Revista FOCUSSOCIAL 25 | junho 2024

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DOSSIÊ TEMÁTICO

DOSSIÊ TEMÁTICO

Saúde Mental e Pobreza

Saúde Mental e Pobreza

TERRITÓRIO BEJA

TERRITÓRIO ÉVORA

Saúde Mental e Pobreza

• Em Focus | Na pobreza e na saúde mental “estamos sempre a condenar quem é diferente” ........... 4

# A história de quem vive | “É preciso pedir ajuda”, para conseguirmos “mudar mentalidades” ........... 8

# A voz de quem vive | “Levei 20 anos até pedir ajuda. Salvou-me a vida” 10

# O nosso lado | “É preciso haver um sobressalto cívico” para melhores respostas na saúde mental e pobreza ........... 12

Évora

• BI Distrital 18

# Melhorar respostas, para uma melhor vida para os eborenses ........... 20

# Apoiar, sensibilizar e alertar para que sejam cumpridos os direitos das crianças ........... 22

# APPACDM Évora: é FundaMental cuidados para a Saúde Mental 26

• ReViver! A boa memória da ASSRN! 32

•Na 8ª Edição d’O Futuro Começa Agora, “Liberdade” e “Democracia” foram as palavras de ordem ........... 36

•Celebrar a interculturalidade com mais de 220 atividades e 237 parceiros por todo o país ........... 42

•Migrações: mais de metade da população portuguesa considera existir discriminação no país ........... 46

•Eleições Legislativas: EAPN Portugal apelou aos partidos para que o combate à pobreza fosse prioridade nas agendas políticas ........... 48

•Pensar Paranhos ........... 52

•Ensino Superior e EAPN Portugal juntam-se para combater a pobreza ........... 56

•Desafios para a Transição da Vida Adulta de Jovens Institucionalizados e os Apartamentos de Autonomização da ASAS como estratégia de apoio a uma transição securizante 58

•Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza 2024 ........... 62

•EAPN Portugal apela a que o combate à pobreza seja prioridade no Parlamento Europeu ..........64

A EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza tem estado atenta à relação existente entre os estados de saúde mental e as condições de pobreza e exclusão social, sendo este um dos temas mais prementes nos dias de hoje. Conscientes de que as causas da pobreza e da exclusão social devem ser procuradas e tratadas nas suas múltiplas facetas e para que, mais do que uma luta, esta possa ser uma caminhada em conjunto com todas as pessoas que constituem a nossa sociedade, procuramos abordar o tema da saúde mental no Dossiê Temático. Esta atenção à referida temática deve-se à necessidade de “haver um sobressalto cívico para melhores respostas na saúde mental e pobreza”, tal como refere a Dra. Joaquina Madeira na sua entrevista. Um sobressalto que deve ter por base testemunhos na primeira pessoa que vivem diariamente com estas dificuldades e consequentemente, com ideias erradas cravadas nas suas vivências. Vivências caraterizadas por uma profunda incompreensão remetendo muitas vezes os cidadãos para a invisibilidade. Uma invisibilidade da qual todos nós somos responsáveis.

Relativamente à rubrica Território, destacamos o Distrito de Évora, na qual se apresenta um retrato infográfico que nos permite obter uma leitura breve da situação socioeconómica do território. No entanto, e de forma complementar, damos a conhecer de forma mais aprofundada alguns dos projetos e das iniciativas que estão a ser desenvolvidos e que fazem a diferença junto da comunidade na qual estão inseridos.

Na rubrica EAPN Em Rede enfatizamos o debate com os representantes dos partidos políticos candidatos às eleições legislativas na qual a EAPN Portugal apelou para que o combate à pobreza fosse prioridade nos programas e nas agendas políticas. Destacamos igualmente a) a Semana da Interculturalidade que promove o trabalho em rede e o conhecimento de várias culturas na nossa sociedade; b) o Evento dos Jovens – O Futuro Começa Agora em que os mais novos se assumem como os verdadeiros protagonistas da construção de uma sociedade mais equitativa e reforçando os valores da liberdade e da democracia; c) Pensar Paranhos que surge como uma oportunidade de construir um diagnóstico participativo envolvendo todos os agentes locais inclusivamente os próprios cidadãos e, por último, d) a Estratégia com a Academia que a EAPN Portugal definiu para fortalecer a ação coordenada do combate à pobreza e exclusão social.

No sentido de promover a voz dos nossos associados, apresentamos ainda a intervenção desenvolvida pela ASAS – Associação de Solidariedade e Ação Social de Santo Tirso junto de jovens institucionalizados e dos apartamentos de autonomização como estratégia de apoio a uma transição securizante; e a Associação de Solidariedade Social e Recreativa de Nespereira, uma organização com quase 30 anos de trabalho no terreno, com muito para contar.

Por fim, na rubrica EAPN na Europa evidencia-se o 22º Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza que teve como objetivo refletir as condições e as ambições necessárias para continuar a construir uma Europa social forte, assim como o Almoço-debate ocorrido em maio com os candidatos portugueses às eleições europeias no sentido de refletir sobre as causas estruturais da pobreza, dando a conhecer a posição e as preocupações da EAPN Portugal em matéria de luta contra a pobreza e conhecer as propostas dos candidatos nesta matéria através de um diálogo com outros representantes da sociedade civil.

Perante um contexto social e político desafiante, promover a reflexão sobre os mais diversos temas implícitos nesta edição convida-nos à inquietude e necessidade de uma atenção redobrada sobre as políticas sociais europeias e nacionais visto que estas refletem a intervenção que desenvolvemos junto dos cidadãos. O combate à pobreza exige o compromisso de todos e um olhar atento e permanente às múltiplas causas estruturais para que possamos intervir nas causas garantido a dignidade a todos os cidadãos.

Maria José Vicente

SAÚDE MENTAL E POBREZA

Dossiê Temático
Na pobreza e na saúde mental “estamos sempre a condenar quem é diferente”

Só acontece aos outros. Bicho papão. Coitadinho. Perdido. Bicho de sete cabeças. Demasiado sensível. São muitos os nomes e expressões que se dão à saúde mental. Mais ainda quando conjugamos pobreza e saúde mental. Dois fenómenos que têm tanto de comum quanto de diferente. Porém, há algo que tem concordância generalizada: a falta de soluções é, essa sim, um bicho de sete cabeças.

Comecemos por clarificar cada um destes conceitos. Em 2002, a Organização Mundial da Saúde definia saúde mental como “um estado de bem-estar no qual cada pessoa consegue concretizar o seu potencial, consegue lidar com os desafios do dia-a-dia, consegue trabalhar de forma produtiva e contribuir para a sua comunidade”.

Já a pobreza, apesar das suas muitas dimensões, pode ser descrita como “uma condição humana caracterizada por privação sustentada ou crónica de recursos, capacidades, escolhas, segurança e poder necessários para o gozo de um adequado padrão de vida e outros direitos civis, culturais, económicos, políticos e sociais”, de acordo com a Comissão sobre Direitos Sociais, Económicos e Culturais das Naç ões Unidas, em 2001.

Será que podemos, então, traçar uma relação bidirecional entre pobreza e saúde mental?

“Tanto a pobreza como um problema de saúde mental colocam as pessoas numa situação de vulnerabilidade, com repercussões a todos os níveis que anteriormente foram referidos como sendo sinal de saúde mental. Se pensarmos no caso da pobreza, as necessidades básicas de vida estão condicionadas, como o local onde se vive; a alimentação que se tem; o acesso a todos os tipos de “bens” para satisfazer a dimensão pessoal, familiar, social de cada pessoa. Uma constante exposição ao stress, angústia, ansiedade que daqui advêm pode levar ao desenvolvimento de um problema de saúde mental. Por outro lado, pessoas em situação de pobreza geralmente têm menos acesso a serviços de saúde mental, estão mais isoladas e excluídas”, explica a presidente da Direção da ENCONTRAR+SE, Filipa Palha.

“É uma proximidade real, objetiva, não há volta a dar, a pessoa fica presa. Quanto mais precoce for o diagnóstico de saúde mental maior é o risco de pobreza”, ressalva Maria João Vargas Moniz, investigadora e docente no Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA). A investigadora explica que “independentemente da origem socioeconómica da pessoa que tem experiência ou um diagnóstico de doença mental é o facto de, no seu percurso de vida, ela poder ter sempre essa proximidade à pobreza. Se a pessoa já vier de um contexto socioeconómico vulnerável, a probabilidade de ela continuar a ter um percurso vital na pobreza é muito alta”.

O contexto atual português não ajuda a quebrar este círculo. Maria João Vargas Moniz sublinha “o desequilíbrio entre o custo da habitação e o valor das subvenções às quais as pessoas têm acesso”. “Estamos sempre a condenar quem é diferente, quem tem uma problemática”, refere.

Também Filipa Palha concorda que a situação atual não é favorável para quem está numa situação de pobreza e/ou doença mental. “Para além dos desafios decorrentes de viver com um problema que afeta a forma como pensamos, sentimos, nos relacionamos com nós próprios e com o mundo, a verdade é que as pessoas têm enfrentado enormes desafios no que diz respeito ao acesso a cuidados de saúde de que precisam, ao estigma e discriminação a que são sujeitas, condicionando o seu processo de recuperação e inclusão social. Como consequência desta vulnerabilidade, também elas enfrentam desafios ao nível do acesso e manutenção de um trabalho, acesso a habitação, gestão financeira, entre outros, que também podem levar à situação de pobreza”, evidencia Filipa Palha.

Maria João Vargas Moniz aponta a importância de existir intervenção precoce nesta situação, em especial na área da educação. “A educação é intrinsecamente um fator protetor. Quanto mais tiverem oportunidades, mais são capazes de ultrapassar estas situações. E quanto mais jovens forem, mais a possibilidade têm de colocar a problemática da saúde mental no seu devido lugar”, explica.

O seu devido lugar, explica a investigadora, significa não tornar a doença mental como algo característico, um traço de personalidade. “O diagnóstico não define a pessoa. Não é uma questão identitária. «Eu sou doente mental». Não. Eu tenho uma problemática de saúde mental. Isso faz toda a diferença na forma como a própria pessoa preserva as esferas de identidade. A vida a ser vivida na sua plenitude, vista à lente de um diagnóstico, é completamente diferente de ver a vida como acontecimentos factuais”.

Afinal, o que podemos fazer para combater esta relação bidirecional, e, ao mesmo tempo, duas problemáticas tão fortes?

“Para podermos crescer nesta área precisamos de fazer um grande trabalho de interface entre a saúde e as outras áreas sociais. Embora falemos muito sobre a importância de trabalhar em parceria e em rede, ainda temos muitas brechas. E é nessas brechas que as pessoas caem. Ao ponto de ficarem na rua, em situação de sem-abrigo”, alerta Maria João Vargas Moniz.

“A relação entre pobreza e doença mental é complexa, difere de contexto para contexto, e exige soluções abrangentes que considerem os diversos fatores envolvidos”, destaca Filipa Palha. Já Maria João Vargas Moniz sublinha que é preciso criar ambientes coerentes, onde sobressaio trabalho em parceria e em rede, de forma estratégica.

“É fundamental articular políticas públicas que combatam desigualdades, a exclusão social, permitindo garantir o acesso a necessidades básicas como a habitação, educação, segurança, trabalho seguro e digno, cuidados de saúde, sem os quais é difícil viver plenamente”, aponta Filipa Palha. Porém, também é necessário garantir que os cuidados de saúde, e os de saúde mental, tenham formas de chegar a quem mais necessita. “ A possibilidade de romper com este ciclo e criar uma sociedade mais justa e saudável para todos só é possível quando se tornar uma ambição coletiva, quando cada pessoa perceber o quanto somos todos afetados pelos efeitos nefastos da exclusão e discriminação... seja resultado da pobreza, da doença mental, ou da combinação de ambas ”, acrescenta a presidente da ENCONTRAR+SE.

“Pobreza, saúde mental e exclusão social estão todas interligadas nestes contextos para que consigamos ter sistemas coerentes. Se conseguirmos agir nestes três domínios deliberadamente e intencionalmente, conseguimos gerar ambientes mais coerentes, comunidades mais cuidadoras e capacitadas. Temos a responsabilidade de criar ambientes em que todos possam estar bem, incluídos, independentemente das suas diferenças. Temos de os criar em comunidade, mas em conjunto com o Estado, com o poder local - têm de governar melhor porque existe uma sociedade civil forte. As organizações chapéu, como a EAPN Portugal, que congregam várias outras organizações, podem sempre criar grupos de trabalho, onde se consigam sistematizar as ideias e dizer «para governação desta área precisamos disto e disto». E isso pode gerar políticas gerais no país, mas têm de ter políticas locais”, explica Maria João Vargas Moniz.

Filipa Palha deixa uma mensagem de esperança: “Tomemos como nossas as palavras da Comissária Gro Harlem Brundtland, na Introdução do Relatório Mundial da Saúde publicado em 2001 pela OMS, ‘Saúde Mental: nova conceção, nova esperança’: «que a nossa geração seja a última a permitir que a vergonha e o estigma tomem a dianteira sobre a ciência e a razão». E que o mesmo se diga em relação à pobreza”. ▪

“É preciso pedir ajuda”, para conseguirmos “mudar mentalidades”

Teresa é licenciada em Ciências Farmacêuticas e, pouco tempo depois de terminar os seus estudos, emigrou para Macau. Começou a trabalhar numa fábrica. “Era muito nova”, conta. O fator da idade, somado à grande pressão e responsabilidade na fábrica de “não falhar nada”, tornou a experiência num “período muito entusiasmante, mas também desafiante”.

Longe da família, a sentir-se isolada e num contexto de trabalho árduo, começou a sentir dificuldades. Após os dois anos de contrato, pediu para ser reintegrada em Portugal. No entanto, tal não aconteceu de imediato. Teresa continuou em Macau e a pressão continuava a ser enorme. “Todos os comprimidos tinham de ser bem contados, não havia margem para erro. Nem podia comer”, conta. Revela, ainda, que sofreu alguns comentários menos positivos. Sentia-se isolada, visitou poucas vezes a família e vice-versa. Teresa entrou num esgotamento. “Foi aí que despoletou a minha doença mental”.

Voltou com 25 anos a Portugal e recebeu uma proposta da antiga fábrica para voltar a trabalhar, mas em Loures. Porém, o ambiente na fábrica não era favorável, tendo mesmo sofrido ‘bullying’ laboral e violência psicológica. A sua situação de saúde mental piorou. Tomou uma atitude perante a administração e decidiu despedir-se.

Aí, pediu ajuda – recebeu uma baixa de cinco dias e encaminhamento para a psiquiatria. “Precisava da ajuda de um profissional. Queria desaparecer daquele meio, queria algo mais favorável”.

Começou a procurar um novo emprego, ainda em contexto fabril e na indústria farmacêutica. Foi aceite num novo desafio, onde trabalhou alguns anos numa multinacional. Porém, em 2005 foi despedida, o que desencadeou novo contexto de vulnerabilidade. Apenas começou a receber pensão de invalidez em 2008, após três anos que foram difíceis, onde ficou dependente e viveu em casa dos pais.

“Atualmente continuo a ser seguida em psiquiatria e pensase que tenha uma deficiência genética. Fui diagnosticada com Síndrome de Asperger”. Se um esgotamento de contexto laboral foi o gatilho para pedir ajuda, Teresa tem percebido que existe mais dentro de si que vai trabalhando com ajuda profissional. Refere que, por ter tomado conta do irmão mais novo, perdeu muito da sua infância. “Não ia a festas, não tive namoradinhos. Não tive uma adolescência normal”.

Hoje tem feito ressoar a sua história por múltiplas plataformas de participação. Leva a sua voz até mais sítios, pessoas e contextos. Acredita ser importante falar sobre o seu testemunho e tem sensibilizado para as questões da doença mental e exclusão social. “Tem um sentido de ativismo e de desafio permanente perante a vida”, sublinha. É membro do Conselho Local de Cidadãos do Núcleo Distrital de Lisboa da EAPN Portugal, onde tem participado em inúmeras iniciativas – mais recentemente, até, no Podcast Pobreza em Diálogo num episódio sobre Saúde Mental e Pobreza. Faz também parte da Associação para o Estudo e Integração Psicossocial. É ainda membro da Plataforma Nacional das Pessoas com Experiência de Doença Mental.

Para além disso, continua a ser acompanhada e tem novas rotinas. “Vou a centros de beleza, ginástica… para ter um aspeto mais brilhante!”, conta a sorrir. “Quero sentir-me acolhida pela minha família e deixar um legado. Não ser tudo mau”. Ao longo destes anos, a educação apoiada tem sido um dos seus grandes interesses e já terminou um Mestrado. Teresa tem ainda um sonho: fazer uma pós-graduação em cosmetologia.

“É difícil, mas é possível mudar mentalidades. Acredito que sim. É preciso pedir ajuda e encontrar um balanço entre a vida profissional e pessoal. Quando não nos sentimos confortáveis no local onde estamos é melhor mudar ou pedir ajuda profissional”. ▪

“LEVEI 20 ANOS ATÉ PEDIR AJUDA. SALVOU-ME A VIDA”

Lidarcomatristezaeasolidãofazpartedavida.Oquenãofazpartedavidaéterdetravarbatalhascontraexércitosinteiros depensamentoshorrorososenãopedirajudacommedodeparecerfraco.

Nunca se sabe como é que tudo começa.

Só sabe que começou e que tem tanta força que se torna difícil de respirar, de dormir, de acordar, de pensar, de viver.

Não é que não queiramos continuar a viver.

É a dor que se torna impossível de suportar. É a dor que se torna impossível de ignorar. Porque isto de viver aleija e não é pouco.

No meu caso, foram anos e anos a levar pancada da vida e a acreditar que tinha de aguentar, calar e não reclamar.

Mas o pior é quando parece não haver solução.

Quando não há conversas que ajudem. Quando o álcool não ajuda.

Quando a droga não ajuda.

E no meu caso, experimentei de tudo. Até que...

Comecei a pensar que o melhor mesmo era morrer

Vendo bem as coisas, era a solução perfeita. Egoísta, mas perfeita.

Por isso, comecei a pensar nisto com mais frequência.

Fechava-me no quarto e escrevia cadernos sem fim de uma tristeza interminável. De facto, pensei mesmo que a morte fosse o melhor fim.

Mas quando chegou a hora, percebi que a morte não era para mim.

Havia um mundo de coisas para fazer e uma vida inteira para viver.

Foi isso que, aos 18 anos, me impediu de saltar da janela do 13º andar de casa dos meus pais.

A mesma casa onde, 14 anos depois, a minha irmã pôs fim à própria vida, depois de 14 anos a lidar com problemas de saúde mental.

Pela vida fora tive a minha dose de tristezas, desaires, desgostos, episódios mais ou menos desagradáveis que terminavam sempre da mesma forma: comigo derrotado a lamber as feridas de um ciclo interminável de dor e sofrimento.

Levei duas décadas até perceber que tinha de parar e pedir ajuda.

Levei duas décadas até perceber que era impossível continuar a acreditar que o método que tinha seguido até ali se tinha esgotado e que não podia continuar a viver como um tanque que varre tudo à sua passagem.

Levei 20 anos até entender que há limites. Que todos nós temos um breaking point.

E o meu chegou na ressaca dos 2 anos de Pandemia.

Aquilo que parecia ser o desgaste provocado pelos confinamentos e pela forma como a pressão de estar a gerir um negócio sozinho, era, afinal, o resultado de 20 anos a acumular lixo emocional que se tornou impossível de aguentar.

Em abril de 2022, numa bela manhã de terça-feira, depois de ter ido levar a Leonor à escola, sentei-me ao computador e... comecei a chorar de forma compulsiva.

Não conseguia parar. Não conseguia falar. Só conseguia dizer à Ana que não aguentava mais e que precisava de ajuda.

Abri o Google e escrevi Psicólogo Odivelas. Vi os resultados, pesquisei mais um pouco, encontrei uma clínica, uma cara que me pareceu afável e marquei a minha primeira sessão.

Uma semana depois, estava sentado no consultório. A terapia salvou-me a vida!

Como é que se resiste a tanta dor?

Até hoje não sei bem como responder a esta pergunta. Sei o que fiz.

Durante anos, refugiei-me nas drogas, no álcool, nos livros, nas palavras, no trabalho, nos amigos, em tudo o que me ajudasse a não pensar.

Usei esse escape para me atordoar e deixar de estar sempre a remoer em toda a porcaria que me aconteceu na vida.

Do fim do casamento dos meus pais, às depressões da minha Mãe, da constatação que tinha um pai que não o era, à morte trágica do meu melhor amigo, quando tinha 20 anos.

Dos desgostos de amor, à perda de vários amigos para o cancro, em idades em que ninguém deve morrer; de uma relação abusiva, à mãe de todas as tormentas, o suicídio da minha irmã.

Ninguém nos prepara para o cenário de destruição massiva que encontramos dentro de uma casa onde um casal acaba de perder um filho da maneira mais vil e hedionda que o mundo conhece. Foi a pior imagem que vi na vida. As caras dos meus pais. A representação mais pesada de tristeza que vi na cara de alguém.

Agora, para responder à pergunta que fiz a meio do texto, como é que se resiste a tanta dor?

Andas em frente sem olhar para trás. Avanças torto e poucas vezes a direito. Vais porque tens de ir, sem saberes bem para onde. Mas vais.

O pior é que muitas vezes não sabes como parar e só paras quando és obrigado.

Escrevi isto para ajudar alguém que esteja na mesma situação. Para que essa pessoa possa ler e perceber que pedir ajuda não é vergonha nenhuma. É um sinal de inteligência e maturidade.

Viver vale bem esse esforço. Se vale. ▪

“É preciso haver um sobressalto cívico” para melhores respostas na saúde mental e pobreza

Joaquina Madeira é Vice-Presidente da EAPN Portugal e umas das impulsoras do Grupo de Trabalho sobre Saúde Mental e Pobreza da organização. A relação bidirecional entre estas duas áreas está cada vez mais estreita e acredita que é urgente encontrar soluções “adequadas, acessíveis e de qualidade”.

Por Inês Duarte

As pessoas em situação de pobreza têm uma maior probabilidade de viver um problema de saúde mental?

A pobreza é multidimensional. Não é relativa apenas a rendimento, mas a pobreza de oportunidades, ligada às questões de saúde, de acesso ao trabalho remunerado e adequado. As pessoas vivem num stress provocado pela pobreza. Quando não têm as necessidades físicas, mentais, psicológicas, a segurança de ter rendimentos suficientes para a família, cria-se uma espécie de ciclo fechado em que a pessoa não vê alternativas. Isso afeta a sua saúde mental e física. Estão mais vulneráveis porque não veem saídas para o seu problema, não veem alternativas, estão inseguras, perdem autoestima… tudo isso fragiliza a saúde mental. Por outro lado, há a questão do preconceito sobre as pessoas em situação de pobreza. Vemo-nos pelos mesmos olhos que a sociedade nos vê: somos incapazes, falhámos. Tudo isto cria uma situação de fragilidade física, material e mental. Por isso, é fácil entrar num círculo vicioso sem ver oportunidades para sair. A saúde mental, que é afetada por estas questões da pobreza, também pode ela própria degenerar em situação de pobreza.

Portanto, as pessoas que vivem um problema de doença mental também podem estar mais vulneráveis a situação de pobreza?

Sim, porque um dos preditores da saúde é ter condições básicas resolvidas – de rendimento, de habitação… Se a pessoa não tem as suas condições básicas satisfeitas fica naturalmente mais vulnerável. Por isso, há aqui não só uma relação biunívoca, como se influencia e reforça. As pessoas em situação de pobreza com doença mental cada vez mais são mais pobres, as pessoas com doença mental que são pobres têm menos acessos, menos oportunidades, não beneficiam atempadamente dos serviços quando necessitam… Entra-se num círculo vicioso que só degrada a saúde física e mental.

Considera que esta ligação é cada vez mais crescente?

Pode ser se não for interrompida. Porque a pessoa fica sem alternativas. E quando se precisa de mais vontade, determinação, iniciativa, é quando se está mais afetada pelos problemas. Não é algo característico apenas da pobreza, mas da saúde mental. As capacidades de ultrapassar os problemas vão diminuindo. A questão do preconceito sobre as pessoas tem um efeito muito nocivo, que pode afetar não só a pessoa, mas a própria família. Assistimos, muitas vezes, à desagregação da própria família, à quebra de relações sociais, ao isolamento, à solidão. O sentir que se está num beco sem saída... A pessoa não procura soluções porque está sem esperança de resolver o problema.

As pessoas em situação de pobreza têm esta predisposição para viverem situações de angústia, stress, ansiedade… Considera que as instituições, sejam elas privadas ou públicas, têm uma especial atenção para estas pessoas?

A sociedade, sobretudo em Portugal, não está preparada para estes problemas, estamos sempre atrasados relativos a soluções públicas e acessíveis. Sempre houve problemas de saúde mental, mas depois da COVID-19 tomaram outras proporções, houve uma perceção pública do problema. Tem havido iniciativas e serviços apropriados às situações de pobreza e saúde mental, mas insuficientes - temos o Plano Nacional para a Saúde Mental, para a criação de equipa integradas, cuidados continuados para crianças e jovens, famílias. Ou seja, as iniciativas até estão programadas e contempladas na estratégia, mas demoram a ser concretizadas, sobretudo nos territórios mais isolados dos centros urbanos. Há muita dificuldade em ter os cuidados necessários de foma atempada.

Temos boas leis, boas políticas, mas a sua concretização falha.

Exatamente. Temos aí um ponto crítico no que diz respeito a várias políticas e estratégias. Temos vontade política, mas depois a sua concretização faz-se fora de tempo, arrasta-se. Costumo dizer que a maior dinâmica é a inércia das respostas que tardam a ser criadas. É o que se está a passar agora com as respostas necessárias ao nível das pessoas na idade adulta e com prejuízos graves para o desenvolvimento das próprias crianças.

O que é que a EAPN Portugal tem feito relativamente a esta temática?

A EAPN Portugal é um observatório atento e vigilante da sociedade. Temos vindo a assinalar, nos territórios, este problema como preocupando as famílias e instituições e ao qual é preciso dar seguimento e tomar posição. Num dos territórios em que estamos presentes, Évora, o Núcleo foi contactado para começar a refletir esse problema e perceber que vias e atividades podiam ser desenvolvidas com as várias entidades do distrito. Perceber que soluções mais adequadas podiam ser levadas avante, pressionando, inclusive, quem tem

capacidade de decisão nesta matéria. Fizemo-lo primeiro com duas instituições, entretanto juntaram-se mais, e já somos um Grupo de Trabalho que vai para além do próprio distrito. Já falámos com o diretor responsável pelo Plano Nacional de Saúde Mental, Miguel Xavier, já discutimos com várias instituições, realizámos um ‘webinar’. Criámos, também, ainda no antigo governo, uma carta aberta dirigida ao Ministério da Saúde, à Assembleia da República, ao Presidente da República e ao Dr. Miguel Xavier e apresentámos os problemas sentidos pelas instituições que trabalham nesta área. Não recebemos grande feedback, mas foi numa altura de transição de governo. Agora vamos voltar a enviar um ofício dirigido à ministra e à Comissão Parlamentar da Saúde a pedir audiências para apresentar as nossas preocupações e propostas. Queremos que acelerem as respostas, que são como pão para a boca para tantas famílias e tantas pessoas que não têm tempo para continuar à espera, com uma continuação degradada da saúde, com extremas consequências para a vida familiar, pessoal. E quando se trata de crianças as dificuldades são maiores, porque compromete o seu próprio futuro.

A nível nacional, o que é que está a ser feito de forma positiva?

Do ponto de vista do que se tem de fazer as coisas estão lançadas. O Plano Nacional para a Saúde Mental define as ações e as formas de levar avante respostas e cuidados adequados a esta população, mas estão recuados. Tem de haver uma posição da sociedade civil sobre esta matéria. Não só para poder desenvolver cuidados nesta área, mas para manter a pressão política para o desenvolvimento das respostas necessárias, sobretudo das pessoas e das suas próprias famílias. Nos anos 70, as respostas que nasceram e se desenvolveram na área da deficiência intelectual e física resultaram da tomada de posição e da dinâmica que foi criada com amigos e familiares das pessoas com deficiência – as APPACDM e as CERCI. Nasceram do movimento dos próprios familiares, amigos e profissionais. Aqui também poderia haver um movimento desse tipo. A sociedade é muito sensível, está aberta e tem uma certa solidariedade com estas pessoas que veem a sua vida interrompida. Quando são as crianças, então,

é dramático, uma tragédia para as famílias ter uma criança que precisa de cuidados e serviços desta área e não os tem. É preciso haver um sobressalto cívico das famílias nesta matéria. Isso ajudaria muito a alcançar os objetivos e a ter os serviços adequados, de qualidade e acessíveis.

Que mensagem gostaria de deixar à sociedade e ao Governo relativamente a este tema?

Os problemas que atingem as pessoas, que as tornam ainda mais vulneráveis e dependentes, não são aqueles que são os mais atendíveis. Porque essas pessoas têm menos capacidade de fazer ouvir a sua voz. Seria bom que as instâncias públicas e a sociedade em geral fossem mais solidárias e fraternas.

É preciso fazer uma pressão para que haja respostas neste campo. Deve haver poucas famílias que não tenham alguém com este problema, que toca a todos em qualquer idade. Da parte do governo, é essencial que houvesse decisões atempadas e oportunas atendendo a estes graves problemas. É uma questão de direitos humanos, a saúde mental é um direito universal e humano.

E não podemos esquecer que é um problema que também prejudica o próprio país. No sentido em que não tendo o atendimento e o tratamento adequado, a pessoa não se torna num agente, num ator social cívico. Torna-se uma pessoa que sofre e que não contribui para a sociedade. Costuma-se dizer que uma sociedade humanista é aquela que atende em prioridade aos seus mais frágeis. Como numa marcha. Diz-se que quando se faz uma marcha a pessoa mais débil deve ir sempre à frente. Gostaria que a decisão política tivesse isso em conta, que pusesse aqueles que são mais vulneráveis, que têm menos oportunidades, à frente das decisões políticas para garantir os cuidados necessários de modo que sejam cidadãos de pleno direito. ▪

TERRITÓRIOÉVORA

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Melhorar respostas, para uma melhor vida para os eborenses

Delegação de Évora da Cruz Vermelha Portuguesa tem uma intervenção diversa na área social, desde a infância, família, migrantes e pessoas em situação de sem abrigo.

O Centro Humanitário de Évora da Cruz Vermelha Portuguesa distingue-se pelo “seu histórico no território de Évora, o conhecimento que tem na área e o percurso que tem desenvolvido na construção de relações com as pessoas e com as entidades públicas e privadas com que trabalha”. É assim que o diretor da instituição, Nuno Rosmaninho, diferencia a delegação das restantes do país.

“Trabalhamos em parceria para a melhoria das condições de vida e para encontrar melhores respostas” para a população de Évora, refere o dirigente. “É uma estrutura que trabalha essencialmente na área social. Temos uma equipa muito pequena que está afeta à área psicossocial, à área de emergência.

Ou seja, não temos essa resposta que muitas vezes é a mais característica e que mais se associa à Cruz Vermelha”, explica.

“Os nossos cromossomas são específicos da intervenção na área social, que procuramos intensificar e diversificar”.

E o que mais trabalha o Centro Humanitário? “É uma das estruturas da rede Cruz Vermelha em Portugal. Temos três respostas no âmbito do protocolo com a Segurança Social: o Centro Comunitário, Serviço de Apoio Domiciliário e Atendimento e Acompanhamento Social”, explica Nuno Rosmaninho.

“Também desenvolvemos projetos sobretudo em duas áreas: no âmbito do Programa Escolhas e com pessoas em situação de sem abrigo. Durante dois anos fomos entidade coordenadora do NPISA. Para além disso, temos um protocolo com a Câmara Municipal de Évora e estamos a trabalhar com 150 famílias beneficiárias do Rendimento Social de Inserção [RSI]”.

Para além destas famílias, apoiam todos os meses cerca de 600 beneficiários dentro dos seus projetos e respostas sociais. As pessoas apoiadas pertencem a públicos-alvo diversificados, desde pessoas em situação de sem abrigo, crianças e jovens, e migrantes.

“Em 2020 constituímos um consórcio com duas entidades de Évora e elaborámos uma candidatura ao programa regional para intervenção na população sem abrigo”. Deu origem ao

Projeto Invisibilidade, que terminou em dezembro de 2023, “com o objetivo de contribuir para a progressiva reestruturação biopsicossocial das pessoas em situação de sem abrigo” e tendo em vista “a promoção da cidadania, o combate ao estigma, falta à face desta condição”. Apesar de o projeto já ter terminado, continuam a sua intervenção na área através do NPISA.

Para as crianças e jovens existe o projeto AmanhArte, integrado no Programa Escolhas 9ª Geração. “Procuramos promover o sucesso escolar, diminuir comportamentos de risco e desviantes, desenvolver competências para um percurso mais positivo e que promovam a ocupação dos tempos livres e bemestar e de capacitação global”, conta Nuno Rosmaninho.

Em termos de preocupações, constatam que “as respostas são poucas, designadamente refeitório social. Há uma intensificação da necessidade e com algumas alterações das pessoas que pedem ajuda”.

“Identificamos também problemas de saúde mental com maior relevância e onde há também uma grande carência de respostas. Procuramos, no âmbito das nossas possibilidades, para além de identificar necessidades e a referenciação, concretizar no apoio e acompanhamento”. Ou seja, não no sentido de acompanhamento técnico na área psicológica, pois não existem recursos, mas apoiar em idas a consultas, a tratamentos, entre outros. “Traduz-se mais em tentar contribuir para que o que possa ser implementado na área da saúde mental seja melhor e mais eficaz e se traduza numa melhor qualidade de vida para essas pessoas”, explica o dirigente. “Nas crianças e jovens tentamos treinar as competências emocionais e identificar necessidades e que possam ser encaminhadas. Em termos das respostas específicas e especializadas da saúde mental, existe uma necessidade muito significativa e não conseguimos ajudar”. “Estamos também a trabalhar cada vez mais com a população migrante que procuram Évora para melhores condições de vida e com necessidades básicas significativas”, acrescenta.

E o que é preciso fazer para haver uma mudança real? “Já há boas políticas públicas, mas é preciso a concretização das mesmas, em articulação com entidades públicas e privadas. Que através de um trabalho articulado consigam introduzir esse fator de mudança na comunidade e na vida das pessoas. Temos necessidade quer de respostas básicas, quer especializadas. Sem a existência das mesmas, parece-me que o desafio vai continuar a ser grande. A Cruz Vermelha Portuguesa está em Évora, trabalha para a população do concelho e para os que vêm até ele. Estamos disponíveis para procurar soluções complementares e, em conjunto com o Estado, para melhorar a qualidade de vida da população”. ▪

Apoiar, sensibilizar e alertar para que sejam cumpridos os direitos das crianças

Por Inês Duarte

Em 2023, a Associação Chão dos Meninos comemorou 30 anos de existência. Três décadas depois, continuam a lutar pelos direitos das crianças, por todo o distrito de Évora. Conta com várias respostas no âmbito da prevenção e intervenção nos maus-tratos infantis, sempre de forma direta com as crianças, jovens e suas famílias.

A associação “nasceu em 1993, no quadro da retificação de Portugal da Convenção dos Direitos da Criança em 1990. O nosso país estava a começar a dar os primeiros passos na resposta à proteção da infância e na efetivação dos direitos das crianças e do jovem”, explica Paula de Deus, Coordenadora Geral da organização. Foi criada por um grupo de profissionais e cidadãos de Évora, “de forma informal, para debater o problema dos maustratos infantis a partir das situações que cada um desses profissionais conhecia nas suas áreas: segurança social, hospital, polícia, GNR, escolas”, explica.

“Todos estes profissionais confrontavam-se com maus-tratos infantis sem haver uma resposta para esta área. Foi da tomada de consciência do problema e da necessidade de desenvolver respostas específicas e integradas que criaram este grupo”, refere Paula de Deus. “Debatiam as situações e perspetivam qual seria a resposta a criar no território para dar uma resposta competente a este problema. Organizaram-se na sua condição de cidadãos e decidiram formar uma associação, a Associação de Amigos da Criança e da Família Chão dos Meninos. Baseada numa cultura de que o primeiro direito da criança é crescer em família”.

A intervenção na família é um pilar elementar da associação. “Um direito fundamental da criança é crescer no seu meio natural de vida, que é crescer de forma saudável na família. Sabendo que os problemas estão na família, então é aí que temos de intervir. Prevenindo o agravamento das situações e evitando a separação das crianças da família”, explica Paula de Deus.

Para tal, contam com várias respostas. A nível de ambulatório, criaram o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental. Só nesta resposta foram apoiadas, em 2023, 250 famílias.

No que se refere ao acolhimento, contam com o Centro de Acolhimento Temporário e Apartamentos de Autonomização. O primeiro pretende apoiar crianças e jovens em situação de vulnerabilidade, mas “sempre na perspetiva de trabalhar com as famílias e para o regresso das crianças a casa”, refere a coordenadora. Já os Apartamentos de Autonomização dão suporte aos jovens e servem “como uma rede de transição”. “As várias respostas surgem numa perspetiva de acompanhar as crianças e jovens na diversidade das situações de perigo e ao longo do seu percurso de vida. Crianças, jovens e suas famílias”.

Abraçaram, ainda, um novo projeto: o Acolhimento Familiar. “Estamos a gerir esta resposta no distrito de Évora, porque consideramos que a institucionalização pode ser necessária para determinado tipo de situações, mas deve-se privilegiar sempre que possível uma resposta de acolhimento familiar”, explica a coordenadora.

A Chão de Meninos tem a sua génese na comunidade e é assim que se mantém, sempre a intervir em rede. “Definindo, inclusive, protocolos e procedimentos de atuação para os problemas

em estreita articulação, por exemplo, com o Hospital, Tribunal, Polícia e GNR. Estabelecemos uma relação de grande cooperação e de confiança entre os profissionais para criar uma rede de intervenção concertada”.

Uma rede que é também de enorme importância quando se fala de sensibilizar e alertar. “É muito importante pedir ajuda. É preciso trabalhar na perspetiva da mudança. As famílias encontram-se em situações de crise, de desequilíbrio, sujeitas a níveis de stress muito elevados e as crianças acabam por ser as mais vulneráveis. É muito importante que se encaminhe as pessoas para os serviços e que se crie a cultura de pedir ajuda para impedir o agravamento das situações. Quando estamos numa situação de desequilíbrio, de risco, que está a haver descontrolo, que se peça ajuda”, refere Paula de Deus. “Qualquer pessoa pode dirigir-se à associação e pedir ajuda, não trabalhamos apenas por referenciação”.

Para a Chão de Meninos, Portugal ainda precisa de caminhar para uma política de promoção e apoio à natalidade. Sendo um país com taxa de natalidade muito baixa, como indica Paula de Deus, é necessário que os futuros pais saibam que a sociedade está organizada para os apoiar. “Acreditamos também que é preciso criar a figura do provedor da criança, para observar de forma independente como as políticas estão a ser aplicadas nas várias áreas”. Para o futuro, Paula de Deus sublinha ainda a necessidade de melhor intervenção com as crianças na saúde mental.

É preciso, sobretudo, alertar e sensibilizar. “Na nossa vida temos, por vezes, situações inesperadas, situações que evoluem de uma forma que não se estava à espera. É importante pedir ajuda e não estigmatizar quem o faz. É importante todos reconhecermos que não se nasce com um manual de instruções. Num tempo em que há cada vez mais mobilidade, as famílias podem estar mais socialmente isoladas, as redes de apoio informal têm tendência a serem mais frágeis. É normal que as pessoas precisem de ajuda. Estejam atentos aos sinais de alerta”. ▪

“Hoje não tenho vergonha de dizer que passei por isto ou por aquilo. Saber que há mais pessoas com diversos problemas fez-me perder a vergonha”. As palavras são de Daniel, um dos participantes do projeto FundaMENTAL. Uma iniciativa da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) de Évora, em 2023.

Tudo começou quando a instituição com 52 anos, que apoia mais de 700 pessoas com deficiência e incapacidade, começou a receber muitos encaminhamentos de pessoas com doença mental. “Tanto na parte da qualificação e emprego, como para outras unidades. De outras entidades, departamentos, áreas. Percebemos que eram pessoas que não estavam naquele momento preparadas para emprego. Acabávamos por não conseguir dar resposta enquanto instituição porque não tínhamos nenhum projeto que fosse mais ocupacional e possibilitasse alguma reabilitação ou primeiras necessidades”, conta a presidente da Direção da APPACDM de Évora, Rosa Moreira.

“Enquanto instituição pensámos que devíamos promover a recuperação e o empoderamento destas pessoas, tanto a nível individual, como familiar e social”, acrescenta Ana Marcão, psicóloga na instituição e responsável pelo projeto. “A grande maioria encontrava-se isolada, sem qualquer ocupação social ou profissional. O nosso objetivo era dar-lhes competências que permitissem ter um crescimento evolutivo e que conseguissem retomar o seu funcionamento mais autónomo possível”, diz.

Foi assim que nasceu o projeto Fundamental, com o apoio do BPI Capacitar, durante o ano de 2023. E foi durante esse ano que conseguiram trabalhar várias áreas, desde exploração de interesses, estimulação cognitiva, ateliês de expressão plástica e dramática, informática, e escrita criativa, entre muitos outros. Ou seja, a APPACDM de Évora promoveu o autoconhecimento dos participantes e o aumento das suas capacidades em várias áreas.

“O que fomos vendo de evolução foi o à-vontade dos participantes e a sua participação ativa na comunidade, em informar mais as pessoas sobre esta temática e sobre o que é a doença mental, como nos afeta, mas também aos outros”, conta Ana Marcão.

Mesmo com a duração de apenas um ano, houve 23 participantes e todos eles confirmaram o impacto do projeto na sua vida. “A grande maioria já está com um projeto de vida delineado. Integrou formação profissional, ou foi encaminhado para o Centro de Recursos para uma resposta na área da reabilitação profissional. Ou participam ativamente na comunidade em atividades de lazer que lhes interessam. Este era o nosso grande objetivo: tirá-los de casa, que fossem autónomos, que criassem redes de suporte, amizades”, refere a psicóloga. “Isto era algo que nem pensavam fazer. Se em março de 2023 lhes dissesse que daí a uns meses iam estar a trabalhar, era algo impensável e respondiam “não, não sou capaz”. E neste momento estão a fazer formação. Também perceberam que nem todos os dias são bons. Há dias que são maus, em que não têm vontade, mas esforçam-se. Está tudo bem não dar 200% todos os dias”, conta Ana Marcão.

Conseguiram, ainda, reduzir a recorrência ao serviço de urgência e aos internamentos consecutivos. Das 23 pessoas, apenas duas estiveram internadas e com recorrência maior aos serviços de psiquiatria durante o ano. “A qualidade de vida também teve um aumento significativo, bem como a capacidade de lidar com as emoções. Alguns há mais de 20 anos que têm um diagnóstico e não sabiam o que é a doença. Trabalhámos isso, perceber o que era a doença, em que é que afetava”, conta a psicóloga.

Para além disso, o projeto conseguiu impactar mais do que estas 23 pessoas: chegou às suas famílias. “Quando falamos das pessoas, não falamos delas de forma isolada. Estão inseridas na família. Se aquela pessoa começa a ter um projeto de vida, também a família começa a ter, de forma diferente”.

O projeto foi ainda mais longe e chegou à comunidade, desmitificando e sensibilizando para a saúde mental. “O impacto que eles tiveram noutras pessoas também é muito importante. Porque ao longo do projeto, e mais no final, deram formação e fizeram ações de sensibilização sobre doença mental, em vários locais. Isso fez com que os outros colaboradores conseguissem perceber o que era a doença mental, como lidar e muitas dessas pessoas também se sentiram à vontade para partilhar”, refere a presidente.

Porém, e apesar deste impacto, hoje o projeto limita-se a uma manhã por semana. Com o fim do financiamento do BPI Capacitar, a instituição deixou de ter meios para conseguir a sua continuação. É, atualmente, feito com “a prata da casa”, mas não vão deixar de lutar. “Tentámos encaminhar as pessoas para outras unidades e locais, e vamos tentar dar resposta e continuidade ao projeto de outras formas. Temos tentado arranjar apoio financeiro”, esclarece Rosa Moreira.

Ana Marcão partilha o mesmo ponto de vista: “o ideal era que o projeto continuasse. Ou nos moldes anteriores ou diferentes, mas que continuasse a dar resposta. Gostaríamos muito que o

impacto chegasse às entidades governamentais. Continuamos a ter encaminhamentos e ‘feedback’ por parte do hospital. Nós somos uma IPSS, os nossos fins não dão para tudo. O facto de a entidade já dispensar parte do tempo do colaborador para manter uma atividade que não existe já é muito bom, porque manifesta a vontade de continuarmos a trabalhar nesta área e de não deixar que caia por terra”.

Hoje
“sinto-me

realizado”

Daniel e Duarte foram dois dos participantes do projeto e que continuam até aos dias de hoje. Ambos têm diagnósticos de doença mental como depressão profunda e síndrome de pânico. Os seus testemunhos convergem: “estava sempre fechado, não queria estar com ninguém, não queria comer nem fazer nada”. “Começou com ataques de pânico, síndrome de pânico, na altura da pandemia. Estava sempre em casa. Às vezes ia ao café à noite, mas era só isso”, contam.

“Agora, e felizmente, com o FundaMENTAL faço atividades, convivo com outras pessoas. Tenho a formação que também está a correr bem. Sinto-me realizado”. Para além de terem um projeto de vida, referem a importância de estar com pessoas “que falavam a mesma linguagem”, apesar de haver

diagnósticos e situações de saúde mental muito diferentes no grupo. “Compreendíamo-nos uns aos outros. Quando um estava mal, todos tentavam ajudar e apoiar”, explicam.

“O meu pai dizia «não fazes as coisas porque não queres, és um malandro». E outras pessoas diziam o mesmo. Uma pessoa quando não faz não é porque não quer, é porque não consegue”, referem.

“Também ouvia desses comentários, tal e qual. E há de ser sempre assim. Por isso é que a APPACDM de Évora e o FundaMENTAL são importantes. As pessoas que trabalham connosco estão habituadas a conviver com diversas doenças mentais. Então, quando desabafamos, não causa surpresa. Enquanto se for com os nossos familiares, podemos explicar da melhor maneira possível, mas nunca vai haver um entendimento correto”.

Ambos consideram que, apesar de terem feito ações de sensibilização durante o projeto, e mesmo uma exposição na Fundação Eugénio de Almeida, ainda é preciso ir mais longe.

“Há muita falta de paciência e compreensão com o outro. É preciso haver mais divulgação, mais eventos com pessoas com doença mental que sejam transmitidos nos principais canais televisivos. Haver diálogo entre pessoas sem e com doença mental”. ▪

Estante Social

1 Um dedo borrado de tinta: histórias de quem não pôde aprender a ler

Autora: Catarina

Ed.

Este livro retrata a vida e o quotidiano de habitantes de uma aldeia, no distrito da Guarda, que não tiveram oportunidade de aprender a ler e a escrever. É o caso de Horácio: sabe como se chama cada uma das letras do alfabeto, até é capaz de as escrever uma a uma, mas, na sua cabeça, elas estão como que desligadas; quando recebe uma carta tem de «ir à Beatriz», funcionária do posto dos correios e juntadora de letras.

Na sua ronda, o carteiro Rui nunca se pode esquecer da almofada de tinta, para os que só conseguem assinar com o indicador direito. Em Portugal, onde, em 2021, persistiam 3,1% de analfabetos, estas histórias são quase arqueologia social, testemunhos de um mundo prestes a desaparecer.

2 Preconceito e Discriminação em Portugal

Autor: Rui Costa Lopes Ed. FFMS, 2024

O que faz não gostarmos de alguém à partida, sem nada sabermos sobre essa pessoa? As relações humanas, em todas as dinâmicas cruzadas entre indivíduos e grupos, são marcadas por desconfiança e estereótipos. Mas, onde se enraízam os preconceitos e o que os faz crescer?

Quanto a preconceito e discriminação, Portugal é um país de contrastes. Por exemplo, temos das maiores percentagens de inquiridos com crenças racistas, mas somos o país da União Europeia com menos registos de atos violentos por motivação racial. Este ensaio analisa o problema português do preconceito e da discriminação à luz das ciências sociais e também de como as instâncias políticas e administrativas o têm abordado. Mais do que apontar soluções, visa motivar a reflexão de cada cidadão e um debate informado.

3. Sem Fins Lucrativos: porque precisa a democracia das humanidades

Autora: Martha C. Nussbaum

Ed. Edições 70, 2019

Recentemente, a tendência perturbadora para tratar a educação como se o seu objetivo fosse o de ensinar os alunos a ser economicamente produtivos em vez de lhes fornecer ferramentas para pensarem criticamente revela que a crise das ciências humanas está longe de diminuir.

A par de uma crescente incapacidade para pensar, vemos ameaçada a solidariedade para com algumas franjas da sociedade, bem como a competência para lidar com problemas globais complexos. A perda destas aptidões elementares, defende a autora, põe em risco a saúde das democracias e a esperança num mundo melhor. Traduzido em mais de vinte línguas, Sem Fins Lucrativos oferece-nos um cenário preocupante, mas esperançoso.

4. Urbanismo e Mobilidade – Que papel na inclusão social?

Vol. 1 A visão dos especialistas

Autora: Joana Carvalho

Ed. EAPN Portugal, 2023

Este é o primeiro volume de um conjunto de e-books com o objetivo de analisar as formas como as áreas do urbanismo e mobilidade se relacionam com situações de pobreza e exclusão social.

Ao longo de 2023, foram realizadas entrevistas com especialistas nestas áreas, sendo os mesmos investigadores com diferentes formações de base e ligados a diversas entidades de investigação e de ensino superior. O principal objetivo deste livro é a identificação e divulgação de exemplos de práticas consideradas positivas e inclusivas, e que visam combater as situações de exclusão e pobreza, considerados como casos inspiradores, que possam servir de modelos a ser replicados, com as devidas adaptações, em outros territórios. Pretendemos demonstrar que investir em boas práticas de urbanismo e de mobilidade é um meio de combate à pobreza e à exclusão social. O planeamento urbano, mais especificamente, o planeamento do uso do solo, dos meios de mobilidade e das acessibilidades têm efeitos muito relevantes na qualidade de vida de todos os seus residentes. E este planeamento pode constituir um meio promotor de maior justiça social. Disponível para download em www.eapn.pt

5. Pensar Marvila — Exercício experimental de reflexão

Autor: Observatório de Luta Contra a Pobreza da Cidade de Lisboa Ed. EAPN Portugal, 2024

Esta publicação é um produto desenvolvido no âmbito da Componente Respostas Sociais do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – Investimento “Comunidades em Ação – Operação Integrada Local de Marvila” pelo Observatório de Luta Contra a Pobreza da Cidade de Lisboa/EAPN Portugal. Na primeira parte desta publicação procura-se enquadrar a ação e recordar os conceitos de pobreza e exclusão social, que norteiam este exercício reflexivo. No segundo ponto procurase fazer uma abordagem estatística à Freguesia de Marvila, procurando cobrir um conjunto de indicadores que direta ou indiretamente permitem fazer um breve retrato sociodemográfico de Freguesia. No terceiro ponto procura-se refletir e sistematizar a informação recolhida nas entrevistas realizadas, de acordo com os objetivos definidos. Disponível para download em: www.observatorio-lisboa.eapn.pt

6. Porque Falham as Nações

Autores: Daron Acemoglu e James Robinson Ed. Temas e Debates, 2013

Daron Acemoglu e James Robinson mostram, de uma forma conclusiva, que são as instituições políticas e económicas criadas pela humanidade que estão subjacentes ao êxito económico (ou à falta dele). Baseando-se em quinze anos de investigação, reuniram indícios históricos espantosos sobre o Império Romano, as cidadesestado maias, a Veneza medieval, a União Soviética, a América Latina, Inglaterra, Europa, Estados Unidos e África para elaborarem uma nova teoria de economia política com enorme relevância para as grandes questões atuais.

Que melhor título para estas linhas?

Há um antes e um depois, que a memória coletiva não pode esquecer e que o futuro deverá perpetuar, mas há de facto o ReViver, uma imagem de marca no seu objeto, mas também, ou sobretudo, nas premissas que lhe serviram de base, que terá, certamente, lugar seguro na memória coletiva, mas é de memória individual que versa.

A Associação de Solidariedade Social e Recreativa de Nespereira, fundada em 23 de maio de 1995, obteve então, o estatuto de IPSS (Instituição Particular de Solidariedade Social).

Em 1999, utilizando e remodelando instalações da paróquia, tem início a aceitação de utentes para o Serviço de Apoio Domiciliário e é também neste período criada a primeira equipa de voluntariado, com 20 elementos, que aos finais de semana alternadamente passaram a proceder à entrega das refeições, como forma de garantir as folgas legais das funcionárias. 25 anos depois, o grupo permanece ativo, sendo caso raro na região.

Em 2005, tem início uma redefinição estrutural, visando alargar o âmbito da ação social da associação, bem como o território a intervir e em 2007 a instituição recebe a Equipa RSI (Rendimento Social de Inserção), num apoio alargado a 4 freguesias (Nespereira, Travanca, Moimenta e Fornelos) e cria a Empresa de Inserção que desenvolve uma política de integração de desempregados no ramo agrícola.

Teve também início o pioneirismo da instituição, com a criação do “Sítio da Família”, um programa que visava auxiliar na aquisição de competências pessoais e familiares, no seio de famílias mais desprotegidas ou menos estruturadas.

No final desse ano, a instituição candidata o seu projeto de construção de lar, contemplando uma creche também, que viria a ser aprovado no programa Pares II.

Entre 2009 e até 2012, a associação recebe um novo projeto, à época pioneiro no concelho, o CLDS (Contrato Local de Desenvolvimento Social), que procurava combater a pobreza e a exclusão social no Concelho de Cinfães, mas também fomentar o empreendedorismo, através do recurso a parcerias.

Em finais de 2012 a abertura de portas do Complexo Social foi a realização de um sonho, formalizado em 13 de setembro de 2013, com a inauguração oficial.

Em 2014, fruto da dinâmica evidenciada, da Segurança Social chegou a renovada confiança e o alargamento do protocolo do RSI a 10 das 14 freguesias do Concelho.

E em 2015, num caso raro no país, mas com o aval expresso da Segurança Social, tal o grau de desempenho da instituição, foi atribuído mais um projeto em cumulação com o do RSI, o SAAS (Serviço de atendimento e acompanhamento social) do Concelho de Cinfães, no âmbito da RLIS (Rede Local de Intervenção Social), este último, mais tarde com celebração de acordo atípico e direto com a Segurança Social, antes de, por decisão governativa, passarem ambos, fundidos, para onde se encontram atualmente, sob tutela do Município de Cinfães, embora descentralizados, como sempre, de acordo com a politica da instituição.

E eis-nos chegados a 2016 e à concretização de um sonho de técnicos e dirigentes de então - o projeto ReViver.

Este projeto surge da visão dos dirigentes sobre a necessidade efetiva, sentida e partilhada pelos técnicos e colaboradores da ASSRN em diversos momentos, mas também dos vários técnicos e colaboradores de outras instituições do concelho, por exemplo nas reuniões promovidas pela Rede Social.

O aumento do número de pessoas com demência que chegavam às ERPIs (Estruturas Residenciais para Idosos), a maioria das vezes sem diagnóstico, e o aumento de demência na comunidade, aliados a uma vontade indómita de contribuir para a solução do problema identificado, foram o combustível necessário.

No final de 2016, o protocolo com o município de Cinfães permitiu o ganho de escala e a intervenção municipal, permitindo a constituição de uma equipa multidisciplinar com 1 coordenador, 1 psicólogo e 1 educador social, tendo como principal ambição a melhoria da qualidade de vida das pessoas com demência e seus cuidadores, pretendendo atuar desde logo pelo processo de diagnóstico passando pela formação dos profissionais e orientação dos cuidadores (formais e/ou informais).

Nas IPSS do concelho foi efetuado o diagnóstico das pessoas institucionalizadas com demência (cerca de 400 idosos) e o levantamento das necessidades dos profissionais cuidadores, investindo na sua capacitação, abrangendo cerca de 150 profissionais através de 3 ciclos de formações. Também na comunidade/domicílio se efetuou o levantamento das pessoas cuidadas com demência e os seus cuidadores diretos, bem como as suas necessidades, preocupações e anseios.

Foram e são desenvolvidas várias ações, desde grandes conferências, mas também pequenos seminários; ações de sensibilização para a comunidade (em todas as freguesias), mas também nas escolas; visitas domiciliárias incluindo a prática de estimulação cognitiva e realização de grupos de apoio para os cuidadores informais. Tivemos, durante algum tempo, protocolo com o Centro de Saúde de Cinfães para a Consulta da Memória, que desde finais de 2019 deixou de funcionar, por alterações internas desse organismo;

Em 2021 nova renovação na gestão, dando continuidade aos projetos, nomeadamente no que dizia respeito ao Reviver.

Desde logo assegurando que estaríamos em condições para dar continuidade à firme convicção de construir uma nova ala vocacionada para a questão das demências. Nesse sentido, é feito investimento num projeto que haveria de ser previamente aprovado pela CM de Cinfães, o mesmo que dizer que as entidades com responsabilidade na matéria reconhecem possível a sua execução, faltando apenas abertura de candidatura a fundos estruturais europeus.

Sucedem-se várias candidaturas para reforço do projeto, quer ao nível material, quer humano, tendo em 2021 reforçado a equipa com um enfermeiro e um auxiliar, com a consequente inovação e complementando com os subprojectos “As cores das Memórias”, e “Laços Comunitários” que conferem maior abrangência e aproximação a outras instituições. Sendo programas de estimulação incidem, principalmente, na memória, pois é das primeiras capacidades alteradas nos processos demenciais, mas procuram intervir, igualmente, na atenção, na linguagem, na capacidade visoespacial e na associação de ideias.

Existem evidências de vários ensaios clínicos de que os programas de estimulação cognitiva beneficiam a cognição em pessoas com demência leve a moderada acima e além de qualquer efeito medicamentoso.

Esse é o caminho que queremos trilhar, acompanhando doentes e cuidadores.

Terá a ousadia e o pioneirismo deste projeto, iniciado em 2016 como se disse, contribuído decisivamente para que também 2017 iniciasse de forma marcante, com o anúncio mediático do Presidente da República de um donativo à instituição, um gesto que, além do mais, permitiu mostrar ao país o excelente e modelar trabalho desenvolvido.

Num momento inolvidável, o Presidente da República visitou a instituição em maio desse ano, assinalando assim um momento ímpar na história da ASSR Nespereira.

Com as mais modernas práticas de gestão, a instituição afirma-se orgulhosamente um passo à frente, que, no entanto, não é, nunca, maior que a perna. ▪

8ª Edição d’O Futuro Começa

Agora “Liberdade” e “Democracia” foram as palavras de ordem

Por Ana Rupio Departamento de Desenvolvimento e Formação

No dia 29 de maio de 2024 decorreu mais uma edição de um evento que a EAPN Portugal realiza anualmente para apelar à participação juvenil e ao seu espírito de cidadania: O Futuro Começa Agora. Procuramos desafiar os jovens a envolverem-se em projetos lúdico-recreativos, que estimulem o seu pensamento crítico e que lhes permitam refletir sobre o futuro e sobre o seu lugar no mundo e como as suas atitudes e comportamentos podem influenciar as suas vidas. Trata-se de um desafio que é lançado às escolas/projetos comunitários a nível nacional e que é abraçado por professores, monitores e outros atores educativos, a partir de atividades organizadas na área da Educação para a Cidadania.

O Auditório da Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, foi mais uma vez palco de um dia recheado de apresentações criativas, que reuniram 120 jovens, com idades a partir dos 13 anos, oriundos de sete escolas (Escola Secundária Afonso Albuquerque - Projeto Brilhantemente, Guarda; Escola Secundária Domingos Sequeira, Leiria; Agrupamento de Escolas António Nobre, Porto; Escola Básica 123/PE Bartolomeu Perestrelo, Região Autónoma da Madeira; Escola Técnico Profissional do Ribatejo, Santarém; Agrupamento de Escolas Infante Dom Henrique, Viseu; Escola Secundária Alves Martins, Viseu), 5 projetos Escolhas (Shave E9G, Beja; Tu Decides E9G, Guarda; Universo das Oportunidades.E9G, Portalegre; Conectar Vidas E9G, Portalegre; Sinergias E9G, Porto) e 3 instituições (ASAS Santo Tirso, Instituto de Apoio à Criança, Lisboa e Aldeia de Crianças SOS, Guarda).

A temática abordada foi a importância da democracia e os valores do 25 de abril, pelo que os jovens apresentaram trabalhos relacionados com a participação cívica, liberdades, direitos e deveres, e a luta por uma sociedade mais equitativa e verdadeiramente democrática. A maioria destes trabalhos relacionaram o tema principal com questões atuais como os direitos humanos, a igualdade de género e a interculturalidade.

A sessão de boas-vindas esteve a cargo de Fátima Veiga, do Departamento de Investigação e Projetos da EAPN Portugal e de Ana Luísa Monteiro, voluntária da organização. Fátima desejou aos jovens que desfrutassem deste dia e que fizessem uma reflexão conjunta sobre estas temáticas, que são motivo de preocupação para toda a sociedade. Referiu também que a EAPN Portugal acredita muito nos jovens, porque são o “futuro do país” e por isso, no final do dia, a expetativa será de uma “esperança renovada no futuro”. Já Ana Luísa falou da sua experiência enquanto membro de uma associação de estudantes do ensino superior e realçou que “pequenas ações podem influenciar grandes coisas no nosso futuro”. Referiu também que este dia iria servir para “celebrar uma força de mudança social”, e que “nem sempre a mudança precisa de uma revolução (como foi o 25 de Abril),

a mudança está presente em pequenos passos, pequenas ações, pequenos momentos”

e deu como exemplo o voluntariado. Deixou ainda uma mensagem inspiradora aos jovens, dizendo que

“nós, os jovens, somos os arquitetos do amanhã”

O dia foi preenchido com um total de 15 apresentações, que envolveram música, vídeos com pequenas entrevistas/relatos, momentos de teatro e magia, performances artísticas com dança e declamação de poesia. Vários trabalhos focaram as diferenças antes e depois do 25 abril, nomeadamente ao nível dos direitos e deveres de homens e mulheres e também sobre a liberdade (e da falta dela) em situações do quotidiano e nas formas de participação na sociedade. Para além disso, as questões ligadas à interculturalidade também estiveram muito presentes, na medida em que alguns trabalhos expuseram os desafios de preconceitos e consequentes exclusões a que se assiste nas escolas, decorrentes dos fluxos migratórios mais recentes e de como é possível transformar a escola, a turma e a sala de aula num espaço de convivências quotidianas e, simultaneamente, de vivências culturais diversas, partilhadas e respeitadas por todos. Os momentos musicais, à semelhança da edição do ano anterior, foram proporcionados pela cantora Ana Love.

O dia terminou com um momento de reflexão intitulado “o que levamos daqui?”, no qual Fátima Veiga, do Departamento de Investigação e Projetos da EAPN Portugal, referiu que todas as apresentações tinham sido muito criativas e cativantes e que o balanço era extremamente positivo. “Para nós é muito importante perceber que vocês se preocupam com a liberdade e que têm consciência da importância deste direito”. Destacou também que a diversidade cultural é algo cada vez mais presente nas escolas e “isso tem de ser visto como uma mais-valia e como uma forma de aprendermos uns com os outros e tornarmo-nos mais ricos”. Já Tiago Caio, técnico responsável pelo Núcleo Distrital de Viseu da EAPN Portugal, afirmou que “o futuro não começou agora, começou no dia em que vocês aceitaram o nosso desafio para estarem aqui

presentes e para trabalharem ao longo dos últimos meses num projeto que depois teve o seu corolário no dia de hoje”. E deixou, como mensagem final, que

“o futuro vai recomeçar em todas as vezes em que vocês ao longo da vossa vida tiverem
ações que possam promover ainda mais a democracia, o bem-estar e a dignidade de outras pessoas que estão à vossa volta e que são afetadas por problemas sociais”

Este é um evento de grande relevância para a organização, notando-se uma evolução clara na maturidade e na qualidade dos trabalhos apresentados pelos jovens ao longo das várias edições. Isto demonstra a importância de continuar a realizar iniciativas deste âmbito, promovendo o exercício de cidadania e de ação participativa que a EAPN Portugal defende há vários anos. ▪

Celebrar a interculturalidade com mais de 220 atividades e 237 parceiros por todo o país

EAPN Portugal sensibilizou para a necessidade de uma sociedade intercultural e estimular o diálogo e a relação entre culturas. Semana da Interculturalidade decorreu de 8 a 14 de abril, com iniciativas de norte a sul de Portugal.

“Somos uma sociedade cada vez mais plural” e, por isso, é preciso continuar a assinalar a Semana da Interculturalidade. A iniciativa da EAPN Portugal é promovida desde 2014, e decorreu este ano de 8 a 14 de abril com iniciativas por todo o país. Contou, ainda, com o apoio e parceria da AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo e da OIM - Organização Internacional para as Migrações Portugal.

Com a Semana da Interculturalidade, a EAPN Portugal quer “estimular o diálogo e a relação entre culturas e sensibilizar os cidadãos para a necessidade de uma sociedade intercultural”.

“É necessário olhar para as pessoas nas suas várias dimensões e promover não só a sua inclusão, mas o seu bem-estar. A sociedade portuguesa é de todos, não apenas dos cidadãos portugueses, mas daqueles que escolhem Portugal para a sua casa e porto de abrigo”, refere a Coordenadora Nacional da EAPN Portugal, Maria José Vicente.

A AIMA – Agência para a Integração, Migrações e Asilo, parceira desta iniciativa, sublinhou a importância da mesma no país. “A Semana da Interculturalidade tem constituído, ao longo dos anos, um espaço privilegiado de promoção da igualdade, encorajando ativamente o diálogo, a interação e o encontro entre diferentes culturas, através dos inúmeros momentos de debate e partilha que cria em prol do reconhecimento e do respeito mútuos. Congratulamos a EAPN Portugal pelo magnífico e abrangente programa da Semana da

Interculturalidade 2024 […] que certamente continuará a estimularnos a todos e a todas a construir, diariamente, uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva”, refere a Vogal do Conselho Diretivo da AIMA, Sónia Pereira.

“Ao celebrarmos e valorizarmos as diversidades culturais promovemos a compreensão mútua e o respeito. Isso não só enriquece a nossa sociedade, mas fortalece os laços entre todos”, afirma o Chefe de Missão da OIM Portugal, Vasco Malta. A organização juntou-se assim à EAPN Portugal “na promoção da Semana da Interculturalidade e na sensibilização para a importância das migrações, por um mundo onde todos nós tenhamos um lugar a que chamemos lar”.

Mais de 220 atividades para comemorar, de norte a sul do país, o diálogo e diversidade intercultural

Foram diversas as iniciativas promovidas em todos os distritos de Portugal, incluindo a Região Autónoma da Madeira. Iniciativas, essas, que contaram com 237 parceiros – desde entidades do setor social, municípios e instituições de ensino. Transversal a todos os territórios existiram duas atividades. A primeira referiu-se à exposição 20 Caminhos na Voz de migrantes, que contou a história de vida de 20 pessoas que escolheram Portugal como a sua casa. Assim, foram lançados sacos de pano com frases que promovem boas práticas para com a migração.

A segunda iniciativa, promovida pelo Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza, referiu-se a uma infografia sobre Migrações: Factos & Números. O documento incide em três grandes temas: a discriminação em Portugal; a autoidentificação étnica da população portuguesa; e o background imigratório da população portuguesa. A infografia baseia-se maioritariamente nos dados do ICOT - Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente,

do INE. Este inquérito tem a particularidade de permitir, pela primeira vez, a partir de estatísticas oficiais, aceder à caracterização do fenómeno da discriminação a partir da identificação étnica.

Destacou-se, ainda, o webinar sobre Aporofobia: desigualdades e discriminação, no dia 12 de abril, que promoveu um maior conhecimento sobre as várias situações de diversidade que compõem a nossa sociedade, promovendo a interculturalidade e desconstruindo preconceitos e estereótipos. A EAPN Portugal esclarece que a Aporofobia evidencia que a pobreza e a exclusão social criam estigmas muito profundos e enraizados que ajudam a dificultar as situações em que as pessoas se encontram. É um termo ainda novo, mas que é urgente ser abordado. A este webinar assistiram mais de 50 pessoas de todo o país.

A Coordenadora Nacional da EAPN Portugal sublinha o facto de todas as ações da Semana da Interculturalidade terem abordadotemas como a interculturalidade, as migrações, as comunidades ciganas e refugiados “no sentido de quebrar e combater narrativas negativas relativamente a estas pessoas”.

“A inclusão e o diálogo intercultural não está apenas nas mãos de quem decide. Está nas mãos dos cidadãos”. ▪

MIGRAÇÕES

mais de metade da população portuguesa considera existir discriminação no país

Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza da EAPN Portugal lança infografia com factos e números sobre a discriminação no país, a autoidentificação étnica e o background imigratório da população portuguesa.

Mais de metade da população portuguesa considera que existe discriminação no país (65%) e mais 1 em cada 10 pessoas já vivenciaram situações de discriminação (16%) Estes são alguns dos dados presentes na Infografia Migrações: Factos&Números. O documento, lançado pelo Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza (ONLCP) da EAPN Portugal, incide em três grandes temas: a discriminação em Portugal; a autoidentificação étnica da população portuguesa; e o background imigratório da população portuguesa.

A Coordenadora Nacional da EAPN Portugal, Maria José Vicente, refere que este documento “é muito importante para alertar a sociedade e as entidades políticas para a necessidade de promover iniciativas como a Semana da Interculturalidade. Estamos perante factos concretos que retratam a realidade portuguesa e as várias comunidades que fazem parte e enriquecem a sociedade portuguesa”. “Dá-nos igualmente pistas para o caminho que ainda temos de trilhar no que diz respeito à equidade, à igualdade e sobretudo à inclusão e dignidade de todas as pessoas”, acrescenta Maria José Vicente.

Já a Coordenadora do ONLCP, Elizabeth Santos, refere que neste documento são apresentados pela primeira vez dados do INE sobre grupos étnicos, com base numa autoidentificação, e sobre o background imigratório que permitem olhar para a diversidade existente na sociedade portuguesa. “Estes dados demonstram o forte sentimento de pertença a Portugal expresso por diferentes grupos, incluindo os imigrantes de primeira geração. Mas também nos mostram uma perceção generalizada da existência de discriminação em Portugal e o perfil de maior vulnerabilidade que alguns grupos racializados têm”, afirma Elizabeth Santos.

A infografia olha igualmente para alguns indicadores de vulnerabilidade social tendo por base a autoidentificação étnica, “demonstrando, por exemplo, que 41% das pessoas de origem ou pertença mista tiveram necessidade de trabalhar enquanto estudava e 37% da população que se autoidentifica como negra foi forçada a abandonar os estudos mais cedo do que gostaria”, indica a Coordenadora do Observatório. O baixo nível de escolaridade é por isso um importante indicador de vulnerabilidade que atravessa metade ou mais da metade da população negra (50%) ou cigana (92%), quando sabemos que quanto menor o nível de escolaridade maior o risco de pobreza ou exclusão social. “O próprio inquérito demonstra que são nestes dois grupos que encontramos maior proporção de pessoas que não conseguem fazer face às despesas (15% e 40%) respetivamente”, refere Elizabeth Santos.

A “situação económica/condição social” (37%), o “território de origem” (28%), o “sexo” (27%) e a “idade” (20%) são os fatores apontados como mais relevantes para as situações de discriminação vivida. O documento refere que “apenas 11% das situações de discriminação foram objeto de denúncia às autoridades, sobretudo porque as pessoas acreditam que “nada iria mudar ao fazerem queixa”.

O perfil de maior vulnerabilidade do grupo étnico autoidentificado como cigano cruza-se com “uma maior exposição às situações de discriminação”. “Este é o grupo onde mais de metade da sua população já experienciou situações de discriminação, onde 4 em cada 5 pessoas perceciona a existência de discriminação com base na origem étnica e onde quase 3 em cada 4 pessoas desta etnia afirmam que este tipo de discriminação é frequente ou muito frequente” A infografia refere ainda que a população que se autoidentifica como negra constitui “o segundo grupo com maior vivência de situações de discriminação”.

Esta infografia baseia-se maioritariamente nos dados do ICOT - Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População Residente, do INE. Este inquérito tem a particularidade de permitir, pela primeira vez, a partir de estatísticas oficiais, aceder à caracterização do fenómeno da discriminação a partir da identificação étnica (resultante da autoclassificação das pessoas). ▪

ELEIÇÕES LEGISLATIVAS: EAPN Portugal apelou

aos partidos para que o combate à pobreza fosse prioridade nas agendas políticas

A 22 de fevereiro a Rede Europeia Anti-Pobreza realizou um encontro com os partidos políticos para debater a luta contra a pobreza e os compromissos assumidos nesse âmbito. Lançou ainda um apelo com prioridades para a próxima legislatura.

Por Inês Duarte

Em Portugal, em 2024, existem mais de 1.7 milhões de pessoas que vivem com menos de 591€ por mês. Falamos de duas em cada dez pessoas. É por elas que a EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza defende que “a luta contra a pobreza e o reforço dos direitos sociais devem ser prioridades políticas”. É este o mote lançado pela ONG no seu apelo que apresenta as prioridades e mensagens que a organização considera urgentes serem implementadas para combater a pobreza no país.

“A pobreza tem múltiplas causas e ao longo dos anos Portugal não tem conseguido atacar essas causas”, defende a organização. Isto dá origem, “por um lado, a variações pouco significativas nos números da pobreza” e, por outro lado, “que em períodos de crise económica e social assistamos a uma maior fragilidade das pessoas”. A EAPN Portugal reitera a urgência de se definirem e implementarem respostas estruturais que visem combater de forma eficaz a pobreza e promover o desenvolvimento integral das pessoas.

A organização apresenta várias mensagens e prioridades que considerou urgente serem tidas em conta não só nas eleições legislativas, mas também nesta legislatura, como:

1. É preciso um compromisso político e social que favoreça a equidade e a coesão social;

2. É necessário promover e reforçar os direitos sociais;

3. A participação é uma das condições fundamentais para o sucesso do combate à pobreza e para a concretização do princípio da subsidiariedade;

4. O combate à pobreza concretiza-se nos territórios e com base nas especificidades dos mesmos.

“Consideramos que é fundamental conhecer as propostas dos partidos e refletir em conjunto com outras organizações da sociedade civil nas respostas que devem ser implementadas para a melhoria das condições de vida das pessoas e para a promoção de uma sociedade mais justa e equitativa”, reitera a EAPN Portugal.

O presidente da EAPN Portugal, Pe. Jardim Moreira, lamentou que a pobreza tenha estado ausente dos debates eleitorais. Apelou, assim, para que este seja um tema prioritário e reconhecida a importância de estar nas agendas políticas.

Encontro com os Partidos Políticos aconteceu a 22 de fevereiro

A EAPN Portugal considera que o combate à pobreza exige o envolvimento de toda a sociedade civil e todos os atores sociais neste processo. Assim, e tendo em conta a amplitude de stakeholders que se pretende envolver, são organizados quatro encontros no sentido de consciencializar e mobilizar todos os atores para um compromisso efetivo na prevenção e no combate à pobreza e exclusão social. Nesse sentido, a organização encontra-se a promover um Ciclo de Debates sob o tema “O Combate à Pobreza como um desígnio nacional”. Um dos primeiros momentos deste ciclo assentou na realização de um Encontro com os Partidos Políticos que concorreram às eleições legislativas, com o objetivo de debater a luta contra a pobreza e os compromissos assumidos neste âmbito. Este encontro decorreu no dia 22 de fevereiro, a partir das 14h30, na Atmosfera M, em Lisboa.

Todos os partidos políticos com assento parlamentar foram convidados e estiveram presentes representantes da Aliança Democrática, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal, Partido Livre, Partido Comunista Português, Partido Socialista e Pessoas-Animais-Natureza.

Foram igualmente convidadas um conjunto de instituições que trabalham direta ou indiretamente no combate à pobreza, promovendo assim um diálogo a várias vozes.

A vice-presidente da EAPN Portugal, Joaquina Madeira, referiu que, durante o debate, todos os partidos falaram de propostas futuras. “Naturalmente, queremos mais e melhor. Temos de encarar as dificuldades, mas, sobretudo, prepararmo-nos para construir um mundo melhor e deixá-lo para os nossos descendentes”.

Deste encontro salientam-se vários temas em comum acordo, como aumentar salários, aumentar o salário mínimo nacional, melhorar o parque habitacional público, valorizar as pensões sociais, e melhorar a proteção no desemprego.

“Neste debate houve mais coisas que nos uniram do que aquelas que nos separaram. Uma vez o Eng. Bruto da Costa disse, a propósito do combate à pobreza, «não me preocupa com o que se está a fazer, preocupa-me sim com o que deveria ser feito e não se faz». Devemos fazer diferente do que já se faz, caso contrário vamos continuar pelo mesmo caminho. Há muitas coisas que já se fazem e que não estão mal, mas a forma como se fazem é que não está certa”, alertou Joaquina Madeira.

Joaquina Madeira referiu ainda que o problema não está na geração da riqueza, mas na sua distribuição. “Lutar contra a pobreza é um investimento, faz bem à economia. Não é gastar dinheiro com a pobreza, é investir na luta contra a pobreza, porque as pessoas que estão fora do sistema, se estão numa situação de pobreza, não estão a produzir. Investir na pobreza é ganhar, é fazer a economia crescer, promover o progresso social e, sobretudo, uma democracia humanista. Não basta dizer, é preciso fazer, colocar em prática. Aí se vê a humanidade dos países”.

No final do encontro a EAPN Portugal pediu aos partidos presentes que assinassem uma Carta de Compromisso para tornar a luta contra a pobreza um desígnio nacional. ▪

Pensar Paranhos:

Exercício experimental de reflexão para uma Estratégia local integrada de combate à pobreza

A EAPN Portugal desenvolveu recentemente o projeto Pensar Paranhos! Exercício experimental de reflexão para uma Estratégia local integrada de combate à pobreza em parceria com a Junta de Freguesia de Paranhos. Trata-se de um projeto que foi financiado pelo Programa Colaborativo de Paranhos, e que decorreu de setembro de 2023 a abril de 2024.

Com este projeto procuramos aprofundar o conhecimento dos problemas sociais da Freguesia, através da recolha de dados estatísticos e da auscultação de diferentes stakeholders, assim como apontar pistas para a construção de micro-projetos que pudessem responder localmente a algumas das problemáticas identificadas. O relatório produzido, bem como o evento realizado a 7 de junho último, constituem um ponto de partida que poderá ter continuidade não só através da aplicação dos micro-projetos e das recomendações, mas também dando continuidade ao processo reflexivo que teve início com o exercício experimental.

A EAPN Portugal pauta desde sempre a sua atuação através de um diagnóstico dos problemas sociais – só poderemos intervir eficazmente se conhecermos as causas dos problemas sociais - e, mesmo assim, temos muitas variáveis que não controlamos em todo o percurso. A base de uma intervenção tem de ser o conhecimento, a investigação e essa é a nossa preocupação sempre. Precisamos de conhecer a realidade com os atores envolvidos, com quem beneficia das intervenções, com quem trabalha no terreno e também com aqueles que tomam as decisões. Foi isso que fizemos e que faz a diferença num diagnóstico – ouvir as pessoas e procurar ir ao encontro das suas necessidades e preocupações.

No entanto, importa ressalvar o pouco tempo em que foi realizado todo o trabalho, tendo em conta a complexidade dos temas a abordar a as diferentes metodologias que procuramos acionar. Muito pouco tempo quando em causa está um processo que pretende criar reflexão dentro dos territórios e em conjunto com organizações e os cidadãos. A reflexão exige tempo! Num mundo assoberbado pelas emergências sociais dedicamos cada vez menos tempo à reflexão social como se o combate à pobreza pudesse ser feito apenas com base na ação social, desvinculada da reflexão coletiva sobre as causas da pobreza, os novos desafios sociais, os obstáculos ao combate à pobreza ou os resultados desta intervenção. Ou como se a reflexão fosse uma etapa concreta do combate à pobreza, circunscrita no tempo e adjudicada a terceiros. Temos, de facto, de trazer os processos reflexivos sobre o combate à pobreza e sobre

a intervenção social e política, efetuado com instituições e com as pessoas em situação de pobreza, para as rotinas organizacionais.

Por outro lado, os dados estatísticos estão disponíveis e dão-nos um retrato fiel da situação, mas é datado no tempo e exige atualizações permanentes. Por exemplo, os dados dos Censos de 2021 dão-nos um retrato aproximado, mas em pouco tempo a realidade muda. Desde 2021 até agora aconteceram fenómenos muito marcantes no panorama internacional que influenciam as nossas vidas. Os fenómenos sociais mudaram e a prova disso são os resultados deste estudo.

Os dados que recolhemos e analisamos foram relevantes para aprofundar algumas temáticas que percebemos como urgentes: a questão das migrações, do envelhecimento e da educação/ formação. Estes fenómenos preocupam todos os atores envolvidos e exigem respostas diferenciadoras. O que temos de fazer?

Temos de nos ocupar dessas pessoas, de as acompanhar. Temos cada vez mais pessoas muito idosas (com 80 anos e mais) que precisam que cuidem delas e as respostas sociais que existem não são suficientes. Estas pessoas precisam de mais cuidados médicos mas também de apoio social e familiar que muitas vezes não existe. A percentagem de idosos isolados é grande e muitos destes não têm retaguarda familiar. São os vizinhos e as instituições sociais ou de saúde que procuram responder às suas necessidades.

Ao nível da educação/formação são também muitos os desafios que se colocam: desde escolas cada vez mais multiculturais, que necessitam de mais recursos e respostas diferenciadas, passando pelas baixas qualificações dos adultos em idade ativa. Temos cada vez mais escolas com crianças de múltiplas nacionalidades. Precisamos de apoiar as nossas escolas e a comunidade educativa para uma melhor resposta a estes novos desafios.

Não é apenas ao nível da educação que verificamos o aumento das migrações para a freguesia. Esta também é visível nas ruas, nas empresas, nos centros de saúde, etc. Este aumento vem responder às necessidades causadas pelo envelhecimento da população. Muitas vezes é esta população imigrante que vem cuidar da população idosa. Mas é essencial que haja uma boa integração desta população. Esta boa integração passa pelo acesso ao mercado de trabalho com salários decentes e sem precaridade social; passa pelo acesso à habitação com preços acessíveis e condizentes com as remunerações em Portugal; passa pelo acesso à educação e à saúde para os próprios imigrantes e seus descendentes; e passa também pelo conhecimento mútuo e pela desconstrução de preconceitos.

As Juntas de Freguesias têm a sua área de competências bem definida e limitações na capacidade de responder às causas estruturais dos problemas sociais. No entanto, a proximidade às populações permite um conhecimento constantemente atualizado dos fenómenos sociais e das suas alterações, permitindo identificar precocemente novas dinâmicas sociais e promover uma intervenção micro e próxima das pessoas. As Juntas de Freguesia têm (e devem ter) um papel de proximidade junto das populações que é essencial no combate à pobreza.

Há cada vez mais Estratégias e Planos de ação em curso e multiplicam-se estruturas para resolver problemas antigos. Saibamos usar essas Estratégias em prol dos mais desfavorecidos. Saibamos territorializar estas Estratégias. Temos de passar das intenções às ações e temos de trazer o pensamento estratégico sobre o combate à pobreza para o território das freguesias.

Consideramos que a grande mais-valia desta metodologia, que já aplicamos também em algumas freguesias em Lisboa, é a de fazer nascer uma nova forma de olhar para os problemas sociais - a partir do local.

“A realização deste estudo e desta parceria que fizemos junto da Freguesia de Paranhos com a Rede Europeia Anti-Pobreza é essencial para resolvermos ou tentarmos melhorar um problema de pobreza na nossa freguesia. É importante para termos a nossa atuação fundamentada com uma base técnica e não com fruto de um conhecimento empírico que se tem muitas vezes da realidade. Este estudo foi fundamental para podermos aferir a situação social da freguesia de uma forma muito mais correta e verídica.”

Miguel Seabra, Presidente da Junta de Freguesia de Paranhos

“É muito importante diagnosticar para conhecer e é necessário conhecer para podermos provocar a mudança necessária. Muitas vezes, na área social, fica-se apenas pelo achismo, pelo conhecimento mais empírico e é muito importante termos associado a validação, o conhecimento científico e técnico e fazer uma avaliação rigorosa daquilo que de facto são os problemas nas suas mais diversas áreas.”

Fernando Paulo, Vereador do Pelouro da Educação e Pelouro da Coesão Social da Câmara Municipal do Porto

Ensino Superior e EAPN Portugal juntam-se para combater a pobreza

Para a EAPN Portugal, um dos fatores essenciais para a erradicação da pobreza é a educação. Ao longo de mais de 30 anos, a organização tem fortalecido alianças e promovido a ação coordenada no combate à pobreza e exclusão social. Recentemente, a instituição tem-se empenhado em estreitar laços com as Instituições do Ensino Superior (IES), visando integrar e promover de forma estruturada e regular o debate sobre estas questões na Academia. É nesse sentido que a EAPN Portugal está a celebrar diversos protocolos.

“É importante que as instituições de educação, como as universidades, possam e devam participar na construção de uma sociedade diferente e inclusiva”, refere o presidente da EAPN Portugal, Agostinho Jardim Moreira. Dentro das instituições, é indispensável a participação dos estudantes. “Devemos proporcionar aos alunos estudo e reflexão sobre as causas das injustiças sociais, para poderem ser interventores na construção de uma sociedade fraterna”, refere o presidente. Agostinho Jardim Moreira sublinha também que “a pobreza é sempre resultado de disfunções humanas e sociais. A pobreza exclui sempre a pessoa da sua realização pessoal e integrada na família e na sociedade. Só pelo desenvolvimento integral do ser humano é que é possível a pessoa sair da pobreza”.

Já cinco universidades assinaram protocolos

Até julho deste ano, foram já cinco as IES que se juntaram à EAPN Portugal no combate à pobreza.

No dia 10 de abril a EAPN Portugal e a Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto formalizaram a sua parceria, com a assinatura de um protocolo de cooperação entre as duas instituições.

O protocolo foi assinado pelo presidente da EAPN Portugal, Agostinho Jardim Moreira, e a pró-reitora da UCP-CRP, Isabel Braga da Cruz, nas instalações do Campus da Foz.

Para Isabel Braga da Cruz, este protocolo é de extrema importância para a Universidade Católica, pois “apoia a instituição a cumprir a sua missão”. “Os nossos alunos, que hoje estudam na Católica, amanhã vão integrar empresas e vão até ser dirigentes. Por isso, é muito importante que a sua formação tenha sementes anti-pobreza. São essas sementes que queremos fazer crescer, para ajudar a fazer desaparecer este problema. Isso faz-se com ciência, com aproximação, com conhecimento de fundo do que está a acontecer e com estratégias para conseguirmos trabalhar nesta frente”, afirma. “Estamos comprometidos com a EAPN Portugal e queremos tornar este projeto um sucesso”, afirma a pró-reitora.

Um mês depois, a 10 de maio foi a vez da Universidade do Porto, uma parceria que vai permitir “a promoção da colaboração técnicocientífica entre as duas entidades nos domínios da investigação, do ensino e da formação profissional”.

Jardim Moreira relembrou que “as causas da pobreza são essencialmente causas estruturais e, para as resolver, necessitamos de repostas pluridisciplinares. Daí a necessidade de termos instituições que possam ajudar a identificar e a solucionar causas estruturais”. Assim, “as academias são uma extraordinária mais-valia nesta missão”.

O protocolo foi assinado pelo presidente da EAPN Portugal, Agostinho Jardim Moreira, e o reitor da UP, António de Sousa Pereira, nas instalações da universidade.

Também a Universidade de Coimbra assinou um protocolo com a EAPN Portugal. Foi a 11 de junho, em contexto de um almoço solidário, que se estreitaram as relações com esta universidade. Assim, o protocolo pretende “estabelecer as bases de cooperação com vista à promoção da colaboração técnicocientífica nos domínios das especificidades de ambas as partes, ao potenciar os recursos existentes nas duas instituições”. O protocolo foi assinado pelo presidente da EAPN Portugal e por João Nuno Calvão da Silva, vice-reitor para as Relações Externas e Alumni da Universidade de Coimbra.

A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro firmou o seu protocolo com a EAPN Portugal no dia 1 de julho. Esta parceria, já consolidada através do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento desde 2007, é crucial para sensibilizar e capacitar os futuros profissionais a atuar de maneira crítica e empreendedora na transformação social. O reitor da UTAD, Emídio Gomes, e o presidente da EAPN Portugal, Agostinho Jardim Moreira, formalizaram a assinatura do protocolo.

Estes protocolos pretendem, assim, que as várias IES e a EAPN Portugal desenvolvam programas de cooperação técnicocientífica, através de estudos, projetos de investigação e intervenção, bem como formações conjuntas e a realização de estágios académicos. ▪

DESAFIOS PARA A TRANSIÇÃO DA VIDA ADULTA

Jovens Institucionalizados e os Apartamentos de Autonomização da ASAS como estratégia de apoio a uma transição securizante

“A transição para o apartamento de autonomia é assustadora. Pensamos que sabemos tudo mas, na verdade,éláquerealmenteaprendemos.”

Maria, 20 anos

Por Maria do Céu Brandão, Diretora de Serviços Sociais

A ASAS, Associação de Solidariedade e Ação Social de Santo Tirso, tem como uma das suas principais preocupações as Crianças e Jovens em Risco. Faz precisamente 30 anos em 2024 que a Casa de Acolhimento Renascer entrou em funcionamento e neste período de 3 décadas implementamos uma rede de 3 casas de acolhimento e 2 apartamentos de autonomização, onde já residiram 434 crianças e jovens, fazendo jus à nossa missão de capacitar cidadãos de pleno direito, protegendo os grupos mais vulneráveis da comunidade, principalmente as crianças e os jovens.

Foram, sempre, as necessidades das crianças e jovens que nos impulsionaram a criar novas respostas sociais, como o investimento em projetos de apoio às famílias, procurando reforçar as suas capacidades de forma a evitar a institucionalização (os atuais CAFAP’s) e a abertura em 2013 do primeiro Apartamento de Autonomização do país com Acordo de Cooperação com a Segurança Social.

No desafio de escrevermos um texto para a Focussocial sobre a experiência da ASAS com crianças e jovens em perigo resolvemos apresentar a nossa experiência nos Apartamentos de Autonomização. Porque falar de Apartamentos de Autonomização é falar de acolhimento residencial, de saída do sistema de acolhimento, de adolescência, de jovens e jovens adultos, de transição para a vida adulta, entre tantos outros assuntos.

A relevância deste tema pode ser afirmada pelos dados do Relatório CASA 2022, em que das 6347 crianças e jovens caracterizadas 3249 eram jovens com 15 ou mais anos de idades, dos quais 2029 jovens tinham com projetos de promoção e proteção a autonomização, que representam 34% do total dos projetos de promoção. Nos 79 Apartamentos existentes no país residiam 226 jovens (CASA, 2022).

As instituições de acolhimento, no âmbito do que é a sua missão, devem potenciar ambientes de vida com base na estabilidade relacional, funcional e instrumental, tentando preparar os jovens para os desafios que os processos de transição, muito especificamente para a autonomia e idade adulta, exigem. Mas há competências que só se adquirem com um “teste de realidade”:

TESTEMUNHO

Quando estava na Casa de Acolhimento desejava mais autonomia, mas, refletindo bem, percebo que ainda não estava pronta. Em janeiro de 2023, perguntaram-me se queria transitar para o apartamento de autonomia, pois consideravam que já estava preparada. Fiquei feliz com a novidade, mas logo comecei a duvidar se realmente estava pronta para esse desafio.

O medo das responsabilidades que ia assumir começou a assombrar-me. Lembro-me de colocar mais de cinco alarmes para acordar, com receio de não conseguir levantar-me sozinha, uma vez que na Casa de Acolhimento havia sempre alguém para me acordar. Pensava que ir às compras era uma tarefa fácil, mas, para ser franca, nunca imaginei que teria de considerar tantos aspetos.

As responsabilidades começaram a parecer-me excessivas e comecei a questionar-me se realmente foi uma boa ideia teremme dado essa oportunidade. As minhas notas começaram a baixar porque não estava habituada a gerir os meus estudos e senti que não sabia organizar o meu tempo, que, agora vejo, era imenso. Por causa disso, perdi o direito à Bolsa de Estudos. No campo da gestão financeira, geria tão mal o meu dinheiro que cheguei à conclusão de que não sabia lidar com dinheiro e responsabilidades financeiras. Comecei a receber orientação nesses aspetos, porque era realmente o que mais precisava.

Hoje, se me perguntarem como estou, digo que consegui arranjar um trabalho e que consigo gerir o pouco que recebo, pagando as minhas propinas. Agora, com o tempo limitado que tenho, sinto que consigo organizá-lo para ir às aulas, estudar, trabalhar, fazer as tarefas domésticas, ir ao ginásio, divertir-me e estar com as pessoas de quem gosto. Em relação ao dinheiro, continuo a trabalhar neste objetivo e já comecei a fazer uma pequena poupança.

Uma das coisas de que mais senti falta foi o barulho e a presença constante de ter alguém por casa. No início da transição para o apartamento, isso foi particularmente difícil para mim, uma vez que adoro ter companhia para conversar. Por causa disso, comecei a sentir necessidade de sair mais e passei a estar menos em casa, embora sempre cumprindo com as minhas tarefas. No entanto, percebi que isso não me estava a fazer bem, pois deixava outras responsabilidades de lado. Hoje, antes de sair, certifico-me de que faço as minhas tarefas e cumpro com as minhas obrigações, porque é para isso que estou no apartamento.

Outra coisa que também me ajudou bastante foi melhorar a relação com os meus pais e familiares. Hoje em dia, consigo separar melhor as coisas, algo que muitas vezes misturava sem perceber, o que me deixava ansiosa. Por isso, sim, a transição para o apartamento de autonomia é assustadora. Pensamos que sabemos tudo, mas, na verdade, é lá que realmente aprendemos.

Maria, 20 anos

O testemunho da Maria é um magnífico exemplo de como por vezes as expectativas dos jovens parecem mais elevadas que as suas competências, de como os desafios da vida adulta se apresentam maiores que os seus recursos pessoais e as suas necessidades e depressa revelam a importância destas respostas sociais para promoverem saída do acolhimento residencial e uma transição o mais securizante possível.

A transição para a vida adulta implica potenciais acontecimentos que colocam o indivíduo em crise, tanto a nível funcional como emocional, uma vez que estão associadas a significativas mudanças estruturais de vida. Dentro dos diversos contextos de vida, estes pressupostos podem ser categorizados como normativos, esperados e previsíveis. Mas para os jovens com historial de institucionalização, como a Maria, esta vivência tem aspetos não normativos, uma vez que estão mais sujeitos a uma desorganização emocional, dado os acontecimentos de vida passados e a incerteza quanto ao que futuro lhes reserva, o que por consequência pode levar à adoção de comportamentos desadaptativos.

Uma rede de suporte social robusta é fundamental para a transição para a vida adulta. No entanto, muitos jovens institucionalizados deixam o sistema de acolhimento sem uma rede de suporte adequada, aumentando o risco de isolamento social (Collins, 2010). A ausência de conexões significativas pode dificultar o acesso a recursos essenciais e oportunidades, além de afetar negativamente a saúde mental e o bem-estar geral.

A transição bem-sucedida para a vida adulta inclui a capacidade de se sustentar financeiramente através de um emprego estável. No entanto, jovens que deixam o sistema de acolhimento enfrentam desvantagens significativas na obtenção e manutenção de emprego. Fatores como a falta de experiência profissional, habilidades limitadas e estigma social contribuem para taxas mais altas de desemprego e empregos de baixa qualidade entre esses jovens (Hook & Courtney, 2011).

Os jovens em acolhimento são considerados dos grupos mais vulneráveis da sociedade, que tendem a realizar uma transição para a vida adulta mais precocemente comparativamente aos pares da mesma faixa etária, o que se pode transformar numa dificuldade acrescida, se não detiverem um conjunto de competências que lhes permita a sua integração na sociedade maioritária (Carvalho & Cruz, 2015).

Importância Apartamentosdosde Autonomização

O testemunho da Maria evidencia-nos que os apartamentos de autonomização podem funcionar como uma rede de apoio, oferecendo aos jovens acesso a recursos e conselhos práticos enquanto navegam pelas complexidades da vida adulta. A experiência de viver num ambiente independente, com suporte de profissionais, favorece a promoção da autoestima e da confiança, além de proporcionar um espaço seguro para a prática e o desenvolvimento de habilidades importantes no processo de transição para a vida adulta. Este suporte pode incluir ajuda nas questões de vida diária, na procura de emprego, aconselhamento educacional e apoio emocional, elementos cruciais para a integração bem-sucedida na sociedade (Dworsky & Pérez, 2010).

No Modelo Sócio-Educativo dos Apartamentos de Autonomização da ASAS são adotados como referenciais do Programa de Autonomização:

• Apartamentos localizados nos centros da cidade com capacidade para 4 jovens;

• É disponibilizado aos jovens, no dia de admissão, a chave do Apartamento, o Regulamento Interno e é assinado um Acordo de Integração e Permanência, onde estão definidos os principais compromissos a serem observados pela ASAS e pelo jovem;

• Mensalmente é atribuída uma verba, em que determinado valor é para as despesas do Apartamento e o restante para as despesas pessoais;

• A intervenção tem por base um Programa de Autonomização composto por 5 fases, onde são trabalhadas 9 dimensões que se constituem como pilares da vida adulta;

• Este programa é traduzido na prática nos Planos Individuais de Autonomização (PIA), que são definidos semestralmente e monitorizados nas reuniões semanais com o técnico;

• Estes PIA’s têm como objetivos que os jovens adquiram competências de vida adulta e independente, incluindo:

- manutenção de uma casa, gestão doméstica, utilização de serviços comunitários,

- gestão financeira e realização de uma poupança,

- gestão do tempo e ocupação saudável do tempo livre,

- cuidado, higiene e segurança pessoais,

- tomada de decisão,

- planeamento da carreira escolar e apoio ao estudo e/ou planeamento de carreira profissional,

- Procura e manutenção do emprego,

- Planeamento de necessidades de saúde, construir autoimagem e autoestima positivas,

- Fortalecimento, ou constituição, da sua rede social de apoio,

- Procura de espaço habitacional para a saída do Apartamento;

• O acompanhamento aos jovens é feito pelo técnico do Apartamento, através de reuniões de apartamento, de reuniões individuais, de reuniões/contactos com entidades externas (instituições de ensino, saúde e outras), acompanhamento dos jovens nas diligências que se considere pertinente e partilha de momentos culturais e de lazer, com recurso a metodologias informais.

Em suma, nos Apartamentos de Autonomização da ASAS os jovens são apoiados na gestão do seu quotidiano e na mobilização de recursos em diversas esferas da sua vida e é-lhes proporcionado um ambiente que facilita a transição para a vida adulta, promovendo a autonomia, a responsabilidade e ponderação na tomada de decisões, enquanto garantem o suporte contínuo e adequado. Os Apartamentos surgem na sua vida como um “teste de realidade da vida adulta e independente” onde eles podem aplicar e aperfeiçoar, com auxílio da equipa técnica, as competências pessoais e sociais que foram adquirindo, colocando-as em prática no seu exercício de cidadania.

De 2013 à data de hoje já residiram nos Apartamentos de Autonomização da ASAS 34 jovens.

De uma forma geral são jovens com uma trajetória de vida pautada por institucionalização anterior à integração no Apartamento (90%), sendo que a sua proveniência é maioritariamente de Centros de Acolhimento Temporário (88%). Situam-se na faixa etária compreendida entre os 18 e os 20 anos (90%) e 21 jovens encontrava-se a frequentar a escola, sendo que 73% estava no ensino profissional.

Já saíram dos Apartamentos de Autonomização da ASAS 30 jovens. Nem todos concluíram o Programa com sucesso, mas acreditamos, tal como os estudos indicam, que jovens que participam de programas de apartamentos de autonomização apresentam melhores resultados em termos de emprego, educação e estabilidade habitacional (Wade & Dixon, 2006).

Os jovens que terminam o programa com sucesso saem para viver sozinhos em apartamento que alugaram ou para viverem com os seus companheiros, com uma poupança que se constitui como uma almofada de segurança para momentos adversos, com as carreiras escolares terminadas e com emprego, com carta de condução e, acima de tudo, com confiança nas suas capacidades e habilidades. Será com este perfil que a Maria sairá do Apartamento de Autonomização da Trofa.

São 26 meses, tempo médio de permanência dos jovens que terminam o programa com sucesso, de crescimento e aprendizagem, de avanços e recuos, de risos e prantos. É um tempo de reconstrução de projetos de promoção e proteção e reconstituição da própria história de vida, dado que muitas vezes desconhecem a sua própria história de vida e história de vida familiar. São as dores do crescimento.

É um tempo de descobrir novos mundos, através do desporto ou das artes ou das viagens, que proporcionam sentimentos de valorização e realização. É um tempo de descobrir vocações e provações. É um tempo de crescimento e imersão na vida adulta.

A transição para a vida adulta é um período crítico para todos os jovens, mas particularmente desafiador para aqueles que passaram pela institucionalização. Compreender e abordar os múltiplos desafios enfrentados por estes jovens é fundamental para promover sua integração social e sucesso a longo prazo. Investir em estratégias de suporte abrangentes, incluindo a implementação de programas de apartamentos de autonomização, pode fazer uma diferença significativa nas vidas destes jovens, ajudando-os a superar as adversidades e construir um futuro promissor. ▪

Referências Bibliográficas

• Collins, M. E., Spencer, R., & Ward, R. (2010). Supporting youth in the transition from foster care: Formal and informal connections. Child Welfare, 89(1), 125-143.

• Courtney, M. E., Lee, J. S., & Perez, A. (2016). Extended foster care as a predictor of better outcomes for young adults. Journal of Public Child Welfare, 10(3), 289-309.

• Dworsky, A., & Pérez, A. (2010). Helping former foster youth graduate from college through campus support programs. Children and Youth Services Review, 32(2), 255-263.

• Modelo Socioeducativo - Apartamentos de Autonomia ASAS. Regulamento Interno - Apartamentos de Autonomia ASAS.

• Pappámikail, Lia - Juventude(s), autonomia e Sociologia: Revista do Departamento de Sociologia da FLUP, Vol. XX, 2010, pág. 395-410

• Relatório CASA (2022). Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens. Instituto de Segurança Social, IP.

• Sagnier e Morell, coord., (2021). Os jovens em Portugal, hoje. Quem são, que hábitos têm, o que pensam e o que sentem, Fundação Manuel dos Santos. ▪

Encontro Europeu de Pessoas em Situação de

Pobreza 2024

“Uma experiência enriquecedora!”

Em junho decorreu o 22º Encontro Europeu de Pessoas em SituaçãodePobreza.Estiverampresentes“23delegaçõesdetoda a Europa determinadas a fazer ouvir a sua voz e a partilhar os seusconhecimentoscomosnovosrepresentantesdasinstituições europeias”,refereaEAPNEuropa,organizadoradestainiciativa.

“Norescaldodaseleiçõeseuropeias,onossoobjetivoédebateras condições e as ambições necessárias para continuar a construir umaEuropasocialforte.Paraoefeito,osparticipantesapresentam recomendaçõessobreasquatroprioridadessociaisdaPresidência belga: rendimento mínimo, sem-abrigo, acolhimento/guarda de criançasedigitalização”,sublinhaaEAPNEuropa.

Pormaisumano,aEAPNPortugalestevepresentenesteEncontro, deenormeimportânciaparaaorganização.Adelegaçãoportuguesa foicompostaportrêsmembrosdoConselhoNacionaldeCidadãos:

Juan Gomes, Cidália Barriga e Ricardo Chambel. Juan Gomes escreve,naprimeirapessoa,oseutestemunhosobreesteencontro.

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Este ano tive a honra de integrar a delegação portuguesa da EAPN no Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza, que decorreu nos passados dias 14 e 15 de junho, em Bruxelas.

Esta 22ª edição, que reuniu mais de 100 pessoas, foi marcada pela diversidade e partilha de pensamentos e opiniões em torno de temáticas que estão na ordem do dia e nas preocupações dos diversos grupos representados na iniciativa. Eu e os meus companheiros de viagem, a Cidália e o Ricardo, refletimos sobre o Rendimento Mínimo e a Habitação, temas analisados e discutidos através de dinâmicas participativas, mesas de trabalho e workshops. Curioso foi a similitude dos pontos de vista expostos e as mensagens chave ecoadas pelos diferentes países ali representados.

Foram dois dias cheios de escuta, diálogo, partilha e aprendizagem. Dias que me permitiram sair da minha zona de conforto, socializar com pessoas fora dos limites da minha ilha (Madeira) e do meu país, num encontro onde as fronteiras se esbateram de tão distintas e similares que são.

Sinto-me grato pela oportunidade, experiência, acolhimento e suporte incansável dos meus colegas!

Obrigado!

Juan Gomes

EAPN Portugal apela a que o combate à pobreza seja prioridade no Parlamento Europeu

A EAPN Portugal promoveu um Almoço-Debate com os candidatos nacionais ao Parlamento Europeu com o objetivo de refletir sobre as causas estruturais da pobreza, dar a conhecer a sua posição e preocupações em matéria de luta contra a pobreza, conhecer as propostas dos candidatos nesta matéria e promover o diálogo com outros representantes da sociedade civil de áreas sociais e centrais também ao combate à pobreza. Este encontro decorreu a 17 de maio, no Hotel Fénix, em Lisboa.

Os candidatos presentes do Partido Socialista, Aliança Democrática, Livre, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal e PCP (com faltas do PAN e Chega) debateram em torno de um conjunto de questões colocadas pelo moderador, Hélder Gomes, jornalista do Expresso, e posteriormente responderam a questões das instituições convidadas e do grupo de cidadãos que compõem o Conselho Nacional de Cidadãos da EAPN Portugal.

A reflexão iniciou-se em torno daquilo que é ou não lutar contra a pobreza e do papel que a União Europeia tem neste domínio e deve ter na futura configuração do Parlamento Europeu. Os diferentes candidatos referiram unanimemente a aposta no combate à pobreza tendo utilizado diferentes argumentos.

O candidato da AD, Hélder Sousa e Silva, referiu que este combate cabe a “todos,todostalcomodisseoPapaFrancisco(pelasjuntasde freguesia,asCâmarasMunicipais,asIPSS,asRedesLocaisdeAção Social,oGoverno,aníveldaUniãoEuropeiaeasNaçõesUnidas).

Se olharmos para os ODS o primeiro objetivo é a erradicação da Pobreza.EmtermosdaUniãoEuropeiacabe-lheadefiniçãomacro daspolíticaseafiscalizaçãodessasmesmaspolíticas”

A candidata do PCP, Sandra Pereira, referiu que se “trata de um problema de redistribuição de riqueza em que uns estão cada vezmaisricoseoutroscadavezmaispobres.Depois,também,há políticasqueviramospobrescontraospobres.Depôraspessoas que ganham o salário mínimo contra quem tem o RSI que não dá sequerparasobreviver”

O moderador lançou posteriormente outra questão: “o que propõe para o reforço da agenda social europeia no quadro do Plano de Ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS)?” A esta questão o Livre, através do candidato Miguel Chambel, respondeu com alguns dados estatísticos: 21% da população europeia em risco de pobreza e exclusão social, ou seja,1 em cada 4 cidadãos. E referiu: “Não são apenas os salários, é a pobreza energética, a pobreza menstrual, dos idosos, das minorias étnicas. São problemasestruturais”

O Livre apresentou ainda propostas para os próximos anos, como o novo Pacto Verde e Social (ajudarafinanciarhabitaçãoapreços acessíveis, a baixar a pobreza energética, mais investimento em transportespúblicosdequalidadeemaisredeferroviária).

Sobre a habitação pública que é de apenas de 2% em Portugal, muito abaixo da média europeia, Hélder Gomes questionou as medidas que o Bloco de Esquerda vai propor para efetivamente estimular a promoção da habitação pública.

“A habitação tem responsabilidades nacionais e europeias – precisamos de ter parques públicos de habitação em todos os países da União Europeia, sendo que a situação atual é muito díspar. A habitação é o Pilar do Estado Social português que nunca chegou a ser construída, pelo menos enquanto política universal como o foi na saúde e na educação. Em Portugal a habitação pública foi sempre habitação social e o BE defende uma linha de financiamento europeu especifica para a habitação”, referiu o candidato José Gusmão.

O moderador coloca uma questão à candidata do PS acerca do PEDS e das suas metas. Carla Tavares refere: “OPEDSfoioinício de uma mudança muito importante nas questões da pobreza Permitiu ao Estado Português construir mecanismos que hoje obrigatoriamente estão presentes nas nossas decisões e naquilo queéotrabalhodeterreno.OPRRporexemplo,ofactodetermoso Pilar.OqueseriasenãotivéssemosoPilar?”.

O candidato da IL, António Costa Amaral, foi questionado sobre o Turismo e a aposta excessiva nesta atividade económica e considera que Portugal deve diversificar a sua aposta em outros sectores. Salienta as causas das desigualdades: “oportunidadesdeacessoque afetamosjovens,osvelhos,deetniasdiferentes,…desigualdades territoriais–oriscodepobrezaédiferentedointeriordascidades eonossosistemapolíticoestámuitocentralizado”.

Destacou igualmente as desigualdades no acesso a serviços públicos – asescolassãodiferentesefalamosmuitodepobreza, masdepoisosserviçosdesaúdenointeriornãoexistem . A saúde está altamente correlacionada com a pobreza.

O moderador volta a colocar uma questão sobre a pobreza e exclusão social: em situação extrema é preciso dar o peixe ou ensinar a pescar?

A resposta do BE vem no sentido de considerar que esta expressão aborda a pobreza numa questão do individuo e é importante ver as políticas públicas e aquilo que as próprias estatísticas da pobreza não mostram. “Porqueistodeterumrendimentoxedepoisterou nãoumSNSpúblicofaztodaadiferençanospaíses.Portugalnãovai terumsistemadecuidadosdesaúdeprivadosquesejauniversal.A privatizaçãodoSNSdaráorigemaumserviçopúblicomiserável” .

O PCP destaca ainda a importância de ter em conta a exclusão devido à transição digital porque, nem todo o território nacional tem cobertura pela internet e depois, por outro lado nem toda a gente tem competência digital. É uma forma de exclusão A digitalização sim é importante, mas não se deve encerrar serviços porque os serviços presenciais são fundamentais.

São também referidos pela Eurodeputada do PCP a questão da necessidade de continuar a apostar nos Serviços públicos de qualidade - a escola pública é fundamental, no combate às desigualdades,oSNStambém(é preciso que estes serviçossejam locais) para não criar mais desigualdades.

O candidato da AD refere que a sua intenção é ir para Bruxelas para resolver os problemas das populações e refere que o próximo mandato no PE vai ter as questões da segurança e defesa, a questão do alargamentoa novos países, a definição do novoquadro financeiro plurianual , muito embora considere que o orçamento para a área social não deve diminuir.

Na abertura do debate às instituições presentes, foi possível ouvir os contributos da APRE, Aposentados, Pensionistas e Reformados que destacou o desafio das alterações demográficas e longevidade; do Instituto de Apoio à Criança que falou do documento/manifesto “Vote nas crianças” criado por uma coligação europeia que representa 23 organizações da União Europeia, que defendem e promovem os direitos das crianças; de um Membro do Conselho Local de Cidadão de Santarém que abordou a pobreza habitacional e questionou sobre a forma de resolver o problema das casas desocupadas; e de um Membro do Conselho Local de Cidadãos de Évora que destaca a saída dos jovens de Portugal por falta de oportunidades e questiona que políticas existem efetivamente para esses jovens?

Já a Plataforma Portuguesa das ONGD apontou a tendência atual de desvio dos fundos para a área securitária, questionando o papel da União Europeia na cooperação para o desenvolvimento, enquanto instrumento da erradicação da pobreza.

O Presidente da EAPN Portugal, Padre Jardim Moreira desafiou os candidatos a assumirem compromissos no futuro para manter uma forma de diálogo, da sociedade civil e haver avaliações periódicas com os eurodeputados. A Vice-Presidente da EAPN Portugal, Maria Joaquina Madeira relembra que a legitimidade dos candidatos vem do povo e questiona: será que a pobreza poderá entrar no vosso programa eleitoral?

No final houve resposta dos candidatos às perguntas da Plateia

Maria Joaquina Madeira encerrou a iniciativa, afirmando que “nos anos 80 não havia pobreza, havia pobres em Portugal. O que significa que a pobreza não era um problema da esfera pública. Era um problema das famílias e das instituições de caridade. A adesão à CEE trouxe a consciência da pobreza como um problema social – não existia nada sobre a pobreza e aí surge o primeiro estudo sobre a pobreza (Bruto da Costa e Manuela Silva), mas ainda há muito por fazer.

A pobreza é um

problema de Direitos Humanos e afeta a Democracia.

Apobrezaresolve-secompesca,comcanadepesca,com formaçãoparausaracanaequeoriotenhapeixes.

Temos aqui um empreendimento. Apalavrapobrezanãopodesair doléxicopolítico!”

Terminou deixando o desafio para que daqui a um ano seja possível voltar a dialogar com os eurodeputados eleitos ▪

ÚLTIMA HORA

Ficha Técnica

FOCUSSOCIAL Missão Informativa Revista semestral | julho de 2024

Diretor Agostinho Cesário J. Moreira

Subdiretora Maria José Vicente

Editora Inês Duarte

Conselho editorial Fátima Veiga, Joaquina Madeira, Maria José Vicente, Elizabeth Santos e Inês Duarte

Fotografia APPACDM de Évora, Associação de Solidariedade e Ação

Social de Santo Tirso, Associação de Solidariedade Social e Recreativa de Nespereira, Associação Chão dos Meninos, Delegação de Évora da Cruz Vermelha Portuguesa, Inês Duarte, Juan Gomes, Maria Cecília Monteiro, Martim Mariano, pxhere, Quessiane Coelho

Infografia Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza Capa pxhere

Design e paginação makeup design | augusto pires ©

Sede da redação/editor Rua Costa Cabral, 2368, 4200 – 218 Porto | Tel: +351 225 420 804

E-mail redação: comunicacao@eapn.pt

Site: www.focussocial.eu

Apoio administrativo: Paula Amaral

Apoio à edição Paulo Sérgio Santos

Redação comunicacao@eapn.pt

Propriedade EAPN Portugal

NIF: 502866896

Periodicidade semestral

Depósito legal ???????????

ISSN 2182-1224

Nº Registo ERC 126146

Preço 5€

Tiragem 2.000 exemplares Impressão ??????????

Os textos escritos ao abrigo do anterior AO são da responsabilidade dos seus autores.

Todos os artigos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores, não coincidindo necessariamente com a opinião da direção da EAPN Portugal, promotora deste projeto editorial.

Estatutos Editoriais: A FocusSocial é uma revista especializada em economia social; defende a liberdade de expressão e a liberdade de informar, bem como repudia qualquer forma de censura ou pressão, seja ela legislativa, administrativa, política, económica ou cultural; é uma revista com convicções, mas independente de todos os poderes, manifestando esse espírito de independência também em relação aos seus eventuais apoiantes; entende que as publicações de natureza informativa devem ser independentes porque só assim cumprem a sua função essencial perante a sociedade; participa no debate das grandes questões que se colocam à sociedade portuguesa na perspetiva da construção do espaço europeu e de um novo quadro internacional de relações, no que concerne às políticas sociais; é responsável apenas perante os leitores, numa relação rigorosa e transparente, autónoma do poder político e independente de poderes particulares; entende que é determinante dar visibilidade ao trabalho efetuado pelas organizações não-governamentais, numa perspetiva independente e objetiva, divulgando boas práticas; tem e terá presente os limites impostos pela deontologia dos jornalistas, pela ética profissional e pelo Código Deontológico do Jornalista; inscreve-se numa tradição europeia de jornalismo exigente e de qualidade, recusando o sensacionalismo e a exploração mercantil da matéria informativa.

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