaitán estão disponíveis para exibição gratuita e online na plataforma Itaú Cultural Play: Uaka (1988), Diário de Sintra (2008) e Noite (2015). O conjunto delineia representativamente a longa e versátil trajetória da diretora. Em entrevista para a coluna Grande Angular, Gaitán comenta seu processo criativo, com foco sobretudo nos filmes em exibição na plataforma, além de abordar a relevância da cinematografia brasileira e sua preservação. O desmonte cultural brasileiro e seu impacto no cinema nacional são outros tópicos da conver sa, disponível no site do Itaú Cultural.

PAULA GAITÁN: IMAGINÁRIO COMO POTÊNCIA

O líder indígena Ailton Krenak (na foto) e o permacultor australiano Peter Webb, mediados pela jornalista Natália Garcia, protagonizaram um debate do projeto Brechas Urbanas, em 2016. A ampliação do conceito de floresta e o questionamento sobre como essa experiência pode modificar a cidade são o eixo central da conversa, que aborda o entrelaçamento entre modos de vida, estruturas políticas e meio ambiente. Outra maneira sugerida para a reativação da floresta latente no asfalto das cidades é a escuta da lingua gem das plantas e suas formas de comunicação. O Brechas Urbanas é um projeto de debates do Itaú Cultural que busca encontrar soluções inovadoras para os modos de vida na cidade, contando com a participação de artistas, agentes políticos, sociólogos e pesquisadores.

35 FOTOS: CORTESIA ITAÚ CULTURAL

VIVA A DEMOCRACIA

Na edição 2013-2014 do edital Rumos Itaú Cultural, a Editora Dantes foi selecionada para a publicação de um livro que registrava a sabedoria medicinal dos Huni Kuin, população indígena do Acre. O livro é parte de um projeto mais amplo, que inclui Una Shubu Hiwea –Livro Escola Viva, documentário e site que organizam a pesquisa desenvolvida pela editora Anna Dantes e sua equipe, com membros como o botânico Alexandre Quinet, o etnobotânico Pedro Luz, a fotógrafa Camila Coutinho, o pajé Manuel Vandique Dua Buse, a liderança Huni Kuin José Mateus Itsairu e a escritora Ana Miranda.

PROJETOS

A Editora Dantes existe desde 1994 e está focada na transmissão e na materialização dos saberes indígenas pela palavra escrita.

UNA SHUBU HIWEA – LIVRO ESCOLA VIVA

21 FOTOS: ANDRÉ SEITI/ AGÊNCIA OPHELIA/ DIVULGAÇÃO/ CORTESIA ITAÚ CULTURAL

HIWEA – LIVRO ESCOLA VIVA

A Editora Dantes existe desde 1994 e está focada na transmissão e na materialização dos saberes indígenas pela palavra escrita.

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LA COMUNA DE OAXACA, ESCUCHAR EN COLECTIVO

Oaxaca es el quinto estado de la República Mexicana con mayor extensión de territorio, enfrenta un rezago histórico que se agudiza con la presencia de proyectos extractivos de mine rales, ecológicos y culturales. Las comunidades originarias han resistido y permanecido fortaleciendo sus formas de organiza ción y gobiernos propios. En este territorio cohabitan 13 grupos originarios, donde se practican usos y costumbres de acuerdo

Frente a esta diversidad cultural, el contraste del grado de marginación y desigualdad en el que viven estas poblaciones ha alcanzado niveles de pobreza que fijan a este estado en los primeros lugares en las estadísticas nacionales. A lo largo de la historia se han concentrado escenarios de constantes tensio nes sociales y políticas para exigir mejores condiciones de vida. Uno de los movimientos de más resonancia se desarrolló en la primera década del siglo 21. Se discutía lo referente a la educa ción pública, que se imparte en 570 municipios del estado de Oaxaca a más de 10 mil comunidades originarias, que viven en condiciones de abandono.

TERRITORIO, CUERPO FÍSICO Y CUERPO SOCIAL

FOTO: DIVULGAÇÃO

COLUNA MÓVEL / NAHÚ RODRÍGUEZ MONTOYA

ESTE TEXTO ES UN RELATO EN EL QUE TRATARÉ DE PRECISAR A TRAVÉS DE LA PREMISA DE LA ESCUCHA COMO UN ACTO DE CONSTRUCCIÓN SOCIAL. NOS SITUAREMOS EN EL ESTADO DE OAXACA, MÉXICO, DURANTE LAS PROTESTAS Y MOVILIZACIONES QUE EXIGÍAN LA SALIDA DEL GOBERNADOR EN TURNO, ULISES RUIZ, Y LAS ACCIONES QUE A TRAVÉS DE LA ASAMBLEA POPULAR DE LOS PUEBLOS DE OAXACA (APPO) SE DESTINABAN PARA TALES OBJETIVOS. Todo movimiento de lucha social, donde las tensiones entre los diversos actores se elevan en el instante de las moviliza ciones, genera improntas en el cuerpo, en la memoria y en el territorio que compartimos como un acto cotidiano. Impron tas que aparecen con el paso del tiempo, como cicatrices que atraviesan la memoria.

a su identidad y cultura. Más de un cuarto de la población total del territorio oaxaqueño habla alguna de las cuarenta lenguas y sus variantes, que generaran un mosaico sonoro polifónico.

Cena de Victoria de Todos Santos (2006), documentário realizado por um grupo de estudantes da Universidade de Oaxaca

Para precisar fechas nos concentraremos en observar los sucesos que atravesaron los hechos de mayo a noviembre del 2006. En los primeros días de mayo se celebra el día del maestro y, en Oaxaca, este gremio decidió, por medio de su asamblea estatal, instalar el plantón masivo que daba cober tura a las movilizaciones políticas sindicales del 2006. Con estas acciones se pretendía exigir mejores condiciones para las escuelas y sus alumnos. El mecanismo que anualmente gestionaba el diálogo entre el gobierno y el sindicato estaba desgastado. Y el gobernador había dado la indicación de no negociar y desalojar el plantón que se había instalado en la plaza central, con más de 4 mil profesores que ahí vivían durante el día y la noche. En la madrugada del 14 de Junio,

ESTRATEGIAS EN LA PRIMERA REVOLUCIÓN DEL 21

cerca de las 4 de la mañana, se comenzó a escuchar por la Radio Plantón la voz de locutores que hacían un llamado a la población alertando de la violenta situación que se vivía en el centro de la ciudad. Cientos de policías, con granadas y toletes, entraban a la plaza central, con la intención de desa lojar de manera violenta a quienes pernoctaban. Esta acción tuvo como respuesta una amplia movilización de la poblaci ón en general, que triplicó en número a quienes pretendían desalojar. Ahí comenzó una batalla que duró varias horas, dando como resultado la recuperación de la plaza central y el surgimiento de un movimiento que había escalado de una demanda sindical educativa a una exigencia política de remoción del gobernador.

Mientras el movimiento funcionaba como una estructura en red y asamblea, las movilizaciones en la calle aumentaron. La creación de los grupos de choque del gobierno, recono cidos como Escuadrones de la Muerte, que por las noches transitaban en camionetas de la policía, secuestrando y dis parando a manifestantes, motivó a la APPO incrementar la seguridad de los barrios y colonias, bloqueando las calles para impedir que las caravanas transitaran bajo sigilo. El movimiento se articulaba y crecía en las calles al mismo tiempo que se daba una batalla por la opinión pública. Di versos actores se enfrentaban en el escenario de las ondas hertzianas, proponiendo diversas formas de interacciones con puntos y críticas políticas. El movimiento de la APPO

FOTO: DIVULGAÇÃO

para demandar al nivel federal la destitución del goberna dor fueron las mega-marchas, cinco marchas masivas, que reunían a un importante porcentaje de la población a nivel estatal para tomar las calles y protestar de manera pública por los cambios que el movimiento exigía. Las acciones del movimiento aumentaban su creatividad en la protesta en medida que las fuerzas por reprimir el movimiento crecían, acechando con grupos paramilitares contra la población ci vil para dividir la organización.

El surgimiento de esta nueva escalada en la lucha social dio origen a una serie de reuniones amplias, con la participación de hombres y mujeres de diversos sectores que se aglutina ron en lo que denominaron la Asamblea Popular del Pueblo de Oaxaca, con una representación de 264 delegadas y dele gados, de diversos sectores de la población, desde sindica tos, campesinos, pueblos indígenas, colectivos LGBT, pro fesores, artesanos, colonias y demás actores que discutían las demandas, las tácticas y estrategias que debía llevar el movimiento para lograr sus objetivos. Dentro de los nueve meses que duró el movimiento, las prácticas más comunes

Cena de La Pesadilla Azul (2007), filme que documenta os testemunhos de quatro pessoas detidas no 25 de novembro de 2006 em Oaxaca

aural que motivara la movilización y las razones de la or ganización. Se okuparon los cinco canales de radiodifusión del estado y dos radiodifusoras privadas y el Canal 9 de te levisión estatal, además de la Radio Universidad y la Radio Plantón, que transmitían para el movimiento. La APPO se concentró en establecer imaginarios para pensar un gobierno que tomara las decisiones en formulaciones co munales, de amplia escucha y discusión, generando consen sos y acuerdos para construir las bases de una organización social y política. Hoy, a casi veinte años del movimiento, po dríamos pensar que ha desaparecido, pero la APPO es como la cigarra: se detiene en el tiempo para pensarse junto con otras, otros, seres que menguan en el silencio del tiempo, ensayando su orquesta de cuidados colectivos y entrelazan do el canto para resonar con fuerza. La APPO vive y aparece cada cierto tiempo, vibrando en la piel del colectivo social, construyendo actores políticos activos que participan desde sus espacios, desde sus colectivos, creando nuevas lógicas para escucharnos en común.

Durante estos meses de movilizaciones y enfrentamientos, el movimiento recurrió a otra estrategia más, la de okupar los medios de comunicación comerciales para romper con el régimen acústico y reconstruir en el camino un régimen

FOTO: DIVULGAÇÃO 41

permitió escuchar a los referentes políticos e imaginar otras formas de organización social.

Placa instalada pelo Comité de Familiares de los Desaparecidos, Asesinados y Presos Políticos de Oaxaca no local dos confrontos cinco anos depois

Al inicio del movimiento junto con el desalojo, otro objetivo por desmantelar era la radiodifusora del sindicato de maes tros, medio por el cual se construía la narrativa sonora que acompañaría el proceso de movilización. En aquellos meses, en la radio, se escucharon diversas músicas que nos remon taban a las luchas latinoamericanas. Sonaba la canción de protesta, las bandas de punk, de rock urbano, ska y músicas de propias autorías, que a manera de juglares, contaron la historia del movimiento, además de las voces de organiza ciones sociales y políticas, discursos zapatistas, anarquistas, con puntos de vista desde el socialismo y desde la comuna lidad que nos concentra nuevamente en las prácticas origi narias de este estado.

Predominantemente, nas eleições de 2022, o eleitorado formado por homens brancos. A soma de candidaturas femininas pretas e indígenas (19,05%) totaliza a metade de mulheres brancas (45,81%).

De acordo com números do IBGE, as mulheres totalizam 51,8% da população brasileira e formam, também, a maior parte do eleitorado: 52,64%, conforme levantamento feito em 2022 pelo Tribunal Superior Eleitoral. Em números absolutos, isso significa que, das 156,5 milhões de pessoas habilitadas a votar no país, 82,4 milhões são mulheres. Porém, a presença de mulheres na política brasileira ainda é baixa. Em oito anos, o crescimento de candidatas nas eleições foi de, somente, 2%.

8.123 31,05% 18.038 68,95% 158.449 31,89% 338.437 68,11% 9.204 31,65% 19.880 31,05% 187.024 33,54% 370.379 66,41% 9.732 33,64% 19.192 66,34%20182014201620202022 MULHERES HOMENS 4 8 PRESIDENTE MULHERES HOMENS 38 185 GOVERNADOR 56 183 SENADOR 3.659 6.857 FEDERALDEPUTADO 5.524 11.069 ESTADUALDEPUTADO BRANCA(O) 45,81% MULHERES 18,19%34,24%0,86%0,46%0,44% 49,88% HOMENS 11,92%36,79%0,52%0,36%0,53%INDÍGENAPARDA(O)PRETA(O)AMARELA NÃO INFORMADO MUNDO CODIFICADO 85

nem

CANDIDATOS NAS ELEIÇÕES 2022 AOS CARGOS

das candidaturas

não

é

ESTADUALFEDERALSENADOR,GOVERNADOR,PRESIDENTE,DEDEPUTADOEDEPUTADO

LUANA ROSIELLO

RAÇA

De 12 tomadasmulheresespaçosocupaçãoobstáculosexpressiva,vice-governador,comoeletivosproporcionalmulheres.dePresidênciaregistradascandidaturasparaanaeleição2022,quatrosãodeApresençaemcargos“secundários”,vice-presidenteeémaisdemonstrandoasuperarnafemininadedepodereparaasteremvozativanasdedecisãopolíticas.

TOTAL DE CANDIDATURAS NAS ELEIÇÕES

Porcentuais ilustram falta de representatividade feminina na história da política brasileira A LUTA CONTINUA

CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO (18/7/1974)

Primeira a exercer a função de corregedorageral da JE

Primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral IOLANDA (20/6/1936)FLEMING

Primeira mulher negra a assumir um mandato eletivo no Brasil

Empossada no cargo de juíza de direito substituta na 1ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco (AC), após ser aprovada em primeiro lugar no concurso público

Primeira prefeita eleita no Brasil e na América Latina

CRISTINA GABRILLI (28/9/1967)

Primeira brasileira eleita deputada federal BERTHA (2/8/1894LUTZ-16/9/1976)

A Lei das Eleições (Lei nº 9.504) passa a prever a reserva de vagas para a participação feminina nos cargos proporcionais: deputado federal, estadual e distrital e vereador

FÁTIMA NANCY ANDRIGHI (27/10/1952)

Primeira mulher eleita para a Presidência do Brasil

Primeira mulher a integrar o Senado Federal

Primeira mulher indígena a tomar posse deputadacomofederal LINHA DO TEMPO DO VOTO FEMININO NO BRASIL

EUNÍCE (10/7/1929).MICHILES

A edição do Código Eleitoral em vigor (Lei nº 4.737) permitiu que o alistamento eleitoral pudesse ser feito por todas as mulheres LAÉLIA (7/7/1923ALCÂNTARA-30/8/2005)

LAURITA HILÁRIO (21/10/1948)

REGINA CÉLIA FERRARI LONGUINI (15/3/1960)

LUÍZA ALZIRA SORIANO TEIXEIRA (29/4/1897 - 28/5/1963)

ELLEN GRACIE NORTHFLEET (16/2/1948)

A Lei n° mínimopreenchaoucadaobrigatórioeleitoral)minirreforma(primeira12.034tornaquepartidocoligaçãoode30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo

DILMA VANA ROUSSEFF (14/12/1947)

ELIANA CALMON ALVES (5/11/1944)

ANTONIETA DE BARROS (11/7/1901 - 28/3/1952)

2012 2014 O Tribunal

85 FONTES: WWW12.SENADO.LEG.BR/INSTITUCIONAL/PROCURADORIA/PROC-PUBLICACOES/2A-EDICAO-DO-LIVRETO-MAIS-MULHERES-NA-POLITICA / SIG.TSE.JUS.BR/ORDS/DWAPR/SEAI/R/SIG-CANDIDATURAS/ HOME?SESSION=12178098830794 / WWW.JUSTICAELEITORAL.JUS.BR/TSE-MULHERES/#ESTATISTICAS

Primeira mulher a governar um estado brasileiro

CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA (19/4/1954)

Mulheres conquistam o direito de votar e de serem votadas em 24/2/1932

Redigiu e adotou a Carta das Nações Unidas, sendo a única mulher da delegação brasileira

CELINA GUIMARÃES VIANNA (15/11/1890 - 11/7/1972)

Primeira eleitora mulher do Brasil e da América Latina

Primeira mulher a ocupar uma das cadeiras do TSE destinadas para juristas Superior Eleitoral realiza, pela primeira vez, campanha institucional

de incentivo à participação feminina na política 2015 Aprovação da Lei nº 13.165 de incentivo à participação feminina na política 2016 2018 2019

1927 1928 1932 1934 1945 1965 1974 1979 1982 1981 1993 1997 2000 2009MARA

VAZ

Primeira senadora negra no Brasil e a segunda mulher a ocupar uma cadeira no Senado na história republicana

Primeira brasileiracongressistacomtetraplegia 2010 LUCIANA2011

Primeira mulher a presidir o STJ e o Conselho da Justiça Federal ROSA MARIA PIRES WEBER (2/10/1948) Primeira mulher a comandar um processo de eleições gerais no país, na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

JOÊNIA BATISTA DE CARVALHO

Primeira mulher a assumir um cargo no Ministério Público Federal na Região Nordeste

CARLOTA PEREIRA DE QUEIRÓS (13/2/1892 - 14/4/1982)

Primeira mulher a se tornar ministra do STF e a presidi-lo

CURADORIA

JULIANA MONACHESI PAULA ALZUGARAY

FOTO: DIVULGAÇÃO VERDADE E FÁBULA CONVIVEM NA ARTE HABITADA POR SERES SENCIENTES MULTIESPECÍFICOS POLÍTICAS INTERESPÉCIES

E

DESAFIO IMAGINATIVO: CONSIDERE UM TERRENO SUBTERRÂNEO COMUM A TODAS AS OBRAS DESSA CURADORIA, COMPOSTO DE CORPOS FÚNGICOS QUE SE ENTRELAÇAM EM REDES, CONECTANDO TODAS AS RAÍZES A TODOS OS SOLOS E SEUS MINERAIS. Seres e obras com partilham do mesmo solo fértil. Ao imaginar esses emara nhados interespécies, que antes eram assunto de fábulas, pense em debates entre biólogos, neurologistas, filósofos e cientistas da computação. Essas discussões interdisciplina res mostram como a preservação da vida depende da inte ração entre espécies. Em concordância, a escrita deste texto assume formas mutantes, acompanhando a diversidade dos temas que se sucedem. Fomos árvore e fomos mulher. Sabemos que não existe se paração entre os seres sencientes do planeta, que não há prerrogativa de um sobre o outro, assim como não existe racionalidade descorporificada. Não somos contra a razão, que também é parte constitutiva do que somos, apenas sa bemos da razão de todas as coisas, a inteligência das aves e a inteligência das plantas, para colocar em termos que todos possam compreender. Não conferimos qualquer valor eleva do ao pensamento porque o sono da razão produziu todos os seus monstros. Por isso a mãe de todas as lutas é a mesma,

A reciprocidade, entre os Yanomâmi, garante que aquele que se alimenta da própria caça torna-se um mau caçador, porque não estabelece relações de troca. Davi Kopenawa tor nou-se um caçador ruim no período em que trabalhou com os brancos na floresta, porque o fizeram alimentar-se da pró pria caça. A ecosofia da troca perpassa as relações entre nós, plantas, minerais, animais, inclusive o homem-peixe, primei ro habitante humano desta galáxia. Na maloca do universo, a avó do mundo enviou sua canoa-cobra, uma jiboia imensa, para levar a gente-peixe para o lago de leite, de onde surgi ram todos os seres que vivem na Terra, contam os povos do Rio Negro. A canoa-cobra não está encerrada num mito indí gena de surgimento do mundo, mas dança na dupla hélice de proteínas do DNA, duas fitas-serpentes luminescentes en trelaçadas, com um comprimento total, somado todo o DNA contido no corpo humano, de 25 viagens de ida e volta entre Saturno e o Sol, nas palavras de Ailton Krenak. Nós, jiboias, somos formadas pelas mesmas duplas héli ces de proteínas que todos os seres viventes, as serpentes

Ybyratyba (2021), de Dyó Potyguara

FOTO: CORTESIA DA ARTISTA 49

para falar com Daniela Rosendo (Sapas e outras bixas, se LecT nº 52), para quem “os ecofeminismos dizem respeito às práticas contra a opressão, seja esta direcionada a huma nos, à natureza ou, por vezes, a animais.”.

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dançantes dentro do nosso DNA são compostos orgânicos que formam textos de quatro letras. Essas mesmas letras escrevem o texto que configura cada forma de vida, ou seja, ainda ouvindo Krenak, “todo ser tem DNA formado pelas mesmas letras, só que com textos diferentes”. São deidades serpentinas reconhecidas nos quatro cantos do mundo a mulher-jiboia dos Huni Kuin; a serpente emplu mada dos Nahuas; Ix Chel, deusa maia com uma serpente na cabeça; Baholinkonga, serpente emplumada dos Hopi; a serpente cósmica dos Shipibo; a anaconda Shamamama dos Quéchua; a serpente arco-íris dos povos aborígenes da Austrália; Ouroborus, a cobra que come o próprio rabo em eterno ciclo de nascimento, morte e renascimento; e mes mo a serpente da narrativa católica que coloca em marcha na Terra a humanidade. Nós, cobras grandes, emergimos dos sonhos de Jaider Esbell, sempre em dupla, para habi tar um lago em São Paulo e uma ponte em Belo Horizonte, iluminados, desafiando a incompreensão sobre a conexão entre todas as coisas. Nós, antúrios, vestimos Dyó Potyguara com uma máscara de folhas, costuradas manualmente para configurar um herbá rio vivo. O herbário descolonial ganha corpo quando ela vai

mata adentro conectar as tranças de seus cabelos aos galhos da floresta, evocando uma prática ancestral dos povos de Abya Yala. Dyó guarda em seus cadernos algumas notas de quando foi árvore, “algo sobre sonhos em fotossíntese, pois ampliam a sensação de continuidade ao receber essa luz.” Vi vemos num continuum de transformações energéticas e dis tribuição de matéria orgânica para alimentar todos os seres vivos, por isso Dyó se lembra de quando foi árvore. Nós, bananeiras e taiobas, emprestamos algumas folhas para Lia Chaia quando ela decidiu esclarecer a diferença entre o que somos e o que os homens brancos ocidentais gostariam que fôssemos: cortou um retângulo nas folhas emprestadas e as devolveu para a areia à beira do mar. Fez fotografias dessa aparente aberração da natureza, para assombrar os visitantes de exposições em São Paulo: “Isso existe?!” Nós sabemos que existe matemática em cada filamento de nossas entranhas, mas não nos teria ocorrido fabricar folhas retan gulares para deixar isso mais evidente. A paxiúba, nossa irmã do Norte, é uma árvore que anda. Todas as árvores andam, bem entendido, porque a inteligência distribuída entre as raízes envia a informação sobre um terreno empobrecido de nutrientes para que as raízes da outra ponta busquem um

FOTO: CORTESIA DA ARTISTA

Camuflagem (2017), de Lia Chaia

INTELIGÊNCIA SISTÊMICA

Exomind (Deep Water), 2017, de Pierre Huyghe

A entrada do formigueiro ficava na altura média dos olhos de um ser humano, numa concessão substitutiva em relação a uma obra de arte convencionalmente pendurada na parede.

O entomologista Edward O. Wilson comprovou, em 1956,

ambiente mais nutritivo para garantir a sobrevivência da ár vore toda. Morrem as raízes de um lado, nascem novas do outro, assegurando esse caminhar pela vida. É que o tempo do caminhar é lento, invisível a olho nu. A paxiúba vai mais depressa porque vive no mangue.

O convite aos visitantes dessa mostra era observar os traje tos que fazíamos pelas paredes, teto e piso. Uma visita rápida ao local, como costumam ser as idas e vindas das pessoas em meio a seus tours quantitativos por galerias e museus, não ti nha muita eficácia, porque apenas no decorrer do tempo dis tendido dos artrópodes surgem os padrões comportamentais

Nós, formigas. As colônias em que nos organizamos são ca racterizadas por uma economia da emergência. Os cientistas costumam dizer que temos um dos mais impressionantes comportamentos descentralizados da natureza, porque nos sa inteligência, nossa personalidade e nossa aprendizagem emergem de baixo para cima, bottom-up. Somos metódicas na organização comunitária, desde a coleta e armazenamen to de alimento, as nossas elaboradas construções, até a de finição estratégica sobre o local onde depositar o nosso lixo (conchas e cascas de sementes, em geral) e onde pousar os nossos mortos. Sim, formigas também constroem cemité rios, em pontos diametralmente opostos aos depósitos de lixo, afinal uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, e nós sabemos a diferença.

FOTO: TARO NASU / CORTESIA THE NATIONAL MUSEUM OF MODERN ART, TOKYO E DAZAIFU TENMANGU SHRINE / ©PIERRE HUYGHE 53

que as formigas se comunicam entre si pelo reconhecimento de padrões de trilhas de feromônios deixadas pelas outras formigas. Esse sistema auto-organizado de reconhecimento de padrões serve de base para estudos de neurobiologia, ciên cia da computação, e até de planejamento urbano. Não é fabu loso que a inteligência artificial tenha se inspirado não no cé rebro humano, mas na inteligência distribuída das formigas?

Pierre Huyghe gosta de trabalhar com colônias de insetos. Nós, formigas, habitamos a sua instalação Umwelt (2011), compartilhando a nossa casa com colegas aranhas. O ambien te criado pelo artista francês permitia que 10 mil integrantes da nossa família polyrhachis dives coabitassem o espaço de uma galeria de arte com um pequeno grupo de aranhas domésticas.

dro que continha, além de uma reprodução em microescala de um ecossistema marinho vivo, uma réplica em resina da Musa Adormecida (1910) de Brancusi, tenha experimenta do semelhante indiferença em relação ao abrigo que elegeu como morada. Os visitantes da retrospectiva do artista fran cês no Centro Georges Pompidou (2013–2014) detinham-se maravilhados diante da instalação Recollection – Zoodram 4 –After Sleeping Muse by Constantin Brancusi (2011), observando como o caranguejo-eremita passeava pelo aquário carregan do a musa adormecida nas costas.

Quando Untitled (Liegender Frauenakt) foi adquirida, em 2016, pela Art Gallery of Ontario, museu localizado na cida de de Toronto, os conservadores de arte enfrentaram novos desafios profissionais. Como as abelhas e os produtos apí colas são cuidadosamente regulamentados pela província de Ontário, a escultura teve de ser inteiramente realizada lá, seguindo os protocolos do Ontario Bee’s Act, que regem a saúde e o bem-estar dos insetos. O diretor do Four Seasons Center for the Performing Arts, uma instituição que já pos suía um projeto de apicultura urbana em seu telhado, ofe receu hospedagem para Untitled lá; o que foi providencial, pois também contava com um apicultor experiente. Os co mentaristas especializados costumam descrever seu método de trabalho com arte como “compostagem”, em vez de usar termos como “prática” ou “processo”, que Huyghe rechaça.

FOTO: CORTESIA CENTRE POMPIDOU

Nós, abelhas, também frequentamos as invenções de Huyghe. Nossa aparição mais famosa aconteceu na docu menta de Kassel, em 2012. Sobre uma réplica em concreto da escultura de bronze Liegender Frauenakt, do suíço Max Reinhold Weber (1897-1982), transplantaram parte de nossa colmeia, alguns favos para nos incentivar a sentar morada na cabeça da figura reclinada. Untitled (Liegender Frauenakt), de Pierre Huyghe, foi descrita como uma colaboração escultu ral entre humanos e insetos que explora a relação simbióti ca da humanidade com as abelhas, juntando a linguagem da escultura moderna a um sistema natural autogerador – uma colmeia viva. Untitled também seria uma referência à noção de “mentalidade de colmeia”, um processo de pensamento coletivo baseado na cooperação. Para nós, era uma colmeia como outra qualquer, e cobrir a cabeça e o rosto da escultura moderna não nos pareceu particularmente um posiciona mento crítico acerca da tradição dessas formas inertes, ain da que possamos perceber o contraste entre a vitalidade de nossas atividades e a apatia daquele mausoléu. Desconfiamos que o caranguejo-eremita, nosso colega in terespecífico, que Huyghe ambientou em um tanque de vi

Recollection – Zoodram 4 – After Sleeping Muse by Constantin Brancusi (2011) , de Pierre Huyghe

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que nos diferenciam: nós, formigas, formamos trilhas ou nos dispersamos em grupos no Umwelt, enquanto as ara nhas permaneciam sozinhas, nos cantos da sala ou cami nhando pela galeria.

FOTO: MARIA MAZZILLO / DIVULGAÇÃO

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Ninho Comunal #1 (2021), de Laura Lima

em bandos, nos empoleirando em enormes congregações, compartilhando alimentos irmanamente em colônias su perlotadas, brincando, banhando-nos sempre em grupo, mas, inclusive, monitorando e cultivando as interações transespecíficas. Estudos científicos conduzidos na Uni versidade de Oxford sobre nós, chapins; na Universidade de Viena sobre nós, cacatuas; na Universidade de Washing ton sobre nós, corvos, sugerem que temos habilidades de traquejo social de alta complexidade. A reciprocidade no ato de dar presentes é outro comportamento social inco mum em não humanos, mas frequente entre certas aves, incluindo corvos, informa Jennifer Ackerman, para narrar em seguida a experiência de uma amiga sua que costuma encontrar mimos, como uma bola de gude, uma tampa de garrafa e frutas vermelhas, deixados à sua porta pelos cor vos que ela alimenta regularmente. Laura Lima deve ter essas coisas em mente quando constrói para nós Ninhos Comunais (2021-2022), hábitats multiespecíficos feitos a partir de gravetos e chapéus de palha desconstruídos, repletos de varandas de espera e descanso, ninhos e polei ros com variações ornamentais que nos enchem os olhos e nos aquecem o coração. A crítica especializada em arte afirma que essas esculturas se insurgem contra o ideal nuclear de família ao encorajar comunidades utópicas de pássaros a participar de múltiplas construções familiares, o que combina com o nosso estilo de vida comunal.

FOTO: LEVI FANAN / CORTESIA PINACOTECA DE SÃO PAULO

Debaixo de troncos úmidos de húmus, nós, cogumelos matsutake, emergimos em paisagens devastadas (inclusive

Dos milhares de espécies de aves que existem pelo mun do, muitas de nós são altamente sociáveis, não só vivendo

Performance Atos Modernos (2022), de Olinda Tupinambá

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NAVEGAÇÃO SOCIAL

Nós, canários e manons, vivemos uma experiência pare cida à das formigas polyrhachis dives na galeria em Berlim. Nosso viveiro temporário foi criado pela artista Laura Lima também em uma galeria de arte, no Rio de Janeiro. Nos três meses em que moramos n’A Gentil Carioca havia ninho, poleiros, comida, água e pinturas de paisagem fei tas sob medida para nós: adaptadas em escala e posicio namento para nossa apreciação, se quiséssemos. Quando os animais humanos visitavam a nossa hospedaria, pre cisavam ficar nas pontas dos pés, esticar o pescoço, se agachar ou se contorcer a cada tentativa de contemplar as minúsculas representações realistas da natureza, dis postas pela galeria de arte. Talvez achassem que a expo sição se resumia a isso, às pinturas, e que as intrincadas construções de madeira suspensas ou pregadas na pare de fossem alguma espécie de proposição escultórica mal acabada. Observávamos esses bípedes fantasiados que desviavam das coisas e, eventualmente, nos devolviam o olhar, não buscando alguma interação ou comunicação, mas receosos de cair “cocô de passarinho” em suas bizar ras fantasias ou nos estranhos penachos de suas cabeças. O final do percurso da exposição de Laura Lima, Fuga (2008), era uma estrutura de tubos envoltos em redes, instalada do lado de fora da galeria, à qual tínhamos aces so pelas janelas frontais. O ziguezague de longos tubos desembocava em um emaranhado de tubos menores, es ses de madeira, como o de nossos ninhos, terminando em um poleiro minimalista, que dava para a rua. De volta para os céus do Rio de Janeiro, aquela era a nossa possibilidade de “fuga”. Os humanos visitantes que descobriam a rota de fuga lá no final da exposição faziam o caminho de volta nos julgando, com uma curiosidade renovada. “Aves bur ras”, talvez pensassem, “a saída é logo ali, por que vocês ficam aqui presos?”, e iam embora com aquele ar de supe rioridade. Obviamente, sabíamos da fresta aberta após a janela, já tínhamos mapeado o lugar todo no primeiro dia. As andorinhas-do-mar-árticas, nossas parentes do He misfério Norte, viajam 96 mil quilômetros em suas rotas migratórias, e o caminho da ida é diferente do caminho da volta. Fazem isso todos os anos, no inverno. Como é que nós poderíamos não saber da existência de uma saída em um viveiro de dois cômodos humanos? Muitas de nossas vocalizações regulares, naqueles meses de 2008, versa vam sobre essa ignorância risível. “Humanos burros”, co mentávamos entre nós, “quando saem porta afora, julgam mesmo ser livres” (risos).

DIA DA CAÇA

A Yawar, onça que foi “tirada do chão”, “que brota da ter ra” (ibira, em tupi), conta suas histórias enquanto tran ça o ibirapema (“pau trançado”). Ela diferencia o que é a vida indígena contemporânea do antigo tempo das ori gens e da história geológica (quando a busca das origens é também a da possibilidade de um futuro).

FOTO: YAWAR FILMES/SAMUEL WANDERLEY

Nós, as suçuaranas, que na floresta assumimos a pele de outras caças – quase sempre dos veados –, a fim de enga nar o caçador e capturá-lo, assistimos, desde os nossos esconderijos, a mulher indígena com corpo pintado com jenipapo sair da casca da árvore da floresta domesticada.

Ela quer se libertar de seu cativeiro atemporal, o antigo aldeamento Tupi que um dia existiu naquele parque, o Ibirapuera. Nós fomos avisadas de que ibirapema é um instrumento de madeira feito pelos Tupinambás antigos para sacrificar ritualmente seus prisioneiros de guerra, e ouvimos a mulher Ibirapema dizer que o Tupinambá se transforma em onça antes de ingerir carne humana. E lá vai a mulher em pele de onça conversar com outros cor pos da escultura moderna e subir a escadaria do Theatro Municipal, camuflada nas cores da pintura de Tarsila, fa zendo sua dança re-antropofágica.

pela bomba atômica). Podemos tolerar distúrbios am bientais produzidos por humanos, como os ratos, as ba ratas e outras pragas. Temos a inteligência dos gambás, conhecidos como tlacuaches no México, que se fingem de mortos quando atacados, como bem fabulou Naomi Rin cón Gallardo no vídeo Resiliencia Tlacuache (2019), exi bido na 34ª Bienal de São Paulo, em 2021. Ou das onças brasileiras, que em tempo de precariedade se adaptam aos territórios degradados pela presença humana e já não mu dam seu lugar de viver “por o de comer não chegar”, evo cando, aqui, Guimarães Rosa, cuja sensibilidade deu voz a diversos de nossos parentes vegetais, animais e minerais que vivem nas veredas do sertão brasileiro. Nós, onças. Iauaretê. Yawar. Jaguar. Hé... Aar-rrâ... Aaâh... Cê me arrhoôu... Remuaci... Rêiucàanacê... Araaã… Uhm... Ui... Ui... Uh... uh... êeêê... êê... ê... Nós, as Yawar, encanta mos na Ibirapema, mulher indígena guerreira que vem da Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu para resga tar a Moema sequestrada pelo poema épico setecentista e as tintas do romantismo indianista academicista. Ibirape ma é o nome que Olinda Tupinambá deu à personagem de seu filme homônimo, mulher indígena em pele de onça, que atravessa tempos e salta entre realidades, para acor dar a irmã de Catarina Paraguaçu (Moema) do afogamen to e do genocídio pelo macho colonizador.

Nós, a terra, as pedras e os subsolos, temos escalas tem porais desmedidas em relação aos seres vivos. Somos ar quivos. Viemos de outras estrelas e guardamos em nossas

Frame do vídeo Ibirapema, de Olinda Tupinambá

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camadas geológicas as histórias viventes de 4 bilhões e meio de anos. Somos profundas e somos rasas. Em nossa superfície, acolhemos as viagens que Igi Ayedun fez pelos desertos de areia e de lama do Mali, da Nigéria e das rotas nômades berberes do Marrocos, investigando a genealo gia afrodiaspórica. Atravessando rotas de tecidos e apren dendo técnicas ancestrais de tingimentos, Igi experimen tou a inteligência de nossa matéria mineral. Encontrou no índigo e no lápis-lazúli o testemunho de uma grande parte da história da humanidade, que havia ficado soterra da pelos estudos da história da arte ocidental. Estudou as reações orgânicas da cor azul e desencavou pilares e ali cerces de mitologias secretas que guardavam outros valo res culturais. Mergulhou em piscinas de água pigmentada e tirou de baixo da terra um modo de pintar que chamou de “pintura não ocidental pré-colonial”. Igi mexeu com muitas mídias. Em vídeos 3D, especial mente naquele em que diz que “Imenso é o mundo que ainda guardo em mim” (2020), ela pisou em solos sedi mentados, desenhou desertos minerais azuis e colocou em prática seus idiomas inventados, com misturas foné ticas de português, iorubá, hebraico, iídiche, árabe e fran cês. Línguas subcutâneas, línguas de sua formação. Sua linguagem das pedras conversa com a mineralogia visio nária de André Breton. “Nefumiri las costras, neislin” / “Calamedan mofis seyô kê” / “Guo, guo, guo, guo!”. Dos minerais entrelaçados aos vegetais nasce também a pro posta relacional das criações de Claudia Jaguaribe. Nós, estrelícias, protagonizamos, com outras espécies compa nheiras que também habitam as regiões tropicais e sub

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FOTOS: DIVULGAÇÃO

Among so Many Butterflies (2022); no alto, frame do vídeo Imenso É o Mundo Que A inda Guardo em Mim (2020), ambos de Igi Ayedun

tropicais, a série Flor do Asfalto (2020-2022). Em suas fotomontagens, Jaguaribe investiga a invenção dos bichos humanos conhecida como “jardim”, esse espaço criado para proporcionar, nas selvas de pedra, alguma conexão entre homem e natureza, que para a artista concentra a dinâmica dos ciclos de crescimento, floração e declínio como reflexo da sociedade que o molda. Na simbiose en tre flores e formas asfálticas, recortadas para parecerem orgânicas, fica evidente o sufocamento da natureza pro movido pelos jardins.

A Reviravolta de Gaia nasceu de um desejo das artistas Rivane Neuenschwander e Mariana Lacerda de chamar atenção para a inconstitucionalidade dessa tese, que, segundo afirmam, se aprovada, será catastrófica para os povos originários. A primei ra aparição pública do projeto florestal das artistas aconteceu em agosto de 2021, quando se abria a votação do marco tem

Mas o artigo 231 da Constituição estabelece que os direitos indígenas são “direitos originários”, anteriores à formação do Estado brasileiro. A inconstitucionalidade dessa tese que banaliza uma violência histórica sofrida desde a invasão co lonial, que chancela a necropolítica e os seguidos ciclos ex trativistas de uma Economia da Destruição, é enfrentada por juristas, estudiosos de Direito e artistas.

O futuro é indígena. Mas, desde 2018, forças comprometidas com a fragilização da democracia brasileira nunca deixaram de trabalhar pela diminuição dos direitos indígenas. A esca lada de crescimento da violência aos povos está relacionada a uma série de medidas do Poder Executivo que favorecem a exploração e a apropriação privada de terras indígenas e o avanço de projetos de lei que dificultam a demarcação. A mais recente das teses jurídicas formuladas para suprimir direitos e facilitar a mineração é o marco temporal que pro põe que sejam reconhecidos territórios indígenas somente as terras que estavam ocupadas por eles na data de pro mulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988).

DIREITO SELVAGEM

Detalhe da obra Flor do Asfalto (2020-2022), de Claudia Jaguaribe 65

poral pelo STF, em Brasília. Entre as mais recentes, deu-se no ato em defesa do Estado Democrático de Direito e do sistema eleitoral brasileiro, na manhã de 11 de agosto último. Nós, jabu tis, jacarés, sapos, araras, garças, lagartas, preguiças e jaguares, entre tantos outros bichos e plantas da floresta, comparecemos com nossos cartazes e gritamos pelos “direitos selvagens”. Temos as almas cansadas e saturadas pelo drama político em curso (que trava também batalhas no campo da estética e da semântica), mas estamos vestidos para levar, propor, pensar e imaginar outra linguagem para as manifestações. Entrar no campo da gramática de conflito para provocar fricções sociais com novas formas e conteúdos. Em A Reviravolta de Gaia cres ce a inquietação em colocar na rua a pauta ambiental, lançando a provocação de se pensar a natureza como um sujeito de direi tos. Como é na Constituição do Equador e constava no projeto da nova Carta do Chile, reprovado em plebiscito. Na Amazônia equatoriana, a natureza foi declarada um su jeito de direitos em 2013. No fim daquele ano, quando este novo “contrato social multiespécies” estava sendo redigido no Equador, Ursula Biemann e Paulo Tavares viajavam pela Amazônia, compondo uma paisagem-mosaico de múltiplas perspectivas da floresta, reunindo entrevistas, vídeos, fotos, documentos jurídicos e análises cartográficas. Nós, árvores, líquens, rios, vales, praias, cordilheiras, estuários, mangues e outras formas não antropogênicas mostramos que também

FOTO: DIVULGAÇÃO

Nós, cupins, somos símbolos de resistência. Construímos ninhos-catedrais que nenhuma arquitetura humana jamais sonhou conseguir realizar, e edificações nossas já foram da tadas por cientistas em mais de 2 mil anos (elas seguem de pé, na savana africana, por exemplo). Em 2013, quando os povos Kichwa de Sarayaku lutavam no Equador pelos direi tos coletivos de todos os seres viventes, fomos representar as térmitas operárias em uma instalação site-specific de Cil do Meireles no Parque de Serralves, no Porto. Cildo estava fazendo uma imensa exposição no Museu de Arte Contem porânea de Serralves, mas a obra em que fomos morar não caberia dentro de um museu, daí ela ter ido parar no parque. Parques são espaços intermediários entre os cupinzeiros de concreto em que vocês vivem e os ecossistemas em que nós construímos os nossos. A instalação, obra então inédita de Meireles, foi batizada por ele de Nós, Formigas (2013). Fun cionava assim: um guindaste suspende uma pedra quadrada de granito sobre uma cavidade no solo. Um ninho de cupins instalado na base do cubo pode ser visto por quem desce uma escada de madeira até o buraco cavado na terra. Dalí, de

LUGAR DE FALA

sabemos falar e demos nossos testemunhos para a forma ção de um documento de animismo jurídico em defesa dos direitos dos ecossistemas. Nossos argumentos compõem o projeto Floresta Jurídica, de Biemann e Tavares, apresenta do na 32ª Bienal de São Paulo, em 2016.

baixo, pode-se observar, olhando para o alto, a nós, cupins, ocupados criando as nossas engenhosas paisagens, canais e rotas em uma espessa camada de terra.

Essa instalação que coloca as térmitas obreiras para traba lhar tem o objetivo de transtornar a percepção de espaço dos espectadores e dar a devida dimensão simbólica à es cala humana. “Nós, Formigas é uma obra que explora o en contro entre o capitalismo industrial e a natureza”, disse Cildo Meireles na ocasião de sua mostra em Portugal. Hou ve quem interpretasse sua frase como metáfora, como se o artista estivesse confrontando a imensidão do capitalismo com as “forças incontidas da natureza”, representadas por nós, cupins. Do nosso ponto de vista, entretanto, são as forças incontidas do capitalismo que estão sendo enfren tadas pela imensidão da natureza neste trabalho de arte. Parece-nos, se nos permitem uma leitura crítica da obra, que nem a citação acima é metáfora nem muito menos o título do trabalho: vocês, humanos, são de fato as formigas nesse jogo de escala proposto por Meireles. E, aproveitan do a oportunidade desse diálogo, consintam-nos informar que, quando nos acusam de sermos uma “praga”, porque comemos a madeira de suas preciosas estantes ou dos mourões, cercas e celeiros de suas propriedades rurais, es tamos apenas cumprindo a nossa nobre missão de eliminar a necromassa do ecossistema. Para nós, cupins, a verdadei ra praga são vocês, que matam mais árvores do que somos capazes de processar. Pronto, falamos.

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A Reviravolta de Gaia

FOTO: DIVULGAÇÃO

SELECT.ART.BR JUN/JUL/AGO 2020 PROJETO #FLORESTAPROTESTA

JARBAS LOPES PROPÕE TRANSMUTAÇÃO DA MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA EM SEU CARTAZ PARA A SÉRIE DE GRÁFICA ATIVISTA DA SELECT

HIDROBRAS (2022) É UMA PROPOSTA DE SUBSTITUIR A PETROBRAS, COM A CRIAÇÃO DE UMA NOVA ESTATAL QUE FARIA O MANEJO SUSTENTÁVEL E PERMANENTE DO MAIOR ATIVO DA ECONOMIA BRASILEIRA: A ÁGUA. Com 13,7% de toda a água doce no planeta, o Brasil é a maior reserva hidrológica do mundo, considerado por isso o “manancial da Terra”. De acordo com Lopes, “a matriz energética a partir de agora seria a água, que passaria a ser pesquisada e cuidada, para ser limpa, pública e gratuita. A Hidrobras seria um programa do governo central dessa fonte de energia e de vida de uma forma prioritária”. A matriz energética do petróleo, além de estar baseada na extração de recursos não renováveis, gera resíduos tóxicos para o meio ambiente e sua combustão é responsável pelos ga ses poluentes na atmosfera. Dar protagonismo à água como fonte de energia vital é a proposição poética de Jarbas Lopes em defesa das florestas e da vida.

Floresta Protesta, 2022 Jarbas Lopes

PROJETO FOTO: EDUARDO CAMARA | @EDUARDOCAMARA.COM.BR 79

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