

LABORATORIO DE
A R O D I A S
Glauco Mattoso
LABORATORIO DE PARODIAS
São Paulo
Casa de Ferreiro
Laboratorio de parodias
© Glauco Mattoso, 2025
Editoração, Diagramação e Revisão
Lucio Medeiros
Capa
Concepção: Glauco Mattoso
Execução: Lucio Medeiros
Fotografia: Akira Nishimura
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Mattoso, Glauco
LABORATORIO DE PARODIAS / Glauco Mattoso. –– Brasil : Casa de Ferreiro, 2025. 138 Páginas
1.Poesia Brasileira I. Título.
25-1293
CDD B869.1
Índices para catálogo sistemático: 1. Poesia brasileira
NOTA INTRODUCTORIA
Aqui novas parodias eu estou junctando, fora aquellas que incluí no livro PORNOSCOPIO. Sim, se tracta de breve experiencia, para aquelles leitores que procuram por algum inedito, pois sempre são ineditos os livros que sahiram em pequena tiragem, que exgottados estão, ou que nunca no papel tiveram vez. No caso do presente tomo, os themas são varios, mas se encontram no formal conceito de parodia, pois tributo paguei a alguns auctores predilectos. Tomara que tambem dos meus leitores.
SER MADRASTA [12.817]
Madrasta ser é ver que não tem fibra o cego que, enteado seu, alheio se torna à piedade. Triste e feio, não ganha, della, amor. Seu filho vibra.
O filho verdadeiro se equilibra nos mimos da mamãe. Batte, sem freio, no cego, que pedir arrego veiu, mas teve que lamber um pé que “dibra”.
Descalço das chuteiras, esse filho da puta, auctorizado, diz: “Humilho você! Lamba meus pés!” E dá risada.
Bem sadica, a madrasta não faz nada. Só mima seu filhão, que, com um riso cruel, diz: “Quem é cego eu escravizo!”
O PUNGUISTA [12.818]
Conforme sua practica acconselha, excappa da policia, da qual isca se torna. Agora à noite, ja chuvisca e pisca, pela rua, a luz vermelha.
Cansado, o pivetão olha de esguelha em volta. Ahi se deita. Não arrisca. Nos fundos dum galpão, repousa a arisca cabeça. Seu cappuz lhe exquenta a orelha.
Lhe soa nos ouvidos rumor brando. Ja sabe que sou eu quem chega. Quando lhe tiro o tennis, finge estar com somno.
No bolso lhe introduzo o meu abbono e fico só lambendo o seu pé branco, sem meia. Nada digo, pois me manco.
ANJINHO OLHIRIDENTE [12.819]
Risada adolescente escuto. Cansa o ouvido ouvil-a. Aquelle cavallar marmanjo, um creanção, a caminhar na minha frente, contra mim advança.
Appenas zomba. Ainda bem que mansa é sua zombaria. Seu olhar sorri desta cegueira atroz, sem par, que excita aquella alminha de creança.
Se espelha nos meus olhos e, tristeza achando nelles, ri, gargalha assim. Se sente, então, por cyma. Sou a presa.
Prosigo bengalando. Meu ruim destino lhe estimula a rolla tesa. Por isso se repimpa, a rir de mim.
ESSE VAGABUNDO [12.821]
Mais topo um pé rapado. O pé que rapa na rua é o que na minha cara trepa. Emquanto minha lingua não deceppa, lhe peço que me pise bem na nappa.
Tem sola que é tão chata como chapa de chumbo. Não, com esse não presepa ninguem que lamber queira tal carepa, pois desse chulezão nunca que excappa.
Diz elle, rindo: “Ripa na chulipa!” Não entra, da direita, para a tropa. Sebinho olente engole quem o chupa.
Da minha lyra sempre participa, pois curto um tal malandro, que se dopa em apa, epa, ipa, opa, upa.
VIVOS MINUTOS [12.822]
Depois de ter passado todo o dia morgando na preguiça, accordadaço estou eu para a lyra. Thema faço da scena que me inspira a phantasia.
Pensei nos pés exhaustos do vigia nocturno que me dera, ja, seu braço, na rua a me guiar por onde passo, a custo bengalando… O que eu faria?
Tirava seus sapatos, sua picca chupava no dedão, lambia as suas frieiras e lavava a sujidade…
Os versos me virão, dando uma rica imagem, dessas solas chatas, nuas, emquanto um gozo onirico me invade…
O ADJECTIVO NO SINGULAR
[12.823]
Nascer em condição peculiar, estando portador, tendo o dever de estar em sociedade e se fazer notado, sem poder a luz notar.
Chorar de dor nos olhos, tendo o olhar ainda mais perdido, mas querer, ao menos, num momento de prazer, gozar ambicionando, um dia, amar.
Das dores se livrar, feito um fakir, emquanto, no onanismo, presuppor que esteja a amar alguem, mas, só, se vir.
Sabendo ser maldicto, sem amor viver eternamente, mas sorrir, emfim alliviado, si se for.
RAPAZELHO [12.824]
Magrella, abbandonou sua quadrilha achando que, sozinho, ja controla seu proprio territorio. Pede esmolla um cego, ora! Não elle! Elle engattilha!
Provoca briga, assalta, furta, pilha, desfere ponctapés no cego, sola na cara põe dum outro rapazola que queira alli montar uma armadilha.
Dirige seus olhares attrevidos aos trouxas que teem medo de bandidos mas querem que elle pise em suas caras.
Mais pagam para aquelles pés fedidos lamber, que pelos finos e excolhidos perfumes numa loja das mais caras.
DOIDINHO DA SYLVA [12.825]
Ai, mente minha! Sendo vós senhora das minhas attitudes, eu me rendo às vossas maluquices e, battendo punhetas mil, me exporro vida affora!
Meu triste coração, que vos implora um pouco de sossego, vae soffrendo horrores, mas eu, louco, vos entendo, si louca sois: quereis prazeres, ora!
Tambem os quero, porra! Nada absurda é nossa pretensão! O que escrevinho em verso ja atturdiu? Que não atturda!
Ninguem ahi se expanta si no vinho um bardo occulta as magoas! Si sois surda, eu proprio ja da Sylva sou surdinho!
ORAÇÃO AO PÉ DO ALTAR [12.826]
Jesus, ja que passaste pelas duras torturas, mas tens optimas lembranças daquelles seguidores, das andanças a pé, dos que imploravam tuas curas…
Ser filho do Senhor, ja que tu juras, da ceia si te lembras, si não cansas de exemplo dar, humilde, dessas mansas sessões de lavapés, com mãos tão puras…
Daquella Magdalena, dando um banho nas tuas solas, Christo, te imagino com pena… Até por isso não me accanho!
Supplico-te, Jesus, que meu destino podolatra abbençoes, ja que extranho não sou aos Evangelhos! Me persigno.
MALDADE [12.827]
O cego que, infeliz, sente saudade das luzes que perdeu, não foi appenas às trevas condemnado, pois revê, nas lembranças, a perdida claridade.
O cego de nascença (Mas quem ha de dizer que foi maldade?) lhe diz: “Crê nas divinas graças! Leves são as penas si cremos numa justa divindade!”
O cego perdedor acha as perdidas noções de cores umas doloridas memorias, um castigo, um mal maior.
Quem nunca viu as cores diz: “Teu sancto é forte! Elle te ensigna a ser um tanto durão para as risadas ao redor!”
A DIVAGAR DE VAGAR [12.828]
Na triste escuridão, naquella agrura dos olhos, que pros outros appigmento, é o sonho, no seu atro soffrimento, mais verde d’invejar que da verdura.
Alli nunca addormesço, pois me fura os globos oculares um sedento demonio, do qual sempre fugir tento, mas tenta me pegar, na noite escura.
É minha astral missão, meu mal sobejo andar a minha vista vislumbrando appenas o que advista meu desejo.
Com tudo o que eu desejo vou sonhando. Si penso que estou vendo, nada vejo. Mas vejo um pouco, só de vez em quando.
CEGUEIRA VERDE [12.829]
Por vezes, nas nojeiras me enveneno, pensando numa grippe, em meu catarrho ja quasi exverdeado. Nelle exbarro os labios quando o ranho sae, e eu peno.
Tambem no meu caralho, que é pequeno mas bicco de chaleira tem, um sarro achei quando o sebinho (Só lhes narro verdades!) ficou verde, em tom ameno.
Nojento sou? Magina! Não são poucos os lodos, nos exgottos, que só loucos diriam que, de verde, não teem tons!
Até meus olhos, pelos quaes não vejo, ficaram verdes, ora! Deu ensejo ao verde este erro grave: eram marrons.
DEFUNCTO SORRIDENTE [12.830]
Irei eu para a cova assim, ceguinho, de modo que qualquer um reconhesça a minha cara, a minha astral cabeça careca, das minhocas esse ninho.
Depois de percorrido o meu caminho na Terra, caso o corpo ja apparesça sem carnes, quem os olhos nelle desça verá que está a sorrir, eis que excarninho.
São cegos os meus olhos quando parto daqui, mas, quando olhado mais de perto, se nota que mudei, ca no meu horto.
Emfim, si da cegueira fui ja farto, agora dois buracos vão, decerto, mostrar que ja parti p’ra melhor porto.
PALHAÇO DA VIZINHANÇA [12.831]
Depois que ficou cego, não se importa ninguem que elle padesça, nem que tente pedir a adjuda dessa alegre gente, nem mesmo si batter a alguma porta.
À rua si elle sae, em cada torta calçada ja tropeça. A adolescente platéa assiste, rindo. Cruelmente, a plebe, ironizando, o offende e exhorta:
“Ahê, ceguinho! Ralla ahê! Trabalha com essa bengalinha! A vida ruça está? Se vira! Chupa!” Alguem gargalha.
O cego ouve, calado. Uma dentuça exhibe, entreabrindo os labios. Calha que digam que elle chupa pau, não buça.
SORTUDAS TORTURAS [12.832]
Visão não mais eu tenho. Sinto dores atrozes ‘inda agora. Meu nefando destino, nestas trevas, nem sei quando termina. Nem me lembro mais das cores.
Amigos me disseram: “Quando fores à rua, ah, meu, te cuida, pois um bando de sadicos moleques vem causando terror! Até serão estupradores!”
Eu disso duvidava, mas agora entendo que são elles, sim, de morte! A rolla sempre tiram para fora!
Ah, mesmo dor sentindo, uma dor forte nos olhos, ja levei, delles, a tora: “Vae, chupa! Até que estás, hoje, com sorte!”
SCENAS DE MALDADE [12.833]
Ouvi, quando menino, muita gente dizendo que eu seria feito, um dia, de trouxa por alguem que posaria de irmão, amigo, ou proximo parente.
Cresci desconfiado, pois, doente dos olhos, que a visão eu perderia me davam todos essa garantia. Senti-me como um verme, emfim, se sente.
Jamais vi gente boa do meu lado e sempre imaginei o quão maldicta seria a maldicção dum mal amado.
Até que succedeu coisa bonita commigo: fui amado. Para aggrado de todos, era sonho. Fim da fita.
BOA NOITE [12.834]
Em pleno dia, alguem que me expezinha, a cara pondo fora da janella, me grita: “Boa noite!” Escuta aquella vozinha adolescente quem la vinha.
Tambem quem ia ria. A tal vozinha echoa pela rua. Me interpella assim o tal moleque porque trella lhe dá minha cegueira, a magoa minha.
Diverte-se commigo, ja sabendo que estou só vendo trevas, na agonia de todo cego neste inferno horrendo.
Do joven, creio orgastica a alegria naquelle instante, eis que elle está battendo punheta, ao dizer “noite” em vez de “dia”…
A RISADA [12.835]
Risada a gente mede pela media daquillo que, engraçado, nos irmana ao vermos uma alheia dor humana que inspira algum sadismo: uma comedia.
Nenhum pudor, nenhum limite impede a gostosa gargalhada dum sacana que, vendo um cego otario que se damna na rua, ao sarro nunca applica a redea.
Maldicta a saga cega de quem porte doença de nascença! Peor sorte, porem, de quem perdeu: eis seu inferno!
Ao cego perdedor é, para cumulo, mais tragico ouvir risos… Nem do tumulo gargalha alguem assim, no horror eterno!
FODAM-SE OS VENCIDOS! [12.836]
Coitado de quem seja apprisionado, depois da guerra, appós o mais cruel massacre! Provará, do maior fel possivel, um amargo, um mau boccado!
Nos campos, os forçados, para aggrado dos sadicos carrascos, vão, ao bel prazer dos novos deuses, no papel ficar, em mactadouros taes, de gado!
Alguem que, nesses campos, preso fique às ordens desses homens da caserna em breve não terá mais nenhum pique!
Os dentes rilhará, na dor eterna das victimas! Talvez se sacrifique assim um cidadão a quem governa…
Climaticos extremos, ora bollas, embora as camisetas ensopadas nos deixem, e não haja limonadas que cheguem, me darão umas esmollas!
Por causa do calor, os rapazolas estão com suas meias tão suadas nos tennis, que eu, ah, graças dou às fadas, pois posso lhes lamber as lisas solas!
Alguns, só de chinellos, mostram bellas unhonas encravadas, que são minhas tetéas! Eu adoro o sabor dellas!
Acceito te pagar, si me expezinhas, rapaz audaz, mais caro, pois appellas à minha tara: a natta das morrinhas!
TOEJAM NA TORRADA [12.837]
ADVENTURA NOCTURNA [12.838]
Andando pelo parque, meu receio é que esses pivetões saibam que affoito estou por ser, ja, cego. Ja são oito da noite e estou sozinho. O parque, cheio.
Aquelle que esperei chegar não veiu. Cahi numa armadilha. Si me ammoito em casa, livre estava… Não, um coito não vale tanto risco, agora creio.
O parque está vazio, quasi. Mudo de medo, ouço os pivetes. A bengala irão tomar-me. Irão me levar tudo.
Será que excappo dessa? Ja me falla no ouvido um delles: “Quieto! Sou marrudo! Melhor obedescer, ou leva balla!”
VISÃO DO ESCORPIÃO [12.839]
Caçar insectos, esse parabutho não quer. No que elle insiste, em sua sanha malevola? Ah, deseja ver si appanha um cego, de surpresa! Agguarda, astuto…
Não tem, como uma aranha, aquelle hirsuto trazeiro, mas as fuças arreganha e suas pinças usa com extranha leveza, a tactear no meu reducto.
Tentou, ja, me piccar, com seu maligno ferrão, diversas vezes. Eu, exhausto, de medo morro, então, desde menino.
Appós sonhar com esse infame e infausto bichão, accordo em panico. Imagino que especie, essa, fim leve, em holocausto.
A BARATTA QUE ME EMPATTA [12.840]
Não sobra nada aqui, mas, caso sobre, é claro que me surge essa baratta. Estou no escuro, claro, mas se tracta de ouvir uns barulhinhos. Cego pobre!
Pois é, pobre ceguinho! Só me cobre a mesa uma toalha bem barata, na qual umas migalhas sobram. Macta alguem essa baratta? É causa nobre!
A amigos sollicito que, no bojo das suas consciencias, desse nojo me livrem, que por mim alguem se doa…
Emfim alguem a macta. Mas revida, por ella, alguma amiga. Minha vida de novo se inferniza. Alguem caçoa…
PHANTASIA FETICHISTA [12.841]
Em casa a vadiar, num dia feio, achei aquelle tennis, tão fedido, presente que me dera algum bandido, em troca de dinheiro. Sim, comprei-o!
Ao soffrego nariz, então, levei-o, a poncto de illudir minha libido. Eu, nessas horas, sempre me convido àquelle podosmophilo recreio.
Supponho que esse cheiro chulepento me cause incrivel nojo, mas aguento só para dar a alguem esses prazeres…
Na proxima, pedir irei ao mano que pise em minha cara, a dizer: “Panno p’ra manga tens ahi! Resta lamberes!”
AMMANHAN [12.842]
Farei anniversario logo agora, passada a meia noite… Esperei tanto a data de morrer! Nunca fui sancto. Não temo o suicidio. Vou-me embora!
Ninguem irá chorar, ja que não chora ninguem por um ceguinho. Só meu pranto se escuta, neste escuro, quieto cantho. Mas ouço que festeja alguem, la fora.
Bem, acho que meresço, por meu lado, tambem uma festinha… Recheado, o bollo que comprei valeu o dia…
Emquanto não provoco minha morte, cortar irei o bollo… Ora, que sorte! Tem leite condensado… Uma ambrosia!
CLARIVIDENCIA [12.843]
Ficou a luz accesa, ficou cada sallão illuminado no logar que, dentro dos meus olhos, devagar, perdeu a transparencia. Agora, nada!
Ja nada vejo. Ouvi da molecada as sadicas risadas. A zombar estão desta cegueira tumular. Mas, mesmo morto, os ouço na ballada.
Depois que me cegaram, fica ainda o sangue pelo piso. Scena linda não é, pois ha, de globos, esse par…
Os globos oculares, sob a luz da salla, azues estão. Não se reduz, portanto, o meu poder de recordar…
VONTADE DE MACTAR [12.844]
Não falla mais ninguem aos meus sentidos sinão para aggravar a sensação da perda da visão. Todos estão gozando de mim. Ardem meus ouvidos.
Eu quero me vingar, mas só ruidos escuto de risadas. Eu à mão queria, carregado, um trezoitão só para attirar nesses convencidos…
Mas -- Pobre de mim! -- Era só chimera tal arma, tal revide. Praguejando, me sinto um derroptado. Ora, pudera!
Não posso fulminar aquelle bando de hyenas. Mas, sim, posso dar, à vera, eu cabo desta vida… Ai! Como? Quando?
ATTRAVÉS DA FRESTA [12.845]
Ainda nestes olhos me palpita alguma sensação de luz. Renasce na mente e na lembrança aquella face que, vista nos espelhos, foi bonita.
Bonita? Só si fosse! Hem? Accredita você que, certa feita, alguem achasse belleza num cegueta? Accreditasse, seria hallucinado, um selenita!
Durante meus frequentes pesadellos eu tenho bellos olhos e cabellos castanhos, como os tive. Foi azar…
Aos poucos, vou, no meio desse sonho medonho, me exfumando. Ja supponho estar como os cegados vão estar.
TEMPESTADE PERFEITA [12.847]
As arvores, ja velhas, derrubadas por sobre fios, pela ventania, provocam chaos, em pleno meio dia. Que falta, agora? Ruas allagadas!
Submersas, nem se enxergam as calçadas. Tambem quem não se enxerga a falla addia por falta de pretexto. Nem seria prefeito, não rollassem marmelladas…
Depois do temporal, saqueia a gangue local um mercadinho. Que se zangue o dono, que por pouco não se macta…
Aquella multidão, que está ja cheia de tanto desgoverno, ousada, atteia um fogo tal, que chega até na matta…
HISTORIA DA POESIA FESCENNINA [12.848]
Camões perdeu seus olhos, pelos mares affora. Revoltado, fez aquellas estrophes pornographicas. Vão ellas alem dos mais immundos lupanares.
Bocage, que fez versos exemplares só sobre gays fellando, das donzellas tentou fallar depois. Rasgou as bellas estrophes pederasticas. Fez ares.
Pessoa foi pornô, mas posa agora de mero observador dumas usanças dos sadicos piratas: “Estou fora!”
Até Cesario Verde diz: “Não cansas tu, Glauco, de exigir mais fodas? Ora, brochamos, ja! Mais livros, só tu lanças!”
PERPETUA SOMBRA [12.851]
Houvesse uma cegueira que bemdicta pudesse ser, que desse ao tom escuro o minimo de paz qu’inda procuro, seria bello thema à voz escripta.
De Borges a resposta que se cita é sempre essa, da dadiva, do puro destino offerescido. Mas eu juro que, para mim, é praga. Ah, si me irrita!
Clamar por uma musa não me basta, que fosse me inspirar um sonnettario inteiro -- uma mulher carente e casta…
Nem mesmo o rapaz sadico que hilario achou-me, e que me pisa, a praga affasta da vida dum cegueta visionario…
AGUA EXCORRIDA [12.852]
Sentado na privada, cago quieto, tentando me inspirar. Um cagalhão sahindo vae e n’agua cae. Então aquelle barulhinho eu interpreto.
Barulho de mergulho, dum objecto que expirra, que respinga… A sensação molhada dessas gottas, que me são jogadas, é dum jacto olente e infecto.
Paresce inevitavel que essa tal aguinha, alli na bunda, seja engenho divino, pois me enseja a voz mental.
Depois que em novos versos me detenho, me limpo, dou descarga… Achei legal! Ja tenho das estrophes o desenho!
MUSEU PHANTASTICO [12.853]
Fedidas meias, meias ja calçadas, chuteiras que ja não estão na activa, chinellos ja molhados de saliva daquellas cadellinhas, as damnadas…
Botinas do operario que se priva do orgasmo, bem battidas nas calçadas, e tennis de michês, cujas pegadas estão onde se veste verde oliva…
Sapatos sociaes, solas furadas até nas botas dessa tentativa de golpe, que provoca, ja, risadas…
Alli tudo se encontra, numa viva ammostra do que rolla nas camadas da nossa sociedade alternativa.
SONNETTO DOS MEUS SONHOS [12.854]
Sonhei que, sob as solas do mais sado malandro, senti toda a dysodia possivel num rapaz que se vicia nos jogos e tem fama de drogado.
Sonhei que era, ja, cego, que meu lado masoca divertia, na follia, a gangue, essa que extorque e sevicia freguezes indefesos. Fui surrado.
No sonho, eu, que enxergava agora, tento fugir, mas um bandido me procura, me encontra, ahi me cega… Ah, que momento!
Ja cego novamente, engulo dura piroca, até que goze, e seu sebento fedor na minha mente ‘inda perdura…
SONNETTO AO MARQUEZ DE SADE [12.856]
Philosopho da alcova, de vaidade tu podes te encher, como nunca pude, Marquez. Por infortunios da virtude castigas a Justine. Ella que brade!
Dos vicios tu te gabas, mas quem ha de negar-te essa verdade? Quem se illude achando que não lucra quem for rude ou quem humilhe escravos e os degrade?
Por isso Juliette lucros somma. Nos CENTO E VINTE DIAS DE SODOMA repisas outras duras theorias…
Poetas são rebeldes. Quem os doma cegal-os deve. Só quem tem glaucoma sciente está, Marquez. Resta que rias…
O GATTO BORRALHEIRO [12.857]
O principe é podolatra. Se passa que está preoccupadissimo, com medo que todos delle fallem. Seu segredo qual é? Dum pé de macho vae à caça.
Nenhuma Cinderella, alli na praça, teria tal pezão. Mas certo Alfredo, que ja ganhou seu Oscar, salvo ledo enganno, se distingue dessa massa.
Baixote embora, aquelle bem dotado rapaz, sem ter nenhuma cara linda, captiva qualquer principe encantado…
Pisou ja? Não pisou? Que falta ainda? Será que mais pagou outro veado por esse pé gigante? Como finda?
SONNETTO PROMISSOR [12.858]
Rapaz, quando você, suave e brando não sendo, me repelle, e nenhum gozo affirma ter com este meu baboso estylo de lamber, fico pensando…
Você, quando me xinga de nefando podolatra, ao dizer: “Glauco Mattoso, és sordido, ouves? Acho-te asqueroso!”, eu, sempre racional, fico pensando…
E encontro, finalmente, esse motivo que está lhe provocando o fugitivo receio de que eu lamba a sua sola…
Augmento lhe prometto. Você, vivo, com medo de perder esse incentivo, pisar-me quer, começa a me dar bolla…
PULVEREM PEDUM TUORUM LINGENT
[12.859]
Caveiras dão risada. Que seria que nellas riso causa? Somos pó, sabemos. Dos humanos sentir dó é mera pretensão, alguem diria.
Mas, ja que somos pó, por que phobia teriamos dum cego que gogó tem para confessar que seu chodó consiste em pés lamber, sujos da via?
Calçados ou descalços, quer na rua, quer mesmo casa addentro, continua aquella poeirinha, alli, grudada…
E então, rapaz? Não quer que eu lamba a sua immunda sola? Pago bem! Recua? Agora sim! Admitte que lhe aggrada…
PÉS E PÉS
[12.860]
Fedidos, sem lavar, de mau adspecto, nem vestem meias. Delles se propaga aquelle chulezão que ninguem traga, excepto quem os lambe, em clima abjecto.
Não lambem por amor, nem por affecto, mas pela submissão -- missão que vaga garante em outras vidas. Alguem paga mais grana, até, por lance mais secreto.
São boccas que, febris e transtornadas, recobrem de lambidas e chupadas taes pés, que calçam putridos pisantes.
Michês teem pés assim. Os das amadas esposas dos poetas, namoradas ou musas, são beijados, horas antes.
SONNETTO AOS OLHOS DEFUNCTOS [12.861]
Queridos olhos meus, que por inteiro perderam a visão! Depois da vida terrena, nem terão logar na rida caveira, alli no leito derradeiro!
Sim, luctos eu respeito. Mas ja beiro algum mental transtorno, o qual revida os traumas que soffri, pois suicida me sinto -- um desabbafo costumeiro.
Me irmano aos companheiros enluctados que choram seus amados fallescidos, por isso choro uns olhos ja cegados.
Morreram de mim antes, tempos idos attraz, mas delles chegam-me recados concretos. Pó seremos, meus queridos!
ARANHA ARREGANHADA [12.862]
Glaucão, me deparei com uma teia gigante no porão! Essas gigantes aranhas apparescem, volta e meia, aqui… São ammeaças preoccupantes…
Algumas fazem tocas, e receia a gente que tambem nossos pisantes lhes sirvam de casinha… Glaucão, creia, tão grande eu nunca vira aqui, não, antes!
Daquellas cabelludas não se tracta, Glaucão, caranguejeiras… Mas quem macta alguma? Ah, não, Glaucão! Não sou de nada!
Na teia não estava aquella aranha, mas eis que, de repente, ella arreganha os dentes para a gente… e vem, irada!
FILHO ADOPTIVO
[12.863]
Glaucão, de companhia a gente sente carencia, você sabe. Mas agora o filho que eu não tinha achei urgente ter, mesmo um adoptado! Sem demora!
Glaucão, felicidade estava ausente de casa, mas emfim chegou a hora de braços abrir, beijos docemente dar nesse ser fofão que vem de fora…
Nos olhos do bassê percebo o brilho daquelle que será sempre meu filho, até que, então precoce, venha a morte…
Você chora, Glaucão? Eu ca me pilho, tambem, a chorar… Isso foi gattilho: Emquanto o bassê vive, temos sorte…
POSTHUMO NO TUMULO [12.864]
São annos que parescem poucos dias, ou dias que parescem annos… Preço carissimo paguei: nem reconhesço mais minhas desbragadas putarias…
Por cyma de mim, pesam lages frias. À chuva, ao vento, preso, permanesço immovel, mas olhando, pelo advesso, caveiras outras, tetricas, exguias.
Ainda appalpo, teso, com meu tacto finissimo, um caralho osseo: de facto, cadaver p’ra valer ‘inda não sou!
Sentir meus pés eu posso… Orra, constato que estão passando frio! Mas um ratto se encosta… Ah, que legal! Ja me exquentou!
UM
POUCO LOUCO [12.865]
Cabeça minha, rica de chimera que está, que sempre esteve, eu te consinto um pouco de loucura, quando minto, dizendo que pirei total! Pudera!
Nas minhas paranoias (Quem me dera que fossem paranoias, só!) me pincto tal como um vacillão que, por instincto, de casa não sae: fora, alguem me espera…
Só querem me estuprar! Ou, quando não, prohibem que meus versos eu declame na praça, para applausos do povão…
Nem durmo mais! Me falta quem eu ame, agora que morreu meu velho cão… E dizem que eu só finjo ser infame!
NATAL EM FAMILIA [12.866]
Em todos os Nataes se reedita a face de Noel, seu gordo vulto. Ao Christo nem rendemos mais o culto. A mesa, só, queremos mais bonita.
À ceia, sempre chega aquelle estulto parente, esse que a gente sempre evita, querendo criticar “essa maldicta esquerda”. Ja mellou o “amigo occulto”.
Tocava-se, então, uma symphonia ou uma canção sacra. Agora, as manhas são bregas, só forró que me entedia.
Peor: as mixturebas são tamanhas nos rangos natalinos, que eu, no dia, só como uns bollos, bebo só champanhas.
UM BOLLO INCONTORNAVEL [12.867]
Correndo para a casa da tithia estou, para comer o que me aggrada: um bollo, com camada appós camada de cremes e recheios… É meu dia!
Tithia, só, fazer essa ambrosia consegue. Não, melhor não achei nada. Na rua, fujo duma molecada que gosta de estuprar quem nunca chia.
Que sorte! Excappei desse infame bando! Tambem eu da policia, p’ra consolo, fugi, pela pracinha attravessando.
Na casa da tithia, ja de tolo me faço, ouvindo o que ella vae contando das dores e paixões. Valeu o bollo.
PUSILLANIME
[12.868]
Glaucão, ai, que saudade que me dava do tempo em que um machão era marrudo, durão, que não ficava, jamais, mudo na frente da mulher que estava brava!
Saudade que me dava, ai, dessa clava dos homens das cavernas! Tinha tudo na mão, quando mandava! De velludo não era a sua voz, quando fallava!
Mulher nunca fazia do marido um corno! Si fizesse, certamente iria se damnar! Ah, não duvido!
Mas hoje, infelizmente, ella lhe mente na bucha, sae com outro e, sem libido, eu fico, ouvindo o riso dessa gente!
BRUTUS
MAXIMUS [12.869]
Aqui te glorifico, humanamente fallando, pois me ganhas na moral! Sim, gloria tu meresces! Nem que eu tente negar, não poderei, é natural!
Ninguem que te conhesça de insolente irá posar! Tens uma força tal no olhar, nas attitudes, que se sente inerme quem ja fora maioral!
Si gloria tens, machão, é porque feres, com tua mão de ferro, os que, por vias de facto, disputarem as mulheres!
Mas esse teu pezão, com que judias da minha cara, ah, nelle, si quizeres, a lingua passarei, até que rias!
MENINOS PRECOCES [12.871]
Naquelles sobradinhos, a gallera formavamos de jovens diabinhos. Baldios bosques! Todos os caminhos a gente controlava alli. Pudera!
Meninas bobeassem, nem paquera havia. Sem pedidos nem carinhos, curravamos na marra. Seus gritinhos causavam-nos risadas. Que bom era!
Melhor ainda: às vezes, bella curra nós davamos num outro garotinho que fosse de cabeça meio burra.
Pegavamos um desses que, vizinho, ficava bem de jeito. Olé! Zaz! Urra! Que sarro! Que tesão! Cabou cedinho!
SYMBOLOS EROTICOS
[12.872]
Puzeste em nosso quarto, juncto ao leito, um solido caralho de madeira. Imagem de erecção, coito perfeito aquillo suggeria, a noite inteira.
Idéas desse naipe eu não rejeito, mas, tempos depois, sinto uma canseira damnada… Ja brochando, me subjeito aos factos. Dysfuncção? Ah, ninguem queira!
Fiquei mais inhibido, com receios mil… Para que tenhamos um prazer melhor, troquei o pene. Estamos cheios!
Achei um petreo pé! Para poder gozar, suggere muito! Não ha meio de estarmos sem tesão… Mas sem metter!
VOZES POETICAS [12.873]
Odeiam-me! Desprezam quem se faça de bardo, de escriptor, nesta pequena aldeia litteraria! Se condemna um pariah ao ostracismo, por pirraça!
Peor si for um cego! O gajo passa a vida toda armando sua antenna aos males collectivos, com a penna das almas solidarias na desgraça!
Invejam, na verdade, e esnobam todo aquelle que supera alguma dor tamanha! Ahi saquei por que me fodo!
Inutil tal boycotte, pois quem for marcado uma missão tem, sob appodo de “martyr”: ser das vozes portador…
OLHOS SCEPTICOS [12.874]
Olhei eu longamente tudo. Prece fiz para não cegar. Agora pago o preço desse mystico, presago signal de devoção. Pensei que desse…
Não deu. A minha fé quasi emmudesce, agora que ceguei. Meu olhar vago, opaco, fica azul. Nenhum affago recebo do meu anjo, que não desce…
De nada addeantou estar eu entre canonicos poetas. Não, de nada. Das mentes sae o mesmo que do ventre…
Debaixo destas palpebras pesadas não vejo mais nenhuma luz que me entre em todas as futuras alvoradas…
DUREZA NA NATUREZA [12.875]
Amar a natureza, quando gera a vida, fructifica, com ar puro renova-se, promette, num futuro distante, estimular nossa chimera…
É facil! Mais difficil é, na mera mudança de estação, aguentar duro calor, que irá deixar o céu escuro, alem das nossas lampadas! Pudera!
Ficou sem energia? Ahi, bem feito! Quem manda desmattar? Agora chance não vejo! Foi de “extupha” tal “effeito”!
Mais gazes quer soltar? Pois então danse! Não bastam nossos peidos? Não acceito desculpas! Radical sou nesse lance!
DYSRHYTHMIA
[12.876]
Me fecho para a vida que ha la fora depois que fiquei cego. Sinto o fim chegando. O coração paresce, em mim, batter descompassado. Feliz hora!
Até que emfim! O clima corrobora a minha sensação. Ficou ruim la fora. A ventania -- Até que emfim! -ja varre tudo. O tempo só peora.
Vem chuva. Vem trovão. Mas, si estão más, la fora, as condições, ja sou capaz de ver uma harmonia neste mundo…
Nem tudo descompassa. Satanaz me entende. Estou contente. Estou assaz feliz. Tudo se exgotta aqui, no fundo…
OPPORTUNIDADE PERDIDA
[12.877]
Seus filhos duma puta! Foi bem feito! Acharam que cobrir-se iam de gloria? Agora ficarão com a memoria manchada, até depois do final leito!
Bem feito! Quem mandou não terem peito de, em tempo, dar o golpe? Qual historia esperam que se conte? Que illusoria jornada! Nada fazem, mais, direito!
Houvessem perpetrado, sem no muro ficarem, todo o plano, no futuro nenhum oppositor mais restaria!
Na cara pisariam, eu lhes juro, da gente! Nossos olhos, com um furo, cegar iriam! Perdem esse dia!
FILHARADA [12.878]
De filhos não queria saber nada o rispido marido, que mandava, grosseiro, na mulher. Mandava à fava alheios commentarios. Que mancada!
Mamãe ella queria ser, coitada, mas elle se negava, cara brava fazia. Fez, machão, que fosse escrava domestica a mulher, inconformada.
Mas essa situação se inverteria. Alguem presenteou com trez bassês o joven casal… Outro dia a dia!
Agora, quem carinhos nunca fez faz sempre! Quem chorava, ja sorria! Mais trez adoptarão depois, talvez…
ORGANIZADAS TORCIDAS [12.879]
No nosso Pindorama havia farras homericas dos indios de pau duro à mostra. À lusitana gente, impuro demais foi isso. Honrou ella as ammarras.
Então os portuguezes suas garras mostraram e, prevendo um mau futuro, deixaram o paiz bastante escuro, sem sopros, sem battuque e sem guitarras.
De nada addeantou. Os pelladões, fallando mal a lingua de Camões, seguiram ballançando suas bimbas…
Depois de independentes, as nações indigenas formaram seus timões e sempre inventarão novas catimbas…
ENNOJADO [12.880]
Aurora que desponcta. Agua que corre nos rios, pela matta affora. As cores são multiplas. Ha passaros cantores. Ninguem aqui de tedio jamais morre.
Ninguem? Ora, haverá, sim, quem desforre! Alguem nojo terá de tantas flores cheirosas, tantos cantos para amores felizes! Disso tudo tive porre!
Acharam que exaltar irei alguma floresta tropical, algum risonho porvir que nossas almas só perfuma?
À merda! Ah, vão tomar no cu! Lhes ponho na bocca meu caralho! Quem presuma que lyrico sou, deixe desse sonho!
PATO MASOCHISTA [12.881]
Os jovens cysnes gostam mesmo dumas risadas dar, às custas de quem sente vergonha de ser pato. Ninguem tente culpal-os! São risonhos, elles, numas…
Si cysne fores, culpas não assumas! Allega que esses patos são somente exemplos de versão deficiente da nossa Natureza! Sem espumas!
Um cysne desses, claro que está certo si curte estuprar patos, si eu desperto, em aves taes, tesão, por ser um pato…
Sou pato masochista, mas aberto será meu jogo. Sinto que estou perto, agora, de gozar… Sim, bronha batto!
QUEM É VOCÊ, LOBO? [12.882]
Você me contactou por este “emeio”, mas não se identifica! Appenas usa de Lobo o codinome… Minha zica de cego ja lhe serve de recreio…
Sabendo que me falta a luz, me veiu com essa zoação: que sou titica pisada por você, que você fica de duro pau… Nem sei si é bello ou feio…
Cahida a tarde, está sempre presente, de entrada, nesta caixa aqui do meu fallante “lapetope”, e bem se sente…
Seu pau eu ja chupei, as solas eu lambi, senti chulé, virtualmente… Hem, Lobo? Vae sumir? Ja me exquesceu?
[NOTAS]
(12.817) Parodiando SER MÃE (Coelho Netto)
Ser mãe é desdobrar fibra por fibra O coração! Ser mãe é ter no alheio Labio, que suga, o pedestal do seio, Onde a vida, onde o amor cantando vibra.
Ser mãe é ser um anjo que se libra Sobre um berço dormido; é ser anxeio, É ser temeridade, é ser receio, É ser força que os males equilibra!
Todo o bem que a mãe goza é bem do filho, Espelho em que se mira affortunada, Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!
Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padescer num paraiso!
Julia (12.818) Parodiando A FLORISTA (Francisca Julia)
Suspensa ao braço a gravida corbelha,
Segue a passo, tranquilla… O sol faisca… Os seus carmineos labios de mourisca Se abrem, sorrindo, numa flor vermelha.
Deita à sombra de uma arvore. Uma abelha
Zumbe em torno ao cabaz… Uma ave, arisca, O pó do chão, pertinho della, cisca, Olhando-a, às vezes, tremula, de esguelha…
Aos ouvidos lhe soa um rumor brando De folhas… Pouco a pouco, um leve somno Lhe vae as grandes palpebras cerrando…
Cae-lhe de um pé o rustico tamanco… E assim descalça, mostra, em abbandono, O vultinho de um pé macio e branco.
(12.819) Parodiando OLHOS NUNS OLHOS (Gilka Machado)
De onde veem, aonde vão teus olhos, creança, tão cansados assim de caminhar? dessa tua exsistencia nova e mansa como pode provir um tal pesar?
A alma de phantasia não se cansa! nunca exsistiu tristeza nesse olhar; é que a minha mortal desesperança te olha e nos olhos teus vae se espelhar.
Com toda a vista em tua vista presa, penso: uma dor tão dolorosa assim só ha na minha interna profundeza…
Não me olhes mais, formoso cherubim! que vejo nos teus olhos a tristeza dos meus olhos olhando para mim.
(12.821) Parodiando NESTE MUNDO (Gregorio de Mattos)
Neste mundo é mais rico o que mais rapa. Quem mais limpo se faz, tem mais carepa. Com sua lingua, ao nobre o vil deceppa. O velhaco maior sempre tem cappa.
Mostra o patife da nobreza o mappa.
Quem tem mão de aggarrar, ligeiro trepa. Quem menos fallar pode, mais increpa.
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por tulipa. Bengala hoje na mão, hontem garlopa. Mais exempto se mostra o que mais chupa.
Para a tropa do trappo vazo a tripa.
E mais não digo, porque a Musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa.
(12.822) Parodiando HORAS MORTAS (Alberto de Oliveira)
Breve momento, appós comprido dia
De incommodos, de penas, de cansaço, Inda o corpo a sentir quebrado e lasso, Posso a ti me entregar, doce Poesia.
Desta janella aberta à luz tardia
Do luar em cheio a clarear no espaço, Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparencia azul da noite fria.
Chegas. O osculo teu me vivifica. Mas é tão tarde! Rapido fluctuas, Tornando logo à etherea immensidade;
E na mesa a que escrevo, appenas fica
Sobre o papel -- rastro das asas tuas, Um verso, um pensamento, uma saudade.
(12.823) Parodiando O VERBO NO INFINITO (Vinicius de Moraes)
Ser creado, gerar-se, transformar
O amor em carne e a carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e addormescer
E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e soffrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldicto
E exquescer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito…
(12.824) Parodiando SENHORITA (Affonso Celso)
Ella, às vezes, nas rendas da mantilha, Com a esbelteza audaz de uma hespanhola, A trança negra, onde aureo pente brilha, E o busto altivo donairosa enrolla;
E provocante, languida, casquilha, Desferindo fragrancias de corolla, Captiva muito orgulho, que se humilha Pedindo amor, como quem pede esmolla!
Então, os seus olhares attrevidos, Não sei por que, recordam dois bandidos, Armados de punhaes longos e finos,
Que entre as moitas floridas da alva estrada, Traiçoeiramente, ficam de emboscada Para assaltar incautos peregrinos!
(12.825) Parodiando INTEIRAMENTE LOUCO (Vicente de Carvalho)
Senhora minha, pois que tão senhora Sois, e tão pouco minha, eu bem entendo Que sorrindo negaes quanto, gemendo, Amor com os olhos rasos d’agua implora.
Meu coração, coitado, não ignora Que num sonho bem vão todo o dispendo E é sem destino que assim vae correndo Cansadamente pela vida affora.
Dizeis do meu amor que é coisa absurda, E elle, teimando, faz ouvido mouco; Nem ha razão que o desvanesça ou atturda.
Não o escutaes? Nem elle a vós tampouco. Que, si sois surda, inteiramente surda, Amor é louco, inteiramente louco.
(12.826) Parodiando o SONNETTO DA PRECE (José Albano)
Bom Jesus, amador das almas puras, Bom Jesus, amador das almas mansas, De ti veem as serenas esperanças, De ti veem as angelicas doçuras.
Em toda parte vejo que procuras O peccador ingrato e não descansas, Para lhe dar as bemadventuranças Que os espiritos gozam nas alturas.
A mim, pois, que de magoa desattino E, noite e dia, em lagrymas me banho, Vem abbrandar o meu cruel destino.
E, terminando este degredo extranho, Tem compaixão de mim, Pastor Divino, Que não falte uma ovelha ao teu rebanho!
(12.827) Parodiando SAUDADE (Bastos Tigre)
Infeliz de quem vive sem saudade, Do agridoce pungir alheio às penas, Sem lembranças de amor e de amizade, Hoje vivendo o dia de hoje, appenas.
Triste de ti, ancião, que te condemnas
À molle insipidez da ancianidade
E não revives na memoria as scenas
De prazer e de dor da mocidade!
Ter saudade é viver passadas vidas, Percorrendo paragens preferidas, Ouvindo vozes que se teem de cor.
Sonha-se… E em sonho, como por encanto, A dor que nos doeu ja não dóe tanto. Gozo que foi é gozo ‘inda maior.
(12.828) Parodiando CAMONEANA DIVAGAÇÃO (Guilherme de Almeida)
Naquella soidão, naquella altura
Onde os olhos nos montes appascento, E é o sonho, no seu doce alheamento, Mais verde d’esperança que a verdura;
Onde a vida addormesce, e de mixtura
Aos sentidos se affaz o entendimento, Alli me vos figura o pensamento, Branda de pensamento e de figura.
Que é minha condição, meu mal sobejo
Andar a minha vista revistando
Appenas o que advista o meu desejo.
Sem ventura de mim que, maginando, Si vos não vejo, sonho que vos vejo, E si vos vejo, cuido estar sonhando!
(12.829) Parodiando LOUCURA VERDE (Affonso Schmidt)
Nas longas noites em que eu me enveneno, cigarro a espiralar sobre cigarro, traz-me a saudade o teu perfil bizarro, que eu não sei mais si é louro ou si é moreno.
Não é bem um perfil, mas um pequeno alvoroço de nevoas, um desgarro de linhas onde, surprehendido, exbarro com o teu olhar a me sorrir, sereno… {c’o}
Depois teu vulto se dilue aos poucos, mas teus olhos heris, como os dos loucos, ficam parados, mortos, ante os meus.
-- Verdes, curvos crystaes, por onde eu vejo monstros verdes passando num cortejo, sob um sol verde como os olhos teus.
(12.830) Parodiando o SONNETTO DO DEFUNCTO (Alphonsus de Guimaraens)
Eu irei para a cova tão sequinho, Que ninguem como fui me reconhesça. E alguem dirá, mirando-me a cabeça: -- “Dos meus sonhos tambem era este o ninho.”
Mendigo, ancião, pobrinho que apparesça Neste poncto final do meu caminho, Ha de benzer-me o esquife de mansinho Como aurea bençam que das auras desça.
Mais perfumado do que um pé de myrto, No sonho que na morte se prolonga, Hei de jazer nas brumas do meu horto.
E ao ver-me assim tão gelido, tão hirto, Entrarei na profunda noite longa, Para o céu, vivo -- para o mundo, morto…
(12.831) Parodiando O PALHAÇO (Padre Antonio Thomaz)
Hontem viu-se-lhe em casa a esposa morta e a filhinha mais nova tão doente! Hoje o empresario vae batter-lhe à porta, que a platéa o reclama impaciente.
Ao palco em breve surge… pouco importa o seu pesar àquella extranha gente. E ao som das ovações que os ares corta, trejeita e canta e ri nervosamente.
Aos applausos da turba elle trabalha para esconder no manto em que se embuça a cruciante angustia que o retalha.
No entanto, a dor cruel mais se lhe aguça e emquanto o labio tremulo gargalha, dentro do peito o coração soluça.
(12.832) Parodiando o SONNETTO DA DOR (Alvares de Azevedo)
Perdoa-me, visão dos meus amores, Si a ti ergui meus olhos suspirando!… Si eu pensava num beijo desmaiando Gozar comtigo uma estação de flores!
De minhas faces os mortaes pallores, Minha febre nocturna delirando, Meus ais, meus tristes ais vão revelando Que peno e morro de amorosas dores…
Morro, morro por ti! na minha aurora
A dor do coração, a dor mais forte, A dor de um desenganno me devora…
Sem que ultima esperança me comforte, Eu -- que outrora vivia! -- eu sinto agora
Morte no coração, nos olhos morte!
(12.833) Parodiando SOBRE OS MALES DA BONDADE (Amadeu Amaral)
Quando menino, ouvi frequentemente que homens duros e perfidos havia, dos quaes devera ser tão differente quanto da noite é differente o dia.
Entrei na Vida como quem, tremente, fosse escalando horrenda serrania…
Quanta vez invejei a bota ingente com que o Pequeno Pollegar fugia!
Jamais, porem, vi monstros a meu lado. Torturas e afflicções -- messe infinita -só almas bem maviosas me teem dado.
-- Oh Vida, quanto da Illusão destoas! Talvez tu fosses muito mais bonita, si não houvesse tantas almas boas…
(12.834) Parodiando BOM DIA (João Ribeiro)
-- Bons dias! minha pallida vizinha! -Ah! quantas horas esperei por ella, Else que ao tempo da alvorada vinha Toda jasmins e rosas, à janella.
Entanto o sol vae alto e a pobre cella Onde habito enche d’oiro. Else, a rainha D’esta riqueza si Else fora minha! -- Bons dias! digo. Que mudez aquella
Na sua casa! Subito, rangendo, A ruidosa vidraça rodopia, Abre-se, a luz em ondulas sorvendo.
E, tremulenta a face de alegria, Eu volto o avido ouvido recolhendo Melhor que oiro do sol o seu “Bom dia!”
(12.835) Parodiando O RISO (Augusto dos Anjos)
O Riso -- o voltairesco “clown” -- quem mede-o?! -- Elle que ao frio alvor da Magoa Humana, Na Via-Lactea fria do Nirvana, Alenta a Vida que tombou no Tedio!
Que à Dor se prende, e a todo o seu assedio, E ergue à sombra da dor a que se irmana Laureis em sangue de volupia insana, Clarões de sonho em nimbos de epicedio!
Bemdicto sejas, Riso, “clown” da Sorte -- Fogo sagrado dos festins da Morte -- Eterno fogo, saturnal do Inferno!
Eu te bemdigo! No mundano cumulo És a Ironia que tombou no tumulo Nas sombras mortas dum desgosto eterno!
(12.836) Parodiando VAE VICTIS! (Raymundo Correa)
Homem! Ao torvo Deus, que há derribado Do humano orgulho as torres de Babel; -- Deus, que nos cria para a dor, cruel; -- Deus, que nos cria e que não foi creado…
Em vão blasphemas, expremendo, irado, A alma -- esponja de lagrymas e fel --; Deus dorme, surdo à nossa voz rebel, Nos fumos do holocausto embriagado.
E hão de ir-se os orbes, como naus, a pique; E, do Orco extremo na horrida caverna, Ha de a raiva espumar, morder-se a dor!
Dor é tudo; e nada ha que justifique Essa revolta universal, eterna, Da creatura contra o creador!
(12.837) Parodiando 33 GRAUS À SOMBRA (Arthur Azevedo)
Calor que os collarinhos me descollas, Vê como tenho as roupas ensopadas!
Ja tomei não sei quantas cajuadas! Ja gastei não sei quantas ventarolas!
Canicula que a toda a gente ammolas
E me privas de algumas namoradas. As pobres ficam; as remediadas, Perseguidas por ti, vão dando as solas!
Do nosso “high-life” as pallidas donzellas, Como um bando travesso de handorinhas
Para as montanhas vão, battendo as asas…
Sem me dizer addeus, voou com ellas
A mais gentil das namoradas minhas!
Dize, meu anjo, é certo que te casas?
(12.838) Parodiando NA ALAMEDA (Pedro Rabello)
Noite, e não vens! De subito, na areia, Sinto-te os passos… Que mulher affoita! Vens, e em cada rosal e em cada moita Como um bando de passaros gorgeia…
Fallas. O atro pavor que em ti se accoita… Dizes, e partes de terrores cheia… Logo dentro das tenebras anxeia, Rispido, o vento e as arvores açoita.
Partes… Pela alameda em sombras, tudo, Vendo-te, à tua pallidez se assombra. Tremem arvores, cresce-te o receio…
E, atra, a sombra te envolve… E eu, doido, e eu mudo, Penso: “Por que não hei de ser a sombra, Para guardal-a dentro do meu seio?”
(12.839) Parodiando OS AMORES DA ARANHA (Olavo Bilac)
Com o velludo do ventre a palpitar hirsuto
E os oito olhos de braza ardendo em febre extranha,
Vede-a: chega ao portal do intrincado reducto, E na gloria nupcial do sol se acquesce e banha.
Moscas! podeis revoar, sem medo à sua sanha:
Molle e tonta de amor, pendente o palpo astuto, E recolhido o anzol da mandibula, a aranha
Anxiosa espera e attrae o amante de um minuto…
E eil-o corre, eil-o accode à festa e à morte! Um hymno
Curto e louco, um momento, abballa e inflamma o fausto
Do aranhol de ouro e seda… E o aguilhão assassino
Da esposa satisfeita abbatte o noivo exhausto, Que cae, sentindo a um tempo, -- invejavel destino! A tortura do espasmo e o gozo do holocausto.
(12.840) Parodiando A BARATTA (Gustavo Teixeira)
Nas fendas e desvãos, em lar humilde ou nobre, Fora da luz, se esconde a timida baratta. Si sae do esconderijo e humano olhar descobre, Prestes foge, e o pavor mais a accelera e acchata.
Raro expalma num voo as asas cor de cobre. A farejar com a tromba, em tudo põe a patta. Ladra voraz, não poupa o negro pão do pobre, Tisna as chartas de amor, mancha o crystal e a pratta.
Mumia escamosa, o odor que exhala causa nojo. Cauta, vive a expreitar do fundo do seu fojo
A lesma que rasteja e o passaro que voa.
Mas raia uma hora azul tambem em sua vida: De branco, um dia, accorda! E é bella, assim vestida, Como a noiva que o amor ao pé do altar coroa…
(12.841) Parodiando NOSTALGIA PANTHEISTA (Augusto de Lima)
Um dia interrogando o niveo seio
De uma concha voltada contra o ouvido, Um longinquo rumor, como um gemido
Ouvi plangente e de saudades cheio.
Esse rumor tristissimo escutei-o;
É a musica das ondas, é o bramido
Que elle guarda por tempo indefinido
Das solidões marinhas donde veiu.
Homem, concha exsilada, egual lamento
Em ti mesmo ouvirás, si ouvido attento
Aos recessos do espirito volveres.
É de saudade esse lamento humano,
De uma vida anterior, patrio oceano
Da unidade concentrica dos seres.
(12.842) Parodiando HOJE (Auta de Souza)
Fiz anos hoje… Quero ver agora
Si este soffrer que me attormenta tanto Me não deixa lembrar a paz, o encanto, A doce luz de meu viver de outrora.
Tão moça e martyr! Não conhesço aurora, Foge-me a vida no correr do pranto, Bem como a nota de choroso canto, Que a noite leva pelo espaço em fora.
Minh’alma voa aos sonhos do passado, Em busca sempre desse ninho amado Onde pousava cheio de alegria.
Mas, de repente, num pavor de morte, Sente cortar-lhe o voo a mão da sorte… Minha ventura só durou um dia.
(12.843) Parodiando o SONNETTO XXVI (Mario Quintana)
Deve haver tanta coisa desabada La dentro… Mas não sei… É bom ficar Aqui, bebendo um choppe no meu bar… E tu, deixa-me em paz, Alma Penada!
Não quero ouvir essa interior ballada… Saudade… amor… cantigas de ninar… Sei que la dentro appenas sopra um ar De morte… Não, não sei! não sei mais nada!…
Manchas de sangue ‘inda por la ficaram, Em cada salla em que me assassinaram… P’ra que lembrar essa medonha historia?
Eis-me aqui, recomposto, sem um ai. Sou o meu proprio Frankenstein -- olhae! O bello monstro ingenuo e sem memoria…
(12.844) Parodiando VONTADE DE MORRER (Manuel Bandeira)
Não é que não me falles aos sentidos, À intelligencia, o instincto, o coração: Fallas demais até, e com tal suasão, Que para não te ouvir sello os ouvidos.
Não é que sinta gastos e abolidos Força e gosto de amar, nem haja a mão, Na dos annos penosa successão, Desapprendido os jogos apprendidos.
E ainda que tudo em mim murchado houvera, Teu olhar saberia, sinão quando, Tudo allertar em nova primavera.
Sem ambições de amor ou de poder, Nada peço nem quero e -- entre nós --, ando Com uma grande vontade de morrer. {c’uma}
(12.845) Parodiando
ENTRE ESSA IRRADIAÇÃO
(Emiliano Perneta)
Entre essa irradiação enorme, que palpita, É possivel que um dia, eu, pallido, a encontrasse, Como a sonora luz de Venus Aphrodita, Em meio do caminho, os dois, e face a face…
E que hallucinação e que febre exquisita, Que cegueira de amor e que illusão fallace, Quando esse gyrasol, para a luz infinita, Ca de dentro de mim, então, desabbrochasse!
Seriam negros ou doirados os cabellos? Juncto daquella flor, tremeria de zelos? Não tombaria morto aos pés desse prazer?
Os olhos de que cor? Não sei. Porem supponho Que seriam assim tão grandes como um sonho… Mas ja passei a vida, e não a pude ver!
(12.847) Parodiando CHROMO (B. Lopes)
Pitangueiras, arreando, carregadas -- Esmeralda e rubim que a luz feria -Scintillavam, em pleno meio-dia, Na argentea praia de um fulgor de espadas.
Sob o largo frondel eram risadas, Toda uma festa, um chalro, a vozeria De um rancho alegre e simples que colhia: Moças -- fructas, e moços -- namoradas.
Em cyma outra alluvião, por todo o mangue, De sanhaços, sahys e tiês-sangue, Polychromia musical da matta.
E attravés da folhagem mehuda e cheia
Bordava o sol, ao pino, sobre a areia Um crivo de oiro num sendal de pratta!
(12.848) Parodiando
HISTORIA DA POESIA BRAZILEIRA
(Carlos Penna Filho)
Roubaste o verde aos impossiveis mares e o roxo das incautas caravellas. Por isso, és governada por aquellas gravissimas perturbações lunares.
Na fuga que fizeste dos altares buscando o imponderavel das janellas, trocaste appenas quadros seculares pelas cores de novas aquarellas.
Dahi, eu te dizer que foste, outrora, habitada por tragicas mudanças sem nunca te encontrares, como agora.
Tambem, tu nada sabes de exquivanças e assistes, fragil e indefesa embora, dentro de ti saltarem novas Franças.
(12.851) Parodiando SEPTIMA SOMBRA: DULCE (Castro Alves)
Si houvesse ainda talisman bemdicto
Que desse ao pantano -- a corrente pura, Musgo -- ao rochedo, festa -- à sepultura, Das aguias negras -- harmonia ao grito…
Si alguem pudesse ao infeliz precito
Dar logar no banquete da ventura…
E trocar-lhe o vellar da insomnia escura
No poema dos beijos -- infinito…
Certo… serias tu, donzella casta, Quem me tomasse em meio do Calvario
A cruz de angustia, que o meu ser arrasta!…
Mas si tudo recusa-me o fadario,
Na hora de exspirar, ó Dulce, basta
Morrer beijando a cruz de teu rosario!…
(12.852) Parodiando AGUA CORRENTE (Olegario Mariano)
Agua corrente! Agua de um rio quieto Cortando a alma ignorada do sertão! Levas à tonna, adspecto por adspecto, Os adspectos da vida em refracção.
Agua que passa… Sonho predilecto Do lavrador que lavra o duro chão. Trazes-me sempre a evocação de um tecto… Agua! Sangue da terra! Religião…
Ha na tua bondade humana e leal, Quando a roda maior moves do Engenho, Qualquer bafejo sobrenatural…
Ouvindo, ao longe, o teu magoado som, Agua corrente! eu me enternesço e tenho Uma immensa vontade de ser bom…
(12.853) Parodiando MUSEU (Cecilia Meirelles)
Espadas frias, nitidas espadas, duras viseiras ja sem perspectiva, sceptro sem mãos, coroa ja não viva de cabeças em sangue naufragadas;
anneis de demorada narrativa, leques sem fallas, trompas sem caçadas, pendulos de horas não mais escutadas, espelhos de memoria fugitiva;
ouro e pratta, turquezas e granadas, que é da presença passageira e exquiva das heranças dos poetas, mallogradas:
a estrella, o passarinho, a sensitiva, a agua que nunca volta, as bem amadas, a saudade de Deus, vaga e inactiva…?
(12.854) Parodiando um SONNETTO ININTITULADO (Maciel Monteiro)
Sonhei que, nos teus braços reclinado, Teu rosto encantador, oh! Deusa, eu via, Que mil avidos beijos eu fruia No niveo collo teu, ao mais sagrado.
Sonhei que era feliz, por ser ousado; Que a força, a voz, a cor e a luz perdia, Em ecstase suave, em que bebia O nectar, nem por Jove ‘inda libado…
E no mais doce e no melhor momento, Exhalando um suspiro de ternura, Accordo, acho-te só no pensamento!
Oh! destino cruel, oh! sorte dura, Nem me perdura um vão contentamento, Nem me perdura em sonhos a natura.
(12.856) Parodiando MARQUEZ DE POMBAL (1/2) (Claudio Manuel da Costa)
(1)
Sombras illustres dos varões famosos, Que a Grecia e Roma destes leis um dia, Vós que do Elysio na região sombria
Respiraes entre os zephyros mimosos.
Grande Lycurgo, ó tu, Solon, que honrosos
Loiros cingis; que egregia companhia
Fazeis aos Mazarinos; eu queria
Adorar vossos vultos magestosos:
Vós fizestes da vossa Patria a gloria; Por vós é hoje feliz a humanidade, Que dignos sois de uma immortal historia!
Cesse, cesse, porem, vossa vaidade, Que basta a escurescer vossa memoria Um Carvalho, que adora a nossa edade.
(2)
Thallar Provincias, arrasar Cidades, A cinzas reduzir Reinos inteiros, Foram desses Espiritos guerreiros As nobres, immortaes heroicidades.
Mas si elles são lembrados nas edades Por grandes, por distinctos, por primeiros, Nas campanhas, nas praças, nos terreiros Vive ainda o terror das impiedades.
Si Alexandre, Scipião, Cesar, Pompeio Cingem na Fama o disputado loiro, O seu orgulho a funestal-os vejo.
Vós da Fortuna com mais fausto agoiro Vivei, Marquez, pois encontraes o meio De nos fazer gozar da edade de oiro.
(12.857) Parodiando ERA UMA VEZ… (Augusto Meyer)
Quem passa? É o Rei, é o Rei que vae à caça!
Mal filtra o luar a sombra do arvoredo.
Joãozinho, a um restolhar, treme de medo, Maria escuta, si uma folha exvoaça…
Era uma vez um rei… jogou a taça
Ao mar, e o amargo mar guarda o segredo…
E a princezinha que cortou o dedo?
Faz muito tempo… Como a vida passa!
Era uma vez a minha infancia linda
E o sonho, o susto, o vago encanto alado…
Vem a saudade e conta-me baixinho
Velhas historias… E eu ja velho ainda
Sou um Pequeno Pollegar cansado
Que pára e hesita, em busca do caminho…
(12.858) Parodiando o SONNETTO DO OCCASO (Gonçalves Crespo)
Sarah, quando me vês, suave e brando, Repellir os teus beijos amorosos, Talvez julgues, mulher, ir declinando O alegre sol dos dias teus formosos.
Como te engannas, flor! choro pensando Que foste irman dos lirios setinosos, E que talvez o céu fulgiu brilhando De teus olhos nos raios luminosos…
Quem te colheu o beijo primitivo?
Que Fausto ou Mephistopheles altivo Te ennodoou as vestes, Margarida?
Escuta: emquanto dormes, impudente, Talvez nalguma estrella resplendente Chore tua alma triste e arrependida.
(12.859) Parodiando FUMUS NIHIL (Martins Fontes)
Ri-se a caveira. É justo que se ria. Ri-se da insensatez do Ecclesiaste, Que, por mais que torture e revergaste, Ainda exprime a vergonha da uffania.
Diz, na Quaresma, a Egreja, em liturgia, E a presumpção tomando por contraste, A mentira com que te ensoberbaste, Que és pó e ao pó has de voltar um dia.
E a vaidade ainda nisto se accentua. Nunca se viu vangloria egual à tua, Que nem a morte faz que se desfaça.
Homem, o pó se vê, o pó se sente, E te annullas, inteira e totalmente, Sendo menos que pó, porque és fumaça.
(12.860) Parodiando PÉS (Cruz e Souza)
Lividos, frios, de sinistro adspecto, como os pés de Jesus, roptos em chaga, inteiriçados, dentre a aureola vaga do mysterio sagrado de um affecto.
Pés que o fluido magnetico, secreto da morte maculou de extranha e maga sensação exquisita que propaga um frio n’alma, doloroso e inquieto…
Pés que boccas febris e appaixonadas purificaram, quentes, inflammadas, com o beijo dos addeuses soluçantes.
Pés que ja no caixão, enrijescidos, atterradoramente indefinidos geram fascinações dilacerantes!
(12.861) Parodiando A CAROLINA (Machado de Assis)
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida, Aqui venho e virei, pobre querida, Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquelle affecto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida, Fez a nossa exsistencia appetescida
E num recantho poz um mundo inteiro.
Trago-te flores, -- restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, si tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados, São pensamentos idos e vividos.
(12.862) Parodiando A ARANHA (Luiz Delphino)
Quando na fina, complicada teia
A mosca prende as asas rutilantes, E sente em cada pé uma cadeia, Que ao céu lhe furta os voos iriantes,
Stringe… que quasi o ergastulo baqueia: Tempesteia, relucta alguns instantes: Porem de longe a aranha escura e feia Lhe alteia o muro, aos gritos lacerantes;
Stringe… revoa, cae: stringe, desacta As asas da esmeralda, e oiro, e pratta, Como luctara uma aguia emmaranhada,
E Prometheu: mas cede à força extranha. Move-se então, caminha, chega a aranha. E, antes que a empolgue, pára ‘inda atterrada.
(12.863) Parodiando ALVORADA (Luiz Carlos)
Deus que tem sido para mim clemente, Dando-me graças pela vida affora, Viu que o meu lar sorria, tristemente E quiz tocal-o de um sorrir de aurora.
Toda a minha alegria andava ausente. Eis sinão quando, na ineffavel hora, Em que o crepusculo angeliza o poente, Alguem me diz: És mais feliz, agora.
E, nessa noite, entre a caricia e o brilho De uma nuvem de estrellas, numa salva, Vieste a meus braços, filho de meu filho!
E, em minha casa de feições singellas, Vendo, hoje, em ti, raiar a estrella d’alva, Os passarinhos cantam nas janellas.
(12.864) Parodiando o SONNETTO POSTHUMO (Abgar Renault)
Appós trinta annos, seculos ou dias, encontro-me, e não mais me reconhesço: as duas syllabas do sonho, frias, dormem silencio no meu labio espesso;
o vento e a chuva contam-me o endereço de um obliquo paiz de allegorias, em que formas e cores pelo advesso fallam commigo brumas e hinvernias;
immoveis rios, negros, negros cactos, carbonizadas fontes, mortos tactos copio em paginas de gelos ou
solettro as lettras do jamais (sem vel-as) e a solidão do sol e das estrellas: sem pés caminho e ausentemente sou.
(12.865) Parodiando o SONNETTO DA LOUCURA (Carlos Drummond de Andrade)
A minha casa pobre é rica de chimera e si vou sem destino a trovejar expantos, meu nome ha de romper as mais nevoentas eras tal qual Pentapolim, o rei dos Garamantas.
Rolla em minha cabeça o tropel de battalhas jamais vistas no chão ou no mar ou no inferno. Si da escura cozinha excappa o cheiro de alho, o que nelle recolho é o olor da gloria eterna.
Donzellas a salvar, ha milhares na Terra e eu parto e meu rocim, corisco, espada, grito, o torto endireitando, heroe de seda e ferro,
e não durmo, abbrazado, e janto appenas nuvens, na fervida obsessão de que emfim a bemdicta {férvida} Edade de Ouro e Sol baixe la das alturas.
(12.866) Parodiando NATAL (Emilio de Menezes)
Neste Natal quizera eu ter a dicta
De ir ao teu lado, à sombra do teu vulto, Ao menino Jesus render meu culto
Numa egrejinha simples e catita.
Longe dos faustos deste mundo estulto, Num idyllio de monja e cenobita
Entre os meus braços o teu rosto occulto, Do amor a bençam receber bemdicta.
Da natureza ouvindo a symphonia.
La no Leme, entre as aguas e as montanhas
Passarmos docemente o inteiro dia.
E à noite, appós “complicações” tamanhas
Fazermos a consoada numa orgia
De vinho verde, beijos e castanhas.
(12.867) Parodiando À ESPERA DO BOLLO… (Gonçalves Dias)
Appenas oiço dar Ave-Maria, Quer seja tempo bom, quer trovoada, La vou eu nesta vida mallograda Ao pão-nosso, que espero em cada dia!
De creanças me assalta uma algarvia, E a velha a pespegar-me apparelhada Contos da eterna seducção malvada
Da quadrilha de heroes que a perseguia!
O campo de Sancta Anna attravessando, -- Meu Deus, isto é que é não ter miolo! -Para ver uns nenês que estão mammando!
Vê por fim si me dás ou não do bollo: Si sim, nada direi; si não, bradando Jurarei terra e céus não ser mais tolo!
(12.868) Parodiando LUSITANO (Thomaz Antonio Gonzaga)
Quando o torcido buço derramava
Terror no adspecto ao Portuguez sisudo, Quando, sem pó nem oleo, o pente agudo, Duro, intonso, o cabello em laço aptava.
Quando contra os Irmãos o braço armava O forte Nuno, oppondo escudo a escudo; Quando a palavra, que prefere a tudo, Com a barba arrancada João firmava.
Quando a mulher à sombra do marido Tremer se via; quando a Lei prudente Zelava o sexo do civil ruido;
Feliz então, então só innocente Era de Luso o Reino. Oh! bem perdido! Dictosa condição, dictosa gente!
(12.869) Parodiando IN EXCELSIS! (Hermes Fontes)
Gloria a Ti, que és perfeita em quanto, humanamente, possa alguem attingir à perfeição moral! Gloria! Ao desabbrochar dessa alma redolente, o incenso do meu culto, o hymno do meu ritual!
Gloria a Ti, só a Ti, pois é de Ti, somente, ó Expressão Natural do Sobrenatural, e é só em Ti, que encontro a invisivel semente com que, assim, fructifico em pensamento e ideal!
Gloria, em Ti, alma-irman! Milagre, que conferes a todos os que attraes e a mim, que repudias, a alta revelação da maravilha que és!
Gloria, em Ti, ao Amor! Gloria, em Ti, às mulheres! A Ti, que reduziste a gloria dos meus dias a degrau do teu Solio, a escrinio dos teus pés!…
(12.871) Parodiando MENINOS (1/2) (Jorge de Lima) (1)
Nas noites enluaradas cabelleiras das moças debruçadas, dos sobrados desciam como gattas borralheiras por sobre os nossos labios descuidados.
Beijavamos os cachos; das olheiras dellas cahiam prantos obstinados. Calmavamos com elles as fogueiras dos nossos proprios olhos assustados.
Romanticos demais. Nós os meninos urdiamos as tranças, e em seus braços ouviamos suspiros desolados.
Ellas tinham soluços repentinos e nos accalentavam nos regaços. Ó meninos, ó noites, ó sobrados!
Nas noites enluaradas as olheiras das donzellas suicidas dos sobrados illuminavam aves agoureiras e cães vadios phthisicos e odiados.
E tambem vinham claunes embriagados e sonambulas gattas borralheiras, sombras errantes, sombras forasteiras, rostos em cal e cinza transformados.
Nós eramos meninos evadidos nas insomnias das febres e das asthmas, os olhos pelas noites accordados.
Musas de infancia ungiam meus sentidos. Eram musas infantes ou phantasmas? Ó meninos, ó noites, ó sobrados!
(12.872) Parodiando CRUCIFIXO NA PAREDE (J. G. de Araujo Jorge)
Puzeste na parede, sobre o leito, um bello crucifixo de madeira; é essa imagem de amor, puro e perfeito, que ha de guiar-nos pela vida inteira…
A tua idéa, eu, em principio, a acceito, pois sei que tua fé é verdadeira, tambem eu, a esse Christo, rendo preito, si fez do Amor sua missão primeira.
Mas deixa que te diga meus receios: -- como ter-te em meus braços, te colher, dar completa evasão aos meus anxeios
ante essa imagem de pureza e dor? -- Como é que esse bom Christo ha de entender as loucuras sem fim do nosso amor?
(12.873) Parodiando RENEGADO (Judas Isgorogota)
Odeias-me; pois bem: não seja eu quem faça
Soffrer um dia mais… Move os labios e ordena!
Que se exquive de ti a mais leve desgraça!
Que a ventura de mim se exquive, a mais pequena!
Minha condemnação serenamente traça!
É réu meu coração! Ninguem delle tem pena!
Arremessa-o ao chão assim como uma taça
Em que se liba o fel da maldicção terrena!
Ordena e partirei! Norte ou sul, este ou leste…
Pariah, que importa ser si o sou porque quizeste!
Manda e irei mundo em fora, odiado dos meus,
Repellido dos maus, renegado de todos,
Repudiado dos bons e crivado de appodos,
Enjeitado do mundo e exquescido de Deus!
(12.874) Parodiando OLHOS MYSTICOS (Julio Cesar da Sylva)
Si te olho longamente, os teus olhos paresce Crescerem; nelles vejo um como grande lago, De aguas placidas onde, em tremuras de affago, O aureo reflexo das estrellas extremesce.
Têm não sei que expressão de saudade e de prece Balbuciada baixinho em momento presago… Olhos claros, de um tom poeticamente vago De céu pallido, quando o crepusculo desce…
Teus olhos ora teem expressões vagas, entre Uma dor e outra dor, ora as feições magoadas Da Virgem ao sentir a dor correr-lhe o ventre…
E sempre claros, sob as pálpebras pesadas, Eil-os fictos em mim, destacando-se dentre Os arcos roxos das olheiras maceradas…
(12.875) Parodiando VELHA NATUREZA (Raul de Leoni)
Tudo que a velha Natureza gera
Vae sempre rhumo do melhor futuro; Ella fecunda com o animo seguro {c’o}
De quem muito medita e delibera…
O seu genio de artista mais se exmera
Na theoria subtil do claro-escuro,
Com que exalta a verdade mais austera, Frisando em tudo o symbolo mais puro…
Só faz o Mau e o Hediondo para effeito
De projectar mais longe e sem nuance
A alma cheia de luz do que é perfeito,
Como cavou o Abysmo nas entranhas, Para dar mais relevo e mais alcance
À soberba estatura das montanhas…
(12.876) Parodiando RHYTHMO ETERNO (Pedro Kilkerry)
Abro as asas da Vida à Vida que ha la fora.
Olha… Um sorriso da alma! -- Um sorriso da aurora! E Deus -- ou Bem! ou Mal -- é Deus cantando em mim, Que Deus és tu, sou eu -- a Natureza assim.
Arvore! boa ou má, os fructos que darás Sinto-os sabendo em nós, em mim, arvore, estás.
E o Sol, de cujo olhar meu pensamento inundo, Casa multiplicando as asas deste mundo…
Oh, braços para a Vida! Oh, vida para amar! Sendo uma onda do mar, dou-me illusões de um mar… Alvor, turqueza, ondula a materia… É velludo,
É minh’alma, é teu seio, e um firmamento mudo.
Mas, aos rhythmos da Terra, és um rhythmo do Amor?
Homem! ouvir a teus pés a Natureza em flor!
(12.877) Parodiando um SONNETTO ININTITULADO (Junqueira Freyre)
Jovens filhos da patria, em vossos peitos
Depõe a patria seu porvir de gloria: Revolve sonhos de immortal memoria, Adejando inquieta em vossos leitos.
De vós espera sublimados feitos, P’ra ornar de palmas a futura historia; Espera em vós, como esperava em Doria, Doria tão joven, como vós, nos pleitos.
Athletas do porvir, marchae seguros
Da liberdade à festa sacrosancta, A levantar-lhe mais altivos muros.
Marchae: -- que aos livres nem o céu supplanta, E o indio do Brazil, sem elmos duros, No olhar somente os despotas expanta.
(12.878) Parodiando O FILHO (Luiz Guimarães Junior)
A vida delle era uma gargalhada,
A vida della um pranto. Ella chorava
Sob o cruel trabalho que a mactava, Elle ria na tasca enfumaçada.
Jamais nos labios della a asa doirada
De um sorriso passou; jamais na cava
E horrenda face delle resvallava
Siquer de um pranto a perola nevada.
Mas Deus, que deu à entranha de Maria
O redemptor dos homens, Deus lhes fez
Uma esmolla: -- Deus fel-os paes um dia;
E, emfim, beijando ao filho os niveos pés,
Pela primeira vez ella sorria
E elle chorou pela primeira vez.
(12.879) Parodiando o SONNETTO DAS ENTRADAS (Pedro Xisto)
Da terra dos palmares rompe as barras verdes (entreluzindo, um ouro puro…) ó Luso que, do sonho sob as garras, proa trouxeste contra todo escuro.
À tua espera vês porto seguro; e a nau, sinão teu peito, logo ammarras. alto, o cruzeiro queres; largo, o muro; longo, o beiral em ninhos e guitarras.
À lua cheia, tens lençoes macios, de que despertes bem com os estios quando se advulta a patria nova, estuante.
Os septe mares, troca pelos rios sem compta nem medida. E corre, addeante, ao chamado da terra, ó bandeirante!
(12.880) Parodiando ENNOJO (1/2) (Fagundes Varella) (1)
Desponcta a estrella d’alva, a noite morre, Pullam no matto aligeros cantores, E doce a brisa no arraial das flores, Languidas queixas murmurando, corre.
Voluvel tribu a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores; Soluça o arroio; diz a rolla amores
Nas verdes balsas donde o orvalho excorre.
Tudo é luz e exsplendor; tudo se exfuma Às caricias d’aurora, ao céu risonho, Ao floreo bafo que o sertão perfuma!
Porem minh’alma triste e sem um sonho Repete olhando o prado, o rio, a espuma: -- Oh! mundo encantador, tu és medonho!
(2)
Vem desponctando a aurora, a noite morre, Desperta a matta virgem seus cantores, Medroso o vento no arraial das flores Mil beijos furta e suspirando corre.
Extende a nevoa o manto e o val percorre, Cruzam-se as borboletas de mil cores, E as mansas rollas choram seus amores Nas verdes balsas onde o orvalho excorre.
E pouco a pouco se exvaesce a bruma, Tudo se alegra à luz do céu risonho E ao floreo bafo que o sertão perfuma.
Porem minh’alma triste e sem um sonho Murmura olhando o prado, o rio, a espuma: Como isto é pobre, insipido, enfadonho!
(12.881) Parodiando CYSNES (Julio Salusse)
A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente, Tem sido para nós constantemente Um lago azul, sem ondas nem espumas.
Bem cedo quando, desfazendo as brumas
Matinaes, rompe um sol vermelho e quente, Nós dois vogamos indolentemente, Como dois cysnes de alvacentas plumas.
Um dia um cysne morrerá, por certo… Quando chegar esse momento incerto, No lago onde talvez a agua se tisne,
Que o cysne vivo cheio de saudade
Nunca mais cante, nem sozinho nade, Nem nade nunca ao lado d’outro cysne.
(12.882) Parodiando QUEM ÉS TU, LOBA? (Ernani Rosas)
Quem és tu, loba ingente? que me buscas e attalhas meu soffrer incerto a Luz… e a estrella, que eu ideei no céu, me offuscas… no entanto, est’alma triste inda reluz…
Nuvem exstincta do sol… ja, na alvorada… foste a morte, que as horas escuresce agguardando de lamina doirada, o precursor do Sonho que floresce…
Inesperadamente, entardesci! como um castello à sombra de um cedral, pelo meu coração tu’anxia ergui.
Senti-Me arrebattar por teus segredos, escravo do teu Elo immaterial… Columna envolta à vida dos teus dedos…
INDICE DOS AUCTORES PARODIADOS Albano,
Alves,
Anjos,
Assis,
Azevedo,
Azevedo,
Bandeira,
Bilac, Olavo: OS AMORES
Carlos, Luiz: ALVORADA.............................111
Carvalho, Vicente de: INTEIRAMENTE LOUCO............76
Celso, Affonso: SENHORITA...........................75
Correa, Raymundo: VAE VICTIS!.......................87
Costa, Claudio Manuel da: MARQUEZ DE POMBAL (1/2)
Crespo, Gonçalves: SONNETTO DO OCCASO..............106
Delphino, Luiz: A
Dias, Gonçalves: À
Fontes, Martins: FUMUS
Fontes, Hermes: IN EXCELSIS!.......................117
Freyre, Junqueira: SONNETTO
Gonzaga, Thomaz Antonio: LUSITANO..................116
Guimaraens, Alphonsus de: SONNETTO
Guimarães Junior, Luiz:
Isgorogota, Judas: RENEGADO........................121
Jorge, J. G. de Araujo: CRUCIFIXO
Julia, Francisca:
Kilkerry, Pedro:
Leoni, Raul de:
Lima, Jorge de:
Lopes,
Machado, Gilka:
Mariano, Olegario:
Netto, Coelho:
Oliveira,
Penna
Perneta, Emiliano:
Quintana, Mario:
Rabello, Pedro:
Renault, Abgar:
Ribeiro, João:
Rosas, Ernani: QUEM ÉS TU,
Salusse, Julio: CYSNES.............................130
Schmidt, Affonso: LOUCURA
Souza, Auta de: HOJE................................93
Souza, Cruz e: PÉS.................................108
Sylva, Julio Cesar da: OLHOS MYSTICOS..............122
Teixeira, Gustavo: A BARATTA........................91
Thomaz, Padre Antonio: O
Tigre, Bastos: SAUDADE..............................78
Varella, Fagundes: ENNOJO (1/2)....................128
Xisto, Pedro: SONNETTO DAS ENTRADAS................127

Casa de Ferreiro
