Revista Menu 162

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a espuma. Acrescentava bem pouco amido de milho, misturava e colocava uma pitada de sal. Cada bife era mergulhado delicadamente no ovo batido. E fritava um a um com óleo na frigideira”, descreve. Ribeiro não perde um só detalhe dos momentos vividos na cozinha ao lado de Walkyria, mas reconhece que, mesmo depois de muito observar o trabalho materno e repetir a receita, o bife à milanesa dela é melhor do que o seu. Assim como muitas mães brasileiras dessa geração, seus saberes culinários foram influenciados não só pela herança familiar como por publicações de culinária e programas de tevê da época. Quase todas tinham o livro Dona Benta – comer bem na gaveta da cozinha. Lançado pela Companhia Editora Nacional em 1940, ainda hoje é referência para quem deseja se arriscar nas panelas – está na 75ª edição, com atualizações do chef Luiz Cintra. Outra célebre representante é a culinarista Ofélia Ramos Anunciato, que além de publicar 18 livros, era conhecida das telinhas – passou pelas TV Tupi e Bandeirantes, em que mostrava a elaboração de pratos simples, mas de decoração esmerada, como o salpicão de frango e o manjar branco, além de dicas de etiqueta e sugestões de cardápio para festas. Também preconizava a alimentação saudável para a família, com informações sobre a escolha e a conservação de ingredientes. “Minha avó assistiu à Ofélia a vida inteira!”, relembra Heloisa Bacellar, do restaurante e empório Lá da Venda. Sua grande referência na cozinha, a avó Betty era responsável pela fartura nos almoços na fazenda em Araçatuba, no interior de São Paulo, e muitas das receitas foram anotadas dos programas de Ofélia na tevê. Lombo cozido na panela com batatas coradas, maionese feita em casa, arroz à grega e farofa eram comuns durante as refeições que reuniam toda a família à mesa. “Até hoje faço o arroz cozido com uma folha de louro. Era o truque da minha avó, passado para a minha mãe e agora é o favorito da minha filha Ana”, diz Heloisa. A comida de mãe, ainda, é reconhecida como uma “comfort food”, como são definidos aqueles preparos simples, caseiros, oferecidos em momentos felizes à mesa, que serão referência para toda a vida. Assim como o frango assado com farofa e purê de maçã, preparado todas as sextas-feiras na casa de Wilma Kövesi, relembrado com carinho pela filha, Betty Kövesi. Idealizadora de uma das primeiras escolas de gastronomia no Brasil, a Escola Wilma Kövesi de Cozinha, Wilma fazia questão de cozinhar para a família. Seu “frango de sexta” é um ritual ainda mantido na casa depois de seu falecimento. “Nossa família é rodeada de histórias de comidas”, completa Betty. Não por menos, as mães são as grandes responsáveis pela alimentação dos filhos e, consequentemente, pela formação do gosto dos infantos. Como explica o antropólogo Sidney W. Mintz, no artigo Comida e antropologia - uma breve revisão, publicada na Revista brasileira de ciências sociais: “Os hábitos alimentares podem mudar inteiramente quando crescemos, mas a memória e o peso do primeiro aprendizado alimentar e algumas das formas sociais aprendidas por meio dele permanecem, talvez para sempre, em nossa consciência.” Ou seja, desde o nascimento, a comida está totalmente ligada às nossas experiências emocionais e o ensinamento dos adultos sobre o comer definirá a relação que a criança terá com o alimento. E isso vale não apenas para os chefs, mas para todos que querem construir uma história cheia de sabores, para ficar marcada, para sempre, na memória afetiva e gustativa.

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panelas, Le Creuset; guardanapo, acervo de produção

capa

maio/2012

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