ANALYSES LYRICAS

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ANALYSES

L Y R I C A S

Glauco Mattoso

ANALYSES LYRICAS

São Paulo

Analyses lyricas

© Glauco Mattoso, 2025

Editoração, Diagramação e Revisão

Lucio Medeiros

Capa

Concepção: Glauco Mattoso

Execução: Lucio Medeiros

Fotografia: Akira Nishimura

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Mattoso, Glauco

ANALYSES LYRICAS / Glauco Mattoso. –– Brasil : Casa de Ferreiro, 2025. 140 Páginas

1.Poesia Brasileira I. Título.

25-1293 CDD B869.1

Índices para catálogo sistemático: 1. Poesia brasileira

NOTA INTRODUCTORIA

Costumo compor sonnettos que fazem releituras de sonnettos alheios, procedimento que baptizei de “critica syllyrica” (titulo dum livro com esse contehudo), ja que a “glosa” mattosiana se dá no mesmo molde do respectivo “motte”, no caso, o sonnetto alheio. Outros livros, nos quaes paraphraseio ou commento classicos sonnettistas vernaculos, são PATRONO MADRAGOA, PORNOSCOPIO e LABORATORIO DE PARODIAS. Aqui dou sequencia ao syllyrismo, desta vez me detendo nos oitocentistas e/ou premodernistas, entre o parnasianismo e o symbolismo: Olavo Bilac, Raymundo Correa, Alberto de Oliveira, Gustavo Teixeira, Francisca Julia, Auta de Souza, Cruz e Souza, Alphonsus de Guimaraens e Augusto dos Anjos. Mantenho o padrão decasyllabo, comquanto alguns auctores relidos practiquem o alexandrino. A perspectiva thematica, nem sempre satyrica, é subjectiva, no que se refere à cegueira e à sexualidade mattosianas. Uma obra para afficcionados do sonnetto e, naturalmente, para os appreciadores da tragicomedia poetica, sempre potencializada pelo personagem encarnado.

PREAMBULO DE “CRITICA SYLLYRICA” [5093]

Fallar de verso em prosa, quem não pode? É facil! Mas é menos usual reler uns madrigaes em madrigal, sonnettos em sonnetto, odes em ode.

Não quero que um poeta se accommode relendo os proprios versos. Mais legal é quando revisita e falla mal de alheias obras, quando os outros fode.

Não quero debochar de todo mundo, mas posso dar pisões no pé, na bunda dar uma alfinetada, ser jocundo.

Chamar de “syllyrismo” essa segunda leitura dum sonnetto, é o que eu confundo com “Bravo!” no pisão, com “Bis!” na tunda.

SONNETTO DA PIGMENTA QUE NÃO EXQUENTA [12.948]

Um’alma naufragada? Alphonsus acha que encara as trevas como quem as teme. Que pensas disso, Glauco? Sempre treme de medo quem é cego? Vae, despacha!

Vae, Glauco! Desembucha! A mim me racha o bicco (pois bem vejo) que se embleme a Morte como negra! Faço um meme, um chiste disso! Morte? E quem a tacha?

É naufrago quem vive na cegueira? Assim si fosse, Glauco, te mactavas! Não era preferivel? Ha quem queira?

Aos olhos meus, mandar deves às favas taes queixas! Hoje em dia, as pigmenteiras não seccam mais! Ha pragas bem mais bravas!

SONNETTO DO VERBO INEPTO [12.953]

Bilac achou, Glaucão, não ser bastante explicita a palavra para a tudo dar forma. Concluiu que fica mudo quem tenta, até, dos odios ser amante.

Poeta não exsiste, então, que cante um physico symptoma mais agudo ou chronico, um gostinho mais mehudo e fluido de prazer, um breve instante?

Ninguem é capaz disso? O pensamento é rapido demais? Assaz abstracta qualquer idéa para a fria lyra?

Ou elle só fez genero? O que eu tento, Glaucão, é deixar claro que se tracta de estar, ainda, lucido quem pira!

SONNETTO DO DESCONSOLO [12.963]

Bilac, em sua fama, se illudia, achando que influencias exerceu até nas multidões, mas direi eu que nunca me illudi com poesia.

Bem menos presumpçoso sou. Vazia eu acho que tem sido, neste breu, qualquer telepathia, alem do meu poder de imaginar que alguem me lia.

Serviu-lhe de consolo tal noção de estar,em toda parte, sendo lido por uma nacional população.

Em tempos de internet, eu não duvido que fosse lido. Occorre que isso não compensa a solidão duma libido.

SONNETTO

DA INDUBITABILIDADE [12.974]

Você thematizou, como o Gustavo Teixeira, aquella duvida sagrada de todos os christãos. Hoje, mais nada nos resta duvidar. Eu mesmo cravo.

Jesus mostrou, Thomé viu, creu, mas gravo na mente o que você, Glaucão, se enfada de tanto versejar: a machucada feição dos pés de Christo, sob o cravo.

Pois reza a tradição que, por um prego, foi cada pé de Christo trespassado! Eu mesmo, sem christão ser, nada nego!

Você, como Thomé, dá seu recado: Só vendo crê! Mas, como ficou cego, precisa appalpar! Seja abbençoado!

SONNETTO DA CARNAVALESCA VOCAÇÃO [12.985]

Bilac ao follião que satyriza dirige-se, tal como si estivera fallando de si mesmo. Ora, pudera! De morto se refere, então, à guisa.

Orgiacas lembranças elle frisa, de extranhos carnavaes, onde se espera achar aquelle typo de chimera mais dubia, mais subtil, mais indecisa.

Na certa, alludiu elle, depravado que fora, ao travesti phantasiado de espectro, de eskeleto dansarino…

Que tenta disfarsar esse seu lado gay, sabe-se, emfim. Ora, algum veado, na Belle Époque, esconde seu destino?

SONNETTO DOS POETAS CONFRATERNIZADOS [12.990]

De lucto, só por causa dum amor frustrado, o menestrel quer recompensa que cheira a tropical, total licença poetica. Que vale, então, suppor?

Ah, vale exaltar, Glauco, cada cor que está na natureza! A gente pensa que tudo seja adorno: matta densa, pomares, flores, passaros, calor…

Onirico, o Raymundo differente não é de nenhum bardo, convenhamos… Né, Glauco? O vate escreve egual à gente!

Amamos nós, nos versos, outros ramos e rhumos, mas as arvores teem rente raiz na mesma Terra… Ainda amamos!

SONNETTO DO FADO INACCABADO [12.991]

Chorou Auta, a penar, que tudo cessa, na vida, de exsistir. Tudo tem fim, excepto, para a gente, esse ruim destino, que não passa tão depressa…

Demoram p’ra accabar tambem, à bessa, as dores que sentimos. Eu, que vim ao mundo con glaucoma, tive, sim, terriveis sensações! Ah, não! Sem essa!

Concordo, pois, com Auta: si tem tudo um prazo de exsistencia, por que, então, mais dores no olho cego? Não me illudo…

Cegueira não é perda, appenas. Não me volta a visão, ora, mas agudo meu quadro não devia, assim, ser tão…

SONNETTO DA LUNATICIDADE [12.993]

Humilde e rastejante, pensa Alberto na amada que partiu, tão superior a elle, que é levado a presuppor a sua pequenez. Estava certo?

Nem sempre quem ja não está por perto da gente é superior. Appenas por desprezo ter sentido? Ora, si for assim, viver iremos num deserto!

Si todos que me insultam pela rua me fossem superiores, eu estava perdido! O mundo hostil nos habitua!

Pouquissimos entendem. Mente escrava só tenho para aquelles que na Lua estão commigo. Os loucos, gente brava.

SONNETTO DA MORTE ADDIADA [12.996]

Eu quero um sonnettinho, um ‘inda a mais, compor, antes que venha a morte pôr um fecho neste espasmo que, de dor, eu soffro, transformando em verso os ais.

Alberto sonnettou, com seus formaes recursos, esse espirito do auctor que, emquanto vivo, sempre está a suppor um sopro de esperança a dar signaes.

Que seja a quantidade esse signal de vida: me paresce exactamente aquillo que fazemos, mal e mal…

Mas, mesmo que, sem estro, um bardo tente dar vida a mais um dia, seu astral melhora… Até que morra, de repente.

SONNETTO

DA POEIRA ENLAMEADA [12.997]

Alphonsus, si vier a temptação, a agguarda, de joelhos, a rezar. Se sente protegido. Num altar a sua fé professa, si é christão.

Commigo, temptação alguma não encontra resistencia. Meu logar tambem é de joelhos, mas um par de botas sujas lambo, com tesão.

Alphonsus, si vier a tempestade, em reza a agguardará, pois ninguem ha de dizer que, de cahir, esteja à beira…

E, emquanto chove, estou attraz de grade, lambendo, sob as solas, algum Sade que estava a andar por sobre essa poeira…

SONNETTO DUM PRECARIO VOCABULARIO [12.998]

Buscando uma “substancia”, agora scismo que nunca haverá. Nunca a achei, relendo uns livros… Philosophicos? Entendo que sejam, antes, casos de exorcismo.

MEIN KAMPF? Quasi joga num abysmo a raça dos humanos. Outro horrendo livrão foi o de Sade, que eu não vendo, tal como um peixe, em clubes de sadismo.

Na alcova, ser philosopho mantem alguma coherencia si entendermos que goza só quem curra, à força, alguem.

Augusto usar bem soube tantos termos difficeis. Eu, na practica, porem, só sei de interjeições para fodermos.

SONNETTO DA THIA DOENTIA [12.999]

Tithia solteirona ficou. Ella em mim achava algum bello motivo que fosse de desforra. Si eu me privo de tudo que é visão, alguem se pella.

A velha se pellava. Ah! Tinha bella conversa para quando ja nem vivo eu mesmo me sentia, tão passivo estive, ja cegueta, aqui na cella…

Em Auta, a avó consolo traz às dores. Tithia ja dizia: “Aquellas cores que viste, não verás mais! Te prepara!”

“Prepara-te, rapaz! Tu, quando fores ao quincto dos infernos, dos amores irás te recordar! Até da tara!”

SONNETTO DA MUSA QUE NÃO É LUSA [13.001]

A musa da Francisca não tem nada de meiga, feminina, como aquella que, tendo predicados de donzella, será, pelos poetas, desejada.

Não, Julia da mulher não quer nem fada nem deusa. Nem que seja affavel, bella, nem mesmo uma mundana, a quem appella o bardo punheteiro, de empreitada.

A musa da Francisca, rude, grossa e rispida, paresce mais a chata figura duma mestra, a dar licções.

Com ella não ha lesbica que possa posar de sapatona. A musa macta a pau e nem perdão roga a Camões.

SONNETTO

DOS AROMAS SYMBOLISTAS [13.002]

Fragrancia extravagante, diz o Cruz e Souza do sonnetto que exsecuta. Sonnettos teem aroma? Minha lucta consiste nisso, sempre que compuz.

Calçados, meias sujas e pés nus tresandam a chulé. Ninguem discuta commigo si isso vale. Quem me chuta a cara a taes assumptos me conduz.

Resalva Cruz e Souza que, comquanto odores sejam themas, o poema ainda tem um que de sacrosancto.

Não nego, pois, por mais que eu chore e gema num ecstase carnal, esse meu pranto tributo paga à praga a cada thema.

SONNETTO DA SAUDADE QUE NÃO TEM EDADE [13.004]

Me lembro, menestrel, como si fosse agora ha pouco! Urrei o meu primeiro commando, um “Chuuupa, cego!” ao prisioneiro de guerra que peguei! Foi como um doce!

Me lembro, sim, tambem de quem me trouxe a caixa que estreei, de brigadeiro! Foi minha avó! Coitada! Ja nem cheiro sobrou dessas lembranças! Accabou-se!

Poetas se lamentam… O Gustavo se lembra da menina que beijara… Me lembro, por meu turno, dum escravo…

O filho da vizinha… Aquelle cara chupou-me, sim, na marra! Ah, mestre! Eu gravo na mente, com tesão, a scena rara!

SONNETTO DA LESBICONA VALENTONA [13.008]

Bilac idealiza a mulher forte e bruta como typica guerreira que, meio mythologica, até beira a sadica carrasca, pelo porte.

Em verso, convenhamos que supporte tem elle em muitas lendas que, na feira das musas valentonas, ja canseira deu tanta a tanto vate. Eis o recorte.

Agora ponderemos si, na cama, o Principe dos Bardos com aquella moçoila treparia, accesa a chamma…

Commigo, ca commigo, nem dou trella ao pappo de Bilac. Appenas ama tal bruxa a lesbiquinha menos bella…

SONNETTO DOS SIGNAES EXTERIORES

[13.010]

Mamãe dizia achar melhor a gente nos outros despertar pena, mas não inveja. Penso nisso, pois questão eu faço de evitar, em ouro, um dente.

Mas muita gente eu noto que, na frente dos outros, obstentando o dinheirão que ganha, deixará forte impressão de estar na boa, alegre e sorridente.

Em seu sonnetto celebre, Raymundo fallou desse tesão de se exhibir, em voga, actualmente, em todo o mundo.

Não quero me gabar de ser fakir, masoca nem estoico, mas, segundo o Sartre, só me gabo de exsistir…

SONNETTO DA ESCHOLA POETICA [13.011]

Os labios da Conchita até que, sim, podiam estar virgens duma alheia beiçola, mas de gente estava cheia a fila p’ra beijal-os… Quanto a mim…

Não, nunca dessa moça fui affim, siquer estou a fim duma de meia edade, nem de meias, si tonteia seu forte chulezinho. Não me vim.

Me venho só si, em vez dessa hespanhola descripta por Raymundo, numa sola bem mascula, grahuda, a bocca ponho…

Raymundo, no sonnetto, fez eschola, mas aulas posso dar ao rapazola que tenha pés lambiveis… no meu sonho.

SONNETTO DAS MULHERES DESDENHADAS [13.017]

Assim como condemna a Jezebel quem lendo vem a Biblia, Messalina tambem é condemnada. Alguem declina de della mal fallar, do seu papel?

Talvez tenham razão. Mas quem, fiel ao firme enrustimento, não combina com ella? Ah, sim, o Olavo, que ferina a lyra tem, hostil ao sexo bel!

Bilac explica. Nunca justifica, comtudo, por que extranha, na mulher, que exsista aquella chota, não a picca…

Sim, elle diz, em verso, o que quizer, mas sabe-se que dera muita dica accerca do homoerotico mester…

SONNETTO DO ARTISTA CONTEMPLATIVO [13.020]

Coitado do poeta, si quizer seguir, da poetiza, a bella dica de estar a divagar, como quem fica em transe, eternamente, em seu mester!

Sim, gosto da Francisca. Essa mulher bem sabe sonnettar. Não justifica, porem, seu tirocinio uma rubrica formal, parnasiana, que lhe der…

Na telha, a natureza contemplada não pode ser appenas um pretexto a cada artezanato ou pincellada…

No caso do poeta, até seu texto em prosa a seus leitores mais aggrada si está, ja, sem cabaço ou sem cabresto…

SONNETTO DA VICIOSA SOLIDÃO [13.021]

Gustavo, só por causa duma fria e negra madrugada, se lamenta na ausencia duma amada… Quem se ausenta? Alguem que do trovão o livraria?

Somente Satanaz lhe poderia valer em tal momento. Não é benta, porem, a devoção de quem sustenta a afflicta crença, a louca phantasia.

Si, em vez de lamentar da amada a falta, battesse elle phrenetica punheta, seu ego sahiria mais em alta…

O bardo, na chochota, que não metta melhor goza si Exu, na mão, exalta, depois de encher de versos a gaveta…

SONNETTO DOS CONCEITOS SYMBOLISTAS

[13.022]

Delira Cruz e Souza. Costumeiro, seu ecstase verbal aos céus se lança. Pesando os symbolismos na ballança, concordo que elle cumpre seu ropteiro.

Si estava, ao versejar, elle solteiro não posso saber. Creio que esperança teria, si sozinho, numa mansa punheta, antes dum fofo travesseiro.

Incensos? Anjos? Canticos? Que nada! Na practica, aos poetas mais aggrada dar uma alliviada no caralho…

Porem eu, quando sento na privada, idéas tenho, boas! Porra, cada sonnetto symbolista desencalho!

SONNETTO DUM SUPPOSTO GOSTO [13.025]

Não digas a ninguem -- Hem? -- ó pivete malandro, que eu almejo, no teu pé, tocar com meu beição, a lingua, até! Promette que te calas! Vae, promette!

Não digas a ninguem que eu pincto o septe si estou no meio dessa audaz ralé que estupra, até que macta, que tem fé satanica, que cobra até boquette!

Cantou Auta de Souza que é creança aquella que ella amou candidamente. Comtudo, o meu sonnetto mais advança…

Supponho um infractor, não o carente menor de rua! Alguem que não se cansa de, em minha bocca, achar buraco quente!

SONNETTO DOS BICHOS HORRIPILLANTES [13.026]

Entrou no quarto delle -- Sim, do Augusto dos Anjos -- um morcego! Mas que bicho incommodo! Porem, eu não espicho meu braço p’ra mactal-o! Só me assusto!

Dormir eu não consigo, pois a custo mantenho-me tranquillo! Nem exguicho a porra nesta noite! Faço um micho sonnetto, só! Não tenho um sonho justo!

Até pelo contrario: o pesadello que tenho é com aranha cabelluda! Nem queira algum leitor amigo tel-o!

Até que Satanaz, talvez, accuda e venha despertar-me, sinto, pelo inteiro corpo, que essa aranha gruda!

SONNETTO DOS PÉS SYMBOLIZADOS [13.029]

São pés, sim, de moleque, esses que neve jamais apparentaram. Quem lhes fica debaixo, com certeza, ah, ja supplica! Pisão não dão, taes pés, que seja leve…

Mas, caso quem pisado for eleve os olhos, vê que quem se identifica com esse molecote tem a picca ja dura, a querer gozo forte e breve…

Quem pisa, quer o pau metter em oca boccarra, que chupalo vae, mas antes quer ver lambendo solas essa bocca…

Moleque tal dois meritos, sim, juncta: Morenos pés, suados, tresandantes, alem da rolla. Alguem fará pergunta?

SONNETTO DO PASSARINHO PARNASIANO [13.030]

Aquelle passarinho que, de perto, Alberto, sempre lucido, notou, seu ninho construindo, sim, deu show de technica animal. Um ser experto.

Commigo, claro, os passaros um certo prazer teem, cruel, sadico. Si estou na rua, a bengalar, quem me cagou na testa? Alguma pomba! Agora, allerto:

Cuidado! Os passarinhos são, na lyra formal, parnasiana, só motivo de encanto, mas, na practica, confira…

Titicas lhe farão, do mais nocivo teor, que contaminam! Quem admira tão toxicos cocôs? Eu não! Me exquivo!

SONNETTO DA MOÇOILA SALTITANTE [13.031]

De novo, la vem elle, esse poeta famoso, requinctado, nos fallar accerca duma musa que, exemplar na sua bellezura, nos inquieta!

Occorre que essa linda moça affecta ser muito saltitante, num logar florido, mas que fica, si ficar, em terras européas… Nada veta!

Occorre, disso alem, que ella saltita em pés que, “microscopicos”, parescem chinezes! É Raymundo quem os cita…

Si forem de menina, que elles crescem sabemos. O poeta acha bonita a moça? Só seus pés? A mim não descem!

SONNETTO

DA PAIXÃO ECOLOGICA [13.032]

Paresce que Bilac esteve tão, nos versos, por alguem, appaixonado que fica comparando o seu estado animico ao da flora. Com razão.

Na matta (tropical, talvez, ou não) é tudo muito cyclico. Me enfado si fico descrevendo, nesse lado do mundo, cada scena de estação.

Dum homem quer Olavo fallar? Acho que sua analogia com a matta selvagem allusão faz a algum macho…

Importa, todavia, que quem batta na tecla commemore, si esse facho deu certo. O outro rapaz ja desempatta.

SONNETTO

DO BRUTALISMO MARITIMO [13.036]

Francisca Julia affan parnasiano demonstra: aos Argonautas bem dedica um celebre sonnetto. Mas me fica appenas a noção dum transe insano.

Pessoa foi mais fundo, deu mais panno p’ra manga, pois tem dica até mais rica dos mares, ao fazer ode, e não mica na hora de indicar um grande damno.

Não, Julia, num sonnetto, não teria a chance de fallar da crueldade daquelles que navegam noite e dia…

Piratas, Argonautas… Ninguem ha de justiça lhes fazer, si putaria for coisa que, em sonnetto, não aggrade…

SONNETTO DOS TRAUMAS DE INFANCIA

[13.037]

Gustavo vem, de novo, com creança mexer. Até que entendo o que elle quiz dizer: que não será, jamais, feliz emquanto tiver essa má lembrança.

Em nossa mente, sei que não se cansa Satan de se metter. Uns imbecis affirmam que dos traumas mais febris podemos nos curar. Que falla mansa!

Eu mesmo, de episodios infantis, jamais me libertei. Elles estão presentes, dos meus versos, na raiz…

Por isso não censuro um bardo, não. Gustavo recordar pode, em subtis imagens, ou até forçar a mão…

SONNETTO DA MISOGYNIA POETICA

[13.038]

Achou o Cruz e Souza morbidez demais numa mulher que elle compara à planta venenosa. Não é rara a perfida noção que ja se fez.

Si lesbica for ella, duma vez por todas, se deduz que encarna a tara maligna dessas bruxas que teem, para as lendas, a mais torpe sordidez.

Alguns bardos, de medo, morrem duma mulher, cujo retracto fazem só de modo horrorizado, que eu resuma…

Não tenho, nem do Souza, qualquer dó. Quem for, ora, misogyno, se assuma! Sinão, é bruxa até nossa vovó…

SONNETTO DUM DENSO INCENSO [13.044]

No panno branco dessa meia adeja um cheiro forte, mystico e encantado… Rapaz que tem chulé! Bemvindo seja o odor salgado desse Conga amado!

Você descalça o tennis! De bandeja nos brinda! Tudo fica embalsamado em volta! Si você seus pés areja, a gente sente um clima defumado!

E emquanto o cheiro podre em volta voa, unido aos hymnos que esta gente entoa, você somente ri das nossas dores…

Até soar paresce um triste canto, assim como, no templo, um sopro sancto… Mas creio que esse odor não é de flores…

SONNETTO DO PERDEDOR [13.045]

Eu, filho de quem, puto, me creara emquanto humano ser, de escuridão me enchi. Desde creança, pela mão dos outros, sou aquelle que se azara.

Meu signo males rende, está na cara. Soffri de mil molestias, que me são extranhas, mysteriosas. Reacção nojenta causo, contra a minha tara.

Um cego, hoje, equivale ao verme immundo. Ninguem o guiará, ja que, segundo Augusto, nos salvar não ha quem queira…

Pudessem, furariam novamente meus olhos, e riria aquella gente às custas da satanica cegueira…

SONNETTO DUM ANJO DO SENHOR [13.046]

Abertas pernas. Tennis descalçado. Meu Deus, que puta aroma agora sinto! Quem dera que eu chegasse mais ao lado do gajo que tresanda no recincto!

Tem cara adolescente? Tem retincto tom nessa pelle joven? Encantado fiquei. Vou descrevel-o, si não minto, tal como um pivetão, um favellado.

Mas, caso conseguisse eu me chegar àquelles pés suados, meu azar indica que elle nem me notaria…

Notasse, pousaria o calcanhar na minha bengalinha, para achar gracejo em meu rastejo pela via…

SONNETTO DO CANNIBALISMO ENTRE NAUFRAGOS [13.047]

Não é de aguas appenas e de ventos, no rude som, formada a voz do Oceano. Clamor ouço, que é como um brado humano, egual, nos cemeterios, aos lamentos.

São naufragos que emittem taes accentos dolentes, esse aiar constante e insano que escuto, em pesadello, sob o panno da cama, a suppor corpos violentos.

Piratas mencionou Pessoa. Agora Alberto nos menciona, numa praia, alguns sobreviventes, ja com fome…

Quem pode, se defende e ja devora aquelle que é mais fracco. Que me caia na bocca alguma picca! Tenho fome!

SONNETTO HIPPICO ATYPICO [13.058]

Em gruppo, dansa nua, agil, arisca. Provoca a companheira, brinca, lucta. Risada dando, gosta da disputa. Gostei dessa centaura da Francisca.

Com Hercules não brinca: nem arrisca entrar, mesmo que em gruppo, numa bruta pelleja. Minha penna nem refuta taes scenas. Da Francisca vem mais isca:

Será que essas centauras, entre si, não transam com total selvageria? Pensando nesse lance estou aqui…

Si trepam, tambem trepam, em orgia egual, esses centauros machos… Ri você? Paus de cavallos chuparia?

SONNETTO DA AVENIDA FEDIDA

[13.059]

Muraram, na avenida aqui, que beira o lado opposto deste quarteirão, aquelle condominio que o povão chamou de “fechadão”, por brincadeira.

Um muro fez Alberto de Oliveira compor bello sonnetto, mas eu não comparo, não, pois este ficou tão pichado, tão mijado, que mal cheira.

Queriam que tivesse trepadeira, tijolos vermelhinhos, uma larga entrada para carros, bem maneira…

Virou foi um mictorio, uma descarga de lixo. Resta, appós sahir a feira, aquella fedentina azeda, amarga.

SONNETTO DO OLHAR SATANICO [13.060]

Olhar de monge em longa penitencia nem digo que este seja. Ja azulados, meus olhos da cegueira teem essencia, depois que ja paguei tantos peccados.

Quaes mundos? Quaes infernos? Que exsistencia meresce quem é cego? Quaes recados me passa a divindade? Ninguem vence a vontade desses deuses tão malvados.

Será que como cego resuscita alguem que, nesta vida, tem ja mortas retinas? Mas que sadico prazer!

Só pode ser Satan quem tudo dicta, quem abre, do seu quente clima, as portas a todos que ‘inda teimam em viver.

SONNETTO DA CUCA FUNDIDA [13.061]

Idéas tem Augusto. Cada puta idéa! Algumas meio nebulosas, admitto, mas são outras mysteriosas e exhibem fascinante cuca astuta.

Augusto nos enfia, à força bruta, aquillo na cabeça. Nem de rosas nos falla, nem de estrellas. São nervosas as suas reacções, mas nunca chuta.

Seu cerebro horroroso se restringe às scenas infernaes. Como uma esphinge, occulta a face quantica da physica.

Mas minha mente entende que, na marra, quem fode esta poetica boccarra nem liga si estou numa phase critica.

SONNETTO DA CREANÇADA ALEGRE [13.062]

Festeja quem me vem, na sua edade, impando de tesão, feliz da vida, podendo fazer tudo que decida, até satisfazer sua maldade!

Coitado de mim, cego, pois quem ha de meu lado defender de quem convida a turma a me zoar? Está cahida no chão minha bengala, aos pés dum Sade!

Que ludica gallera! As adventuras procuram, das mais torpes! Para tel-as, os cegos lhes são victimas seguras…

Razões para chupar serão as minhas! Você vae me forçar a ver estrellas, a menos que eu supplique, de gattinhas!

SONNETTO DO TESÃO ESCULPTURAL [13.063]

Objectos em marfim, em ouro, em pratta que foram esculpidos por famosos artistas, me interessam. São mimosos pezinhos. Foi feliz quem os retracta.

Pezões, porem, prefiro. Cada patta de rapper, de surfista! Ja callosos, achei-os num brechó! São mais vistosos, mais rusticos, com sua sola chata!

São estes de madeira, pedra, barro, baratos materiaes. Mas mais bizarro só pode ser aquelle que me pisa…

Mais osso do que carne tem, e cheira mais forte que um de barro ou de madeira, si estou no chão, de lage em pedra à guisa…

SONNETTO DA VARANDA [13.064]

Conhesço, de memoria, a minha casa, depois que fiquei cego. Quantas scenas relembro! Meus encontros davam asa às taras mais crueis, menos amenas!

Agora a minha grave perda abbraza os globos oculares. Duras penas ja soffro. Mas alguem ha, que extravasa tesão, de mim a rir, tal como as hyenas.

Fui visto, de manhan, por elle. Instado, fallei que este glaucoma tem causado, ainda, fortes dores. Riu à bessa…

Manhan de sol… Porem, daquella bella visão eu me privava. Fallou: “Fella ahi, ceguinho! Chupa! Gostei dessa!”

SONNETTO DA INFLUENCIA BOCAGEANA [13.065]

Olavo leu Bocage? Das orgias do bardo se informou? Sim, evidente! Mas, quando Olavo sente esse indecente desejo de chupar, teme! Sabias?

Conhesces tu, Glaucão, essas follias do tempo de Bilac? Estás sciente das copulas anaes, do repellente fedor das hemorrhoidas, das sangrias?

Olavo se cansou da sodomia, commenta-se. Queria a fellação provar, mas em Bocage não ha disso…

Soubeste, Glauco, dessa? Certo dia, chupou o mesmo pau que, dum negão, levara no cu! Disso foi ommisso…

SONNETTO DUMA BUÇA DENTUÇA [13.066]

Adão foi bem chupado? Uma leitosa piroca penetrou a bocca de Eva? Não fallam disso os Livros. Mas a seva serpente suggeria alguma prosa.

Medito ca commigo, nesta treva, que fora a tal serpente venenosa quem fez uma chupeta bem gostosa no macho. Só depois é que Eva leva.

Maldicta, mais maldicta ainda (a saga comprova) foi a sola que, de escrava, fez Eva! A suggestão foi da serpente…

Quem leu outra versão, que, então, nos traga! O facto foi que, de Eva, a lingua lava a chata planta adamica… Sou crente!

SONNETTO DA VISÃO QUE TIVE [13.077]

Fechada a casa, ha muito ja vazia, está mal conservada. Me foi dicto que vae ser demolida. Ahi, medito em torno de quem tinha a moradia.

Amigo fui do dono, que queria um caso ter commigo. Foi finito e rapido o namoro. Tão bonito, o timido rapaz! Se foi, um dia…

Passei, à noite, pela frente dessa ruina. Alguma luz, pela janella, suppuz accesa, como uma promessa…

Um vulto luminoso se revela e então, la da janella, me arremessa um beijo, unindo os dedos… Por mim vella?

SONNETTO DO RAPAZ SONHADO [13.078]

Sahiste nessa chuva, a molhar teus pezões. Te vi pisando, nas calçadas, em tantas poças d’agua… Encharcadas ja deves ter as meias… Ai, meu Deus!

Terás que descalçar-te. Pelos meus anxeios, poderei ver as rosadas e chatas solas tuas. Mas as fadas me fogem, e de novo olho os meus breus…

No sonho, se repete essa afflicção: Sapatos tu tirando, olho os teus pés molhados e constato como são…

Jamais me entenderás, pois, ao invés de logo me pisarem, elles não se chegam! Não revelas tu quem és!

O corrego revi do parapeito da ponte. Estava assim, pelas enchentes recentes: polluido todo o leito por essas verdes fezes repellentes.

Canalizal-o querem, mas suspeito que estejam embromando nossas gentes carentes. Eleições virão? Bem feito si forem derroptados pelos crentes!

Nem todos piccaretas são… Meus sonhos confesso: que, se impondo no commando dos bairros, utilizem a agua fria…

Seremos baptizados com medonhos dejectos? Não, por Christo! Ja tomando um banho me supponho nisso, um dia…

SONNETTO DO JORDANICO CANAL [13.079]

SONNETTO DA COR DO CORSARIO [13.080]

Mar fora, vão, em busca do thesouro, os sadicos piratas, sem fronteira. É symbolo maior uma caveira naquella atroz bandeira. Querem ouro.

O lider, mais p’ra negro que p’ra louro, tem planos vingativos. Que elle queira mactar brancos refens com prazenteira risada, até que entendo: levou couro.

Açoite soffreu tanto, que sacia seu impeto feroz, na calmaria dos mares, dando boia ao tubarão…

As claras aguas tinge essa sangria sahida dum senhor que, certo dia, mantinha algum chicote bem à mão…

SONNETTO DO DESCABAÇADO NO DETALHE [13.081]

Moleques, que na minha mocidade ainda suggeriam fodelanças, agora só suggerem a saudade de quando tive edade das creanças.

Perdi precocemente a virgindade debaixo de pezões cujas andanças ficavam na peripha da cidade e cujas dansas eram rudes dansas.

Creanças eram, cujos pés, a mim, maiores paresciam. O motivo? Vi todos bem de perto. Foi assim:

Emquanto fui, das gangues, o captivo chodó, me defloraram por tintim. Por isso das lembranças não me privo…

SONNETTO DO ZEN-CYNISMO [13.082]

Ja lagrymas verti, soltei mil gritos, soluços, ais agudos, longos brados, por causa do glaucoma. Hallucinados, meus sonhos eram gritos infinitos.

Refem dos pharmaceuticos, dos ritos diarios duma bulla, até p’ra la dos quarenta, tive os olhos operados mais vezes que quaesquer desses maldictos.

Escuto muitos delles se queixando de suas afflicções. Comtudo, quando frequentam as balladas, estão bem…

Jamais me confundi com esse bando de hypocritas. Só sigo versejando por causa dessas dores. Eu, hem? Zen?

SONNETTO DO ZUMBI DESALMADO [13.083]

Não, nada de emoção, nem alma mansa naquelle meninão que, de celeste anjinho, não tem neres! Não descansa jamais esse cadaver! Fiz o teste!

Duvidas tu? Gozar-me, então, quizeste? Pois ouve, Glaucão! Quando a noite advança, do tumulo o pivete sae! Se veste de trappos e se porta qual creança!

Supplica algum abrigo ca na terra dos vivos e, si um ogro não lhe berra mais alto, chegará, de peito aberto!

Não, Glauco! O pivetão não nos faz guerra! Appenas quer trepar! Grana? Não! Erra quem pensa assim! Quer sexo, só, decerto!

SONNETTO DO POETA ENTEDIADO [13.084]

Só busca, nos pivetes e rapazes, o sebo prepucial, uma langonha gosmenta, gonorrheica! Quer peçonha, quer virus! Quer bacterias! Quer anthrazes!

Mais fome que quaesquer lobos vorazes tem elle! Com dejectos, até, sonha! Coprophago, sim! Caso se disponha, carniça come! Idéa tu nem fazes!

Paresce esse leproso que põe medos nos jovens puritanos, arremedos de crentes, de evangelicos em prece!

Não, Glauco! Tal monstrengo, tarde ou cedo, irá se entediar do triste enredo dos versos! Desses musos, breve, exquesce!

SONNETTO DOS AROMAS SUBLIMES [13.085]

Não é só luz! Calor não é, somente!

Não é poeira astral, nem pó de mico! Tampouco o que se injecte! Identifico mais coisas! Não é só, dos paus, semente!

É mais do que, na cama, a gente sente si goza, hallucinada! Nem o chico mais podre tem aroma assim tão rico!

Nem merda, ao ser cagada, ainda quente!

Alphonsus quer cantar, da sua amada, algum aroma leve, feminino, usando synesthesica chartada.

Mas, para quem adora, num menino que, pubere, tresanda forte, cada odor carnal, divino é o que imagino!

SONNETTO DA CASA ALUGADA [13.091]

A casa que foi minha, hoje é puteiro. Tem uma luz vermelha, à noite accesa. Nenhuma puta, alli, mantem-se illesa à sanha do mais bruto putanheiro.

A minha thia, assim como me inteiro, solteira ficou. Como que indefesa, cedeu a casa para a rolla tesa de cada psychopatha costumeiro.

Devia ter virado hospicio, mas tithia preferia a divertida gallera pervertida… Tanto faz!

Não, Glauco! Não, jamais em minha vida morar vou em egreja a Satanaz voltada! Ah, va você, que me convida!

SONNETTO

DO SINISTRO MOSTEIRO [13.092]

À sombra funeraria dum cypreste, Alphonsus versejou. Nada me encanta num predio que se erguera para a Sancta Egreja, sob a cupula celeste.

Não, nada. Mas ha coisa, sim, que preste naquella architectura. Mais me expanta a gothica fachada, que tem tanta torrinha ponctiaguda… Fiz o teste.

Gravuras comparei, das cathedraes maiores, com aquella construcção daqui, destas paragens tropicaes…

Appenas, em commum, a assombração que, vinda dos infernos, nossos ais deseja alimentar… Rezar? Eu, não!

SONNETTO

DO FUTURO DA HUMANIDADE [13.093]

Augusto bem suppoz, pois actuaes estudos ja demonstram que, em futuro bem proximo, seremos, num escuro planeta, como raças ancestraes.

Macacos voltaremos a ser, mais sabidos, mas tambem mais crueis. Juro que entendo sua angustia. Aquelle duro poeta adivinhou os nossos ais.

Quem fosse mais humano viraria escravo dum devasso chimpanzé ou mesmo dum gorilla… Putaria?

Sim, claro, pois teriamos até que rollas macacaes chupar… Iria algum nos enfiar, no rosto, o pé!

SONNETTO DO AZAR ALHEIO [13.094]

Glaucão, eu, quando passo pela rua, repara todo mundo que estou bem contente e, como quem dinheiro tem, risada dou, de cara alegre e nua!

Razões tenho! Visão, quem tem a sua perfeita, typo desta minha, vem andando sem tropeços! Para alguem que é cego, não dá! Tenta, mas recua!

Coitado! O cego, todo sorridente, caminha… Abbobalhado, bem à frente, nem sabe que entrará numa valleta…

Se molha, se machuca… Ah, toda a gente sorri, como sorrio, simplesmente por causa de quem tenha azares… Eta!

SONNETTO DA SATANICA PERFORMANCE [13.095]

Pinctado com aquelles bellos cornos na fronte, elle não mostra ter vetustos anninhos. Juvenis são seus contornos e traços faciaes, reaes, augustos.

Por sacros e por bacchicos adornos vestido, tem os bagos sempre justos nas calças, o pau sempre erecto. Mornos olhares abre, quando nos dá sustos.

Audaz, peralta, angelico, faz, antes de tudo, seu theatro. Para amantes das scenas infernaes, meresce bravos…

Applausos recebendo, tem rompantes de sadico carrasco. Triumphantes sorrisos dando, opprime seus escravos.

SONNETTO DUMA MUMIA EGYPCIA [13.122]

Desfila, só sorrisos aos amantes, Cleopatra, a rainha. As rollas tesas por ella lacrymejam. Quaes bellezas exhibe, essa mulher, com seus implantes?

A bunda sobresae, claro, mas, antes de tudo, uma boccarra, que princezas invejam, sorri, bella. Tem as presas ponctudas, fora as cores radiantes.

É tudo, sim, postiço. Para aquellas bichissimas figuras que conhesço, não surgem mais rainhas assim bellas…

Comtudo, taes implantes teem seu preço… Passado pouco tempo, o corpo dellas se encolhe, se eskeleta… Até no sesso!

SONNETTO DO PRECONCEITO QUE NÃO TENHO [13.123]

Francisca, sobre negros, algo pensa que deixa certas duvidas. Talvez achasse que esse escravo fosse, em vez dum homem, um primata… Ha desadvença.

Fadiga achou no gajo. Viu doença e somno preguiçoso. O que vocês diriam? Para algum tolo burguez, o negro justifica aquella crença.

Pensava-se que todo negro tinha saudade duma patria primitiva, da selva, da africana tigrezinha…

Olhavam para a sua carapinha desdem manifestando. Que saliva se gaste. Não é minha a piccuinha.

SONNETTO DO POETA CEGO [13.124]

O cego ja viaja na agonia da sua condição. Hallucinado, poeta quer tornar-se. Esse seu lado vaidoso o salvaria, todavia.

Sonnettos ja compondo, uma alegria, fugaz e doentia, lhe tem dado o officio. Quantas vezes um achado encheu aquella mente tão vazia!

De si para comsigo, devaneia accerca do universo, deste mundo tão frivolo, tão futil, tão voluvel…

Ja quasi em transe, dentro dum segundo desperta, de pau duro. Sua meia descalça. Só lhe resta aquelle effluvio…

SONNETTO DA VOLTINHA AO QUARTEIRÃO [13.125]

Sim, saio, com a minha cadellinha bassê, que “bassear” sempre deseja. Você não vem tomar uma cerveja? Sahude tem melhor quem mais caminha!

Quem gosta de bassês pára, accarinha a fofa cabecinha. Ja fareja biscoitos, a damnada! Não se peja de extranhas mãos cheirar. Ella adivinha.

De queijo um pão alguem lhe deu. Agora que está mais satisfeita, vem embora commigo. Não é, Glauco, uma gracinha?

Si está chovendo, claro que ella chora!

Só põe o seu focinho para fora da porta. Ah, que vontade que ella tinha!

[SONNETTOS ANALYSADOS]

(12.948) NAUFRAGO (Alphonsus de Guimaraens)

E temo, e temo tudo, e nem sei o que temo. Perde-se o meu olhar pelas trevas sem fim. Medonha é a escuridão do céu, de extremo a extremo…

De que noite sem luar, misero e triste, vim?

Ammedronta-me a terra, e si a contemplo, tremo. Que mysterio fatal corveja sobre mim?

E ao sentir-me no horror do chaos, como um blasphemo, Não sei por que padesço, e choro, e anxeio assim.

A saudade tirita aos meus pés: vae deixando Attraz de si a magoa e o sonho… E eu, miserando, Caminho para a morte hallucinado e só.

O naufragio, meu Deus! Sou um navio sem mastros. Como custa a minha alma a transformar-se em astros, Como este corpo custa a desfazer-se em pó!

(12.953) INANIA VERBA (Olavo Bilac)

Ah! quem ha-de exprimir, alma impotente e escrava,

O que a bocca não diz, o que a mão não escreve?

-- Ardes, sangras, pregada à tua cruz, e, em breve, Olhas, desfeito em lodo, o que te deslumbrava…

O Pensamento ferve, e é um turbilhão de lava:

A Forma, fria e espessa, é um sepulchro de neve…

E a Palavra pesada abbafa a Idéa leve,

Que, perfume e clarão, refulgia e voava.

Quem o molde achará para a expressão de tudo?

Ai! quem ha-de dizer as anxias infinitas

Do sonho? e o céu que foge à mão que se levanta?

E a ira muda? e o asco mudo? e o desespero mudo?

E as palavras de fé que nunca foram dictas?

E as confissões de amor que morrem na garganta?!

(12.963) CONSOLAÇÃO (Olavo Bilac)

Penso às vezes nos sonhos, nos amores, Que inflammei à distancia pelo espaço; Penso nas illusões do meu regaço Levadas pelo vento a alheias dores…

Penso na multidão dos soffredores, Que uma bençam tiveram do meu braço: Talvez algum repouso ao seu cansaço, Talvez ao seu deserto algumas flores…

Penso nas amizades sem raizes, Nos affectos anonymos, dispersos, Que tenho sob os céus de outros paizes…

Penso neste milagre dos meus versos: Um pouco de modestia aos mais felizes, Um pouco de bondade aos mais perversos…

(12.974)

A DUVIDA DE THOMÉ (Gustavo Teixeira)

No Cenaculo. Ao centro, evangeliza o Mestre, -- Esse que do Cedron às praias do Mar Morto Ia com os galileus, num grande sonho absorpto, Comendo o duro pão, o fructo e o mel sylvestre.

E o Justo, que penou no vortice terrestre, Resurrecto, lhes traz consolações, comforto. Ja não é mais o triste exsangue Christo do Horto, O que sangrou na cruz em uma encosta alpestre.

Thomé, que chega tarde, exclama sem respeito: -- “Eu quero pôr a mão na chaga do seu peito, Dos cravos nos signaes! Não bastam sombras vagas!”

E eis que um dia Jesus lhe mostra os pés rasgados, As mãos, o corpo… E crê! Mas bemadventurados Os que creram sem ver as sacrosanctas chagas…

(12.985) ULTIMO CARNAVAL (Olavo Bilac)

Incola de Suburra ou de Sybaris, Nasceste em saturnal; viveste, estulto, Na follia das feiras, no tumulto Dos caravansarás e dos bazares;

Morreste, em plena orgia, entre os esgares

Dos harlequins, no delirante culto:

E a saudade terás, depois sepulto, Heroe follião, dos carnavaes hilares…

Talvez, quem sabe? a cova, que te esconda, Uma noite, entre fogos-fatuos, se abra, Como uma bocca excancarada em risos:

E saltarás, pinchando, numa ronda

De espectros aos tantans, dansa maccabra

De eskeletos e lemures aos guizos…

(12.990) ULTIMO PORTO (Raymundo Correa)

Este o paiz ideal que em sonhos douro; Aqui o estro das aves me arrebatta, E em flores, cachos e festões, desapta A Natureza o virginal thesouro;

Aqui, perpetuo dia ardente e louro

Fulgura; e, na torrente e na cascata, A agua allardeia toda a sua pratta, E os laranjaes e o sol todo o seu ouro…

Aqui, de rosas e de luz tecida, Leve mortalha envolva estes destroços Do exstincto amor, que ‘inda me pesam tanto;

E a terra, a mãe commum, no fim da vida, Para a nudeza me cobrir dos ossos, Rasgue alguns palmos do seu verde manto.

(12.991) SUPPLICA (Auta de Souza)

Si tudo foge e tudo desapparesce, {desap’resce}

Si tudo cae ao vento da Desgraça,

Si a vida é o sopro que nos labios passa

Gelando o ardor da derradeira prece;

Si o sonho chora e geme e desfallesce

Dentro do coração que o amor enlaça,

Si a rosa murcha ‘inda em botão, e a graça

Da moça foge quando a edade cresce;

Si Deus transforma em sua lei tão pura

A dor das almas que o Ideal tortura

Na demencia feliz de pobres loucos…

Si a agua do rio para o oceano corre,

Si tudo cae, Senhor! por que não morre

A dor sem fim que me devora aos poucos?

(12.993) EXCELSITUDE (Alberto de Oliveira)

Chegaste onde chegar nem pode o pensamento.

Eu que te vi partir, eu me deixei sozinho

Ficar, amando ainda este chão de caminho, Onde ha pedra, onde ha serpe, o tojo, a chuva e o vento.

Prenda-me agora, mais que a terra, o firmamento; O que ‘inda ha por soffrer, soffra, a fallar baixinho

Com as estrellas; rasteje, humilhado e mesquinho, {co’as}

Aos pés de cada altar; só meu gozo e alimento

Seja a oração; deserte o mundo; hermado e triste, Viva só para a Fé, e ai! só para a Saudade; Nunca me hei-de elevar à altura a que subiste!

Nunca mais te hei-de ver! Entre nós ambos corre, A extremar-te de mim, a tua eternidade, A extremar-me de ti, tudo o que é humano e morre.

(12.996) UM CANTO AINDA (Alberto de Oliveira)

Um canto ainda, antes que a noite desça

E este sol, que é o da vida, appague e suma!

A arvore, antiga embora, ‘inda resuma {ressuma} Cheiroso balsamo, e talvez floresça.

Que importa ja me alveje na cabeça

Neve dos annos, como em cerro a bruma?

A alma me vae no canto, como a espuma

Na vaga, até que o sol desapparesça.

Ainda um canto! e va no canto a vida, Vão os meus sonhos mortos e a perdida, Morta esperança, a fluctuar dispersos…

Como cansado arbusto os ares olha,

Sem mais ver primavera, e, folha a folha, Se exfaz em folhas, eu me exfaço em versos.

(12.997) SANCTO GRAAL (Alphonsus de Guimaraens)

Si a temptação chegar, ha de achar-me rezando Na herma Thebaida do meu sonho solitario. (Miseria humana, humano vicio miserando, Não haveis de polluir as hostias no Sacrario…)

Si a tempestade vier, ha de achar-me chorando, E como dobrareis, sinos do Campanario! Subirei à montanha eleita orando, orando… (Não és tão longa assim, ladeira do Calvario!)

Si a temptação chegar, ha de achar-me de joelhos (Miseria humana, humanidade miseranda…) Maldizendo a trahição dos seus labios vermelhos.

Si a tempestade vier, e eu cahir, nesse dia Piedosamente irei pela terra em demanda De ti, ó Sancto Graal, Vaso da Eucharistia!

(12.998) AGONIA DE UM PHILOSOPHO (Augusto dos Anjos)

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto

Rig-Veda. E, ante obras taes, me não consolo…

O Inconsciente me assombra e eu nelle tolo

Com a eolica furia do harmatan inquieto!

Assisto agora à morte de um insecto!…

Ah! todos os phenomenos do solo

Parescem realizar de polo a polo

O ideal de Anaximandro de Mileto!

No hieratico areopago heterogeneo

Das idéas, percorro como um genio

Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!…

Rasgo dos mundos o vellario espesso; E em tudo, egual a Goethe, reconhesço O imperio da “substancia universal”!

(12.999) A MINHA AVÓ (Auta de Souza)

Minh’alma vae cantar, alma sagrada!

Raio de sol dos meus primeiros dias…

Gotta de luz nas regiões sombrias

De minha vida triste e amargurada.

Minh’alma vae cantar, velhinha amada!

Rio onde correm minhas alegrias…

Anjo bemdicto que me refugias

Nas tuas asas contra a signa irada!

Minh’alma vae cantar… Transforma o seio N’um cofre sancto de caricias cheio,

Para este livro todo o meu thesouro…

Eu quero vel-o, em desejada calma, No rico sanctuario de tu’alma… -- Hostia guardada num ciborio de ouro!

(13.001) MUSA IMPASSIVEL (1/2) (Francisca Julia)

(1)

Musa! um gesto siquer de dor ou de sincero

Lucto jamais te affeie o candido semblante!

Deante de um Job conserva o mesmo orgulho e deante

De um morto o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lagryma; não quero

Em tua bocca o suave e idyllico descante.

Celebra ora um phantasma angüiforme de Dante,

Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistichio d’ouro, a imagem attractiva; A rhyma cujo som, de uma harmonia crebra, Cante aos ouvidos d’alma; a estrophe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus barbaros ruidos,

Ora o aspero rumor de um calhau que se quebra, Ora o surdo rumor de marmores partidos!

(2)

Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,

Gela o sorriso ao labio e as lagrymas extanca!

Dá-me que eu va comtigo, em liberdade franca, Por esse grande espaço onde o impassivel mora.

Leva-me longe, ó Musa impassivel e branca! Longe, accyma do mundo, immensidade em fora, Onde, chammas lançando ao cortejo da aurora, O aureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.

Transporta-me de vez, numa ascensão ardente, À deliciosa paz dos Olympicos-Lares Onde os deuses pagãos vivem eternamente,

E onde, num longo olhar, eu possa ver comtigo

Passarem, attravés das brumas seculares, Os Poetas e os Heroes do grande mundo antigo.

(13.002) O

SONNETTO

(Cruz e Souza)

Nas formas voluptuosas o Sonnetto tem fascinante, calida fragrancia e as leves, langues curvas de elegancia de extravagante e morbido eskeleto.

A graça nobre e grave do quartetto recebe a original intolerancia, toda a subtil, secreta extravagancia que transborda tercetto por tercetto.

E como singular polichinello ondula, ondeia, curioso e bello, o Sonnetto, nas formas caprichosas.

As rhymas dão-lhe a purpura vetusta e na mais rara procissão augusta surge o sonho das almas dolorosas…

(13.004) SAUDADE (Gustavo Teixeira)

Quando colhi o beijo longo e doce, O seu primeiro beijo de menina, A minha alma, num ecstase, adjoelhou-se, Transfigurou-se, envolta em luz divina!

Tão linda! A mão, como si um lirio fosse, Appós o addeus, de longe, alva e franzina, Desfolhava-se em beijos… E accabou-se

Tudo entre prantos! Era minha signa.

Na luminosa quadra dos amores, De seio em seio andei colhendo flores, Mas ninguem como aquella foi querida!

Do fundo da saudade ella me accena!

O amor por essa que era tão pequena Foi o maior de toda a minha vida!

(13.008) GUERREIRA (Olavo Bilac)

É a encarnação do mal. Pulsa-lhe o peito

Hermo de amor, deserto de piedade…

Tem o olhar de uma deusa e o altivo aspeito

Das cruentas guerreiras de outra edade.

O labio ao rictus do sarcasmo affeito

Crispa-se-lhe num riso de maldade, Quando, talvez, as pompas, com despeito,

Recorda da perdida magestade.

E assim, com o seio anxioso, o porte erguido, Corada a face, a ruiva cabelleira

Sobre as amplas espaduas derramada,

Faltam-lhe appenas a sangrenta espada

Inda rubra da guerra derradeira, E o capacete de metal polido…

(13.010) MAL SECRETO (Raymundo Correa)

Si a cholera que espuma, a dor que mora N’alma, e destroe cada illusão que nasce, Tudo o que punge, tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse;

Si se pudesse, o espirito que chora, Ver attravés da mascara da face, Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, comsigo Guarda um atroz, recondito inimigo, Como invisivel chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez exsiste, Cuja ventura unica consiste Em parescer aos outros venturosa!

(13.011) CONCHITA (Raymundo Correa)

Addeus aos philtros da mulher bonita; A esse rosto hespanhol, pulchro e moreno; Ao pé que no bolero… ao pé pequeno, Pé que, aligero e celere, saltita…

Lyra do amor, que o amor não mais excita, A um silencio de morte eu te condemno; Despede-te; e um addeus, no ultimo threno, Soluça às graças da gentil Conchita:

A esses, que em ondas se levantam, seios Do mais cheiroso jambo; a esses quebrados Olhos meridionaes de ardencia cheios;

A esses labios, emfim, de nacar vivo, Virgens dos labios de outrem, mas corados Pelos beijos de um sol quente e lascivo.

(13.017) MESSALINA (Olavo Bilac)

Recordo, ao ver-te, as epochas sombrias

Do passado. Minh’alma se transporta

À Roma antiga, e da cidade morta

Dos Cesares reanima as cinzas frias;

Triclinios e vivendas luzidias

Percorre; pára de Suburra à porta,

E o confuso clamor escuta, absorpta,

Das desvairadas e febris orgias.

Ahi, num throno erecto sobre a ruina

De um povo inteiro, tendo à fronte impura

O diadema imperial de Messalina,

Vejo-te bella, estatua da loucura!

Erguendo no ar a mão nervosa e fina,

Tincta de sangue, que um punhal segura.

(13.020) A UM ARTISTA (Francisca Julia)

Mergulha o teu olhar de fino collarista

No azul: medita um pouco, e escreve; um nada quasi: Um trecho só de prosa, uma estrophe, uma phrase

Que patenteie a mão de um requinctado artista.

Escreve! Molha a penna, o leve estylo enrista!

Pincta um cantho do céu, uma nuvem de gaze

Solta, brilhante ao sol; e que a alma se te vaze

Na copia dessa luz que nos deslumbra a vista.

Escreve!… Um céu obstenta o matiz da celagem

Onde erra o sol, moroso, entre vapores brancos, Irisando, ao de leve, o verde da paizagem…

Uma ave banha ao sol o exsplendido plumacho…

Num recantho de bosque, a lamber os barrancos, Espumeja em cachões uma cachoeira embaixo…

(13.021)

HORAS NEGRAS (Gustavo Teixeira)

Noite. Na escuridão soturna do meu quarto, Penso em ti, meu amor! La fora, o furacão

Urra como um cyclope e açoita o cedro que, harto E farfalhante, agita a coppa na amplidão.

Sem illusões, da vida ha muitos annos farto, Sinto que mais me pesa agora o coração!

Cheio de angustia, à porta a fronte quasi parto Quando extoura no espaço a bomba de um trovão.

Contra a janella, em furia, investe a ventania Bramindo como um leão nas vascas da agonia, Raios battem-se em duello… Ouço lamentos… ais…

Que noite fria!… E eu só, chorando num delirio Por esse corpo em flor, mais branco do que um lirio, Que não appertarei nos braços nunca mais!

(13.022) SIDERAÇÕES (Cruz e Souza)

Para as estrellas de crystaes gelados as anxias e os desejos vão subindo, galgando azues e sideraes noivados de nuvens brancas a amplidão vestindo…

Num cortejo de canticos alados os archanjos, as citharas ferindo, passam, das vestes nos trophéus pratteados, as asas de ouro finamente abrindo…

Dos ethereos thuribulos de neve claro incenso aromal, limpido e leve, ondas nevoentas de Visões levanta…

E as anxias e os desejos infinitos vão com os archanjos formulando ritos {c’os} da Eternidade que nos Astros canta…

(13.025) CELESTE (Auta de Souza)

Eu fiz do Céu azul minha esperança

E dos astros dourados meu thesouro…

Imagina por que, doce creança, Nas noites de luar meus sonhos douro!

Adivinha, si podes, quanto é mansa

A luz que boia sob um cilio de ouro.

E como é lindo um laço azul na trança

Embalsamada de um cabello louro!

Imagina por que peço, na morte, -- Um esquife todo azul que me transporte, Longe da terra, longe dos escolhos…

Imagina por que… mas, lirio sancto!

Não digas a ninguem que eu amo tanto

A cor de teu cabello e dos teus olhos!

(13.026) O MORCEGO (Augusto dos Anjos)

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: Na bruta ardencia organica da sede, Morde-me a goela igneo e excaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…” -- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o tecto. E vejo-o ‘inda, egual a um olho, Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Exforços faço. Chego A tocal-o. Minh’alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciencia Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, elle entra Imperceptivelmente em nosso quarto!

(13.029) SONNETTO DAS MÃOS (Alphonsus de Guimaraens)

Mãos de finada, aquellas mãos de neve, De tons marfineos, de ossatura rica, Pairando no ar, num gesto brando e leve, Que paresce ordenar mas que supplica.

Erguem-se ao longe como si as eleve Alguem que ante os altares sacrifica: Mãos que consagram, mãos que partem breve, Mas cuja sombra nos meus olhos fica…

Mãos de esperança para as almas loucas, Brumosas mãos que veem brancas, distantes, Fechar ao mesmo tempo tantas boccas…

Sinto-as agora, ao luar, descendo junctas, Grandes, magoadas, pallidas, tacteantes, Cerrando os olhos das visões defunctas…

(13.030) O NINHO (Alberto de Oliveira)

O musgo mais sedoso, a usnea mais leve

Trouxe de longe o alegre passarinho, E um dia inteiro ao sol paciente esteve

Com o dextro bicco a architectar o ninho. {c’o}

Da paina os vagos floccos cor de neve

Colhe, e por dentro o alfombra com carinho; E armado, prompto emfim, suspenso, em breve, Eil-o, ballouça à beira do caminho.

E a ave sobre elle as asas multicores

Extende e sonha. Sonha que o aureo pollen

E o nectar suga às mais brilhantes flores;

Sonha… Porem, de subito, a violento

Abballo accorda. Em torno as folhas bollem…

É o vento! E o ninho lhe arrebatta o vento!

(13.031) PRIMAVERIL (Raymundo Correa)

Despertou; e eil-a ja, fresca e rosada, Na varzea em flor, que se attavia e touca

Da primavera ao bafo, e onde é ja pouca

A neve, ao sol fundida e descoalhada…

E em sua tremula, infantil risada, A bocca abrindo, patenteia, a louca, Rico escrinio de perolas da bocca.

Na pequenina concha nacarada…

Voa, as papoilas exflorando e as rosas… Passa entre os jasmineiros que se agitam, Às vezes celere e pausada às vezes…

E, sob as finas roupas vaporosas, Seus leves pés, precipites, saltitam, Pequenos, microscopicos, chinezes…

(13.032) VIA LACTEA, IV (Olavo Bilac)

Como a floresta secular, sombria, Virgem do passo humano e do machado, Onde appenas, horrendo, echoa o brado Do tigre, e cuja agreste ramaria

Não attravessa nunca a luz do dia, Assim tambem, da luz do amor privado, Tinhas o coração hermo e fechado, Como a floresta secular, sombria…

Hoje, entre os ramos, a canção sonora Soltam festivamente os passarinhos. Tinge o cymo das arvores a aurora…

Palpitam flores, extremescem ninhos… E o sol do amor, que não entrava outrora, Entra dourando a areia dos caminhos.

(13.036) OS ARGONAUTAS (Francisca Julia)

Mar fora, eil-os que vão, cheios de ardor insano; Os astros e o luar -- amigas sentinellas -Lançam bençans de cyma às largas caravellas Que rasgam fortemente a vastidão do oceano.

Eil-os que vão buscar noutras paragens bellas Infindos cabedaes de algum thesouro archano… E o vento austral que passa, em choleras, uffano, Faz palpitar o bojo às retesadas vellas.

Novos céus querem ver, mirificas bellezas, Querem tambem possuir thesouros e riquezas Como essas naus, que teem galhardetes e mastros…

Atteiam-lhes a febre essas minas suppostas… E, olhos fictos no vacuo, imploram, de mãos postas, A aurea bençam dos céus e a protecção dos astros…

(13.037) CORAÇÃO DEFUNCTO (Gustavo Teixeira)

Creanças virginaes de boccas perfumadas

Como os rosaes em flor, como o khoral das rosas,

Anjos de asas de arminho, humanas alvoradas

De voz de rouxinol e tranças ondulosas:

Não tenteis reviver as illusões doiradas

Do meu passado azul sepulto entre mimosas!

Dentro desta alma envolta em nevoas condensadas

Já nem um sonho agita as plumas luminosas!

Por que vindes cantar deste sepulchro às bordas

Onde só veem pousar nocturnas borboletas?

Quem logrará tanger um bandolim sem chordas?

Debalde me volveis dulcissimos olhares!

Pois neste coração, onde exfolhaes violetas,

Reina o hinverno glacial das solidões polares!

(13.038) LESBIA (Cruz e Souza)

Croton selvagem, tinhorão lascivo, planta mortal, carnivora, sangrenta, da tua carne bacchica rebenta a vermelha explosão de um sangue vivo.

Nesse labio mordente e convulsivo, ri, ri risadas de expressão violenta o Amor, tragico e triste, e passa, lenta, a morte, o espasmo gelido, afflictivo…

Lesbia nervosa, fascinante e doente, cruel e demoniaca serpente das flammejantes attracções do gozo.

Dos teus seios acidulos, amargos, fluem capros aromas e os lethargos, os opios de um luar tuberculoso…

(13.044) NUM LEQUE (Auta de Souza)

Na gaze loura deste leque adeja

Não sei que aroma mystico e encantado…

Doce morena! Abbençoado seja

O doce aroma de teu leque amado!

Quando o entreabres, a sorrir, na Egreja,

O templo inteiro fica embalsamado…

Até minh’alma carinhosa o beija,

Como a toalha de um altar sagrado.

E emquanto o aroma inebriante voa, Unido aos hymnos que, no khoro, entoa

A voz de um orgam soluçando dores,

Só me paresce que o choroso canto

Sobe da gaze de teu leque sancto,

Cheio de luz e de perfume e flores!

(13.045) PSYCHOLOGIA DE UM VENCIDO (Augusto

Eu, filho do carbono e do ammoniaco, Monstro de escuridão e rutilancia, Soffro, desde a epigenese da infancia, A influencia má dos signos do zodiaco.

Profundissimamente hypochondriaco, Este ambiente me causa repugnancia… Sobe-me à bocca uma anxia analoga à anxia Que se excappa da bocca de um cardiaco.

Ja o verme -- este operario das ruinas -Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a expreitar meus olhos para roel-os, E ha de deixar-me appenas os cabellos, Na frialdade inorganica da terra!

dos Anjos)

(13.046) SONNETTO DO MANTO (Alphonsus de Guimaraens)

Braços abertos, uma cruz… Basta isto, Meu Deus, na cova abbandonada e estreita

Onde repouse quem te for bemquisto, Corpo duma alma que te seja affeita.

É o Justo. As chagas celestiaes de Christo

Beijam-lhe mãos e pés: purpureo deita

O pobre lado traspassado o mixto

De agua e de sangue. É o Justo. Eis a alma eleita.

A coroa de espinhos irrisoria

Magoa-lhe a cabeça, e pelas costas

Cae-lhe o manto dos reis em plena gloria…

Gloria de excarneo o manto extraordinario:

Mas quem me dera um dia, de mãos postas,

Nelle envolver-me como num sudario!

(13.047)

O CHORO DAS VAGAS (Alberto de Oliveira)

Não é de aguas appenas e de ventos, No rude som, formada a voz do Oceano: Em seu clamor -- ouço um clamor humano, Em seus lamentos -- todos os lamentos.

São de naufragos mil estes accentos, Estes gemidos, este aiar insano; Aggarrados a um mastro, ou tabua ou panno, Vejo-os varridos de tuphões violentos;

Vejo-os, na escuridão da noite, afflictos, Bracejando, ou ja mortos e de bruços, Largados das marés, em hermas praias…

Oh! que são delles estes surdos gritos, Este rumor de preces e soluços É o choro de saudade destas vagas!

(13.058) DANSA DE CENTAURAS (Francisca Julia)

Pattas deanteiras no ar, boccas livres dos freios, Nuas, em grita, em ludo, entrecruzando as lanças, Eil-as, garbosas veem, na evolução das dansas

Rudes, pompeando à luz a brancura dos seios.

A noite escuta, fulge o luar, gemem as franças; Mil centauras a rir, em luctas e torneios, Galopam livres, vão e veem, os peitos cheios

De ar, o cabello solto ao léu das auras mansas.

Empallidesce o luar, a noite cae, madruga…

A dansa hippica pára e logo attroa o espaço

O galope infernal das centauras em fuga:

É que, longe, ao clarão do luar que empallidesce,

Enorme, acceso o olhar, bravo, do heroico braço

Pendente a clava argiva, Hercules apparesce…

(13.059) O MURO (Alberto de Oliveira)

É um velho paredão, todo gretado, Ropto e negro, a que o tempo uma offerenda

Deixou num cacto em flor ensanguentado

E num pouco de musgo em cada fenda.

Serve ha muito de encerro a uma vivenda; Protegel-a e guardal-a é seu cuidado; Talvez comsigo esta missão comprehenda, Sempre em seu posto, firme e allevantado.

Horas mortas, a lua o véu desapta, E em cheio brilha; a solidão se estrella

Toda de um vago scintillar de pratta;

E o velho muro, alta a parede nua, Olha em redor, expreita a sombra, e vella, Entre os beijos e lagrymas da lua.

(13.060) SONNETTO DO OLHAR (Alphonsus de Guimaraens)

Que olhar de monja em longa penitencia

O olhar daquelles olhos macerados!

Pairava-lhe talvez na morna essencia

Uma alma carregada de peccados.

Para que mundos, para que exsistencia, Tão alem desta vida, eil-os voltados!

Ó inaccessivel, mystica dolencia

De uns olhos a sonhar outros noivados…

Voz do passado, som que resuscita!

Olhar tão cheio de palavras mortas

Daqui por certo que não pode ser…

Alma, para me ver, Alma bemdicta, Põe-te de lucto nessas duas portas

Com uma tristeza de quem vae morrer… {c’uma}

(13.061) A IDÉA (Augusto dos Anjos)

De onde ella vem?! De que materia bruta

Vem essa luz que sobre as nebulosas

Cae de incognitas cryptas mysteriosas

Como as estalactites duma grutta?!

Vem da psychogenetica e alta lucta

Do feixe de moleculas nervosas, Que, em desintegrações maravilhosas, Delibera, e depois, quer e exsecuta!

Vem do encephalo absconso que a constringe, Chega em seguida às chordas da larynge, Phthisica, tenue, minima, rhachitica…

Quebra a força centripeta que a ammarra, Mas, de repente, e quasi morta, exbarra

No molambo da lingua paralytica!

(13.062) LYDIA (Auta de Souza)

Feliz de quem se vae na tua edade, Murmura aquelle que não crê na vida, E não pensa siquer na mãe querida Que te contempla cheia de saudade.

Pobre innocente! Se alegrar quem ha de Com tua sorte, rosa empallidescida! Branca assucena ‘inda em botão, cahida, O que irás tu fazer na eternidade?

Foges da terra em busca de venturas? Mas, meu amor, si conseguires tel-as, De certo, não será nas sepulturas.

Fica entre nós, irman das handorinhas: Deus fez do Céu a patria das estrellas, Do olhar das mães o Céu das creancinhas.

(13.063) CHRISTO DE BRONZE (Cruz e Souza)

Ó Christos de ouro, de marfim, de pratta, Christos ideaes, serenos, luminosos, ensanguentados Christos dolorosos cuja cabeça a Dor e a Luz retracta.

Ó Christos de altivez intemerata, ó Christos de metaes estrepitosos que gritam como os tigres venenosos do desejo carnal que ennerva e macta.

Christos de pedra, de madeira e barro… Ó Christo humano, esthetico, bizarro, ammortalhado nas fataes injurias…

Na rija cruz asperrima pregado canta o Christo de bronze do Peccado, ri o Christo de bronze das luxurias!…

(13.064) LAR DE

LUCTO

(Gustavo Teixeira)

Era um ninho e tornou-se um tumulo esta casa

Desde o dia em que a meiga irman das assucenas, Fazendo ouvir em torno um leve rufflo de asa, Emmudesceu, cruzando ao peito as mãos pequenas!

Embebido no Azul o olhar, que a angustia abbraza, A mãe, a pobre mãe, martyr de eternas penas, Dores, que crystalliza em lagrymas, transvasa…

Cortam-me o coração estas cruciantes scenas!

Desde que a aurora abria o frouxo cortinado

Do Oriente, ella trazia o lar illuminado

Pelo raio de sol do riso astral que tinha!

Dos lirios que plantou teceram-lhe a cappella…

Nunca mais ha de vir colher jasmins aquella

Que se foi para o Céu num voo de handorinha!

(13.065) A BOCAGE, VIA LACTEA, XXV (Olavo Bilac)

Tu, que no pego impuro das orgias

Mergulhavas anxioso e descontente, E, quando à tonna vinhas de repente, Cheias as mãos de perolas trazias;

Tu, que do amor e pelo amor vivias, E que, como de limpida nascente, Dos labios e dos olhos a torrente

Dos versos e das lagrymas vertias;

Mestre querido! viverás, emquanto

Houver quem pulse o magico instrumento, E preze a lingua que prezavas tanto:

E emquanto houver num cantho do universo

Quem ame e soffra, e amor e soffrimento

Saiba, chorando, traduzir no verso.

(13.066) LUBRICUS ANGUIS (Raymundo Correa)

Quando a Mulher perdeu a deleitosa

Paz e os jardins da habitação primeva,

Chata a cabeça ‘inda não tinha a seva

Serpente que a seus pés silva raivosa;

Mas a lingua trisulca que na treva

Fallaz vibra, é a mesma venenosa

Lingua que à luz purissima e radiosa

Do Paraiso, outrora, engannou Eva…

Bemdicta a planta da Mulher, que a exmaga!

Bemdicta! A este vil monstro, de ora advante, Ninguem mais sobre a terra desconhesça!

E elle a marca indelevel sempre traga

Do rijo calcanhar firme e possante,

Que lhe acchatou, impavido, a cabeça!

(13.077) ALMA EM FLOR, XVII (Alberto de Oliveira)

Parado o engenho, exstinctas as senzalas, Sem mais senhor, exsiste ‘inda a fazenda,

A envidraçada casa de vivenda

Entregue ao tempo com as desertas sallas. {co’as}

Si alli penetras, vês em cada fenda

Verdear o musgo e ouves, si acaso fallas, Soturnos echos e o roçar das alas

De atros morcegos em revoada horrenda.

Amam o luar, entretanto, essas ruinas. Uma noite, horas mortas, de passagem

Eu a varanda olhava, quando vejo

À janella da frente, entre cortinas

De pratta e luz, chegar saudosa imagem

E, unindo os dedos, attirar-me um beijo…

(13.078) CHUVA E SOL (Raymundo Correa)

Aggrada à vista e à phantasia aggrada

Ver-te, attravés do prisma de diamantes

Da chuva, assim ferida e attravessada

Do sol pelos venabulos radiantes…

Vaes e molhas-te, embora os pés levantes: -- Par de pombos, que a poncta delicada

Dos biccos mettem n’agua e, doidejantes, Bebem nos regos cheios das calçadas…

Vaes, e, appesar do guardachuva aberto, Borrifando-te, colmam-te as gotteiras

De perolas o manto mal coberto;

E estrellas mil cravejam-te, fagueiras, Estrellas falsas, mas que, assim de perto, Rutilam tanto, como as verdadeiras…

(13.079)

RIOS E PANTANOS (Olavo Bilac)

Muita vez houve céu dentro de um peito!

Céu coberto de estrellas resplendentes, Sobre rios alvissimos, de leito

De fina pratta e margens florescentes…

Um dia veiu, em que a descrença o aspeito

Mudou de tudo: em turbidas enchentes,

A agua um manto de lodo e trevas feito

Extendeu pelas veigas recendentes.

E a alma que os anjos de asa solta, os sonhos

E as illusões cruzaram revoando, -- Depois, na superficie horrenda e fria,

Só appresenta pantanos medonhos,

Onde, os longos sudarios arrastando,

Passa da peste a legião sombria…

(13.080) RAINHA DAS AGUAS (Francisca Julia)

Mar fora, a rir, da bocca o fulgido thesouro Mostrando, e saccudindo a farta cabelleira, Corta a planura ao mar, que se desdobra inteira, Na exguia concha azul orladurada de ouro.

Rema, à poppa, um tritão de escameo dorso louro; Vão à frente os delphins; e, marchando em fileira, Das ondas a seguir a luminosa esteira, Vão cantando, a compasso, as pierides em khoro.

Crespas, cantando em torno, as vagas, à porfia, Lambem de poppa à proa o casco à concha exguia, Que prosegue, mar fora, a infinda ropta, uffana;

E, no alto, o louro sol, que assomma, entre desmaios, Sahuda esse outro sol de coruscantes raios Que orna a cabeça real da bella soberana.

(13.081) VISÕES (Gustavo Teixeira)

Ó vós que na manhan de minha mocidade

Reduzistes a pó as minhas esperanças, Por que vindes por entre as nevoas da saudade Derramar em minh’alma o perfume das tranças?

Ó flores que trazeis o olor da virgindade

E risos matinaes em boccas de creanças, Deixae-me, emfim, em paz na minha soledade

Appascentando o meu rebanho de lembranças!…

Mas si agora vos punge a dor do louco amante Que via em vosso olhar a estrella do Levante

E ouvia uma canção em vossa ebriante voz:

Quando em breve eu fechar os olhos entre cirios, Pagae-me em bogares, chrysanthemos e lirios, As sanctas illusões que desfolhei por vós!

(13.082)

A DOR (Cruz e

Souza)

Torva Babel das lagrymas, dos gritos, dos soluços, dos ais, dos longos brados, a Dor galgou os mundos ignorados, os mais remotos, vagos infinitos.

Lembrando as religiões, lembrando os ritos, advassallara os povos condemnados, pela treva, no horror, desesperados, na convulsão de Tantalos afflictos.

Por buzinas e trompas assoprando as gerações vão todas proclamando a grande Dor aos frigidos espaços…

E assim parescem, pelos tempos mudos, raças de Prometheus titanios, rudos, Brutos e colossaes, torcendo os braços!

(13.083) MYSTERIO (Auta de Souza)

Sei que tu’alma carinhosa e mansa Voou, sorrindo, para o Azul celeste; Sei que teu corpo virginal descansa Aqui da terra n’um canthinho agreste

Tudo isto sei: mas tu não me disseste Si la no Céu, na patria da Esperança, Ou aqui no mundo, à sombra do cypreste, Deixaste o coração, loura creança!

Desceu acaso com o corpo à terra Elle tão puro e que só luz encerra? Não creio nisso e ninguém crê de certo…

Emquanto, eu scismo que, num valle ameno, Talvez o seio de um jasmim pequeno Sirva de berço ao coração de Alberto.

(13.084) O LAZARO DA PATRIA (Augusto dos Anjos)

Filho podre de antigos Goytacazes,

Em qualquer parte onde a cabeça ponha, Deixa circumferencias de peçonha, Marcas oriundas de ulceras e anthrazes.

Todos os cynocephalos vorazes

Cheiram seu corpo. À noite, quando sonha, Sente no thorax a pressão medonha

Do bruto embatte ferreo das tenazes.

Mostra aos montes e aos rigidos rochedos

A hedionda elephantiase dos dedos…

Ha um cansaço no Kosmos… Annoitesce.

Riem as meretrizes no Casino,

E o Lazaro caminha em seu destino

Para um fim que elle mesmo desconhesce!

(13.085) SONNETTO DO AROMA (Alphonsus de Guimaraens)

Nem luz de astro nem luz de flor somente: um mixto

De astro e flor. Que olhos taes e que taes labios, certo, (E só por serem seus) são muito mais do que isto…

Ella é a tulipa azul do meu sonho deserto.

Onde exsiste, não sei, mas quero crer que exsisto

No mesmo nicho astral entre luares aberto, Em que branca de luz sublime a tenha visto,

Longe daqui talvez, talvez do céu bem perto.

Ella vem, (sororal!) vibrante como um sino, Despertar-me no leito: ouro em tudo, -- na face

De anjo morto, na voz, no olhar sobredivino.

Nasce a manhan, a luz tem cheiro… Eil-a que assomma

Pelo ar subtil… Tem cheiro a luz, a manhan nasce…

Oh sonora audição colorida do aroma!

(13.091) A CASA DA RUA ABILIO (Alberto de Oliveira)

A casa que foi minha, hoje é casa de Deus. Tem no topo uma Cruz. Alli vivi com os meus, Alli nasceu meu filho, alli, na orphandade Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidade

Deixo e vou vel-a, em meio aos altos muros seus. Sae de la uma prece, elevando-se aos céus. São as freiras rezando. Entre os ferros da grade, A expreitar-lhe o interior, olha a minha saudade.

Um sussurro tambem, em sons dispersos, Ouvia não ha muito a casa. Eram meus versos. De alguns, talvez, ainda, os echos fallarão.

E em seu surto, a buscar eternamente o bello, Mixturado à voz das monjas do Carmello, Subirão até Deus nas asas da oração.

(13.092) PERISTYLUM (Alphonsus de Guimaraens)

No sacro e fulvo peristylo jalde,

Entre silencios de crystal immoto,

O meu Amor em nuvens se desfralde

Na perfeição astral do Eterno-Voto:

E peccador, a procurar embalde

A estrada espiritual do Céu remoto,

A adspiração da Fé sublime excalde

O meu peito medievo de devoto:

Longe da turbamulta que me cerca,

Eu fortalesça o coração vetusto

Para que nada do meu Ser se perca:

Neste poema de Amor, amplo e celeste, Eu cante o extremo Epithalamio augusto

À sombra funeraria de um cypreste…

(13.093) IDEALIZAÇÃO DA HUMANIDADE FUTURA (Augusto

dos Anjos)

Rugia nos meus centros cerebraes

A multidão dos seculos futuros

-- Homens que a herança de impetos impuros

Tornara ethnicamente irracionaes! --

Não sei que livro, em lettras garrafaes, Meus olhos liam! No humus dos monturos, Realizavam-se os partos mais obscuros, Dentre as genealogias animaes!

Como quem exmigalha protozoarios

Metti todos os dedos mercenarios

Na consciencia daquella multidão…

E, em vez de achar a luz que os Céus inflamma, Somente achei moleculas de lama

E a mosca alegre da putrefacção!

(13.094) PASSANDO (Auta de Souza)

Quando me vêem passar risonha e calma, Sem um pesar que me annuvie a fronte, Perdido o olhar na curva do horizonte, Cuidam que eu tenho o paraiso n’alma.

Mesmo encontrei quem me dissesse um dia: “Invejo-te a exsistencia descuidosa.” Como si espinhos não tivesse a rosa, Ou fosse a vida exempta de agonia!

Porem, emquanto, desdenhosa, altiva, Eu vou passando, alegre ou pensativa… A rir, a rir, como um feliz demente,

Meu pobre coração dentro do peito -- Triste doente a agonizar no leito -Vae soluçando dolorosamente…

(13.095) SATAN (Cruz e Souza)

Capro e revel, com os fabulosos cornos na fronte real de rei dos reis vetustos, com bizarros e lubricos contornos, eil-o Satan dentre Satans augustos.

Por verdes e por bacchicos adornos vae c’roado de pampanos venustos o deus pagão dos Vinhos acres, mornos, Deus triumphador dos triumphadores justos.

Archangelico e audaz, nos soes radiantes, à purpura das glorias flammejantes, allarga as asas de relevos bravos…

O Sonho agita-lhe a immortal cabeça… E solta aos soes e extranha e ondeada e espessa canta-lhe a juba dos cabellos flavos!

(13.122) CLEOPATRA (Gustavo Teixeira)

Sob o pallio de um céu broslado de cambiantes,

A gallera real, de tyrias vellas tesas, Advança rio a dentro, arfando de riquezas, Cheia de um resplendor de pedras coruscantes.

Sob um dossel de bysso, entre espiraes ebriantes

De incenso, a esculptural princeza das princezas

Scisma… Remos de pratta, à flor das correntezas, Deixam mobeis jardins de bolhas trepidantes…

Soluçam harpas d’oiro às mãos de ancillas bellas; Branda aragem enfuna a purpura das vellas

E à tonna da agua alveja um espumoso friso.

E a Nayade do Egypto, ao ver a frota ingente

De Marco Antonio, ri, levando unicamente

Contra as lanças de Roma a graça de um sorriso…

(13.123) SONHO AFRICANO (Francisca Julia)

Eil-o em sua choupana. A lampada, suspensa Ao tecto, oscilla; a um cantho, um velho e hervado fimbo; Entrando, porta dentro, o sol forma-lhe um nimbo Cor de cinnabrio em torno à carapinha densa.

Extira-se no chão… Tanta fadiga e doença!

Expreguiça, boceja… O appagado cachimbo Na bocca, nessa meia escuridão de limbo, Molle, semicerrando os dubios olhos, pensa…

Pensa na patria, alem… As florestas gigantes

Se extendem sob o azul, onde, cheios de magoa, Vivem negros reptis e enormes elephantes…

Calma em tudo. Dardeja o sol raios tranquillos…

Desce um rio, a cantar… Coalham-se à tonna d’agua, Em compacto appertão, os velhos crocodillos…

(13.124) VANITAS (Olavo Bilac)

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria, Trabalha. A alma lhe sae da penna, hallucinada, E enche-lhe, a palpitar, a estrophe illuminada De gritos de triumpho e gritos de agonia.

Prende a idéa fugaz: doma a rhyma bravia; Trabalha… E a obra, por fim, resplandesce accabada: “Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!

Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia de minha febre e da minha alma cheia, Arranquei-te da vida ao adito profundo, Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta Pensa que vae cahir, exhausto, ao pé de um mundo, E cae -- vaidade humana! -- ao pé de um grão de areia…

(13.125) PASSEIO

MATINAL

(Raymundo Correa)

Desperta e vem! O vento burburinha

Pelos coqueiros tremulos; dardeja

O sol; e a luz sadia a alma deseja

Bebel-a aos goles… Ergue-te e caminha…

Minh’alma os teus anhelos accarinha, E unida à tua, juncto della adeja…

Mas tão unida, que eu não sei qual seja, Qual seja a tua, nem qual seja a minha…

Rasga o cofre dos risos, como a aurora; E ambos vamos, assim, rindo e cantando, Cantando e rindo, pelo bosque a fora…

E ahi, das aves o medroso bando

Nos ninhos a expantar, vamos agora, Como aves de outro genero, enxotando…

(13.079)

(13.080)

(13.081)

(13.082)

(13.083)

(13.084)

(13.085)

(13.091)

Casa de Ferreiro

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