Ode ao Aedo e Outras Balladas

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ODE AO AEDO E OUTRAS BALADAS



GLAUCO MAT TOSO

ODE AO AEDO

E OUTRAS BALLADAS

São Paulo Casa de Ferreiro 2020


Ode ao Aedo e Outras Balladas Glauco Mattoso © Glauco Mattoso, 2020 Revisão Akira Nishimura Projeto gráfico Lucio Medeiros Capa Concepção: Glauco Mattoso Execução: Lucio Medeiros

___________________________________________________________________________________ FICHA CATALOGRÁFICA ___________________________________________________________________________________ Mattoso, Glauco ODE AO AEDO E OUTRAS BALLADAS/Glauco Mattoso São Paulo: Casa de Ferreiro, 2020 102p., 21 x 21cm ISBN: 978-85-98271-28-4 1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

CDD B869.1


NOTA INTRODUCTORIA

Desde que fiquei cego, os annos 9 teem sido marcantes na minha producção. Em 1999 comecei a sonnettizar a carreira poetica, num phrenesi que só parou em 2012 porque, antes de completar o sexto milhar, decidi interromper o vicio. Em 2009 comecei a reorthographar toda a obra para voltar à escripta classica que practiquei nos annos septenta, e agora meu diccionario orthographico é trabalho consolidado. Em 2019 comecei a versejar em diversos formatos estrophicos e rhymaticos, sem abrir mão do decasyllabo e da redondilha maior, e dei inicio a nova sequencia catalographica a partir do poema 0001, quando, em meio a madrigaes, rhapsodias, oitavas e terças rhymas, incorporei a ode entre os experimentalismos. Uma selecção de quarenta poemas dessa proposta esthetica deu contehudo ao presente volume, accrescido de dez “balladas”, que tambem desempenham papel de ode. Considerando que a ode não tem molde fixo como o sonnetto ou o haikai (estes tambem passiveis de innovação), empreguei os mais variados eschemas de composição, excepto o versilibrismo à maneira de Pessoa, o qual, entretanto, nunca deixa de ser referencia. Outras referencias são facilmente perceptiveis, como Dante, Camões, Bocage, Gregorio ou Drummond, sem fallar nos indefectiveis Sade e Masoch, que extrapolam a poesia, a litteratura e a propria philosophia.



ODE AO AEDO [0033] Alguem pode ignorar si foi amado. Bastante é que um amante ame em segredo. Nem sempre satisfiz minha libido si alguem me está fodendo ou si alguem fodo. Amor pode ser cego, surdo ou mudo. Nem sempre é o melhor verso o mais agudo. Mais alto é um canto grave, mas nem todo. Às vezes mais aggrido sem ruido. Mudez coragem pode ser, ou medo. Um grito não ouvido é mudo brado. Surdez é como ouvir somente um lado. Cegueira é si erro vejo mas não cedo. Não li si só decoro o que foi lido. Mais rico, mais se affunda alguem no lodo si lucro só procura sempre em tudo. Utopico sou quando ja me illudo achando que alguem pode, sem engodo, entrar para a politica, partido fundar e se eleger. Enganno ledo! Pragmatico sou della si me evado! Perguntam-me si quero ser lembrado mais como um menestrel ou um aedo, um bardo, um trovador, mas não duvido que o verso, seja ao lyrico ou rhapsodo, só vale como espada, não escudo. 9


Humor, parodia, satyra, desnudo principio teem: eu mesmo ponho appodo, num cego que perdeu, de alguem “fodido”. Assim posso apponctar a Deus o dedo e ao mundo que creou, o desgraçado!

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ODE NAUSEABUNDA [0039] Sentado, pensativo fico, à toa, tal como Otis ou Milton Nascimento, tambem philosophando, qual Pessoa, à beira do caes onde estou, ao vento maritimo, ou à beira donde echoa ruido de navio: o pensamento. O mais bello horizonte que uma boa visão possa alcançar! O olhar attento poder dos transatlanticos a proa ou poppa distinguir! O movimento notar até das nuvens, me magoa não possa, a mim, caber neste momento! Mas posso viajar, ja me appregoa Pessoa, mentalmente e, si lamento a physica cegueira, livre voa o olhar da phantasia, quando tento uns versos decorar, antes que doa o ventre constipado, o cu no assento. Ai! Quando ja concluo quasi a loa que quero dedicar a algum evento feliz, a um thema ameno, me resoa o rhoncho intestinal, um flatulento fedor pollue a brisa que a canoa da lyra me arejava, e me appoquento! 11


Emquanto cago, finjo que caçoa de mim meu inimigo mais cruento, que é elle quem me caga, quem me zoa da cara enlameada, que me aguento debaixo do seu rego, até que roa, como osso duro, o troço fedorento! Deliro nesse quadro que se excoa aos poucos da visão, voltando ao lento compasso peristaltico. Destoa o surto do que agora, somnolento, figuro. Ja o tuphão uma garoa virou. Estou tranquillo, cem por cento. A atroz constipação sempre me enjoa durante este descharte tão nojento das fezes. Todavia, quem remoa seus odios e exorcize um violento impulso se refaz, como um Pessoa, um Redding, ou um Milton Nascimento.

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ODE TRIUMPHAL [0046] A scena foi fiel ao que relata a grande midia, quando não a dicta historia scientifica. Na data da guerra, koreano casal grita, supplica, pede para que não batta em ambos o soldado que se irrita. Debalde, si o nipponico os maltracta e os leva até detraz duma guarita. Appenas a mulher iria, mas consente o japonez que seu marido va juncto. Sim, terão ambos, por traz dos muros do quartel, logo servido à tropa como escravos. Ella faz chupeta no capricho e divertido serviço faz seu homem: dum rapaz qualquer lambe o cothurno, bem lambido. Destinam um quartinho à fellatriz, que attende à soldadesca no privado. Em publico, o “engraxate” seus servis deveres exercita. Si um soldado entrar para foder, outro, feliz, à porta fica. Filmam-no sentado num banco, emquanto ao velho ordena e diz que lamba, koreano desgraçado! 13


Ao joven japonez, o koreano maduro faz papel dum inimigo vencido a ser zoado! Desde o cano até o solado gasto, bem consigo suppor como o coitado lambe e irmano a minha lingua à delle no castigo difficil de cumprir! Paresce um panno de chão, esse linguão! Sei o que digo! “Mulheres de comforto” dictas são as mães, irmans, esposas que papel farão de putas para que o tesão do raso soldadinho saiba a mel. Mas “homem de comforto” não é tão commum de se encontrar. Serve elle, ao bel prazer do folgazão, como um truão, especie de palhaço do quartel. O macho deshonrado foi actor dum filme bem veridico que vi. Chupou, sua mulher, dum oppressor freguez, o sujo pau, bebeu xixi, até. Mas o marido sentiu dor maior, no seu orgulho, si o gury que accaba de fodel-a agora for fazel-o de engraxate e lhe sorri... 14


ODE AO PODIO [0051] Segundo logar? Nada representa! Primeiro elle é dos ultimos, dizia um desses campeões quaesquer, um penta. Não era a phrase olympica, na fria e logica noção de quem compete com azes. Competir, porem, urgia! Si a um “second to none” urge que se vete qualquer “fair play” na vida, que se pode dizer de quem terceiro é na manchette? Nas lettras ou no esporte, faz bigode, cabello e barba alguem que premios ganha. Quem bronze receber é quem se fode. Até no Jaboty não é tamanha a fama do terceiro, muito embora estar entre dez fosse uma façanha. Eu mesmo fui terceiro, ja: de fora fiquei até da photo. Nem carona na volta descollei àquella hora. Serviu-me de licção. Quem ambiciona trophéus e para titulos, só, liga accaba accommodado na poltrona. 15


Agora dou banana, faço figa e fujo de concursos. Sei que venço aquelles em que ponctos nem consiga. Nem sempre a toda gloria sou infenso, comtudo, pois honrou-me esse diploma que, em quinze, recebi dum clube immenso. Sou membro, ja, da ACLAME, que me somma aos bardos nordestinos, pois pertence aos quadros della alguem que me renoma. Naquelle pantheão canindeense não sou primus nem tertius, mas me assenta tal posto ao sol em solo cearense.

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ODE AO DESAMPARO [0052] Por medo da represa, se evacua, inteiro, um logarejo. Si rompida, inunda cada casa, cada rua. O povo sae às pressas. Deixa a vida diaria para traz. Algum abrigo encontram num albergue que os convida. Mas vejam só que pena! Nem consigo crer nisso! Um animal que pesa mais de quinze kilos fica de castigo! Não pode ir com os donos, ou os “paes”, siquer um basset hound de trinta e trez kilinhos! Quem será que ouve seus ais? Só pode ser um cego, que vocês suppõem quem seja. Alguem traz o cachorro à sua casa, alem de outros bassets. Pequenos cães e gattos teem soccorro appenas pelo peso? Que injustiça! Por todos eu de amores aqui morro! Mas deixe estar! Provado que inteiriça esteja a tal represa, ter regresso às casas o povão logo cobiça! 17


De volta a cria querem? Pois impeço que levem o basset, que é meu, agora! Irei, por elle, à lucta, mas me estresso! Si os “donos” o resgatam, quem ja chora é o cego, que sozinho continua, saudoso de outro amor que foi embora...

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ODE SUPPOSITORIA [0053] Frequencia na privada, vou medil-a durante um tempo, como experimento poetico. Verei quanto vacilla meu pobre intestininho, que é tão lento. Fui hoje, terça-feira. Bem tranquilla, foi molle esta cagada, si a contento fiz tudo que, faz dias, se affunila. Deixar vou em aberto este excremento medido na folhinha. Quando a fila andar, cada cocô lhes appresento. Agora, sexta-feira, dor eu sinto e o rego um fedorento gaz exhala. Sem pressa, desapperto um pouco o cincto e deixo um cheiro fetido na salla. Peidando, a percorrer cada recincto da casa, eu ao banheiro sem bengala cheguei. Sentei no vaso. Empurro o pincto por entre as coxas. Porra! Agora a mala scismou de endurescer! Emfim o instincto venceu: minha cagada foi de gala!

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Mais cinco dias, quando me levanto do vaso, estou feliz. Fiz outra bella cagada! Mas rezei, contrito, ao sancto, sinão este constricto recto della saber nem quereria! Jesus, quanto cocô guardei la dentro! A gente appella, appella, dias tantos, mas o canto do cuco salvador só se protela! Maior, tambem, o exforço. Nem me expanto si quasi o coração sae pela goela! Caralho! Uma semana! Me consola alguem: “Fé tenha, Glauco!” Fico tonto de tanta dor, mas chega com a bolla todinha a feliz hora! Até desmonto em cyma da privada! Que saccola de merda vae sahindo! Nem lhes conto, amigos, quanta força faço! Molla paresce minha tripa! Troços compto por duzia! Mas accabo e, ja gabola, concluo o meu poema neste poncto.

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Quem disse que concluo? Mais assumpto terei, si este intestino me estrangula por mais uma semana! Lhes pergunto, então: Addeantou rezar? A bulla é falsa, a do laxante? Até presuncto passado eu quiz comer! Comtudo, gula faltou! Eis que, de novo, as mãos eu juncto em prece e... Logo, graças dou! Azula meu céu na salvação! Quando defuncto eu for, a dor no ventre, emfim, se annulla!

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ODE AO SUICIDIO [0055] Qualquer problema é grave caso tema morrer quem delle augmenta a gravidade. Peor é nada: a vida é que é o problema. Questão abro: da vida quem se evade será por desespero ou covardia? Quem tira a propria vida foi covarde? Que antithese! Não dizem, todavia, que para alguem mactar-se ter coragem é tudo de que, emfim, precisaria? Por que será que aquelles que assim agem costumam nos deixar alguma charta? Só querem nos negar que foi bobagem? Nenhuma explicação alguem que parta consegue dar àquelle que aqui fica, pois cada qual alheios ais descharta. Appenas valerá a maccabra dica si aquelle que tirar a propria vida por drama algum jamais se mortifica. Insisto neste poncto. O suicida tem sempre que ter sido um infeliz? Não pode ser alguem que nos convida? 22


Eu mesmo sou aquelle que assim diz: Nem só por ter problemas vae a gente mactar-se, pois morrer eu sempre quiz! Quiz isso quando cego totalmente fiquei, quando não tive mais amigo, ou quando de outros males fui doente. Mas quiz, tambem, agora que o castigo perpetuo que soffro perde effeito e para as trevas tanto ja nem ligo. Tambem o quiz depois de ja ter feito sonnetto por milhar, madrigal, ode, tal como neste ensejo que approveito. Ou quiz quando os componho, si me accode o lyrico lampejo, novo até, no molde ou num assumpto que incommode. Emfim, quero morrer por ter a fé de estar só de passagem nesta chata vidinha que tão má não foi nem é. Não é fanfarronice nem bravata. Fallei ja, num sonnetto sobre o thema, que só derropta a morte quem se macta. 23


ODE SUPRACONSENSUAL [0058] Pondé, theorizando, pisa num sensivel callo sadomasochista: Ninguem mais quer cegar um preto assum! Por mais que um actor sadico se vista de couro, use pesadas botas, faça papel de impiedoso, só despista! Coragem, mesmo, falta-lhe e, assim, graça perdendo vae a scena, pois ninguem batter quer mais! Caralho! Que se passa? Masocas nunca faltam, mas se tem receio das patrulhas do correcto, das queixas de “maus tractos”, nhem nhem nhem... “Baunilha” não: “Nutella”! Vae directo ao poncto o pensador que, em tom bem cru, attacca quem acceita tanto veto! Pensando bem, mandar tomar no cu nos manda a maioria! Que se doa o proximo queremos: “Eu, não! Tu!” Em summa: sempre sadica a pessoa humana foi, em sua maioria! Masocas poucos entram na canoa! 24


Então não era o caso de ser fria a nossa conclusão? Nosso desejo, na practica, viavel não seria? Foi sempre repressora, como a vejo, a nossa sociedade! Mas limite expande-se! Deixemos de ter pejo! Ainda que um IBAMA clame e grite por causa dum assum, alguem o cega e exige que o cantor divirta a elite! O sadomasochismo jamais brega será! Cruel jamais a gente deixa de ser, de rir si um Christo a cruz carrega! Portanto, o masochista que se queixa da falta de carrascos não se afflija! Achar vae no manjar a preta ameixa! Mais dia, menos dia, a rolla rija impera do mais forte e, do masoca, a aberta bocca achar vae quem lhe mija! Razão dou a Pondé, mas quem colloca seu olho num logar menos commum com chatos e caretas nem se toca! 25


ODE CONFESSIONAL [0065] Preciso confessar! Guardei segredo durante quattro decadas! Ninguem iria accreditar si, mesmo quando abri meu fetichismo, eu confessasse mais cedo. Nos septenta, com Villaça privei. Antonio Carlos, o gordão que banho não tomava, sobre o qual diziam que fedia. Eu lhe trocava a fita para a machina, battia um pappo no seu quarto. Não somente... Ganhei delle Cesario Verde, enredo de muitas bronhas. Delle foi tambem presente o diccionario Aurelio. O pando chronista gargalhava, a rubra face brilhando de suor! Quão suadaça seria a sua sola? Meu tesão trahiu-me e me propuz a ser pedal callista delle. Minha lingua escrava lavava o vão dos dedos, se mettia por entre o que salgado mais se sente...

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Sujeira accumulava-se entre o dedo mindinho e seu vizinho, que o vae-vem da lingua removia. Até chupando as unhas eu fazia que ficasse mais limpa aquella fetida carcassa. De quando em vez, chamava-me elle, tão depressa retornasse ao imperial hotel, ao casarão onde morava a gente, então num Rio que phobia não tinha duma guerra permanente... Agora septentão quasi, ja cedo às minhas conjecturas de que, sem pudores, posso, até num tom mais brando, fallar de sacanagem, sem que passe appenas impressão, que às vezes passa, de ser masturbatoria perversão. Contaram-me que alguem, fallando mal do cheiro delle, escreve e lança. À fava quem falta com respeito à nostalgia que sinto do escriptor, sempre presente!

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ODE FIDEDIGNA [0095] Conhesço muito cara que é casado, tem filho, que é bom pae, que é bom marido, emprego bom tem, optimo “ordenado” (foi esse do salario um appellido), que posa de machão, jamais um lado androgyno obstentou, tendo investido na bolsa só lucrou, que num sobrado reside e que o quitou tempo faz, ido, mestrado fez e até tem doutorado, que vota mas exquesce em qual partido, que nunca achou ninguem siquer culpado, que é culto e que bons livros, só, tem lido, que tudo practicou de esporte a nado e bolla batte em time muito unido, frequenta alguma egreja e sem peccado se julga, que é saudavel na libido e nunca precisou ter confessado ao padre, ao analysta, ao mais querido amigo, nem siquer ao delegado, que nunca na suruba foi comido, que nunca no seu cu tenha tomado... Mas pelo menos uma vez -- “Decido fallar disso a você, Glauco! Cuidado, não conte p’ra ninguem, hem?” -- sem ruido, escandalo ou boato, foi chupado por homem, ou chupou, sem coagido ser, tendo loucamente se exporrado. Daquelles que negaram eu duvido. 28


ODE AUTOPROCLAMADA [0096] Ser autoproclamado presidente qualquer um pode! Aquillo que eu proclamo tão facil não consegue ser a gente! Exemplo: quando quero ser um amo escravo nenhum tenho e chupo o dedo. Si escravo sou, me frustro e em nada mammo. Si excolho um nobre titulo e concedo a mim mesmo a medalha de Marquez, dirão que outro “Divino” o foi, mais cedo. Si, desde que honraria ninguem fez ao cego sonnettista, eu mesmo a faço, dirão que esperar devo a minha vez. Si canone, no metro ou no compasso da lyra, reivindico, um despeitado qualquer no pantheão me barra o passo. Si vaga a Academia tem barrado aos cegos e pretendo uma cadeira, me poda da eleição o resultado. Recorde sonnettista, caso eu queira no Guinness conseguir, dizer ja vão que a vez não poderá ser brazileira. 29


Si quero me julgar rei do calão, dizer que, em palavrão, outro ja fode melhor a poesia, logo irão. Emfim, si nada disso um cego pode, restar me vae somente que eu sustente que pode este poema aqui ser ode!

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ODE AO KAKI CHOCOLATE [0104] Ja tive que escutar o disparate do medico que, quando lhe pedi conselho, disse: “Glauco, você tracte de doces evitar! Ja prohibi você de se fartar de chocolate, se lembra?” Me lembrei e delle ri. Nenhum sabor será, nem que eu me macte, jamais banido desta bocca aqui! Ainda respondi: “Doutor, me abbatte saber da situação, mas mimimi não faço! Exsistirá quem desaccapte tal ordem?” Mal da clinica sahi, entrei na doceria e pensei: “Latte o cão e a caravana passa!” Abri a caixa de bombons e, que um tomate maior, aquella truffa deglutti!

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ODE VITRUVIANA [0106] O pé que Leonardo desenhara teria a proporção do ser humano perfeito, em anatomica cor clara. Mas, quando deste thema a fonte explano, confundo-me em terreno controverso, com nomes que commettem grande enganno. Exemplo é o pé “romano”, sempre immerso em duvida com outro, “egypcio”, cujo dedão é mais comprido que este verso. Convicto, da polemica não fujo, nem quando o pé “quadrado” se intromette, artelhos nivelando num pé sujo. Consenso só num nome apponcta a enquete: pé “grego”, cujo dedo grande é curto e perde si, em centimetros, compete. O dedo “indicador”, no grego, eu surto si vejo que se allonga, comparado ao hallux, e a medil-o não me furto. Medil-o com a lingua, não me evado de, emphatico, dizer, ja que meu tacto será, no paladar, mais appurado. 32


Da Vinci convenceu-me e, então, constato que o pé que mais pisou na minha cara não só foi grego, como foi bem chato.

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ODE ORAL [0107] Pensar em “golden shower” só me traz à mente mais palavras que, em inglez, emprega quem “baunilha” não se diz. “Sonnetto comestivel” foi mordaz poema meu, que nosso oral marquez relia. Até pedia, feliz, bis. Alli fiz referencia ao contumaz “cock-cheese” que se juncta toda vez debaixo dos prepucios juvenis. “Sebinho” dá noção que satisfaz a poucos, mas exsiste, em portuguez, algum “queijo de picca” a quem o quiz. Tambem, quando o chulé só nos appraz viscoso ou cremosinho, mais cortez, eu acho que “toe-jam” calha ao nariz. Si queijo com geléa das mais más receitas não será, você talvez rejeite esta que enjoa aos mais gentis: beber o guaraná dalgum rapaz, comer seu chocolate, é o que, ao freguez da civica moral, menos condiz. Banquete escatologico, que em paz não deixa aquelle cynico burguez, tal pratto ja provei, como os mais vis. 34


ODE NEGATIVISTA [0109] Que sou discriminado, disso sei bastante, mas notei ser, nesta vida, mais mesmo como cego do que gay. Me negam, como cego, a merescida cadeira numa casa em que, aos quarenta collegas, incommoda que eu resida. Me nega, como cego, o que me assenta, nos canones de historia litteraria, a critica academica, avarenta. Me negam, como cego ou como paria, a minima passagem na calçada tomada pela claque partidaria. Me negam, como cego que mais nada espera dos amigos, um convite siquer para a animada churrascada. Me negam, como cego, que eu me irrite si meu logar na fila alguem occupa ou quando me degrada alguem de elite. Me negam, como cego, na garuppa até dos litterarios festivaes, espaço, si não leio nem com lupa. 35


Me negam, como cego, que meus ais escute quem prepara anthologia poetica de meros marginaes. Me nega, como cego, o que eu queria comer, salgado ou doce, esse doutor que mede minha altinha glycemia. Me nega, como cego, um só favor que eu peça, aquelle joven que chulé tem forte e nariz nelle quero pôr. Me nega, à minha cega bocca, até quem minhas cervas bebe e mija à bessa, seu proprio mijo... e timido nem é! Nos noves fora, appenas interessa que soropositivo não serei. Pudera! Me faltava só mais essa!

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ODE CLASSISTA [0110] Qualquer trabalhador da construcção em frente ao edificio onde morei ficava, nos domingos, sentadinho na porta do tapume, vendo a rua, sem nada que fazer. Eu, certa vez, voltando do passeio, o olho batti nos dedos de seu pé, numa sandalia daquellas havaianas, ja bem gasta. Fiquei maravilhado! Seu dedão, alem de ter um largo vão, notei que curto era demais, quasi ao mindinho egual em comprimento, emquanto sua bem chata sola punha-me freguez daquelle esculptural lanchão, alli no meio da calçada, que me calha no porte e do meu olho não se affasta! Em casa, masturbei-me e meu tesão se inflamma. Ja assumindo que sou gay, à rua desço. Usando de jeitinho, explico ao operario que elle actua na pelle de quem manda no burguez e obriga que eu lhe lamba, qual gury currado pela gangue mais bandalha, seu grego pé, funcção dum pederasta. 37


Authentico michê de occasião, um bicco aqui lhe arranjo e lhe paguei não só pelo pezão: pelo sebinho da rolla que chupei. Como elle sua na sola! Como fede! E como fez beber, as ordens dando, o seu xixi, aquelle rapazelho que “gentalha” será si, ao Chaves, Kiko oppõe-lhe a casta!

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ODE CIRCUMSTANCIAL [0121] Ode optimo formato pode dar, si a lyrica, de Apollo ou Dionyso, lembrar um movimento circular. Um circulo formato tem preciso si lembra a silhueta dum planeta visivel, que reflecte este em que eu piso. A Terra lembra a crença, antes, a peta que expalha quem pretende vel-a plana em vez dum porte espherico “careta”. Planura lembra campo e, ao longe, enganna a vista, si a montanha mais distante tamanho tem menor que uma cabana. Cabana lembra um bardo que, a sós, cante romanticas serestas para a lua, saudoso dum amigo ou... duma amante. Saudade lembra alguem que continua presente em nossa mente, mesmo appós a morte, sem que um outro o substitua. A morte lembra nossos paes, avós, e lembra que estaremos, qualquer dia, com elles nuns, dos Judas, cafundós. 39


O Judas lembra as botas que perdia, mas nunca a andar descalço alguem o vira e achal-as, ninguem acha, todavia. As botas lembram thema que, na lyra não entra dum poeta appaixonado, a menos que fetiches taes prefira. Paixão relembra scenas do passado, passagens duma triste meninice masoca, a depender sempre dum sado. Menino lembra alguem que, rindo, disse ao outro, que era quasi cego, ja: “Me chupa!” Natural que disso risse! Cegueira lembra alguem que perderá aquillo que, no sonho, volta: a cor. A cor lembra a politica, si é má. Perder lembra ganhar, e vencedor nos lembra alguem que cospe e tira sarro em cyma do vencido ou do eleitor. Cuspida lembra ranho, lembra excarro e excarro lembra alguem cuja sahude ruim é como a minha: nem lhes narro! 40


Sahude lembra medico, um que allude somente aos bons effeitos da dieta, embora, no que eu coma, nada mude. Comer nos lembra a mesa que, repleta de doces e salgados, me convida à gula, a ver si nada alli me affecta. Sabores lembram algo, na comida, que a torna palatavel: o tempero. Tempero algo piccante põe na vida. Pigmenta lembra a lingua, cujo exmero está na lambeção mais sensual das partes onde o cheiro é um exaggero. Olfacto lembra a practica nasal capaz de perceber quem toma banho diario, semanal, até mensal. Folhinha lembra o tempo que eu não ganho si fico sem compor algum poema e perco si dou trella a algum extranho. Conversa molle lembra quem problema nos traga, não bastasse o que ja temos. Problema lembra medo, caso eu tema. 41


O medo nos remette a nossos demos, phantasmas dos peores pesadellos, nos leva a commetter actos extremos. Terror lembra arrepio nos cabellos. Cabello lembra barba, a do vizinho, que, quando queima, allerta nossos zelos. Vizinho lembra alguem que, eu ja adivinho, barulho faz. Fez barba, faz bigode. Bem alto, toca funk em rollezinho! A musica nos lembra alguem que pode pôr lettra sobre as notas ou cantar, appenas por escripto, o que é, pois, ode.

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ODE DICTATORIAL [0140] Soffrendo de transtorno bipolar, um cara que eu respeito me contava estar mais revoltado do que um cego com tanta intolerancia de terceiros aos mais deficientes. Se declara, agora, vingativo defensor de rigidos regimes, onde alguem que tenha de informante a profissão poder para “entregar” terá, quem quer que, ousado, o desrespeite pela rua. Indago si capaz é de “entregar” a puta que não chupe como escrava, que a sola não lhe lamba. Eu, que não nego serviço desse typo aos verdadeiros e sadicos amigos, dou a cara a tapa ao perguntar: “Mas e si eu for um desses que, na rua, vindo vem de encontro em seu caminho e um exbarrão provoca sem pedir perdão? Si der, você me punirá? Me senta a pua?”

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Então me surprehende elle: “Logar não quero, subalterno, pois me trava desejos e caprichos! Só sossego si for o dictador! Meus prisioneiros seriam torturados! As leis, para meu gozo, eu as faria! Ao meu dispor, qualquer um estaria para, sem escrupulos, usar, pelo tesão de vel-o trabalhar como mulher, alem das que eu, na marra, prostitua!” “Até deficientes trabalhar eu faço! Os utilizo no que aggrava a sua condição: eu os emprego só como chupadores! Meus carneiros serão os loucos mansos, cuja cara e cujo cu só servem para pôr a picca, p’ra mais nada! A plebe nem iria desfructar do que só vão dispor os do meu circulo! Qualquer peão não vae agir, como eu, de lua!”

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Appós ler o que escreve esse exemplar amigo e confidente, mando à fava os ultimos pudores. Que me exfrego confesso-lhe, que exporro nos primeiros manejos do caralho, tal a tara que encarno no momento, com furor. Mais lucido que muitos que só veem o lado cor de rosa, tem noção o cara de que salva quem puder seu jeito de ser, sua mente nua.

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ODE AUTOCRITICA [0144] Puxar pela memoria requeria o facto. Eis que puxei o quanto pude. Requinctes de sadismo, no regime cubano, uns escriptores no detalhe relatam, como aquelle em que o subjeito, sabendo que irá, para trabalhar, ao campo de forçados, antes é levado frente ao publico risonho a fim de confessar o seu delicto: de idéas discordar. Reconhescendo seu “erro”, pedirá perdão ao povo, que ri da sua cara, pois aquillo em nada reduzir vae sua pena. Então eu dou palpite que riria melhor a tal platéa si a attitude do preso, mais humilde, ante seu crime, tivesse que ser. Maximo acchincalhe seria que lambesse elle, no peito e até na sola, a bota popular de cada cidadão dessa ralé. Achando ser delirio o que supponho, appenas eu commento que me excito com esse panorama tão horrendo. É quando perguntar si me commovo alguem vae, pois me informam que, ao estylo daqui, sadicos entram mesmo em scena: 46


“Mas, Glauco, isso occorreu no dia a dia da nossa dictadura! Alguem se illude com falsas negativas? Todo um time bem craque em torturar (Mas não expalhe, sinão vae dar idéa!) tinha feito que cada prisioneiro, ao implorar perdão, lambesse os tennis ou o pé descalço dum cagueta cujo sonho ter era tal prazer! Acha bonito, Glaucão, tudo o que estava accontescendo?” Respondo que, bonito, não. De novo, porem, eu lhes affirmo que tranquillo me sinto. Ter tesão ninguem condemna.

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ODE AO DEDO DURO [0145] Relatam nossos proprios torturados detalhes do papel que desempenha o typico cagueta no odioso regime militar. Em livro, o preso nos conta que informante, no paiz, jamais faltava: algum discreto moço podia ser quem ia, ao “entregar” suspeitos, convidado ser por um agente do DOI-CODI a, si quizesse, sessões presenciar. Um delles deu resposta a tal pergunta nestes termos: -- Ahi, quer assistir? Quer ver um show legal de pau de arara? Foi você que o caso dedurou. Quer assistir? -- Uau, si quero! Posso mesmo? Uau!

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Narrou o preso: Foram muito usados os methodos banaes nessa ferrenha usina de tortura. Tinha gozo maior que o dos carrascos um obeso baixote, delator dum infeliz vizinho communista. Num pau grosso ficou dependurado, com um par de fios connectados ao bumbum, ao sacco, ao penis, para rezar prece, o tal de “subversivo”. Se fodeu bonito, como achou, si nós soffrermos a curra, tal gordinho, a quem eu sou egual ao torturado, que mal vê o pé que em suas fuças insistir irá, pisando como num degrau.

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ODE AO VICIO [0149] O endocrinologista ainda diz aquillo que me falla ha annos: tenho que entrar numa dieta, abbandonar os doces, as fricturas e o sonnetto. Tambem neurologistas attenção me cobram. É preciso sahir dessas poeticas orgias. Si decido, porem, me apposentar, não m’o permitte a scena nacional, nem mesmo a vida. Assim me justifico quando alguem extranha a minha volta à poesia. Sonnettos ja não faço. Foi feliz a hora em que parei, pois o ferrenho appego ao molde é vicio, deu azar. Succede que, em logar delle, me metto de novo a versejar em profusão, agora varios moldes, sempre às pressas, me pondo a practicar. Ja resolvido está: fricturas como sem limite e vinho bebo, orando a Baccho. Olvida um vate seu officio? Não! Refem tornei-me! Viva tudo o que vicia!

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ODE ESPIRITA [0154] Meu pae foi kardecista, mas eu não segui seus passos numa só chartilha. Eclectica foi minha formação. Amigos me suggerem que partilha meu ego um basset hound, ja que rasteiro me vejo como parte da mattilha. Chulés farejo, como o perdigueiro, no pello que esse cheiro de morrinha exhala quando, entre elles, eu me exgueiro. Talvez o mysticismo explique minha estima por bassets. Devo ter sido, em outra encarnação, um dessa linha. Que sou cachorro agora não duvido, pois solas lambo, fetidas, nos mais diversos pés que excitam a libido. Treinado fui por donos de animaes em vidas que passaram. Ja se explica, portanto, que aqui lattam os meus ais. Cachorros, porem, lambem uma picca, não chupam. Si chupar tão bem eu sei, será por causa duma antiga dica. 51


Bezerro remammado todo gay se julga, mas, no caso, a fellação deriva, com certeza, da astral lei.

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ODE CEARENSE [0157] De videos pornographicos me falla, em audiodescripção, quem classifica o cego como objecto de total e oral humilhação. Um delles ja virou meu “cult movie”: o do gordinho que irruma, até a garganta, alguem que venda nos olhos tem, mas fica combinado que assim os videos mostram o subjeito, si é cego, prompto para a putaria. Vão outros indo nessa direcção. O cego um faz chupar e lamber galla pingada, appós, no piso. Em vez da picca, num outro o cego lambe colossal pé nu que o pisoteia. Lamberá, no proximo, botinas que caminho rueiro percorreram. Que se entenda por cego quem, num outro, está vendado emquanto bebe mijo, o que eu acceito mais como condição que se annuncia a quem se escravizou sob olho são.

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Então eis que me conta alguem na salla um caso verdadeiro. O cego fica parado, a mendigar, num terminal dos omnibus, na praia. Ao Ceará refere-se quem narra. Alli pertinho, alguns jovens malandros offerenda lhe fazem no trajecto: attravessado a rua tendo, o levam e proveito farão de seus trocados. Antes, ia alguem querer brincar. Que diversão! Levado para a praia, nem à balla precisam coagil-o. Sua zica começa quando, roupa sem, o tal malandro brincalhão quer que elle va rollando pela areia. Qual pezinho pisou mais em seu rosto? Então alguem da turminha quer gozar mais no coitado, cobrando-lhe boquette. Seu defeito nos olhos dá maior tesão ao guia fingido que lhe dera conducção.

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Sem roupa, sem esmollas, sem bengala, o cego chupa rolla. A gangue estica o tempo: photos battem, digital filmagem fazem. Logo se verá na rede esse espectaculo excarninho. Tirado do youtube, quem se offenda não falta com o video. Revoltado nem fico, pois senti no proprio peito os pés da molecada. Quem iria dizer que eguaes os jovens todos são?

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ODE GOYANA [0158] Um caso que, escabroso, me contou lettrado professor la de Goyaz tambem tracta do cego como objecto de sarro, curra, surra, até tortura. Foi este, embora pobre, dono duma pequena rural granja. Apposentado ja por invalidez, ficou da irman inerme dependente. A mulher tinha dois filhos, jovens sadicos que, como recreio ou brincadeira, começaram a achar no cego um optimo motivo de estupro ou pura practica nojenta. Cegado em accidente, elle ficou invalido, sem animo, das más pessoas bom refem. No seu trajecto obstaculos armavam. Queimadura causavam-lhe nos dedos quando alguma bituca de cigarro, pelo lado contrario, lhe extendiam. Mais affan achavam cada dia. Da gallinha cocô punham no rango. Cada gommo de bosta de cachorro! Mas não param ahi taes aggressões, ja que, passivo, o cego as supportava. Alguem aguenta?

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Appós tudo tomar-lhe, como sou sciente, terra, grana, a mana nas mãos deixa aquelle cego, como abjecto brinquedo, dos moleques. Quem attura tortura, attura foda. Quem resuma o caso, diz, por alto, que estuprado foi elle. Mas os jovens, admanhan, dirão que foi treinado numa linha bem sadomasochista para pomo comer, do mais amargo. Que o forçaram ao coito oral aqui nunca me exquivo de, em gozo, repetir. Mais se accrescenta? Escravo dos sobrinhos, rendeu show de scenas pornographicas, pois gaz tiveram elles para armar, sem veto moral, uns pornovideos que a censura cortou da rede. Importa que eu assuma a minha posição. Jamais me evado de dal-a. A molecada folgazan foi, como no meu caso, uma excarninha faceta social que às demais sommo. Hypocritas aquillo condemnaram, mas lavam as mãos. Eu, que não me privo do orgasmo, em ode exalto o que me tempta.

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ODE MYTHOMANIACA [0161] Mentir, todos mentimos. Não admira que exsista na folhinha aquelle dia unanime que damos à mentira. Negar, todos negamos, é mania. Politicos, si pegos em flagrante, allegam innocencia. Alguem confia? Porem, no dia a dia, quem garante que algum de nós, na practica, não mente? Vejamos uns exemplos, doradvante. Dizemos “Tá servido?” si, na frente dos outros, nós comemos. “Bom proveito!” -Respondem, mas servir-se quer a gente. “Estou incommodando?” Quem, com jeito, pergunta tem certeza que incommoda. “Magina!” respondemos, por respeito. “Foi bom, meu bem?” pergunta quem na foda fracassa. “Porra, nunca accontesceu commigo!” Outra resposta que é da moda. Peidaram. Como fede! “Não fui eu!” Alguem, ao protestar, logo se accusa. “É feio peidar!” disse o phariseu. 58


“Poetas não se inspiram! Não ha musa!” -Affirma quem transpira sem successo. Mas todo auctor fallou que sua a blusa. “Café não tomo! Só si for espresso!” Mas toma, a sós em casa, aquelle pó soluvel. Ja tomei, mas não confesso. “Eu mesma fiz!” -- “Paresce da vovó!” Assim mentem commadres entre si. O bollo de fubá foi de dar dó. Da pessima piada ninguem ri, mas fingem achar graça só sorrindo. Quem conta pensa: “Porra! Me fodi!” Do nosso bebê dizem: “Ai, que lindo!” Do proprio pensam: “Pena que não é tão lindo! Mais seria si bemvindo...” Tiraram o sapato. Que chulé! Emquanto o cego, soffrego, fareja, alli se fazem todos de Migué. Um crime, caso alguem tudinho veja, que nada viu affirma. Quando quer gabar-se da visão, ella sobeja. 59


ODE CONSEQUENTE [0169] Na bota, que tem sola de borracha, a lingua que lamber vae, como flecha se estica, sae da bocca, a poncta espicha. Quem calça a bota zomba, ri, debocha do cego, cuja lingua virou bucha. O gordo, que é baixote, a rir excracha do cego a posição. Elle desfecha commandos humilhantes, pois, sem rixa, dum cego faz escravo, que a galocha lambeu e, com os labios, chupa, puxa. Tirada a bota, appós ser baba a graxa, na chata sola o cego, que se vexa, pejado do vexame, lambe e lixa chulé de casca grossa. Alli se attocha a lingua, que mais lava que uma ducha. Ao gordo, superior que, claro, se acha, um cego meresceu levar a pecha de macho deshonrado. O algoz só picha a falta da visão e, rindo, arrocha quem beija mais sujeiras que uma bruxa.

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Só mesmo sendo cego alguem relaxa a poncto tal a lyra, que lhe fecha com aurea chave, e euphorica, a mais micha das odes, pois jamais o bardo brocha si mesmo o astral mais baixo desembucha.

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ODE KABBALISTICA [0171] O dia accorda pessimo? Bom dia! O trem descarrilhou? Diz que na linha está tudo normal a companhia! Vae mal a poesia? A culpa é minha! Quem rouba não roubou? Abusaria das leis quem condemnou? Quem ia vinha? Um jegue é professor? Philosophia lecciona? Palavrão é ladainha? Nazismo foi de esquerda? Putaria virou sermão de padre? Que gracinha! Villão virou heroe? Academia de lettras de politicos se appinha? Morreu o communismo? Viveria um Elvis ou Bin Laden agorinha? O medium negou tudo? Não confia nas midias sociaes a vovozinha? Beethoven bem ouviu sempre? Estaria fingindo o Alleijadinho? Do Caminha a charta foi apocrypha? Seria amarga a rapadura, azeda a vinha?

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Melhor duplipensar pensou quem cria prazer do masochismo? Me expezinha quem quer me elogiar e eu nem sabia? Feliz dia da falsa pegadinha!

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ODE INNUMERICA [0191] Em ode kabbalistica, por um começa a nossa formula. Depois espero que resulte em deca algum. É falso o dualismo? Por que dois extremos, ou oppostos, si trez fez um Dante, para darmos nome aos bois? Santissima Trindade? Si são trez os deuses, transformemos em theatro o templo, Baccho ouçamos duma vez! Quartettos são perfeitos? Mas si quattro quizermos, sem effeito fica o affinco e inutil esta estrophe, este obrar atro! Menor a redondilha? Si só cinco as syllabas num verso eu medir, eis que perco um decasyllabo, outro brinco! Sextilhas não são nobres? Mas teem seis versinhos os chordeis, que ja confetti merescem, si mais justas são as leis! Septilhas tambem valem? Versos septe se incluem num folheto! Foi affoito quem disse haver auctor que a compta vete! 64


Oitavas teem tom epico? Mas oito eu uso até na satyra! Me prove alguem que, em oito, é feio o gozo e o coito! Dos nove pedem prova? Ponho nove num verso, syllabando com trez pés, si quero que o formato se renove! Mas, sendo franco, optei mesmo por dez comptadas syllabinhas no commum e mero deca, desse estro ao invés!

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ODE PASTORAL [0199] Pastor eu sou! Pedir vou a Jesus que extenda seu amor e seu perdão, que a todos os irmãos conceda a luz! Jesus é piedoso! O coração tem grande e nelle cabe o pobre, o rico, os limpos e os que limpos não estão! Por isso com Jesus me identifico! Tambem sou tolerante com quem faça excolhas que reprovo ou que critico! Tolero até o politico que abbraça corruptos e ladrões! Só não tolero os gays, essa tão torpe e suja raça! Expalham peste e vicio! Como Nero não chego a ser! Porem que devam acho soffrer castigo celere e severo! Proponho que, perante o populacho, se enterre o gay, expondo só a cabeça ao nivel do terreno, aos pés dum macho! Será pisoteado! Que padesça bem, antes de morrer! Appedrejado tambem será, sim, antes que me exquesça! 66


Irmãos, vocês verão! O resultado será sensacional! Jamais seus cus darão os que me chamam de veado!

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ODE ONIRICA [0212] No sonho recorrente que tem, ella odeia cegos. Fica tão irada com minha condição, que até congela a scena que sonhou. E conta cada... Contou que, por exemplo, na calçada vem ella a correr. Corre com aquella folgada calça, Adidas no pé. Nada lhe pode estar na frente, que attropela. E estou eu, bengalando. Vem a bella, trombando, derrubando-me, irritada, chutando-me, sem pena da sequela que pode me causar cada pattada. Agora até diverte-se, eis que brada: “Ahi, ceguinho! Chora! À sancta appella!” Eu peço por favor, mas a damnada não para de chutar minha costella. Detesto o que ella conta, que revela total intolerancia. Condemnada devia ser por isso, numa cella ficar por um bom tempo, desgraçada! Faltou num pormenor tocar. A amada moçoila não correu pela viella sozinha, mas estava accompanhada do joven namorado, um magricella. 68


Occorre que o moleque refestela seu pé na minha cara alli na estrada, emquanto ella me chuta. Ja querella não faço deste caso. Ja me aggrada...

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ODE AO DIABETICO [0231] Não basta a glycemia que tu meças. Tambem os triglycerides tu deves olhar. E medições do typo dessas. Não basta dos assucares mais leves privar teu torturado paladar. De fome tu farás mil outras greves. Não basta que tu fiques sem manjar de coco com ameixa preta. Vaes sem gnocchi com almondegas ficar. Não basta que não bebas as banaes gazosas: sodas, cocas, guaranás. Nem vinho poderás beber jamais. Não basta ja sem bollos que tu vas ficar. Sem pães tambem, nessa dieta, terás que ficar. Fome passarás. Não basta que tu passes fome. Veta teu medico que peses o que ja pesaste e te imporá mais uma meta. Não basta que teu musculo, si está ja fino, se dilua até sumir. Remedio tomarás que dores dá. 70


Não basta que te tornes um fakir de magro. Que contraias pneumonia tambem tu necessitas assumir. Não basta que te internes numa fria e pobre enfermaria. Tua sorte peor vae se tornando, dia a dia. Não basta que ja proximo da morte estejas, pois dor outra vaes soffrer: a dor na consciencia, aguda, forte. Não basta que te prives do prazer. Terás que concluir que inutil era aquillo que tomaste por dever. Não basta concluir que essa severa dieta peorou a qualidade da tua vida. Assim, um pouco espera! Não era preferivel, alguem ha de dizer, correres risco mas, às pressas, fartar-te de comer o que te aggrade?

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ODE À INSOMNIA [0232] Ao velho therapeuta alguem indaga: “Doutor, estou sem somno! Que eu devia tomar para dar cabo dessa praga?” Com riso de cabivel ironia, àquella debil, timida pergunta o Flavio Gikovate respondia: “Não tome nada. Tanta coisa juncta ja temos, precisando duma droga... Ainda de mais uma a gente assumpta?” “Nem droga, nem bebida, siquer yoga. Não dorme? Pois não durma! A gente pega no somno quando, exhausto, o corpo roga...” Eu era preoccupado, na refrega travada contra a tragica vigilia, com essa privação, na phase cega. Ouvindo o Gikovate, ja não pilha meus nervos o temor de, não em claro, porem no breu, soffrer nesta armadilha. Agora, ja mais calmo, bem reparo que nunca de seis horas precisei, pois tiro meu cochilo, mesmo raro. 72


Depois do almosso, às vezes. Não é lei. Às vezes à tardinha. Posso até dormir na madrugada. Até sonhei. Sonhei, quasi morgando, com um pé pisando em minha cara, de repente. Nem sempre nosso sonho tão mau é. Sonhar que vejo cores é frequente. Difficil é voltar às trevas, quando accordo numa noite triste e quente. Insomne, estou tranquillo. Vou levando a vida assim, usando o tempo para fallar dum outro thema, mais nefando. Um somno mais profundo se compara à morte. Quando a lyra assim divaga, decide insomne e viva ser. Tomara!

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ODE AO RISO [0233] Te ris si tens tesão do typo deste, fodendo dum cegueta a bocca muda e cuja bunda ainda nem comeste. Te ris si, mendigando, pede adjuda o pobre que, outro dia, rico viste, pois viste não haver ninguem que accuda. Te ris si, pela rua, não exsiste ninguem que adjuda à pobre velha preste, pois vês que, ao se quebrar, ficou mais triste. Te ris si uma rasteira, facil, deste no joven que, alleijado, de muleta caminha, a convidar quem o moleste. Te ris si, mesmo que este não se metta comtigo, o jogas onde podre esteja a aguinha accumulada na sargeta. Te ris si, mesmo quando não te veja aquelle visual deficiente, tu cospes nelle em frente à propria egreja. Te ris si no cu fodes, finalmente, até porque na bocca ja fodeste, um cego que fodido ja se sente. 74


ODE AO IRRUMADOR [0286] Diego me provoca novamente, dizendo que, no video, o gordo fode do cego a bocca à força, bem sciente de como se engasgar o otario pode. Eu fico ouriçadissimo! Na mente bem sinto dos pentelhos no bigode o odor forte de mijo, repellente, mas preso sou nas mãos do obeso bode. Um penis só supporta, tão premente, um cego ou travesti, dizer accode à verve do Diego que, inclemente, instiga a que, na bronha, ja me açode. Só penso nisso: um cego ja se sente inerme e sem excolha. Alguem que rode com elle de joguete, de repente é feio, mau e sujo: um thema à ode.

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ODE COPROCTAL [0304] Palindromos me excitam. Um me toca: “O cu toco! Cocô cotuco!” O odor no dedo fica. Alguem, claro, se choca. Estou é nem ahi. Sou chulo auctor. Si cego ja fiquei, que perco a cor saber me basta. Aqui na minha toca trancado, algum prazer é de suppor que eu tenha, si o leitor não for boboca. Portanto, curto, quando não a coca, o coco ou outro doce de sabor guloso, o meu cocô mesmo, que, em troca, me brinda com seu typico fedor. Aquelle que boboca aqui não for na certa percebeu que quem colloca o dedo no cu cheira do Senhor a Sua melhor obra, que Elle invoca.

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ODE À SATYRIASE [0307] Palindromos propondo, um ja se gaba: “O Zé dá dez, ó!” -- falla, muito affoito. Indago-lhe: “O tio Zé dará dezoito?” O satyro tem fama alli na taba! Ignoro si Thio Zé tambem enraba ou molha só de frente seu biscoito. É facto que erecção elle tem braba, daquellas que supportam muito coito. Caralho! Tal tesão, que nunca accaba, eu sonho ter tambem, porem me admoito, sabendo que não é qualquer vagaba que quero que pernoite onde pernoito. Sem phallo onde expalhar a minha baba, às vezes sou eu mesmo que me açoito. Mas basta do Thio Zé levar biaba, que eu abro o meu cabaço e não me accoito.

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ODE À BOCCA PEQUENA [0308] Dizendo “Roda, cu de educador!” Alguem fez um palindromo que nua porá a reputação do professor que em meio a seus alumnos se insinua. Será verdade? Pode alguem suppor um mestre tão discreto, que vem sua materia leccionando com louvor, o cu vulgarizando pela rua? Duvido. Talvez seja só rumor. Algum alumno senta-lhe tal pua, quem sabe, reprovado... Mas a dor desforra quem os outros prostitua? Não posso prejulgar. Vae que, si for olhar bem direitinho, o cara actua tal como eu proprio actuo: chupador sou, mas dou sim, tambem, si estou de lua.

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ODE AO BOOTLICKING [0315] Na cara das mulheres ou dum macho, a bota rebaixando vae, a cada pisão, a condição duma coitada na cella, alli detida sem relaxo. No carcere argentino, por debaixo da sola de borracha, se degrada a lingua da detenta, até que invada a sua bocca a rolla que lhe encaixo. Suppuz-me carcereiro, mas não acho prazer algum na rolla a ser chupada por victimas daquella quartelada sangrenta, ainda quando rende excracho. Mais quero no logar dalgum muchacho estar, na phantasia desvairada, lambendo toda a bota empoeirada do guarda que me faça de capacho. Tirado sou da cella. Ja me aggacho e engattinhando chego, onde me brada que lamba, àquelle typo de folgada risada, em cuja sola a lingua racho. Regimes militares são o tacho raspado bem a fundo na surrada leitura fetichista, mas ja nada impede que retorne o mau despacho. 79


ODE À PROSODIA [0326] Questiono: O “O” tem som de “U”? O “O” que som tem? Si rapido, paresce ser inglez e illude o ouvido, como si francez “Comer suan faz suar?” fosse, tambem. “Si ca nevasse, ca se usavam skis” paresce russo, caso alguem consiga tambem rapidamente que se diga. “Ih, ó o auê ahi, ó!”, lento, diz o typico surfista que, feliz, advista pela praia a turma amiga. É tudo brincadeira que, porem, reflecte na prosodia, toda vez, aquillo que se escuta em portuguez e faz o ouvinte -- “O que?” -- perguntar -- “Hem?” As phrases desse typo são subtis questões collegiaes. Alguem se intriga com isso? Algum linguista ja se liga no lado scientifico? Juiz se faz do caso o vate e pede bis, pois isso a sua verve sempre instiga. Brincar de fallas pode o vate sem ser logico nem critico. Vocês dirão si, na cabeça do freguez, fazer philosophia ao caso vem. 80


ODE AMBULATORIAL [0333]

(para Loudon Wainwright, meu idolo no folk rock)

Ao medico vou. Elle diz: “Menino, quietinho fique, emquanto eu examino! Eu acho que não deve ser problema...” Ao medico vou. Elle diz: “Meu joven, coisinhas desse typo se removem! Não fique preoccupado! Não exprema!” Ao medico vou. Elle diz: “Moleque, melhor é que tão duro não defeque, sinão vae complicar todo o systema!” Ao medico vou. Elle diz: “Garoto, você não vae perder o seu escroto! Pensou que é fim do mundo um apostema?” Ao medico vou. Elle diz: “Pirralho, você não vae perder o seu caralho, mas nunca mais o prenda com algema!” Ao medico vou. Elle diz: “Rapaz, eu acho que você tem muito gaz ainda! Falta, aos poucos, mas não tema!” Ao medico vou. Elle diz: “Seu moço, será bem reduzido o seu almosso! Retorne à minha clinica em Moema!” 81


Ao medico vou. Elle diz: “Meu filho, vae tudo bem, não vejo um empecilho maior, mas volte, cuide desse edema!” Ao medico vou. Elle diz: “Irmão, problemas de sahude communs são! Jamais desistir, sempre foi meu lemma!” Ao medico vou. Elle diz: “Amigo, depois do seu exame é que eu me intrigo, mas jeito dá, não pense que é um dilemma!” Ao medico vou. Elle diz: “Parceiro, seu drama até que é caso costumeiro! Nenhum mal faz o leite, nem a gemma!” Ao medico vou. Elle diz: “Não, mano! Tão serio não paresce ser o damno! P’ra tudo tem a gente estratagema!” Ao medico vou. Elle diz: “Querido, Não creio que será tão dolorido! Doendo, bastará um telephonema!” Ao medico vou. Elle diz: “Meu chapa, não tema, porque desta você excappa! Motivo não será para que trema!” 82


Ao medico vou. Elle diz: “Meu caro, olhando o seu exame é que eu reparo que pode ser mais grave esse emphysema!” Ao medico vou. Elle diz: “Patrão, não fique no local passando a mão! Assim ninguem resolve um erythema!” Ao medico vou. Elle diz: “Cumpade, do caso ja advisei da gravidade! Porem contra a corrente você rema!” Ao medico vou. Elle diz: “Collega, é tanta anomalia que se pega! Nem queira saber dessa mais extrema!” Ao medico vou. Elle diz: “Você ficou chocado? Credito não dê às coisas que você vê no cinema!” Ao medico vou. Elle diz: “Senhor, provoca, sim, a droga alguma dor, mas nada que tão alto o senhor gema!” Ao medico vou. Elle diz: “Não, thio, tão grave não será, pois eu confio que nada vae furar o meu eschema!” 83


Ao medico vou. Elle diz: “Poeta, percebo que você não faz dieta! Verdade é o que contou no seu poema?” Ao medico vou. Elle diz: “Ceguinho, eu acho que não resta algum caminho mais facil neste nosso duro thema!” Ao medico vou. Elle diz assim: “Não chore! Tudo sempre tem um fim! Do corpo nada fica! A gente crema!”

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BALLADA BALDADA [0540] Rapaz bonito mesmo, de cabello bem preto, dentes brancos, sorrisão rarissimo, vestido com bom tom. Emfim, esse perfeito rapaz não foi visto por ninguem em desmazello. À noite, na boate, pede gelo no drinque e fica alli, todo chorão, mixtura de Dolores Duran com Maysa, debulhado na canção cantada ao vivo pela astral modello. Não falla com ninguem. Chega, sae, pelo espaço reservado. Faz questão de nunca abrir o jogo. Por que, ao som da dor de cotovello, fica tão na fossa? Quem será que triste fel-o? Accaba confessando, um dia, ao zelo do dono da boate. Diz, então, que sempre se frustrou por não ser bom de cama. Mas é virgem. Frustração sem base, verdadeiro pesadello. Ninguem conseguirá, jamais, trazel-o ao nivel do real. O garotão soluça, desembrulha seu bombom com gosto de licor, e todos são vidrados em seu charme e em seu appello. 85


BALLADA REBELLADA [0550] Eu tenho um amigão que não confessa os rollos e trambiques que na vida practica, descumprindo uma promessa que fez à mamãezinha tão querida. Ja velho, o garotão não larga dessa, curtindo fazer coisa prohibida. Eu tenho uma amigona que ama à bessa, que trepa p’ra caralho, que convida os mais diversos typos, sem que meça devidas consequencias, decahida, que soffra pela má vida pregressa, curtindo fazer coisa prohibida. Eu tenho um amigão que drogas toma, syntheticas, ou hervas, que ja lida com isso que, no simples idioma, tem nome de “barato”, com soffrida e longa ficha clinica, que em coma ficou, curtindo coisa prohibida. Eu tenho uma amigona que se somma àquellas fofoqueiras e, bandida, nas redes “mytha”, “lacra”, tece, embroma, destroe reputações, xinga, revida. Até fez gozação do meu glaucoma! Adora fazer coisa prohibida! 86


Eu tenho um amigão gordo, que pena por causa do seu peso, mas fornida tem sempre sua mesa, sempre plena de doces e salgados, que comida não poupa, nem com ponte de saphena, comendo tanta coisa prohibida. Conhesço muita gente que condemna a minha lyra porca, suicida, julgando com demerito uma penna que curte sujos pés e que duvida de toda auctoridade, mas serena é minha voz, por todos prohibida.

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BALLADA EMBALLADA [0560] Diversos cartunistas teem a bota pinctado como thema de servis imagens: para fora a lingua bota o fan do capitão e, mui feliz, lambendo o cothurnão, fervor denota. Que mais sobre esse assumpto o povo diz? Reynaldo, criticando o Sergio Moro, apponcta puxasaccos os mais vis, que engolem do ministro o desafforo e engraxam os sapatos do juiz usando a lingua, faltos de decoro. Que mais sobre esse assumpto o povo diz? Os crentes mais devotos da pastora lhe beijam o pezinho, pedem bis, até querem lamber, como si fora o pé do proprio Christo. Quem não quiz pagar nem viu o pé da seductora. Que mais sobre esse assumpto o povo diz? Eu proprio, nesse emballo, quiz a minha linguinha à prova pôr e questão fiz duns pés lamber de quem a mais mesquinha noção tem dos podolatras, nariz erguendo para um cego que engattinha. Que mais sobre esse assumpto o povo diz? 88


BALLADA EMBANANADA [0570] Amigo meu que, typico sacana, a todo mundo deve, bem que dorme. Sacana amigo meu, que foi em canna devendo uma pensão, tem pau enorme, mas para tudo dando uma banana. Actriz, amiga minha, que se damna tentando liberada ser, me diz. Amiga minha, actriz, diz que tem gana de estar em Hollywood e ser feliz, mas dando para tudo uma banana. Poeta amigo meu diz que se uffana das coisas do Brazil, mesmo fodido. Amigo meu, poeta, diz que grana faltou, que entrou agora pro Partido, mas para tudo dando uma banana. Eu proprio que, no verso, uma mundana imagem projectei, premios não ganho. Eu proprio que, na lingua lusitana, ganhei patente, egualo-me aos d’antanho, mas dando para tudo uma banana.

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BALLADA ACCHOCOLATADA [0580] Fizeram uma busca, minha casa inteira vasculharam, até meu barbeador electrico! O que embasa tanta arbitrariedade? Que fiz eu? Pois mexa a Lei em tudo o que lhe appraza, mas não, de chocolate, em minha loja! Ja minhas comptas vaza aquella suja imprensa, ja quebraram meu sigillo! Meu lado sem ouvir, a dicta cuja affirma que eu auctor de tudo aquillo serei, e doutras coisas, de lambuja! Até de chocolate minha loja! Por cumulo, o Senado ja advalia abrir algum inquerito! Se falla na possibilidade, qualquer dia, de, estando eu a cahir na commum valla, que casse meu mandato! Mas podia poupar de chocolate minha loja! No fundo, o que elles querem não é minha prisão, nem que eu devolva a grana toda! Só querem, na devassa mais mesquinha, tomar meu bem maior, e que eu me foda! Desejam me levar ao fim da linha, fechar de chocolate minha loja! 90


BALLADA ALLEVANTADA [0590] O technico, fallando para a midia, exhibe experiencia com bolleiro de tudo quanto é typo, os da perfidia e aquelles mais attentos ao dinheiro, mas quer, si toda meta alguem divide-a, dizer que está apponctado para cyma. O musico que, brega, faz successo saber não quer siquer de qualidade. Desdenha de mim, quando, ao menos, peço que, embora seus direitos arrecade, compense numas covers meu ingresso. Mas elle está apponctando para cyma. A typica modello que, feliz, se exhibe em toda cappa de revista, dos velhos narigudos, rindo, diz que, brochas, são facillima conquista. Mas basta, si tractamos de nariz, o della, ja apponctado para cyma. Baratos, meus michês jamais o são, pois curto os seus chulés e, só por isso, me cobram a lambida no pezão em dollar. Sendo minimo o serviço, são maximos, por causa dum pisão, seus preços, apponctados para cyma. 91


BALLADA HALLUCINADA [0600] Maluco dictador um passarinho consegue vislumbrar, expressão pura do seu antecessor. Outro excarninho tyranno um unicornio que viu jura. Um outro vê dragões si bebe vinho. O cego tem visões, mas só no sonho. A puta, ao attender o comezinho cliente, emquanto o gajo se imagina um grande garanhão, pensa: “Adivinho que, para gozar, lembra da menina novinha, a linda filha do vizinho...” O cego tem visões, mas só no sonho. Politico saphado o mau caminho percorre, da propina à corrupção, mas, vendo-se flagrado, seu dedinho apponcta para todos que lhe são collegas: “Não estou, jamais, sozinho!” O cego tem visões, mas só no sonho. Aquelle guru burro que, mesquinho, asneiras falla, alem de palavrões, affirma que chupar vae o cuzinho dum celebre esquerdista si ladrões virarem seus alumnos. Coitadinho! O cego tem visões, mas só no sonho. 92


Nas trevas, meus poemas escrevinho emquanto voa solta a phantasia. Chulé, fedor de peido, de sebinho, cheirar me faz quem grosso pau me enfia na bocca, sem cuidado nem carinho. Sim, tenho taes visões, mas só no sonho.

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BALLADA DA MOLECADA [0710] Primeiro, elles bullyingam o collega ceguinho, que chamaram de Mané. Dão gritos perto delle, com um “Pega!” simulam que um cão quasi no seu pé está, ficam a rir si elle excorrega. O cego não reage, docil é. Indaga a Deus por que seus olhos cega. Depois, passam a dar-lhe tapas por detraz, depois até lhe dão rasteira. Cahido, alguem no rosto o pé lhe pôr é facil. Lhe caçoam da cegueira, dizendo que distinguem cada cor. O cego de chorar ja fica à beira. Alguns o chamarão de Chupador. Um dia, a molecada delle quer que chupe, que a chupar caralho apprenda. O cego quer fugir, mas nem siquer dois passos dá. Por baixo na contenda, accaba adjoelhado. O que puder fará com sua bocca, até que attenda a todos e se exmere em seu mester.

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Agora, Chupador ja nem discute nem tenta fugir. Chupa alguem que mande. Não chora nem se queixa caso escute piadas dum piá, pequeno ou grande. Lembrar-se de quem delle bem desfructe irá, pois logo uns versos elle escande, cantando que levou pisão e chute.

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BALLADA EMBELLEZADA [0720] Achou ella que tinha seios meio pequenos e quiz tel-os salientes. Achou ella que tinha labio feio e fino, alem de pouco claros dentes. Achou ella que effeito pouco cheio fazia a sua bunda a seus clientes. Não era puta, diga-se, mas maga. Achou elle que estava meio calvo e quiz ter um cabello de rockeiro. Achou elle que sempre foi um alvo de bullying e quiz ver-se mais faceiro. Achou elle que estava demais alvo de pelle e quiz moreno ser inteiro. Não era gay, appenas complexado. Achou um enchimento que não tinha relevo e quiz fazer logo um implante. Usaram silicone, coitadinha, do typo que ninguem jamais garante. Fodeu-se, pois agora só definha em dores, deformada, doradvante. Diz ella: “Azar de quem barato paga!”

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Coitado! Seu implante deu errado appós ter desistido da peruca. Tambem lhe deu errado o bronzeado fajuto. Mais, então, é que elle encuca. Nem oculos escuros o coitado usar pode, que alguem logo o cotuca, dizendo que paresce ter cegado.

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BALLADA DUMA SORTE ANNUNCIADA [0730] Opposto do bonito moço, bicca levava das mulheres o subjeito, alem de não ter compta muito rica no banco. Lamentava seu defeito, mandando tudo à merda, tiriryca. Bandidos quem conhesce identifica no gajo um delles: bocca meio torta, olhar assustador, nariz que dica dá dum mammão. A barba ja nem corta, mandando tudo à merda, tiriryca. Bom cargo não consegue com tal zica, siquer como pastor, desses de egreja, e delle nem saber quer dona Chica, a dona do puteiro. Elle pragueja, mandando tudo à merda, tiriryca. Em casa, com os trastes que fabrica, ficava a resmungar e na punheta allivio tinha, à falta duma crica. Sonhava com alguem que se submetta, mandando tudo à merda, tiriryca. Até que achou um cego, que ja mica na vida. Assedio fez-lhe, foi algoz. O cego, masochista, a chupar picca treinado foi, ouviu a grossa voz mandando se foder quem cego fica. 98



SUMMARIO ODE AO AEDO [0033]...........................................9 ODE NAUSEABUNDA [0039]......................................11 ODE TRIUMPHAL [0046]........................................13 ODE AO PODIO [0051].........................................15 ODE AO DESAMPARO [0052].....................................17 ODE SUPPOSITORIA [0053].....................................19 ODE AO SUICIDIO [0055]......................................22 ODE SUPRACONSENSUAL [0058]..................................24 ODE CONFESSIONAL [0065].....................................26 ODE FIDEDIGNA [0095]........................................28 ODE AUTOPROCLAMADA [0096]...................................29 ODE AO KAKI CHOCOLATE [0104]................................31 ODE VITRUVIANA [0106].......................................32 ODE ORAL [0107].............................................34 ODE NEGATIVISTA [0109]......................................35 ODE CLASSISTA [0110]........................................37 ODE CIRCUMSTANCIAL [0121]...................................39 ODE DICTATORIAL [0140]......................................43 ODE AUTOCRITICA [0144]......................................46 ODE AO DEDO DURO [0145].....................................48 ODE AO VICIO [0149].........................................50 ODE ESPIRITA [0154].........................................51 ODE CEARENSE [0157].........................................53 ODE GOYANA [0158]...........................................56 ODE MYTHOMANIACA [0161].....................................58 ODE CONSEQUENTE [0169]......................................60 ODE KABBALISTICA [0171].....................................62 ODE INNUMERICA [0191].......................................64 ODE PASTORAL [0199].........................................66


ODE ONIRICA [0212]..........................................68 ODE AO DIABETICO [0231].....................................70 ODE À INSOMNIA [0232].......................................72 ODE AO RISO [0233]..........................................74 ODE AO IRRUMADOR [0286].....................................75 ODE COPROCTAL [0304]........................................76 ODE À SATYRIASE [0307]......................................77 ODE À BOCCA PEQUENA [0308]..................................78 ODE AO BOOTLICKING [0315]...................................79 ODE À PROSODIA [0326].......................................80 ODE AMBULATORIAL [0333].....................................81 BALLADA BALDADA [0540]......................................85 BALLADA REBELLADA [0550]....................................86 BALLADA EMBALLADA [0560]....................................88 BALLADA EMBANANADA [0570]...................................89 BALLADA ACCHOCOLATADA [0580]................................90 BALLADA ALLEVANTADA [0590]..................................91 BALLADA HALLUCINADA [0600]..................................92 BALLADA DA MOLECADA [0710]..................................94 BALLADA EMBELLEZADA [0720]..................................96 BALLADA DUMA SORTE ANNUNCIADA [0730]........................98


São Paulo Casa de Ferreiro Março de 2020




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