Revista FOCUSSOCIAL 24 | dezembro 2023

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DOSSIÊ TEMÁTICO

COMUNIDADES CIGANAS

TERRITÓRIO

BEJA

24 DEZEMBRO 2023 semes tr al
5,00€
Preço:

Índice

Comunidades Ciganas

• Bruno Gonçalves: “O associativismo é importante por ser um motor interno que dá protagonismo aos nossos receios, faz-nos pensar nos nossos próprios problemas”........... 4

•Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas Portuguesas (AMUCIP) ........... 8

# A história de quem vive | Bruno Oliveira: o primeiro e único mediador na área da saúde em Portugal ........... 12

# A voz de quem vive | O meu ponto de vista sobre a minha comunidade ........... 16

# O nosso lado | A inclusão das comunidades ciganas só poderá ser efetiva quando as ações e as mudanças forem perspetivadas a longo prazo e consideradas como um todo! ........... 18

Beja

• BI Distrital 24

# Centro Social do Lidador: a resposta “para toda a gente” 26

# “Quero continuar na minha casa. Mas quero condições como deve ser” ........... 30

# Comunidade migrante em Beja: novos desafios na integração do mercado de trabalho ........... 34

• Juntos na diversidade | Projeto “tu decides” - E9G - Núcleo Desportivo e Social da Guarda ........... 40

•XV Fórum Nacional de Combate à Pobreza promove a voz das pessoas em situação de pobreza ........... 44

•#POBREPOVO: campanha volta a encher as ruas de Portugal na luta contra a pobreza ........... 50

•Encontro Nacional de Associados ........... 52

•Click: 10 anos a promover o emprego e inclusão social ........... 56

•Lançamento do Nº55 da Revista Rediteia: Migrações ........... 60

•Conselho Local de Imigrantes: Integrar é sentir que estamos em casa ........... 62

•55+, envelhecer não é só sorte, é talento! ........... 66

•Sandra Araújo: “Temos de fazer do combate à pobreza um desígnio nacional, em que todos os agentes e atores da sociedade unam esforços” 69

•O insuportável custo de vida ........... 74

•Projeto Opportunities: superar o atual debate controverso sobre migração ..........78

2023 fica marcado pela instabilidade política, económica e social do país. Fica igualmente marcado pelo aumento da taxa de pobreza em Portugal e pelo agravamento das condições de vida das pessoas, apesar das medidas implementadas pelo Governo para fazer face a estas situações. Neste sentido, a EAPN Portugal não poderia deixar de dar atenção a um conjunto de pessoas que vivenciam estas situações e das quais destacamos as comunidades ciganas.

As comunidades ciganas são assim alvo dos mais graves problemas de exclusão, representando seguramente os mais desfavorecidos entre os desfavorecidos. Num tempo em que as comunidades ciganas se assumem como um dos grupos sociais que mais evidencia a necessidade de uma intervenção urgente e específica, é fundamental demonstrar que nem tudo está perdido, que o “pouco” que se tem conseguido fazer pode constituir uma alavanca para um futuro melhor para estas comunidades na Europa e, particularmente, em Portugal. Daí o Dossier Temático ser dedicado a esta população, apresentando histórias e testemunhos de pessoas que diariamente veem os seus sonhos esfumados por ideias pré-concebidas. É tendo por base este contexto que é importante promover a voz destes cidadãos, contribuindo para um melhor conhecimento sobre estas comunidades e para a construção de uma sociedade mais justa onde impere a coesão social, a igualdade, a justiça e, sobretudo, a dignidade humana. Sabemos que este é também o “sentir” e a vontade das próprias comunidades ciganas, pois são elas as principais vítimas destas situações de desigualdade e de discriminação.

Relativamente à rubrica Território, destacamos o Distrito de Beja, apresentando de uma forma objetiva a realidade socioeconómica, permitindo uma leitura breve dos principais indicadores estatísticos. Paralelamente, apresentamos projetos e iniciativas que trabalham diretamente com algumas temáticas prementes no território tais, como as pessoas idosas, as comunidades ciganas, as pessoas migrantes, entre outros.

Na rubrica EAPN Em Rede enfatizamos a entrevista à Coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, visto que no passado mês de outubro foi aprovado o plano de ação 2022-2025 com um conjunto de ações específicas e integradas para combater as mais diversas situações de pobreza. Como a EAPN Portugal é feita de pessoas, enfatizamos ainda a) o XV Fórum Nacional de Combate à Pobreza em que as pessoas tiveram oportunidade de dialogar com os partidos políticos, apresentando as suas necessidades e as

suas recomendações de ação face ao aumento de custo de vida e à dificuldade em garantir o acesso aos demais serviços e bens; b) o seminário comemorativo dos 10 anos do Projeto Click que surge como uma solução inovadora para combater a pobreza e a exclusão social face ao emprego; c) o Encontro Nacional de Associados que reflete o contributo dos Fundos Comunitários para o combate à pobreza, tendo como cenário temporal as diversas crises que aconteceram nos últimos anos e as futuras configurações desses fundos para esse combate.

Abordamos ainda várias iniciativas que trabalham com as mais diversas comunidades, promovendo uma melhor inclusão das pessoas nas comunidades onde se inserem, como por exemplo Associação 55+ e o Projeto “Tu Decides” E9G promovido pelo Núcleo Desportivo e Social da Guarda.

Por fim, na rubrica EAPN na Europa evidencia-se o 21º Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza que este ano teve como objetivo refletir sobre o impacto do aumento do custo de vida no contexto europeu, assim como o Projeto Opportunities que tem como objetivo superar o atual debate controverso sobre migração tendo por base os testemunhos de cidadãos que se veem obrigados, por diferentes razões, a abandonarem os seus países de origem. Promover o conhecimento e a reflexão sobre as temáticas presentes nesta edição permite, desde logo, desconstruir e garantir o acesso e o exercício dos direitos humanos por parte dos cidadãos, construindo uma sociedade mais justa, em que os “muros” devem dar lugar à confiança, ao respeito, à solidariedade e à cidadania, permitindo a construção de “pontes”.

O combate à pobreza é uma responsabilidade de todos e deve ser encarado numa perspetiva integrada e estratégica. Integrada porque deve existir uma preocupação de olhar para a pobreza tendo em conta as suas várias dimensões e as suas diversas formas de manifestação; estratégica porque a ação deve ser delineada e pensada de forma a ter efeito, não só ao nível do trabalho desenvolvido pelas várias organizações e atores, mas também ao nível político e de decisão.

EDI TO RIAL
Maria José Vicente
DOSSIÊ TEMÁTICO NA EUROPA ESPAÇO ASSOCIADO TERRITÓRIO
EAPN EM REDE 24
Estante Social 38

Dossiê Temático

EM FOCUS: COMUNIDADES CIGANAS

Bruno Gonçalves:

“O associativismo é importante por ser um motor interno que dá protagonismo aos nossos receios, faz-nos pensar nos nossos próprios problemas”

No mundo do associativismo há mais de 20 anos, Bruno Gonçalves é dirigente da Associação Letras Nómadas. Com o término da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, o mediador sociocultural conta que a situação das comunidades ciganas “está muito difícil” e que a educação é um pilar fundamental para combater o racismo.

Por Inês Duarte

COMO É QUE DESCREVE NESTE MOMENTO E GLOBALMENTE, A SITUAÇÃO DAS COMUNIDADES CIGANAS?

No global continua na mesma. A situação está muito difícil e com este espetro político as coisas têm vindo a piorar nos últimos cinco anos. Os estudos comprovam, não é a minha perceção nem o “achismo”, é, de facto, a realidade. Há estudos que indicam que há uma inflamação da sociedade a partir de discursos políticos de partidos de extrema-direita. Aquilo que constato no terreno é que uma parte da sociedade portuguesa aproveitou um pouco este partido da extrema-direita para destilar o ódio que já tinha às comunidades ciganas, e que tinha vergonha de o assumir socialmente.

A nível local, há municípios e executivos camarários que aproveitaram a chegada do Chega para não implementar políticas que pudessem beneficiar as comunidades ciganas. Portanto, o que vemos é uma retração de ações que eram consideradas importantes para combater as assimetrias existentes em relação às comunidades ciganas.

Em resumo, num plano conjuntural, as coisas pioraram.

COMO É QUE ESSA SITUAÇÃO SE REFLETE NO DIA-A-DIA?

Quando alguns comportamentos são confundidos com toda uma comunidade, sobretudo para quem trabalha e quem intervém no social como nós, torna-se muito complicado. Fecham-se portas, e outras que nunca se abriram nem lhes podemos tocar. Todo o tipo de apoio que dávamos, encorajamento às pessoas para acreditarem no sistema - as pessoas já não acreditam. Nós, enquanto agentes associativos e interventores sociais, estamos muito céticos, as portas estão completamente fechadas a sete chaves, há um retrocesso. Depois também há a questão da pandemia, que provocou na comunidade cigana, sobretudo em questões educativas, porque grande parte destas famílias não tinha capacidade de fazer um acompanhamento mais próximo, algum atraso.

As questões políticas e a pandemia foram causas muito negativas no percurso que estávamos a fazer. É um percurso muito lento, mas que estava a ser importante.

NESTE MOMENTO, A ESTRATÉGIA NACIONAL PARA A INTEGRAÇÃO DAS COMUNIDADES CIGANAS ESTÁ NA SUA FASE FINAL. QUE BALANÇO É QUE FAZ?

A estratégia foi muito pouco ambiciosa. Já fiz uma série de críticas à estratégia: mal concertada, com as conexões interministeriais

quase inexistentes. Havia pessoas e alguns ministérios a fazerem fretes. Podemos dizer que grande parte das metas estabelecidas em 2013 já estavam cumpridas em 2018. Vemos que a ambição da estratégia a desenvolver em relação às comunidades ciganas não é uma ambição. É outra das coisas do estudo do impacto das medidas que foram implementadas. Não temos uma avaliação, não sabemos quantas pessoas é que estão empregadas ou que são assalariadas ou que foram especializadas. Há situações que não foram contempladas na Estratégia Nacional para as Comunidades Ciganas e que nos deixa muito tristes.

É claro que há coisas positivas, como o Programa de Apoio aos Jovens Ciganos no Ensino Superior, os ROMA Educa, e outras coisas mais, que permitiram que as associações ciganas conseguissem ter financiamento pela primeira vez para implementar os seus projetos a nível local e até mesmo nacional. Mas, para dez anos, foi muito pouco ambicioso. Sentimos que houve, por parte de alguns técnicos e de algumas associações, algum crescimento, de poucos municípios alguma abertura, mas não passou disso. Há um conjunto de intenções não concretizadas, mas intenções são intenções.

O FACTO DE ESSES PROGRAMAS QUE REFERIU

SEREM DINAMIZADOS PELA COMUNIDADE CIGANA FEZ ALGUMA DIFERENÇA?

Internamente há um crescimento, a nível técnico, dos dirigentes associativos. Há uma autoestima diferente - nós, que sempre nos sentimos os outsiders, sentimos agora que há um acreditar minimamente em nós. Por parte da comunidade, habituar-se à ideia de que o trabalho com eles é realizado por pessoas da comunidade cigana, que é algo a que não estavam habituados. E mostrar-lhes que nós somos, também, os próprios atores municipais do nosso processo.

É um trabalho que não é fácil, porque há um hábito que seja feito por pessoas de fora da comunidade. Hoje há uma boa aceitação por uma parte e há outros que são muito céticos, que pensam que estamos aqui e que não deveríamos lucrar com isso, ganhar o nosso salário. Há coisas que não são compreensíveis para a comunidade cigana, mas que também tem a ver com a baixa literacia e com os padrões que estão muito enraizados, sobretudo nesta questão do trabalho técnico de intervenção social.

AINDA RELATIVAMENTE À ESTRATÉGIA, QUAIS É QUE SÃO OS PRÓXIMOS PASSOS, O QUE É QUE É PRECISO MUDAR PARA QUE ELA POSSA TER ESSA AMBIÇÃO?

Há várias propostas que foram feitas pelas entidades sociais, por outros técnicos, por outras entidades, como a EAPN Portugal, que há muitos anos trabalha nesta área, e que percebemos que podem ser importantes para minimizar, e já não falo em ultrapassar, porque estamos num processo muito lento estruturalmente. A ciganofobia está instalada e, embora saibamos que nem todas as pessoas o são, tem de se entender que falamos de racismo contra os ciganos. O racismo é uma relação de poder e quando falamos em relação de poder, falamos em pessoas que, por não

serem ciganas, têm outros privilégios que a comunidade cigana não tem. Não é um racismo de uma relação interpessoal, em que haja uma discriminação por alguém ser cigano. As pessoas têm uma perceção muito errada do que é o racismo. É uma relação de poder e nós não temos poder. Para haver racismo inverso, para eu ser acusado de racismo, a minha comunidade tinha de perseguir a sociedade maioritária durante cinco séculos, termos enviado para as colónias, termos perseguido com leis monárquicas e republicanas para vos fazer de nómadas, isso sim, podiam acusar-nos de vos ter perseguido. Mas não, o poder político e social esteve sempre nas mãos da sociedade maioritária. Portanto, o racismo tem de ser entendido como isso. Infelizmente, grande parte da população portuguesa não percebe o que é racismo porque pensa que é a relação interpessoal que as pessoas têm uma com a outra. O racismo é um sistema e enquanto houver esse sistema tudo vai ser muito complicado, um processo lento de partir pedra. Não sei quanto tempo é que vai demorar, mas mudar mentalidades demora muito tempo.

EM RELAÇÃO AO ASSOCIATIVISMO, SENDO DIRIGENTE DE UMA ASSOCIAÇÃO, QUAL É O SEU PAPEL E IMPORTÂNCIA, EM PORTUGAL, PARA A COMUNIDADE?

O associativismo é importante por ser um motor interno que dá protagonismo aos nossos receios, faz-nos pensar nos nossos próprios problemas. E no passado tínhamos pessoas que pensavam por nós. O associativismo junta todas as pessoas interessadas da comunidade cigana para ultrapassar problemas e obstáculos que temos vindo a enfrentar durante as nossas vidas. E precisamos de ter o associativismo porque, dessa forma, impactamos políticas. O OPRE [Programa Operacional de Promoção da Educação] nasce de uma ideia de uma associação que foi a minha. Hoje, é uma política pública porque o Bruno e outras pessoas pensaram que seria interessante termos um projeto que pudesse apoiar os jovens

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ciganos no acesso ao Ensino Superior e quebrar barreiras. O ROMA Educa. Nunca ninguém fala, mas a ideia original do programa veio da nossa associação. O tal conjunto de políticas públicas, que há quem chame de afirmação positiva, eu chamo-lhe reparação histórica, porque foi retirada essa oportunidade aos nossos pais, que foram nómadas forçados e como não puderam estudar, tiveram de optar por atividades ditas condizentes com o seu estilo de vida forçado.

Penso que as associações têm um papel importante. Mas as próprias associações estão numa fase de crescimento, de se estabilizarem. Essa pergunta é sempre muito complicada, porque com pequenos financiamentos, com a competição que temos com outras entidades que não são ciganas nas candidaturas em que nós, automaticamente, estamos de fora porque não temos a capacidade técnica, nem dinheiro para pagar a técnicos para nos ajudarem a fazer candidaturas. Muitas vezes estamos aqui num papel muito debilitado. Mas temos de ter resiliência.

Costumo dizer, a brincar, que cada dirigente associativo cigano, além do seu nome, foi colocando outros nomes, que são a resiliência e a resistência. Não estão no cartão do cidadão, mas nós transportamo-los todos os dias.

Às vezes nem as pessoas ciganas têm noção do quanto nós lutamos nos bastidores. Nós não mostramos todas as reuniões que temos com governos, sejam locais seja o central, para tentarmos impactar e melhorar a situação de uma parte das comunidades ciganas em Portugal. Agora, temos os nossos limites, não temos o poder de decisão. Muitas vezes, as comunidades ciganas, com a sua baixa literacia, confundem as coisas. Acham que porque temos uma associação e saímos aqui e acolá nos media, temos algum poder. E não temos poder. Tentamos é impactar, acima de tudo que se façam leis mais justas nesta sociedade.

TENDO EM CONTA QUE, MUITAS VEZES, SÃO AS ASSOCIAÇÕES QUE ASSUMEM ESTE PAPEL, QUAL É A IMPORTÂNCIA DO MEDIADOR?

A mediação é importante. Faço a analogia com o porta-chaves que todos temos, com várias chaves. A mediação não é mais do que uma chave que pode abrir uma porta. As outras portas têm de ser abertas com outras chaves. A mediação tem sido considerada uma ferramenta importante em Portugal e na Europa, mas ela é tão importante que deixamos a questão: não

será tão importante porque todos encaram o papel do mediador como algo fundamental na mediação intercultural, na questão da interculturalidade, da integração, da aproximação? Acontece que há muitos anos que estamos para aprovar o estatuto de carreira. Será que somos assim tão importantes? Se calhar não somos assim tão importantes porque se os decisores políticos tivessem noção do quão importante é a mediação, talvez já tivessem aprovado este estatuto de carreira. Portanto, neste momento temos centenas de mediadores ciganos e não ciganos na área da mediação intercultural e o que é que acontece? Se alguém tiver de contratar um mediador, não tem enquadramento jurídico para o fazer, tem de o contratar por outra função. Então percebemos que, se calhar, a mediação é importante para nós, que sabemos o quanto ela vale no terreno e o quanto ela pode ajudar, mas para os órgãos locais e centrais não é tão importante porque não há um lobby forte para aprovar o estatuto de carreira.

PARA ALÉM DE NÃO HAVER UM LOBBY FORTE, NÃO SERÁ

TAMBÉM UMA QUESTÃO DE NÃO HAVER CONHECIMENTO

SUFICIENTE PARA SE PERCEBER A IMPORTÂNCIA DE DETERMINADOS PAPÉIS?

As pessoas não se interessam. Quando olham para os imigrantes, para as comunidades ciganas, é sempre no papel de comunidades periféricas, que não são tão importantes. Não sabendo eles que a mediação tem um papel importante na aproximação em vários aspetos, como a questão educativa, da saúde... É esta desumanização que muitas vezes acontece por parte da sociedade quando pensa em imigrantes, ciganos, afro, automática e inconscientemente há um botão que leva a desumanizar estas pessoas. E isto, não sendo algo que é benéfico para fins eleitorais, vai sendo arrastado e empurrado com a barriga.

E nós vemos o que está a acontecer. Temos centenas de mediadores, outros que já desistiram da profissão porque foram “maltratados”, não foram reconhecidos na sua função. Temos de lutar, embora eu não acredite. Se tivemos um governo com uma maioria absoluta e não quis assumir isto, não vamos ter uma oportunidade tão grande com um governo de centro-direita.

O QUE É QUE TODA A SOCIEDADE PRECISA DE FAZER PARA QUE NÃO HAJA ESTA DESUMANIZAÇÃO, ESTE DESINTERESSE?

É uma questão de mentalidades que vai demorar gerações. A questão principal é a questão educativa. Isto é fundamental porque vivemos numa sociedade diversa e multicultural, mas ninguém se conhece. Existe a imposição de que somos um padrão, e o padrão é um racional maioritário, todos os outros são festejados na última semana do ano letivo, “ah, é tão giro”, e depois ainda há os black faces. O que tem acontecido é que se tem varrido para debaixo do tapete estas situações que são importantes, mas a nossa sociedade também é multicultural, é diversa, cada vez mais diversa, até mesmo dentro dos próprios grupos minoritários. O que acontece é que as pessoas não querem saber. Portanto, há que haver bodes expiatórios e há que manter este sistema de regalias e privilégios para alguns.

Acho que a educação tem um papel fundamental, mas também é importante que haja representatividade. E a representatividade, seja ela política ou institucional, é importante.

Temos um país que continua a ter nos media uma maioria de pessoas brancas, onde há muito poucos profissionais negros, e às vezes com o papel de pivots secundários. Isto não ajuda nada. Quando vamos a um hospital e temos uma representatividade de pessoas de maioria branca e os que não são são muito poucos e também têm um papel secundário.

Politicamente, então, só tivemos na última legislatura deputadas negras. Ciganos... Estamos cá há 500 anos e nem um cigano aparece. “Ah, não têm educação, não têm instrução escolar, não têm perceção política”... É mentira. Interessa é ter um sistema onde há privilégios para alguns e se tira privilégios a outros. Se tivermos políticos corajosos e valentes, que assumam de uma vez por todas que o racismo é um flagelo da nossa sociedade e que tem de ser combatido. Eu sei que o racismo não acaba por decreto. Acaba, sim, com medidas educativas que vão levar gerações. Tenho a certeza de que isto vai acontecer, apesar de não saber quando. Talvez seja no tempo dos meus filhos ou dos meus sobrinhos, ou dos filhos dos meus sobrinhos, que eles sejam aceites como devem ser aceites e não vistos como ciganos. Continuarem a ser vistos culturalmente como ciganos, mas no exercício dos seus direitos e deveres serem vistos como cidadãos.

Mais importante que decretos é termos uma educação que seja um motor de mudança de mentalidades. Formar professores, termos um sistema de ensino que também fale das outras culturas, termos representatividade escolar de pessoas afro, da comunidade cigana, pessoas migrantes... Que as pessoas se sintam representadas nas instituições. Isso pode ser um fator encorajador para que as comunidades tenham uma autoestima diferente, que não têm nesta sociedade.

Se continuamos a ter os ciganos, os pobres, sejam eles brancos ou de outra cor, nos bairros sociais, isolados, isso é o quê? Estamos a dar habitação, mas não é só habitação. Há todo um conjunto de fatores que promovem a cidadania. Se damos uma habitação, mas estamos a colocar na periferia, continuamos a puxar-lhes o tapete.

TENDO EM CONTA A TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS SOCIAIS PARA AS AUTARQUIAS, CONSIDERA QUE ESTA PROXIMIDADE NOS TERRITÓRIOS PODE PERMITIR UM MAIOR CONHECIMENTO DAS COMUNIDADES CIGANAS E DEFINIR MEDIDAS MAIS ADEQUADAS ÀS NECESSIDADES REAIS?

Nesta área das políticas direcionadas às comunidades ciganas acredito que vão piorar. Porque há um círculo vicioso de técnicos super preconceituosos nos municípios, que vão piorar esta situação. São as pessoas que estão mais próximas de nós, que ouvem os nossos desabafos, e que muitas vezes são aquelas que não nos podem ver à frente. Nós lutamos muito localmente, enquanto a nível central os nossos desabafos são muito pontuais. Por sua vez, nos municípios ou nas juntas de freguesia estão sempre a ver-nos e há aquelas pessoas que há anos odeiam pessoas da comunidade cigana, tiveram uma má experiência com um ou com outro, e que colocam todos no mesmo saco.

O que vai acontecer nos municípios é um aumento da coação. Por exemplo, o Rendimento Social de Inserção que algumas famílias ciganas recebem. Muitas delas vão ser coagidas e perseguidas de alguma forma. Que era uma coisa que não era feita quando as entidades, os protocolos existiam. Sinto que em boa parte dos municípios, em especial nos alentejanos, quando isto estiver estabilizado nem quero ver o que vai acontecer.

HÁ ALGUM TIPO DE MENSAGEM QUE GOSTARIA DE DEIXAR?

Já nem sei que mensagem hei de deixar. Não estou com isto a dizer que estou a lançar a toalha ao chão, pelo contrário, mas já não sei. A mensagem que posso deixar é para quem tem poder de decisão. De uma vez por todas que se assuma que a ciganofobia, o racismo em geral é um grande problema na sociedade portuguesa e que tem vindo a provocar e a aumentar as assimetrias de alguns grupos, entre eles a comunidade cigana. Isto não é, ao contrário do que algumas pessoas dizem, vitimismo. Isto é a realidade de quem sente no dia-a-dia.

Eu sou licenciado, sou o Bruno Gonçalves, trabalho há 26 anos no associativismo, vou ao supermercado todos os dias, entre aspas, e sou perseguido todos os dias pelo segurança. E não interessa se eu consegui ou não mobilidade social com os meus estudos. O facto de eu ser cigano vence-os. Não é porque o Bruno foi já autarca numa assembleia de freguesia, ou porque foi aqui, ou porque foi autor de dois livros... O Bruno é visto primeiramente como cigano antes de ser visto como um cidadão. Isto está cristalizado, tão normalizado, que se torna muito complicado.

E a minha mensagem é chamar a atenção destes decisores, para que tenham empatia suficiente para perceber que todos estes ataques e esta naturalização só vão provocar mais assimetrias. E é muito complicado este coletivo aguentar com todos estes ataques, sejam eles diretos ou indiretos. Há que combater pela educação, combater o racismo. Temos uma herança colonial muito forte, traumática. É preciso mostrar às crianças que a nossa colonização não foi boa, foi muito má. Deixou traumas. Temos de aprender com o passado. ▪

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DOSSIÊ TEMÁTICO
“Eu posso ser tudo o que eu quiser ser, sem nunca deixar de ser quem sou”

Olga Mariano foi a primeira mulher portuguesa cigana a trilhar os caminhos do associativismo na sua comunidade, com a Associação de Mulheres Ciganas Portuguesas. Hoje, com 73 anos, continua a lutar pelos direitos humanos, pelos direitos das mulheres, pela importância da instrução escolar. Mas sem nunca deixar de lado as suas raízes.

Por Inês Duarte

FOI EM 2000 QUE CRIOU A AMUCIP E FOI A PRIMEIRA MULHER A CRIAR UMA ASSOCIAÇÃO PARA A COMUNIDADE CIGANA EM PORTUGAL. COMO É QUE FOI ESSE PROCESSO E PORQUE É QUE SENTIU ESSA NECESSIDADE? E, PRINCIPALMENTE, O QUE É QUE ISSO REPRESENTOU PARA SI, MAS TAMBÉM PARA AS OUTRAS MULHERES DA COMUNIDADE CIGANA?

Tudo tem uma história. Isto deu-se no início de 1998, numa ação de formação de mediadoras socioculturais. Fiz parte desse grupo de formandas, com mais cinco mulheres ciganas, e houve um dos nossos formadores que nos motivou a formarmos a associação. Nunca tínhamos ouvido falar em tal coisa, não sabíamos o que era, o que é que era preciso, para que é que servia... Mas achámos que era um desafio e aceitámos, apesar de termos entrado completamente às cegas, porque somos pessoas empreendedoras, ativistas. E em 2000 criámos então a associação com o nome AMUCIP, que quer dizer Associação das Mulheres Ciganas Portuguesas. Eu, como sócia fundadora e presidente da associação durante 13 anos, fui a primeira mulher cigana nestas andanças associativas.

Para nós, foi um desafio imenso porque aprendemos muitas coisas. Durante os primeiros cinco anos andámos um bocadinho à toa.

TINHAM ALGUÉM QUE

VOS

FOSSE AJUDANDO, COMO UM MENTOR?

Não. A única pessoa que nos motivou foi aquele formador, até ao final do curso. Fomos conhecendo pessoas interessantes pelo caminho e a Câmara do Seixal, na altura, tinha uma vereadora, a dra. Corália Loureiro, que era uma pessoa que gostava, e ainda gosta, do povo cigano. Ela era uma pessoa muito ativa na altura e teve conhecimento da nossa associação. Sempre nos motivou, que a associação era muito importante, que fazia diferença por ser a primeira associação de mulheres ciganas no país. Este apoio foi muito importante, e fomos trilhando o nosso caminho, encontrando pessoas que nos apadrinharam.

Fomos tendo alguma dificuldade porque não sabíamos para que é que aquilo servia. E fomos aprendendo, aprendendo, aprendendo. Durante cinco anos não tínhamos onde nos reunir senão na casa de cada uma, num café, e o nosso carro particular é que era o nosso escritório. Mas o mais importante é que cada uma de nós achava importante participar em colóquios, participar em reuniões, aceitar convites, quer fosse a nível nacional, quer fosse a nível europeu... Até que um dia, também por motivos ocasionais, conhecemos duas pessoas importantes, a dra. Margarida Marques e a dra. Maria do Céu da Cunha Rêgo. E então acharam que era importante estas mulheres ciganas, que tinham constituído uma associação há já cinco anos, que fossem parceiras num projeto que todas nós fabricámos. E convidámos outra associação, o CESIS [Centro de Estudos para a Intervenção Social], para, em conjunto, fazermos um projeto que se chamava “Pelo sonho é que vamos” e candidatámo-nos, na altura, a um programa EQUAL.

Mas como não tínhamos sede, a dra. Maria do Céu achou importante, enquanto a candidatura era aceite ou não, dar os parabéns à Câmara do Seixal pela cedência de uma sede, sede essa que ainda não existia. Mas em boa hora, ao dar os parabéns por uma coisa que não existia, o fez porque ao fim de pouco tempo já tínhamos uma sede.

Então, o “Pelo sonho é que vamos” foi todo ele trabalhado nessa sede, com os parceiros, que ficava no bairro da Cucena, em Paio Pires. Era um bairro maioritariamente de comunidade cigana, mas não era esse o nosso objetivo, trabalhar apenas com a comunidade cigana. Tínhamos uma porta aberta para o bairro e só aceitávamos meninos, ciganos ou não, que de manhã andassem na escola e ficassem connosco da parte da tarde. Os que andassem da parte da tarde na escola, aceitávamo-los da parte da manhã. Portanto, a moeda de

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troca era eles andarem na escola. E foi um projeto lindíssimo, maravilhoso, que foi a rampa de lançamento para a AMUCIP. Foi o primeiro projeto, um projeto a nível europeu, com dois parceiros grandes, e que nos deu oportunidade de irmos a Itália ver como funcionavam lá as associações ciganas. Estivemos em Bolzano, no norte de Itália, onde vimos acampamentos ciganos, quer acampamentos pré-fabricados, quer acampamentos de pano ou de roulottes. E tirámos boas experiências aí, enquanto mulheres pertencentes a uma associação, e trouxemos muitos conhecimentos, principalmente ao nível da gastronomia, de como é que funcionava lá o associativismo. E constatámos que ainda estávamos um bocadinho melhor que eles, que eramos mais bem aceites em Portugal do que eles na Itália.

Depois, o próprio curso de mediadores socioculturais que nós tivemos deu-nos a oportunidade de estagiarmos em escolas no nosso concelho. Íamos juntando ferramentas para mais tarde as podermos utilizar.

IAM TAMBÉM COLHENDO EXPERIÊNCIAS A OUTROS SÍTIOS

E OUTRAS REALIDADES...

Exatamente. Mas não se pense que foi muito fácil. Mesmo na comunidade da qual fazemos parte, houve muita censura.

COMO É QUE FOI RECEBIDO PELA COMUNIDADE, TANTO

HOMENS COMO MULHERES?

Houve muita censura, e de parte a parte. Durante os estágios, por exemplo, estávamos nas escolas, éramos cinco mediadoras repartidas por três escolas, três contextos diferentes em termos escolares e de espaço físico. Havia uma escola mais da comunidade dita normal e as outras duas ficavam num bairro social. Mas foram experiências que ganhámos para a vida. Os ciganos costumavam dizer que “aquelas mulheres, se estivessem em casa não estavam melhor ? A lavar a loicinha, a varrer a casa... O que é que elas estão aqui a fazer?” E os não ciganos, principalmente as contínuas das escolas, “não pensem elas que vêm para aqui roubar o nosso trabalho, o nosso emprego”. Portanto, de parte a parte levámos muita tareia, mas somos muito resilientes, e sabíamos que era aquilo que queríamos para nós.

Então continuámos, cada vez a fazer mais projetos, tivemos um projeto muito interessante, que se chamava “AMUCIP sobre rodas”, e que trabalhámos na instituição prisional de Tires, com as mulheres detidas. Demos formação sobre a cultura cigana às guardas e aos outros técnicos que trabalhavam com estas mulheres, conseguimos fazer ver àquelas mulheres que se tirassem um curso profissional poderiam eventualmente mudar um pouco a forma como elas viam a vida. Esse projeto foi muito interessante.

E ATUALMENTE O QUE É QUE A AMUCIP FAZ?

A AMUCIP continua a trabalhar. Agora tem uma baita de uma sede dentro da malha urbana... Há outros corpos dirigentes, depois de mim já houve mais duas presidentes, embora eu continue a fazer parte da AMUCIP. E o que é que eu, Olga Mariano, achei que era

importante? Procurar outros elementos, principalmente a nível geográfico. Ou seja, fizemos um caminho no Seixal, durante 13 anos, então agora vou partir para outra. Vou desbaratar. Então, eu e o Bruno [Gonçalves] achámos que seria interessante uma associação mista e assim surgiu a Letras Nómadas, em 2013, que, tal como a AMUCIP, tem dado que falar pelos seus projetos.

A AMUCIP fez ene mulheres conseguirem vencer os medos da escola. Umas, que não sabiam ler nem escrever, ficaram com o 4º ano. Outras, que já sabiam ler e escrever, ficaram com o 9º. E algumas estão a alcançar o 12º. A AMUCIP está encaminhada, não precisa da Olga para nada.

A Letras Nómadas foi uma nova aventura, aventura que passou as fronteiras ao lançarmos redes a nível europeu. Tivemos um convite para nos formarmos como formadores a nível europeu e estivemos a tirar essa ação de formação em Estrasburgo. Conhecemos ciganos europeus que nem fazíamos ideia de que existissem e que vimos que a cultura cigana está enraizada em todas as partes do mundo e que continua a ser o mesmo tipo de cultura em Portugal, em Espanha, na Alemanha, na Europa de Leste. Agora, há evoluções dependendo do país. Com os projetos OPRE a que nos candidatámos, em que começámos com oito alunos e ao fim de quatro anos já temos 40 no Ensino Superior... É um projeto de excelência, que não existia em Portugal, por muitas entidades que existissem que quisessem trabalhar para as comunidades ciganas, nunca ninguém conseguiu alcançar. Porque não trabalha para os ciganos, assim como a AMUCIP - trabalhamos com os ciganos, o que faz a diferença.

Depois temos um outro projeto, que é o ROMED - estou a falar-lhe em projetos que eram projetos europeus e que agora são políticas públicas nacionais.

O QUE É QUE ISSO SIGNIFICA, SEREM POLÍTICAS PÚBLICAS NACIONAIS?

Significa que é o Governo que está a pagar aos mediadores para trabalharem, e que faz parte da carta de recomendações estatais, porque são projetos financiados pelo Governo e que vê que faz sentido financiá-los porque dão resultados.

Como dizia há pouco, temos o ROMED, que é um programa de excelência. ROMED é uma palavra que exemplifica Roma, do povo cigano, e Med, de mediação. Este programa cria grupos ativos nas comunidades ciganas, que fazem propostas que são apresentadas às autarquias e que podem ser mais bem trabalhadas pelas próprias autarquias. Vamos supor que há um bairro social que está muito degradado e que tem um parque para as crianças brincarem, mas que está todo estragado. A proposta do grupo ativo é que a autarquia dê as tintas, os parafusos e o próprio grupo ativo, com os habitantes do bairro, pinta e atarraxa os parafusos. É sempre uma partilha, não é só pedir por pedir. É um exemplo, como podia ser uma pintura exterior dos prédios.

Estamos a terminar agora em dezembro a quarta geração do programa, que já conta com quatro mediadores a trabalhar a nível nacional, cada um com três freguesias. Por exemplo, um tem Torres Vedras, Almada e Lisboa, três territórios diferentes para trabalhar e onde criar grupos ativos. Dois têm Beja, Moura e Faro, porque as distâncias são muito grandes. E o último tem Viseu, para o norte. Estamos a abranger norte, centro e sul.

São programas que a Letras Nómadas tem estado a impulsionar no terreno, de forma que esses grupos ativos possam eventualmente avançar para o associativismo. Aliás, já foram criadas duas associações no Alentejo.

SEJA ENQUANTO MEMBROS CRIADORES DE ASSOCIAÇÕES OU

ENQUANTO MEMBROS ATIVOS DA COMUNIDADE CIGANA. Exatamente. E que proponham aquilo que quiserem às Câmaras. Porque as Câmaras podem aceitar ou não a proposta. Podem dizer que não têm tintas para pintar o prédio todo, mas que fornecem até ao segundo andar, por exemplo. Mas é sempre na lógica da partilha, nunca é pedir nada só por pedir.

Por exemplo, em Beja havia uns telhados com falta de telhas. A Câmara deu as telhas e os moradores colocaram-nas e deixou de chover em meia dúzia de casas de ciganos.

COMO É QUE VÊ ATUALMENTE O PAPEL E O CONTEXTO DA MULHER CIGANA EM PORTUGAL?

A mulher cigana é uma mulher muito forte, por iniciativa própria e mudança de mentalidades.

Em todas as culturas, ela recai sempre em cima do ombro da mulher.

É a mulher que carrega a cultura e que tem de demonstrar que ela existe. Não é admirar, portanto, que sejam as mulheres que querem mudar um bocadinho a cultura.

A nossa cultura é machista, há papéis bem definidos e tarefas direcionadas para as mulheres. É comum ouvir-se “tu aqui não falas porque isto é uma conversa de homens”, mas em casa quem fala são as mulheres e quem ouve são os maridos.

O papel da mulher é principal em tudo, em especial na própria educação das filhas. Os filhos têm mais liberdade, mas as filhas... Podem ir à escola, mas a mãe vai levá-las e buscá-las. A minha filha

quis tirar o 9º ano, já depois de adulta. Era à noite, podia ir a pé, que a escola era perto, mas eu levava-a de carro e ficava à porta da escola à espera que a minha filha saísse. Era essa a lógica... Se algum cigano passasse e visse a minha filha a entrar sozinha na escola, à noite... “Olha, já anda na escola, à noite, sozinha…”. Mas se a vissem a entrar e eu a ficar à espera, era diferente.

QUE MENSAGEM DARIA NESTE MOMENTO ÀS MULHERES DA COMUNIDADE CIGANA, PRINCIPALMENTE ÀS MULHERES QUE TÊM UM PAPEL NO ASSOCIATIVISMO E NO ATIVISMO? Acho que isto é muito importante, um investimento na educação. Sem isso não conseguimos ir a lado nenhum, não conseguimos levantar peso. Temos de saber daquilo que estamos a falar e não há nada melhor que nos instrua que a escola. Seja para rapazes, seja para raparigas, temos de investir na escola, ponto final. E depois no associativismo, acho que as mulheres, com o know-how que elas têm sobre a cultura cigana, de que fazem parte, e sobre a cultura de sociedade maioritária, em que elas também estão inseridas, invistam na carreira de mediadoras socioculturais, ou mediadoras escolares, ou mediadoras municipais. Mas para isso têm de ter a instrução escolar. Quanto mais tiverem, melhor é para elas porque podem ganhar mais. Não é só o enriquecimento a nível do salário, mas também uma forma de elas entenderem a realidade. Para mim, o que me importa mais é o enriquecimento pessoal.

O nível que atingirem é a chave que abre as portas. Eu tirei o primeiro curso em 1999 e já não quis voltar para as feiras. E ganhava muito mais dinheiro nas feiras. Mas a experiência e o conhecimento que adquirimos são tudo ganhos enormes, aquilo que aprendemos a diferenciar entre o gritar por um direito e o argumentar pelo mesmo direito. A comunidade cigana pode pensar que ao gritar nos ouvem mais, mas não ouvem. “Já lá está aquela cigana a gritar”. Se souberem argumentar, pedir um livro de reclamações quando algo não está certo, cinco estrelas.

Eu posso ser tudo o que eu quiser ser, sem nunca deixar de ser quem sou. Porque eu não me desviei um milímetro daquilo que é ser mulher, viúva, na comunidade cigana, bem pelo contrário. ▪

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Bruno Oliveira: o primeiro e único mediador na área da saúde em Portugalm

Portugal, existe apenas um mediador sociocultural da comunidade cigana na área da saúde. Há 20 anos, Bruno tornou-se pioneiro. Hoje considera que ainda tem muito por onde crescer e aprender, mas acredita que já mudou vidas.

Por Inês Duarte

“A nível profissional no princípio algumas pessoas estranham: o que é que faz aqui um cigano?”. Porém, rapidamente percebem a importância da sua profissão e que os preconceitos sobre a comunidade cigana não passam disso: preconceitos. Bruno Oliveira é o primeiro – e, até agora, o único - mediador da comunidade cigana na área da Saúde. Mas vai para além disso. É criador e presidente de uma Associação, e um orgulhoso membro da comunidade cigana.

Tudo começou em 2002-2003. “Tirei o meu curso de mediador sociocultural através da Obra Nacional Pastoral dos Ciganos em Lisboa, foi um curso de dois anos que dava equivalência ao 9º ano”, que Bruno já tinha, mas que aproveitou para reforçar a parte profissional. Isto porque aos 17 anos teve de desistir da escola por motivos pessoais. “Vi-me arrastado para as feiras e para as vendas para fazer face às despesas e dificuldades económicas que eu e a minha família estávamos a passar na altura”, conta.

“Nunca desisti de sonhar, nunca deixei morrer o sonho de estudar e de ter uma profissão diferente das vendas”, uma profissão que não menospreza, mas que não era o que desejava, pois “queria fazer algo diferente”.

Fez o primeiro estágio na Escola Básica 2/3 da Pontinha, com cerca de nove crianças da comunidade ciganos, conta. “Montámos uma exposição com trajes típicos dos portugueses ciganos dos anos 60 e 70”. A exposição contava também com placards que continham frases das crianças sobre o que esperavam da escola e que projetos profissionais tinham para o futuro.

O segundo estágio foi já no Hospital Dona Estefânia, durante dois a três meses. “Não consegui colocação, mas sempre deixei a porta aberta na Pastoral dos Ciganos de que pretendia seguir a vertente profissional de mediador sociocultural e se houvesse alguma oportunidade eu estava disposto a abraçá-la”, refere.

E lá surgiu a sua oportunidade. Acabou por entrar no Hospital Dona Estefânia através de um projeto de emprego apoiado. O programa durou um ano e, após o seu fim, assinou um contrato de Auxiliar de Ação Médica com a vertente de “harmonizar estas funções com as de mediador sociocultural”.

Na altura, não existia sequer a figura de mediador da área da saúde, não estava reconhecida. “Estávamos numa mediação na área da saúde muito primitiva, porque nunca tinha havido um mediador nesta área. Então, foi desbravar um pouco o terreno”, explica.

E, para Bruno, era algo novo. “Houve muitas coisas que tive de aprender, a linguagem médica, as regras de segurança... Eu não sabia o que era um equipamento de proteção individual, nem o nome dos instrumentos, o nome das especialidades, do que tratavam, que tipo de informação podia dar... fui aprendendo, mas sempre de uma forma empírica”.

Ao longo da sua carreira, isto é algo que pauta muito a maneira de ser de Bruno – a constante procura por ser mais e melhor. Um exemplo é a aplicação de condutas e normas éticas enquanto mediador. “Fui beber um pouco do código de ética das outras profissões, algo que fosse universal e se aplicasse a todas as profissões para aplicar na minha função enquanto mediador. Mas isso fui eu que quis, ter alguns pilares, horizontes e balizamentos de ética nas minhas funções”, explica.

▪ DOSSIÊ TEMÁTICO
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Assim, esteve cerca de 18 anos a trabalhar duas vertentes: a de auxiliar de ação médica/assistente operacional e a de mediador socio/intercultural. “O meu trabalho sempre esteve muito subvalorizado durante estes 18 anos. Participei em várias formações, mas, na prática, era mais teórico do que prático porque não tinha condições de pôr em prática no centro hospitalar”.

Foi há dois anos que tudo mudou. “Com a tomada de posse do novo Conselho de Administração do Centro Hospitalar vi valorizada a minha função de mediador. Fui colocado no Gabinete de Segurança, na parte da coordenação. A minha coordenadora faz parte da Comissão para a Diversidade e Inclusão do Centro Hospitalar. Foi assinada a Carta para a Diversidade e Inclusão, houve a criação da Comissão, onde são feitos procedimentos que respeitam o cuidar da saúde de forma a não ferirmos culturalmente outras culturas, mas não pondo em causa os cuidados de saúde”, conta Bruno.

O mediador acrescenta ainda que “o que prevalece não são os valores culturais, mas sim os direitos humanos em relação a qualquer procedimento”. “Mas sempre que os valores e a cultura não choquem com os direitos humanos, tentamos respeitar essas culturas. Seja a portuguesa cigana, seja de onde for”, explica.

A Comissão tem várias metodologias de trabalho, seja a nível de intérpretes, consulados. “No caso dos portugueses ciganos optouse por um mediador sociocultural, cigano, na área da saúde, que tenho a sorte de ser eu”, sorri. “Vi reconhecida a minha figura e isso deu-me outra força institucional e outro campo mais abrangente de atuação a nível do centro hospitalar”.

O reconhecimento veio não só do seu local de trabalho, mas também da sua comunidade. “Antes as pessoas não sabiam muito bem como se dirigir a mim, se era como assistente operacional ou como mediador. Isso criava uma confusão muito grande e não era bom quer para a instituição, como para as comunidades e para mim”.

São, assim, dois anos “muito ricos em termos profissionais”. Mas também académicos, pois o local de trabalho criou condições para que pudesse concluir o Ensino Secundário. “Terminei há pouco tempo, estou muito feliz. Sinto-me uma pessoa muito realizada”.

A FACETA ASSOCIATIVISTA

A história no associativismo começou já depois de ser mediador, por desafio – mas com algum receio por trás. “Devido à minha experiência de trabalho, era uma pessoa com conhecimentos sobre o serviço nacional de saúde, tinha uma boa rede de contactos em termos de profissionais de saúde. Eu sempre me acobardei, nunca quis aceitar o desafio, pois sabia que implicava muitas lutas e muitas responsabilidades”.

Porém, o falecimento da mãe, há ano e meio, “foi o impulso” para aceitar este desafio. “Já não havia volta a dar, não havia como fugir dessa luta, porque ainda há um grande trabalho a ser feito e um caminho a ser construído no acesso aos serviços de saúde para as comunidades ciganas em Portugal”.

“Temos uma esperança média de vida em relação à sociedade maioritária de menos 16 anos, por múltiplos fatores” e esta foi também uma grande razão para Bruno avançar com a INCIGAssociação Intercultural Cigana.

A INCIG é “uma associação sem fins lucrativos, fundada em 27 de junho de 2022 e sediada na Junta de Freguesia de Carnide. O seu principal objetivo é promover as relações interculturais e o bem-estar físico e psicossocial das comunidades ciganas, com foco especial na freguesia de Carnide, em Lisboa”, como é referido pela Junta de Freguesia de Carnide.

“Tem desenvolvido um bom trabalho na área da saúde em todas as suas dimensões. Antes de sermos associação eramos um grupo ativo, já fazíamos várias atividades”, acrescenta o mediador.

Quando questionado sobre como descreve a situação atual da comunidade cigana em Portugal, Bruno remete para a área da saúde. “Em termos da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, houve uma subvalorização em relação ao pilar da saúde. Porque só se dá valor à saúde quando se está numa urgência 16 horas para ser atendidos”.

O mediador acredita, também, que tem havido “uma visão muito retrograda do que é a saúde”. “Há muito tempo que a Organização Mundial da Saúde define saúde como o pleno bem-estar físico, psicológico e social e não apenas ausência de sinais e sintomas. Ou seja, algumas pessoas só associam a saúde à parte física. A parte psicológica e social está no mesmo patamar. Tem havido uma desvalorização da saúde” em detrimento de outras questões. “A saúde implica o maior direito humano, que é o direito à vida. Sem ele não há educação, não há habitação. Uma população doente e analfabeta é uma população fraca, sem futuro. Espero que daqui para a frente haja outra visão e outra força em relação ao pilar da saúde e por isso é que a Associação INCIG está construída e a trilhar um caminho e vamos em frente”.

O DIA A DIA DE UMA PROFISSÃO ÚNICA

O dia de Bruno começa pela manhã, no Hospital de Santa Marta, onde está o seu gabinete. Partilha-o com a coordenadora do Gabinete de Segurança e com o coordenador adjunto. Aí, lê todos os relatórios de segurança que os chefes de equipa de cada centro hospitalar enviam. Faz a triagem dos relatórios, arquiva informaticamente os necessários e se considerar que há

algo a ser apreciado pela coordenadora ou pelo adjunto, envia, sublinhando as questões importantes.

“Depois, vejo se já tenho famílias ciganas referenciadas para dar acompanhamento. Vou aos serviços falar com elas, com a equipa de enfermagem, médicos, para dar seguimento”, conta. O acompanhamento de Bruno é contínuo – desde que as pessoas ficam internadas, até terem alta médica. Ou, no caso das consultas, desde o início do processo até à alta da mesma. “Por vezes acompanho desde a efetivação de uma urgência até à alta. Depois entram em contacto comigo quando têm consulta ou quando acham necessário e importante a minha presença”, explica o mediador.

“Muitas vezes sou contactado pelos próprios serviços para me deslocar até lá para dar apoio – seja ao serviço ou às famílias. Isto é uma coisa boa – não sou só um mediador de conflitos, quando «a casa já está a arder», mas também atuo de forma preventiva”. Isto permite ter mais laços com as famílias, o que facilita as negociações quando existem, de facto, conflitos. Com esta prevenção, explica Bruno, ganha-se nos relacionamentos tanto para a instituição como para as próprias famílias ciganas. E como é que as comunidades portuguesas ciganas veem esta profissão? “É engraçado, há vários tipos de visão, mas tento sempre centrar na parte que é mais importante. Quando as pessoas estão doentes, corre-se aos santinhos todos. Quando me veem, agarram-se a mim. Principalmente quando são crianças, os pais ficam muito ansiosos, muito emocionalmente debilitados. O médico ou enfermeiro fala com eles 20 vezes, mas eles estão a pensar noutra coisa, no que vai acontecer. Estão a ouvir, mas não estão a escutar. Numa fase posterior, quando estão mais relaxados, eu explico o que esteve a acontecer numa linguagem mais simples, mais acessível”.

No entanto, nem tudo é fácil. Existem momentos muito difíceis na vida de um mediador. Bruno suspira e diz que nem gosta de falar de determinadas situações, mas que considera importante que as pessoas conheçam. “Quando tens um pai agarrado a ti, porque o filho morreu há cinco minutos, como se tu lhe pudesses dar a vida… é duro. Porque tens os teus filhos e vais para casa e mesmo que queiras separar a parte profissional do pessoal não consegues. Sabes que aquilo que está a acontecer aquele pai pode um dia vir a acontecer-te, começas a refletir. Mesmo que não queiras alimentar isso, quando tens alguém agarrado a ti tu vives isso na pele. Sentes-te impotente. Tu queres dar vida, mas não podes”. Nessas alturas, Bruno conta com o apoio da sua coordenadora.

Ao todo, Bruno já soma 20 anos como mediador. E como é, que ao longo destas duas décadas, a sua profissão é vista? “Os utentes praticamente não sabem que sou cigano porque não

tenho características ciganas. Mas, como naturalmente tenho uma predisposição natural para o diálogo intercultural, tento ser amável e afável com pessoas de outros países. Seja cigano ou não”, explica.

“A nível profissional no princípio algumas pessoas estranham: o que é que faz aqui um cigano? Já me questionaram se eu trabalhava mesmo no hospital e tive de mostrar o cartão, mas depois pediram desculpa pela atitude. As pessoas começam a habituar-se e que nem tudo o que se diz sobre os ciganos é verdade. O meu testemunho enquanto profissional e a minha maneira de estar e trabalhar também quebra muitos mitos”, afirma Bruno. “Há muitas pessoas que associam a comunidade cigana aos desvios sociais e aos comportamentos sociopatas porque desconhecem os verdadeiros valores da comunidade cigana”.

No entanto, Bruno quer ir ainda mais além.

“Sinto que já fiz imenso, mas que consigo fazer ainda mais. Por isso a minha procura incessante de adquirir mais conhecimento, de ser melhor.
É apostar no infinito”
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O meu ponto de vista sobre a minha comunidade…

A comunidade cigana, mesmo estando em Portugal há 500 anos, continua a sofrer num país que também é nosso. Temos de resistir ou deixar ir.

Dói deixar de ser quem somos para podermos ter um lugar na sociedade que se diz ser inclusiva e solidária. Só que a realidade não é essa.

Gostaríamos de integrar um posto de trabalho e muitas vezes ao concorrermos somos excluídos sem sequer passarmos pela fase da entrevista. Em termos de mercado de arrendamento de habitação, assim que sabem que somos de etnia cigana dizem logo que não reúnem condições para arrendar.

Gostaríamos de ter uma oportunidade de nos conhecerem antes de nos julgarem, independentemente da nossa etnia ou de onde vimos.

Existem muitas oportunidades, mas para mostrarmos o que valemos temos de trabalhar o dobro, pois devido ao preconceito estamos sempre “rotulados”.

Muitos de nós acabam por passar despercebidos no meio da sociedade.

Vivemos em fraca mudança. Voltamos a recuar ao 25 de abril, porque tudo o que os nossos avós viveram nessa altura, nós estamos a viver agora.

Em pleno século XXI o preconceito e o racismo estão cada vez mais acentuados. Lembro-me na minha infância que nem estas palavras conhecia. Sofro na pele diariamente e dói…

Acredito que as minha filhas vão viver uma realidade diferente, pois cada vez há mais crianças e jovens a estudar, a ganhar conhecimento, a tomar consciência. Estamos a trilhar um novo caminho, caminho esse com muita pedra, pois já há muito tempo que estamos num processo de rejeição e afastamento histórico, então a nossa abertura tem sido lenta.

Mas agora temos grandes mulheres (também grandes homens) empoderadas a erguerem-se, a dar voz ao nosso povo, a lutar por um lugar digno na sociedade, sem que tenhamos de andar escondidos.

Tenho uma frase que digo várias vezes:

“NÃO SOU EU QUE TENHO QUE ME ESCONDER, É A DISCRIMINAÇÃO QUE TEM QUE DESAPARECER!”

É pela Educação que vamos conseguir a mudança. É essa a chave, mas temos de deixar de ter certos profissionais da educação que nos inferiorizam, muitas das vezes olhando com desprezo e dizendo que “não vale a pena”.

Numa sociedade que se diz tão inclusiva, tem de haver mais abertura em todas as frentes. ▪

▪ DOSSIÊ TEMÁTICO
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A inclusão das comunidades ciganas só poderá ser efetiva quando as ações e as mudanças forem perspetivadas a longo prazo e consideradas como um todo!
Por Maria José Vicente

A EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza tem dedicado, desde praticamente a sua fundação em Portugal (1991), uma particular atenção às comunidades ciganas pelo facto de esta etnia figurar entre os grupos mais afetados por fenómenos de pobreza e de exclusão social em Portugal. Desde 1991 até ao momento presente, passados 32 anos, as Comunidades Ciganas continuam, na generalidade, a ser um grupo social muito exposto a fenómenos de pobreza e exclusão social.

Adicionalmente, as Comunidades Ciganas são vítimas de fenómenos de discriminação e racismo, e de um modo geral existe ainda muito desconhecimento das tradições culturais, dos costumes, dos códigos de conduta destas Comunidades. Em simultâneo prevalece a ideia de História única das Comunidades ciganas que não permite reconhecer diferenças, diferentes percursos, diferentes histórias familiares e pessoais. De uma forma geral, estes processos constituem importantes barreiras à inclusão nas mais diversas áreas da sociedade, incluindo a educação, a habitação, a saúde, o trabalho, o acesso à justiça, aos bens e aos serviços de organizações públicas e privadas. Esta exclusão, numa primeira instância, significa a negação do acesso às principais “ferramentas” necessárias à inclusão.

Ao longo dos últimos anos, verificou-se um esforço crescente por parte de várias entidades (europeias e nacionais) no sentido de conhecer os problemas que afetam estas comunidades e de definir medidas e estratégias que visem combater efetivamente todo o tipo de exclusão. A nível nacional, com a Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas que esteve em vigor até dezembro de 2023, e a nível local foram várias as autarquias que desenvolveram planos locais para a inclusão destas comunidades.

Contudo, é visível que este esforço ainda não foi suficiente para garantir a plena inclusão social e o exercício de cidadania por parte destas comunidades. As comunidades ciganas enfrentam dificuldades de integração social que necessitam de uma intervenção eficaz, através da promoção de um conjunto de ações que combatam as múltiplas discriminações que este grupo tem vivenciado.

Neste sentido, é pertinente o desenvolvimento de ações que promovam a informação e o conhecimento sobre os cidadãos ciganos portugueses, pois a sua ausência contribui, consequentemente, para o desenvolvimento e o agravamento de estereótipos e preconceitos. Das várias ações desenvolvidas pela EAPN Portugal, destacamos as campanhas de sensibilização e o desenvolvimento do projeto Aceder e do projeto Roma Civil Monitor que contaram com o envolvimento e participação das próprias comunidades ciganas:

a) Campanha de sensibilização “Discriminação é Falta de Educação” - 2016

Esta campanha tem como objetivo desmitificar um plural – “os ciganos” – supostamente representativo de uma entidade coletiva apenas imaginária, e quase sempre negativa, que procura classificar um todo ignorando as partes. E, maioritariamente, responsável pela manutenção de preconceitos negativos que alimentam a discriminação social e as suas maléficas consequências. Esta campanha procura sensibilizar para a necessidade e urgência de “olharmos” para estes cidadãos como Mulheres, Homens e Cidadãos iguais aos outros. Um combate centrado no questionamento de estereótipos que nos interpele a todos para conhecer antes de discriminar negativamente e, assim, desconstruir mitos num esforço coletivo de corresponsabilidade – para a indispensável convivência de todas as diferenças. Por outras palavras, “nascer cigano” não significa uma condenação à Pobreza, Exclusão e Discriminação.

▪ DOSSIÊ TEMÁTICO ATUALIDADE ▪ 19

Esta Campanha pretendeu também assinalar o Dia Internacional do Cigano, que se comemora no dia 8 de abril e contempla um vídeo e cartazes, que se encontram disponíveis no site da EAPN Portugal

b) Publicação “Singular do Plural” - 2016

“Singular do Plural” apresenta um conjunto de testemunhos reais, contados na primeira pessoa, que nos dão a conhecer diferentes trajetórias pessoais e familiares, as suas experiências, os seus desejos e a sua forma de entender a sociedade. São testemunhos de cidadãos de etnia cigana em relação aos quais foram privilegiados, em primeira instância, os percursos escolares e profissionais. Histórias de vida que demonstram que uma perfeita inclusão escolar e profissional não os impede de continuar a pertencer a um determinado grupo étnico. Desde o início desta iniciativa, quisemos que estes testemunhos fossem acompanhados de fotografias. O objetivo é confrontar os leitores, de forma gráfica, com a mesma mensagem que se pretende transmitir com os testemunhos. Procura-se, no fundo, e assumidamente de forma provocatória, incentivar um olhar diferente.

Esta publicação é, assim, uma partilha de 20 histórias, 20 rostos de cidadãos portugueses de etnia cigana, enquanto forma de dar a conhecer realidades diferentes e contrárias aos estereótipos mais comuns tão bem descritos por cada um dos intervenientes.

Cada mensagem, cada rosto, representa a importância do singular, e a recusa de um plural mentiroso e enganador – “os ciganos”.

c) Campanha contra a Discriminação das Comunidades Ciganas - 2017 #direitoaseroquequiserem

A campanha nacional #direitoaseroquequiserem foi desenvolvida pela EAPN Portugal em parceria com a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade. O objetivo geral desta campanha é o de procurar influenciar positivamente a imagem social sobre estas comunidades na sociedade maioritária, confrontando-a com a forma injusta e violentamente discriminatória com que trata quotidianamente e transversalmente esta etnia e, desta forma, embora não exclusivamente, convocando-a para uma mudança de comportamentos.

Poderiam ser muitos os enfoques de uma campanha com estes objetivos. Poderíamos optar por mensagens mais fortes, quiçá até violentas, questionando de maneira ainda mais evidente e penalizadora todos os que contribuem para uma paralisadora discriminação secular das comunidades ciganas. Mas, e tendo em consideração, os canais de comunicação que se pretendia envolver (TV, web, rede de multibanco, rede de transportes, entre outros) optamos por colocar todo o enfoque numa questão basilar: há

vontade, há sonhos, há esforços, há percursos, mas há igualmente ainda enormes barreiras a uma integração económico-social de plena cidadania. São cada vez mais os casos em que isso acontece, muito como consequência de políticas públicas, mas também de enormes esforços das próprias comunidades ciganas – o percurso escolar e académico das crianças e jovens ciganos em nada se distingue dos demais cidadãos portugueses, continua a persistir um bloqueio que impede a sua plena aceitação. E esse bloqueio, que assenta em estereótipos, e projeções de preconceitos, resulta numa discriminação desmotivadora, castradora e que, no limite, destrói por completo todos os esforços feitos em diferentes domínios (educação, mas também emprego, habitação e saúde), criando um sentimento de impotência, partilhado pelas comunidades ciganas e por todos aqueles que, quotidianamente, procuram romper estes círculos viciosos de equívocos que levantam muros de gigantescas dimensões.

A campanha assenta em vários produtos, designadamente, 2 spots de TV, dois vídeos, rede de multibanco, rede de transportes e cartazes e conta com a participação de duas figuras públicas: Catarina Furtado (atriz e comunicadora) e Francisco George (Diretor Geral da Saúde) que, desde logo, abraçaram esta causa.

d) Projeto Capacity Buiding for Roma Civil Society and Strengthening in the Monitoring of national Roma Integration strategies (2017-2019)

A EAPN Portugal desenvolveu, em parceria com a Associação Letras Nómadas e a Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos, o projeto “Capacity building for Roma Civil society and strengthening in the moniroting of national Roma Integration strategies”, financiado pela Comissão Europeia - Direção Geral da Justiça e dos Consumidores e coordenado pela Central European University (CEU), em parceria com a European Roma Grassroots Organisations Network (ERGO Network), a European Roma Rights Centre (ERRC), a Fundacion Secretariado Gitano (FSG) e a Roma Education Fund (REF). O projeto foi implementado com a participação ativa de cerca de 90 ONG de 27 Estados-Membros e tem como objetivo contribuir para o reforço dos mecanismos de monitorização da implementação das Estratégias Nacionais para a Integração das Comunidades Ciganas, através da auscultação da sociedade civil. Um dos produtos deste projeto foi a elaboração de relatórios nacionais sobre as questões da governança e das políticas sociais, da anti-discriminação e do anticiganismo. Estes relatórios apresentam a visão das organizações da sociedade civil e um conjunto de recomendações para a implementação eficaz das estratégias nos vários domínios de intervenção.

e) Projeto Aceder – Pelo Emprego da População Cigana (2019-2020)

O projeto tinha como objetivo promover o desenvolvimento de percursos individualizados de inserção social e profissional através da transmissão de competências básicas (sociais, pessoais, relacionais e profissionais) e da definição de projetos de vida, desdobrando-se em 3 Projetos nas seguintes Regiões e cidades:

- Região Norte: Porto, Barcelos e Braga

- Região Centro: Fundão, Guarda e Viseu

- Região Sul: Beja, Mourão e Elvas

Este projeto foi desenvolvido no âmbito do POISE, da medida 3.08 Inserção socioprofissional da comunidade cigana. Este projeto teve como resultado o Referencial Técnico Para a Inclusão no Mercado de Trabalho das Comunidades Ciganas constituindo uma ferramenta de benchmarking de onde sobressaem os princípios e condições adequadas e necessárias para se fazer melhor e diferente com vista a alcançar os melhores resultados.

f) Projeto Roma Civil Monitor 2 – Strengthening Capacity and Involvement of Roma and Pro-Roma Civil Society in Policy Monitoring and Review (2021-2025)

Este projeto visa envolver pelo menos 90 organizações da sociedade civil (ciganas e pró-ciganas) e peritos de 26 EstadosMembros da UE (Malta não está incluída) na monitorização e apresentação de relatórios sobre as Estratégias Nacionais para a Integração das Comunidades Ciganas nos Estados-Membros (ENICC), mas também sobre outras políticas relativas à inclusão de pessoas ciganas. A iniciativa irá contribuir para a capacitação das associações da sociedade civil, quer associações ciganas como associações pró-ciganas, promovendo igualmente um apoio sistemático na promoção do diálogo e cooperação com os stakeholders nacionais. Este projeto tem como objetivos específicos a) capacitar a sociedade civil cigana e pró-cigana para permitir que esta participe na monitorização e elaboração de relatórios sobre a implementação das Estratégias nacionais de integração das comunidades ciganas, planos de ação e outras políticas, a fim de refletir efetivamente as necessidades das comunidades ciganas; b) promover o diálogo construtivo e a parceria equitativa entre as comunidades ciganas e a sociedade civil pró-cigana, os pontos de contacto nacionais das comunidades ciganas, os organismos de igualdade, bem como outras partes interessadas, para refletir as necessidades e os interesses destas comunidades; c) produzir e divulgar relatórios sobre a

perspetiva e avaliação da sociedade civil sobre a implementação das Estratégias Nacionais, medidas políticas gerais ou novos desenvolvimentos relevantes com impacto significativo sobre as comunidades ciganas.

PRINCIPAIS RECOMENDAÇÕES DE AÇÃO:

1- Sabemos que existe discriminação e preconceito, sabemos que existe vulnerabilidade associada, e sabemos que existem especificidades das comunidades ciganas, portanto é importante a aceitação da necessidade de políticas específicas para estas comunidades É por isso importante a definição de uma nova Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas.

2- Acreditamos profundamente na Estratégia e pensamos que só uma intervenção integrada pode proporcionar avanços significativos no bem-estar das comunidades. Algumas metas que vão ser apresentadas na Estratégia Nacional podem provavelmente ser alcançadas, enquanto outras serão mais desafiadoras. Mas não devem ser as metas que nos movem. São importantes, claro, e queremos que sejam atingidas ou até ultrapassadas, mas mais uma vez as metas estão remetidas apenas a números e nós precisamos olhar para além dos números. Não nos podemos conformar com as metas, pois sabemos que muitas vezes estas não revelam o verdadeiro alcance dos problemas.

3- Precisamos mudar os processos, as metodologias e a governança. A forma como olhamos para as comunidades ciganas; a forma como pensamos os problemas e como intervimos sobre eles Não poderemos continuar a ver sempre os obstáculos, as dificuldades e acima de tudo culpabilizar as pessoas pela sua situação. Temos de mudar a forma de intervir no social, porque o social é tudo: é a educação, a saúde, o emprego, a formação, a habitação, a cultura, o desporto. Uma lógica de intervenção integrada irá permitir olhar para cada pessoa de etnia cigana como um ser único, com necessidades próprias e capacidades diferentes. Permitirá também definir medidas e ações direcionadas para a sociedade em geral.

4- Para além de um olhar nacional é em si mesmo uma maisvalia pela legitimação e reconhecimento da necessidade de um olhar e planeamento de medidas de política local diferenciadas nos territórios (planos locais de integração das comunidades ciganas).

20 21 DOSSIÊ TEMÁTICO ▪
▪ DOSSIÊ TEMÁTICO

5- Temos de apostar numa verdadeira avaliação do que é feito, como é feito, mas avaliar com consequências – para produzir mudanças. É necessário implementar uma verdadeira cultura de avaliação que monitorize a implementação das políticas, conhecendo os reais impactos de determinada decisão/ medida política.

6- Para tudo isso é de facto importante produzir um conhecimento sociodemográfico fiável e atualizado de âmbito nacional e local, sobre estas Comunidades que permita que os Planos Locais sejam atualizados e dinâmicos (e isto como todos sabemos não é um desafio fácil e simples); e combater a discriminação latente e manifesta que afeta estas Comunidades É importante deter um retrato o mais próximo da realidade quanto possível sobre estas Comunidades e a aposta no combate a estereótipos e construir uma imagem menos mitológica e mais positiva sobres estas Comunidades para conseguir alcançar outras metas.

7- Um dos elementos fundamentais neste processo é a participação das associações e pessoas ciganas nos momentos de diagnósticos, planeamento e monitorização Deve-se apostar em formas concertadas, coletivas e lado a lado com diferentes profissionais e pessoas ciganas e não ciganas. A participação não é apenas um princípio de intervenção, é uma metodologia de trabalho que promove a capacidade de conceber planos/ações que se liguem à realidade, às especificidades das comunidades, já para não falar das oportunidades possíveis de aproximação e diálogo, de interculturalidade, de contacto com o Outro e de partilhar esperanças e projetos. Por isso mesmo a criação de estruturas de monitorização/avaliação em cada território que incluem pessoas e associações ciganas são fundamentais, deveriam, de facto, ser prática comum.

8- Temos várias oportunidades que precisamos de utilizar de forma inteligente e orientada aos problemas: o plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, o novo período de programação dos fundos estruturais, o PRR, a articulação com as várias estratégias nacionais, como por exemplo a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, entre outras. Todos estes instrumentos apontam caminhos, criam possibilidades que precisamos ter presente. Por isso é que a mobilização dos territórios e dos seus atores é tão importante pois nós precisamos de começar esta transformação a partir do local – Melhor coordenação entre os vários programas e as linhas de financiamento para colmatar o fosso existente.

9- Mas para que tudo seja tido em consideração é necessário que estes instrumentos e que a própria estratégia seja conhecida pelos diferentes profissionais das várias áreas de intervenção, sociedade em geral e as próprias comunidades

10- Todas as pessoas são seres em relação; só existem porque o outro existe e temos de ter presente que é fundamental que todos se sintam incluídos. Todos nós somos responsáveis, cada um no seu campo de ação, como políticos, empresários, como profissionais ou como cidadãos. Ninguém se pode demitir

11- É um investimento e não uma despesa. Por isso estamos muito confiantes e com muitas expectativas relativamente à próxima geração da Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas.

Em síntese, é necessária uma visão integrada, sobre questões multidimensionais O trabalho em rede, pois é na união de esforços, na partilha de responsabilidades e na criação de sinergias que conseguimos atender aos desafios e às pessoas que se encontram nestas situações. A participação pois acreditamos que se forem criados espaços e processos de participação dos diferentes atores sociais promovemos uma sociedade mais democrática e envolvida na procura de soluções aos problemas existentes. Que tenha em conta a voz de quem vivencia diariamente estas situações exigindo ação e um forte compromisso através de mudanças consistentes. A territorialidade Precisamos de trabalhar a partir dos territórios. Precisamos de refletir com os atores nos territórios, identificar problemas, mas também as potencialidades e encontrar soluções e que essas soluções influenciem as políticas nacionais.

Cabe-nos a nós estarmos à altura para respondermos a estes desafios. Todos nós somos responsáveis, cada um no seu campo de ação, como políticos, como empresários,
como dirigentes, como profissionais ou como cidadãos. Ninguém se pode demitir da obrigação de criar uma sociedade mais justa, com menos desigualdade e com menos pobreza para esta e para as próximas gerações.

A inclusão das comunidades ciganas só poderá ser efetiva quando as ações e as mudanças forem perspetivadas a longo prazo e consideradas como um todo. Enfrentar estes novos desafios implica, entre outros aspetos, mudanças, tanto no modo como as orientações estratégicas são concebidas, como as práticas de intervenção são desenvolvidas. Mudanças que são decisivas e fundamentais se queremos realmente ter uma sociedade que aceite e respeite as diferenças, uma sociedade multicultural e intercultural, uma sociedade mais justa e inclusiva. ▪

22
DOSSIÊ TEMÁTICO ▪

TERRITÓRIOBEJA

POPUL

2012-2022 2021

146 725

10 263,32 km2 L

14,3 DENSIDADE POPUL ACIONAL ( n.º hab./ km2 )

Desempregados inscritos no IEFP 5 335

2% do total nacional

Beneficiáriosdeprestações de desemprego 2 602

OdemiraAljustrelAlmodôvar AlvitoBarrancos

EMPRESAS

2021-2022

ície do território continental

MOVIMENTO DA POPUL

2012 - 2022

1% da população residente em Portugal

REMUNERAÇÃO E DESIGUALDADE DE RENDIMENTOS

MUNICÍPIOS COM MAIOR PROPORÇÃO DE POPUL AÇÃO ESTRANGEIRA

BejaCastroVerde Cuba

FerreiradoAlentejoMértola

MouraOurique SerpaVidigueira

LOCALIZ ADAS NO DISTRITO 19 569 1% do total Nacional (2021)

VALOR ACRESCENTADO BRUTO DA PRODUÇÃO DAS EMPRESAS

=

1% da riqueza nacional (2021)

MERCADO DE TRABALHO (2022)

PESSOAS EM TRABALHO DEPENDENTE 83 823 = 2% do total nacional

PESSOAS EM TRABALHO INDEPENDENTE 7 492 = 1% do total nacional

2021

1% do total nacional

Alojamentos Familiares Clássicos

Habitação Social

0 50 100 150 200

Taxa de retenção e desistência no ensino básico (%)

OdemiraAljustrelAlmodôvar AlvitoBarrancos Beja CastroVerde Cuba

FerreiradoAlentejoMértola

2022

6,2 5,4 1,6 2,4 5,9 6,2 2,4 6,3 7,0 2,5 8,0 7,1 7,5 7,5 2021 - 2022 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 Unidade hospitalar Pública

Pré-escolar

MouraOurique SerpaVidigueira

PORTUGAL

15 549 Abono de família no 1º escalão de rendimentos 36% Rendimento Social de Inserção ( RSI )

4 762

46% = crianças

131,36€

46

1º Ciclo do Ensino Básico

2º Ciclo do Ensino Básico

Secundário

Pós-secundário

3º Ciclo do Ensino Básico Superior

2011 2021

FerreiradoAlentejoMértola

MouraOurique SerpaVidigueira

Dentistas 0.4‰ 1.1‰

por

de

Valor Médio 133,49€

24 25 BI DISTRITAL
AÇÃO RESIDENTE
AÇÃO
48 160 - 13 41 913 - 3 161 9 388 - 878 8 694 - 917 2022 2012
PIRÂMIDE ET ÁRIA 2012/2022 idade 65 + 15 - 64 0 - 14 16 938 +1 206 21 632 - 182
-2000 -1500 -1000 -500 0 2000 1500 1000 500 2500 2022 2021 2020 2019 2018 2017 2016 2015 2014 2013 2012 Saldo Total SaldoNatural Saldo Migratório -1500 -1529 -1287 -1106 -1042 -948 -585 686 521 973 372 Ganho médi om ensa l( €) 0,0 500,0 1000,0 1500,0 2500,0 2000,0
1182,18 2038,78
919,21 988,50 971,22 968,45 1063,64 1289,50 Municípios Portugal ODEMIRA 28.2% FERREIRA DO ALENTEJO 9.6% OURIQUE 5.2% PORTUGAL 5.2% (2021) TERRITÓRIO BEJA
974,75 1278,76 978,49 1039,82 933,63
1083,30 1092,25
2022
Alvito Cuba Vidigueira Moura Barrancos Ferreira do alentejo Beja Serpa Aljustrel Mértola Castro Verde Odemira Ourique Almodôvar SAÚDE HABITAÇÃO DESEMPREGO PROTEÇÃO SOCIAL EDUCAÇÃO 5% 12% 13% 22% 28% 19% Alojamentos familiares não clássicos <1ºCEB 1ºCEB 2ºCEB 3ºCEB Secundário Superior ESCOLARIDADE
Registad davelesiam o oc m p leto dapopulação SOBREVIVÊNCIA 27% INVALIDEZ 6% VELHICE 67% 49% 51% 16% 22% 39% 21% 11% 28% 14% 18% 22% 7% 1% 25-64 anos ) Nível de escolaridade Municípios Portugal
Desemprego
47 7 PENSIONISTAS Segurança Social
2023 Fontes: INE; I.S.S. I.P. IEFP I.P.
(setembro)
SET
2023
Médicos 2.5‰ 5.8‰
Enfermeiros
local
trabalho;
Em 2015 0.6% dos alojamentos familiares clássicos eram fogos de habitação social médicos
107 461 por local de residência
Enfermeiros 6.5‰ 7.8‰ por 1000 habitantes *cálculos próprios com base informação disponível no INE;
Médicos e
dentistas
PROFISSIONAIS DE SAÚDE *
Titulares de prestações de apoio à família
OdemiraAljustrelAlmodôvar AlvitoBarrancos Beja CastroVerde Cuba
Complemento Solidário para Idosos 1 721

CENTRO SOCIAL DO LIDADOR: A RESPOSTA

“PARA TODA A GENTE”

São centenas de pessoas idosas que passam os dias em atividades diversas, desde a costura à estimulação cognitiva. Um espaço que serve a todos - à Maria, ao Manuel, ao Francisco – e que foi criado para que, de forma gratuita, pudesse receber e acolher os mais velhos de Beja.

Por Inês Duarte

“Gosto de estar aqui. Estamos aqui quase a semana toda”. Aqui é o Centro Social do Lidador –o edifício fica mesmo no centro da cidade, em instalações renovadas e prontas a dar muitas atividades às pessoas mais idosas. Atividades, essas, que estão mesmo ao gosto das centenas de pessoas que por lá passam durante toda a semana.

Afinal, o que é o Centro Social do Lidador? “É um centro de convívio. Foi inaugurado em 2007 e fomos ampliando esta resposta”, refere a vereadora da Câmara Municipal de Beja, Marisa Saturnino. “É uma resposta diferente da Universidade Sénior, por exemplo. Também tem várias disciplinas, tem vários utentes, mas esta é a resposta onde vem toda a gente. Onde vem a Maria, o Manuel, o Joaquim, o Francisco”.

“O Centro já existia, mas criámos condições para que ele fosse mais apelativo à vinda de mais utentes. Fizemos uma reforma bem estruturada no logradouro, uma sala de leitura e informática – onde trabalhamos questões de inclusão digital no âmbito de um projeto com um município”, refere a autarca.

Uma resposta que é completamente gratuita. “As pessoas podem almoçar cá e têm várias atividades associadas. Podem vir pura e simplesmente passar um momento de lazer, ver televisão, tomar um café ou jogar às cartas”, atividade que um grupo de senhores estava a praticar naquele momento, numa das zonas de convívio. A concentração e a diversão era muita, para o grupo que, de acordo com a vereadora, “vem quase todas as tardes”.

As atividades são muitas, como ateliês de costura, tricot… “Temos ainda a ginástica sénior, o cante, o grupo de teatro”, refere Marisa Saturnino. “O principal objetivo é ser um centro de convívio, de lazer, em que as pessoas não ficam em casa, tiram o pijama e os chinelos e saem à rua, e podem fazer várias atividades diferenciadoras e interagir em comunidade”, explica.

Para além desta interação, o Centro Social do Lidador também permite “reforçar os laços de pertença à comunidade e fica muito vinculada a passagem de experiências e da sua própria vida para os outros”. Isto porque o Centro Social do Lidador tem “várias atividades intergeracionais” e acabam por fazer “uma panóplia de atividades para além de descontrair, libertar, faz com que interajam socialmente e isso é muito importante” para que o envelhecimento e a sua vida sejam de qualidade. “Aprendem coisas que depois até pedem a mais e dizem - dê-me mais um para eu levar para o meu marido fazer em casa.”

O Centro dá resposta a mais de 200 idosos, mas, com os vários projetos e iniciativas, como o Convida, acabam por ser mais de 600 idosos nas freguesias e concelho de Beja. O que se torna muito importante, porque, como refere a autarca, este é “um território particularmente envelhecido”.

A reforma do Centro Social foi também no sentido de não parecer um lugar típico. “Queríamos que fosse diferenciador no sentido de: entram e não parece que estão num sítio assim, parece que estão num café, quando as coisas estão bonitas são mais apelativas e as pessoas têm mais vontade de vir, sentem-se melhor e apropriam-se melhor do espaço”.

Antes um espaço em branco e com cadeiras escuras, a zona de café do Centro Social é agora toda colorida. Um espaço torneado a verde, azul e com várias mesinhas e cadeiras para acolher quem nelas se queira sentar – inclusive para quem queira vir almoçar. “Acabam por vir outras pessoas e os idosos quando cá estão interagem”, refere a vereadora.

▪ TERRITÓRIO 27

“SOMOS CAMARADAS UMAS DAS OUTRAS”

É no ateliê de costura Pontos e Nós que conhecemos as senhoras que estavam a passar o seu dia no Centro Social do Lidador. Sorridentes, à janela, todas sentadas na mesma mesa e a conversar. Nas mãos, vários pedaços de tecido, agulhas e linhas. Nas caras, sorrisos e risos e alguns olhares mais sérios quando a conversa muda para o tom da saúde.

Mariana Martelo, com 75 anos, é a primeira a querer dar o seu testemunho. “Estou aqui porque gosto. O ambiente é bom. É pena que a pandemia tenha desestruturado isto, antes chegámos a ser 15, 16, 17, 20! Cada uma com as suas atividades, como a bainha aberta, tapete de arraiolos e outras coisas”, refere. Apesar de contarem com a ajuda de colaboradores, também há muita entreajuda no grupo. “Somos nós que agora ensinamos umas às outras. Uma tem mais jeito para umas coisas e ensina à outra. Damo-nos todas bem umas com as outras e ajudamo-nos mutuamente. Eu estou aqui há mais de 10 anos.”

Mariana, porém, não se fica pelas artes e pelas bainhas. “Este ano meti-me em mais atividades, como a estimulação cognitiva”. Isto porque, conta, vive sozinha e já passou por dois períodos de doença grave. Não vai todos os dias, vai segunda, terça e quinta.

Maria Manuela Guerreiro, de 74 anos, informa logo, de forma direta e despachada, que anda no Boccia. Mas gosta “de tudo”. “Já andámos a pintar pratos, a fazer barro, andamos na ginástica, a jogar à bola”, enumera Maria Manuela. “Gostamos daqui. À terça andamos a fazer as coisinhas para o Natal. Sempre que há festas estamos cá. Estamos aqui quase a semana inteira”.

Já se conheciam todas, da cidade, mas quando entraram para o Centro Social do Lidador aproximaram-se. “Somos camaradas umas das outras”, explica Maria Manuela com um sorriso.

“Aqui acabam por fazer algum trabalho para todas as atividades comunitárias que temos. Temos a Beja Romana, são elas que fazem os fatos. Vamos ter o Natal em Beja, que é a campanha de Natal, elas fazem a decoração do jantar de Natal da Câmara, das barraquinhas de Natal... estão sempre disponíveis para contribuir para eventos e iniciativas da comunidade, seja da Câmara, ou com outras entidades parceiras da Rede Social”, explica a vereadora Marisa Saturnino.

E não esquecer os vários passeios, a vários pontos do país. “Da minha experiência, o que mais gostam de fazer é ir a Fátima”, conta a vereadora, a olhar para o grupo. “Corrijam-me se estiver errada!” O sentimento de alegria é geral - todas acenam e verbalizam em concordância. “É a Fátima, sim senhora!” E todos os anos vão a Fátima, “mesmo sem promessas”. ▪

▪ TERRITÓRIO 29
“QUERO

CONTINUAR NA MINHA CASA.

MAS QUERO CONDIÇÕES

COMO DEVE SER”

São mais de 900 as pessoas que vivem no Bairro das Pedreiras, em Beja, muitas sem água e sem luz. Um bairro que começou com 50 casas de alvenaria, neste momento alberga 500 pessoas em barracas. Comunidade cigana pede melhorias de vida e afirma que ainda sofrem de preconceito.

Por Inês Duarte

“Já viu como está isto? Olhe lá para este Bairro”. Quando se olha para o Bairro das Pedreiras, o primeiro impacto é o de um descampado com um aglomerado de barracas, pedaços de pano e chapa. Dezenas de crianças a correr e a brincar, muitas com as roupas rasgadas e sujas com a areia e a lama do chão. Um sítio a que mais de 900 pessoas da comunidade cigana chamam casa.

No início, o Bairro das Pedreiras foi desenhado em 2005 para dar uma nova morada às pessoas da comunidade cigana em Beja. Foram construídas 50 casas “muito pequenas, com dois quartos, para famílias muito numerosas”, cerca de 400 pessoas, explica Prudêncio Canhoto, Presidente da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal. Neste momento, o Bairro das Pedreiras já não tem condições para abraçar tanta gente.

No meio do descampado, o lado direito oferece algumas casas, ainda que já degradadas, mas é o lado esquerdo que mostra as piores condições. As tendas e barracas amontoam-se, muitas sem estruturas que lhes deem forma. Sem luz, sem água canalizada.

Prudêncio Canhoto refere que “neste momento é um bairro que tem mais barracas do que casas”. Se no início o objetivo era albergar 400 pessoas, o presidente da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal aponta que vivem, neste momento, cerca de 900 pessoas no Bairro das Pedreiras. “Não temos condições. Temos seis baldes de lixo para cento e tal moradores. Acha que isto tem razão?”, pergunta um dos moradores, que preferiu não ser identificado. “Não tem. Nós temos que ter alguma coisa em condições”.

Uma das prioridades, neste momento, para os moradores do Bairro das Pedreiras é algo bem simples: água. “Às vezes queremos água da parte da tarde e não temos. Só temos água canalizada de noite a noite”, refere o morador. “Nem água nem luz. Não temos condições nenhumas aqui no Bairro. Às vezes para dar banho às minhas filhas tenho que ir aquela bica curta”, uma fonte que têm perto.

São mais de 500 pessoas que vivem nas barracas sem água, apenas com uma torneira, explica Prudêncio Canhoto. “E dessa torneira corre muito pouco”, acrescenta. “Quem conhece aquele bairro sabe que quando chove é lama, muita lama, muito barro. Quando está calor não há uma árvore para se abrigarem do sol, nada”.

Uma comunidade de 900 pessoas, das quais perto de 200 crianças e jovens, que não quer sair da sua morada, não quer sair do Bairro das Pedreiras. Querem continuar a viver lá, mas necessitam de melhorias. “Eu quero mais condições. Quero continuar na minha casa. Mas quero condições como deve ser”, explica um dos moradores.

PARA ALÉM DE CASA, SITUAÇÃO ESCOLAR DAS CRIANÇAS TENTA SER MELHORADA

Existem projetos que tentam melhorar a vida das crianças do Bairro das Pedreiras. Um deles é o Programa Escolhas. “O nosso grande foco é a promoção do sucesso escolar e todas as atividades, quer as de carácter educativo, quer lúdico, têm esse objetivo”, explica Deolinda Zacarias, coordenadora do projeto Chave do Centro Social Bairro da Esperança, que iniciou em 2021 através do Programa Escolhas.

“Temos também trabalhado muito na promoção do envolvimento das famílias no processo educativo e tentado que o absentismo e o abandono escolar diminuam”, refere. Quanto a resultados, ainda é difícil medir não só pelo pouco tempo de vida do projeto, mas também porque no início foi complicado ir para o terreno por causa da pandemia. Ao longo do tempo, com atividades entre o Bairro da Esperança e o Bairro das Pedreiras, conseguiram que a presença dos jovens fosse

▪ TERRITÓRIO TERRITÓRIO ▪
31

mais assídua. “Essa participação assídua faz com que consigamos ter um contacto mais próximo deles e com a família, mas ao mesmo tempo também com a escola. Estamos sempre em contacto com a família, com os jovens e com a escola, e outras entidades, como a Cáritas, a CPCJ que fazem parte do consórcio do projeto”.

Através da sua intervenção, o projeto Chave tenta sinalizar situações de absentismo ou insucesso escolar e perceber junto das famílias o que se passa e, em conjunto com as outras entidades, “tentar fazer com que as crianças voltem à escola. Temos alguns casos em que isso já aconteceu, por outro lado continuamos a ter algumas dificuldades que tem a ver com a cultura e a tradição” da comunidade cigana, explica, “em que a escola não é cultura nem tradição”. “Se os pais não tiveram a cultura de escola, é difícil que (as crianças) tenham”, porém, é algo que tentam mudar.

Prudêncio Canhoto refere que das 200 crianças e jovens, mais de 100 vão à escola. Porém, “a Câmara tem um autocarro que leva 52 pessoas. Se forem todos nas duas voltas, não cabem. Muitos faltam à escola, outros vão a pé”.

Assim que os intervenientes do projeto Chaves entram no Bairro das Pedreiras há dezenas de crianças que correm até à carrinha. Sorriem, riem, abraçam e ajudam a descarregar os materiais. Está na hora de mais uma atividade. “Normalmente fazemos atividades na rua. Não temos um espaço para fazer atividades no Bairro”. Nesse dia, montaram uma mesa de plástico com cerca de 2 metros, bancos acoplados, lápis, marcadores e folhas para fazer uma oficina de treino de competências pessoais e sociais. E é assim que, por norma, realizam as atividades.

“Normalmente, e independentemente da meteorologia, montamos as mesas e as cadeiras, vimos para cá e fazemos várias atividades com eles. Quando isso não é possível, porque está mais frio e a chover, levamos alguns grupos para o Bairro da Esperança. Temos espaço e podemos desenvolver as atividades”. As atividades passam por oficinas, como a daquele dia, mas também a sala de estudo comunitária, para fazer os trabalhos de casa e onde têm apoio ao estudo, futebol de rua – cuja participação está mais condicionada por falta de transporte de e para o Bairro. Os entraves são alguns, mas não se desiste. Foi, aliás, através do futebol de rua que conseguiram integrar alguns participantes no Centro de Cultura e Desporto Bairro Conceição, onde estão desde 2022 9 jovens integrados, sendo 6 do Bairro das Pedreiras.

Neste momento, apoiam, entre o Bairro das Pedreiras e Bairro da Esperança, mais de 200 crianças e jovens entre os 6 e 25 anos. Os participantes mais assíduos têm entre os 6 e 16 anos.

Em termos de dificuldades, Deolinda aponta o facto de não terem um espaço físico. “É uma condicionante, porque dois bancos e uma mesa para várias crianças não chega”. Aponta, também, o facto de não serem assíduos. “Durante o período letivo fazemos um trabalho com eles, mas quando chega a altura das férias muitos abalam com os pais porque ou vão de férias ou vão trabalhar para o campo ou outros locais. E nota-se a diferença desses dois, três meses e é quase como um recomeçar em setembro ou outubro novamente”.

“Sentimo-nos sempre bem recebidos e nunca tivemos problemas. Claro que há sempre uma situação ou outra, pontuais, mas que podia haver aqui como noutro sítio qualquer. Temos uma proximidade muito grande com os miúdos, com as famílias, e com a comunidade em si. As pessoas reconhecem-nos, reconhecem o nosso trabalho e a importância que tem tido aqui no Bairro”, refere Deolinda.

“Sempre que podemos envolver famílias em tertúlias, workshops, em algumas iniciativas em âmbito cultural vamos fazendo e de alguma forma conseguimos promover a integração, o diálogo intercultural. Nem sempre é fácil, porque a nossa sociedade nem sempre está aberta a receber estas pessoas”.

O PAPEL DAS MULHERES

Uma outra questão que Deolinda deseja poder mudar é a situação das mulheres no Bairro das Pedreiras. “São as primeiras a abandonar a escola, continua a haver casamentos e gravidezes precoces e isso é algo que também nos preocupa e algo que queremos trabalhar com esta nova geração em conjunto com outras entidades que fazem parte do nosso consórcio e outras parcerias informais que possamos vir a fazer”.

“Há aqui pessoas que querem trabalhar, que querem ter condições de vida diferentes e a questão da etnia ainda é um problema”

Na perspetiva de Deolinda, o que é preciso para haver uma mudança nas condições do Bairro das Pedreiras é que “quem tem poder decida que isto tem de mudar”. “Na minha opinião isto é um problema de saúde pública. O governo deve mudar medidas, mas a autarquia deveria fazer força para que alguns problemas sejam resolvidos”

“Este Bairro quando foi criado foi com o intuito de alojar em casas pessoas de etnia cigana que viviam no Bairro da Esperança em barracas, mas passado pouco tempo para além das 50 casas de alvenaria que foram feitas começaram a ser construídas barracas. E neste momento temos mais moradores nas barracas que nas casas. E as casas nas condições em que estão”, refere a coordenadora do Projeto.

Prudêncio Canhoto acredita que a solução para os moradores do Bairro das Pedreiras passa por uma integração plena na comunidade de Beja. “Esta situação ficava mudada se o Bairro ficasse um parque nómada e iam preparando as pessoas para serem colocadas num local dentro da cidade. As casas ficavam, eram arranjadas, e preparavam-se outras casas dentro da cidade para ir tirando as pessoas dali. Há tanta casa fechada dentro da cidade de Beja”, acrescenta.

“Sabemos de jovens com o 12º ano que têm cursos profissionais ou que frequentaram o ensino normal e que querem integrar o mercado de trabalho e que já entregaram ene currículos e nunca foram chamados para uma entrevista sequer. E quando perguntamos, «mas achas que é por seres cigano?» a resposta é sempre sim”, refere Deolinda.

Prudêncio Canhoto afirma que esta situação “é uma realidade” para a comunidade cigana. “E se souberem que são do Bairro das Pedreiras, “então daí não queremos nada”, conta.

Para haver mudança, “depende do poder político, mas também depende de nós, comunidade, dos agentes locais que podem ter algum poder, porque há aqui pessoas que querem trabalhar, que querem ter condições de vida diferentes e a questão da etnia ainda é um problema”, explica.

Prudêncio Canhoto reitera que é necessário dar uma chance à comunidade cigana.

“É preciso dar oportunidades para que possam mostrar as suas competências. As pessoas querem mostrar, mas se não dão oportunidades como é que o fazem?”▪
32 TERRITÓRIO ▪

COMUNIDADE MIGRANTE EM BEJA:

NOVOS DESAFIOS NA INTEGRAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO

Em Ferreira do Alentejo, mais de 9% da população residente é estrangeira. A principal razão do fenómeno da migração advém da agricultura e da necessidade de mão de obra. Porém, o crescimento trouxe desafios e preocupações: desde as condições de trabalho, à habitação digna. No entanto, existem boas práticas que ajudam a colmatar e a dar o exemplo para outras empresas.

Por Inês Duarte

As opiniões convergem: o fenómeno de migração em Beja é novo, mas cada vez mais crescente. “A realidade da migração no nosso território é relativamente nova. Fomos sempre mais uma região de emigrantes do que imigrantes”, refere José Guerra, vereador da Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo. “Em Ferreira do Alentejo, em 2022, 9,5% da população residente era estrangeira, o que está acima, 5 ou 6%, da média nacional. Isto é uma tendência que, em princípio, vai continuar a existir. Não temos pessoas suficientes para sustentar toda a atividade económica que se instalou aqui. São mais de 20 nacionalidades no concelho. Temos de criar condições para que estas pessoas se possam integrar, se fixarem e trazerem as suas famílias”, explica.

Com o envelhecimento da população, o facto de ser uma região rural, agrícola, e a diminuição da natalidade, passou a existir muita escassez de mão de obra qualificada e indiferenciada em Beja. “Temos também outros fenómenos como o despovoamento, muita fuga para o litoral. Se olharmos para os Censos, entre 2011 e 2021 praticamente todos os concelhos do Alentejo perderam população, com exceção de Odemira, também muito fruto desta mão de obra migrante”, esclarece João Martins, coordenador da Mesa do Conselho Geral do Núcleo Distrital de Beja da EAPN Portugal.

Beja é “uma cidade relativamente pequena, de interior, com cerca de 20 mil habitantes”, refere João Martins. Se há 20 anos havia um problema de desemprego, José Guerra destaca que agora essa questão praticamente já não se coloca. “Neste momento temos um problema de falta de mão de obra”, refere.

O fenómeno da migração remete, também, ao Projeto Alqueva. O vereador refere que foi “um fator decisivo”. Já João Martins afirma que “permitiu uma transformação na agricultura de culturas de sequeiro para as de regadio, que podem ser de permanência ou temporárias. As permanentes carecem de mão de obra, por vezes, em quantidade. Isso foi uma porta de abertura e uma janela de oportunidade para muitos destes povos que procuram melhores condições de vida na Europa e que levou à instalação de muitas empresas de prestação de serviços de mão de obra”.

Porém, “muito do trabalho é sazonal, o que significa que vão ficar sem trabalho durante um grande período da sua vida. Isso requerer depois apoio de entidades como a Cáritas, a Segurança Social, entre outros”, explica João Martins. Coloca, ainda, um outro problema. “Muitos dos migrantes estão reféns destas empresas empregadoras. Há um problema de habitação, em Portugal, no geral, e que também se traduz para todos os que querem vir para o nosso país. O que leva a que, até por falta de ética de alguns proprietários que só veem lucro, arrendam casas sem o mínimo de condições para viverem seres humanos”.

“Vivem em condições, muitas vezes, sub-humanas. Chegam a estar 10, 15 pessoas numa casa que teria condições para ter uma família de 4 pessoas”, refere o coordenador. Chegam, também, a viver em contentores nas próprias explorações agrícolas, ou em armazéns. Durante a visita a Beja, foi possível ver o caso de uma destas casas, apenas pelo seu exterior. Uma moradia abandonada, sem janelas, com lençóis e mantas a fazer de cortinas, para resguardar, quanto possível, do frio. No terraço, quase não se via o chão, pelo amontoado de lixo que havia. Vivem, lá, dezenas de migrantes.

▪ TERRITÓRIO
35

“Importa um quadro legal e de fiscalização que olhe para as questões da habitação. Que olhe para as empresas que estão a prestar serviços de mão de obra. Muitas são sérias, mas também têm sido desmanteladas redes criminosas que exploram estas pessoas, já desde o seu país de origem, ficando hipotecados pela viagem, pela dormida, pela comida. Portugal não pode permitir este tipo de circunstâncias”, refere João Martins.

E como se pode combater estas situações? O coordenador explica que é preciso um maior controlo, mas também criar regras “que permitam privilegiar famílias e criar condições para que as pessoas tenham empregabilidade todo o ano”.

“Ninguém pode permitir que sejam exploradas e maltratadas”. “Queremos que as pessoas que venham, venham por bem, com condições de vida para estarem no nosso país”, refere. “Tudo isto carece de muito trabalho de base nas regras de entrada, controlo, para que corra bem para todos”.

INTEGRAÇÃO FAZ-SE, TAMBÉM, PELO EMPREGO E ATRAVÉS DE BOAS PRÁTICAS

Existem alguns exemplos em Beja que permitem a integração que João Martins considera necessária. “Há empresas cientes de tudo isto, que privilegiam a entrada de famílias e que procuram mão de obra em países que, pela língua, seja mais fácil a integração.

Temos de estar abertos a todas os países, religiões e culturas que queiram vir, mas é muito mais fácil um processo de integração de pessoas que falam a nossa língua”, explica João Martins.

Vale da

Rosa quer que as pessoas “sejam felizes”

O Vale da Rosa é considerado como um desses exemplos É conhecido, a nível nacional, pelas suas uvas sem grainha. Porém, por detrás das parras, videiras e uvas, estão várias práticas de integração laboral da comunidade migrante. Chega a empregar 1000 pessoas durante a sua principal campanha, durante seis meses.

O administrador da marca, António Silvestre Ferreira, conta que a principal inspiração por detrás das práticas vem do facto de também ele ter sido migrante. Com a família, “foram começar a vida de novo”, rumo ao Brasil, enquanto o irmão mais velho foi para a Venezuela, após lhes terem sido retiradas as terras.

Voltou a Portugal 22 anos depois e foi aí que tudo começou. “O Vale da Rosa tem necessidade de muitos colaboradores. Somos o maior empregador da região. Na altura das colheitas chegamos a 1000 pessoas”, conta. “O grande problema é que, no fim da campanha,

ficamos com necessidade de apenas 200/300 colaboradores. O que significa que centenas de pessoas saem do Vale da Rosa. Meses depois, voltamos a precisar de colaboradores. Porém, das 1000 iniciais, apenas 20% retornam”, explica o administrador. Há 7 anos, começaram a ir até à ilha da Madeira “à procura de luso-venezuelanos”. “Porque, com esta desgraça da Venezuela, já de lá saíram 7 milhões de pessoas. Nestes anos, já trouxemos mais de 150 pessoas da Madeira. Destas, hoje, cerca de 80 ainda estão connosco. E destas, cerca de 40% já ocupam lugares de destaque no Vale da Rosa – chefes, encarregados, técnicos. O que é extremamente importante para nós, termos mão de obra evoluída, que já conhece a empresa”, refere. O que significa uma aposta não só na formação, mas também na progressão de carreira destes colaboradores. Significa, também, dar oportunidades a estes migrantes de trabalhar nas suas áreas de emprego que tinham no seu país de origem. O mesmo começaram a fazer em países como Colômbia e Peru.

Parte destas pessoas já reside em Ferreira do Alentejo ou em aldeias do concelho. “Aumentando a população das nossas terras, o que é muito importante para a região”, explica António Silvestre Ferreira.

Porém, permanecia a preocupação de centenas de pessoas que, após a campanha, ficavam sem emprego. É aqui que entra a Fundação Vale da Rosa. “Apenas temos trabalho para as 1000 pessoas durante seis meses. Então, aqui a Fundação toma conta destas pessoas, procurando trabalho. Cadastrámos 46 empresas na região que tenham necessidade de empregar estas pessoas durante o Inverno”, explica. A parceria estendeu-se, também, a Câmaras Municipais da região, como é o caso de Proença-a-Nova.

Mesmo com estas iniciativas, havia ainda a preocupação de que, entre a saída e a entrada num trabalho, fosse possível que algumas pessoas ficassem desempregadas. “Como as famílias estão em Ferreira do Alentejo, os filhos nas creches e nas escolas, não podem ficar desempregadas. Falámos com o IEFP e apresentámos o problema. Pedimos que lhes pagassem estes pequenos períodos e a Fundação encaminha para o Vale da Rosa, onde através da nossa Academia de Formação recebem formação teórica e prática nos nossos campos. Estão devidamente amparados”, esclarece o administrador. A partir daqui, continuam a contactar com possíveis empregadores. Sempre colocando algumas questões em cima da mesa: como é que vai ser o alojamento destas pessoas? Como é que os vai alimentar? Quanto lhes vai pagar? “Reservando-se a Fundação Vale da Rosa o direito de aprovar essa contratação”.

Tendo em conta que uma das maiores dificuldades é o alojamento, arranjou solução para que tivessem casas dignas. “Continuamos a investir nas habitações, mas temos já casas para várias centenas destes colaboradores”, explica. “Para as famílias procuramos

casas nas aldeias e em Ferreira do Alentejo. O Vale da Rosa doou à Fundação um terreno grande, nessa zona, e andamos a estudar a possibilidade de, através da Fundação, se fazerem casas lá”.

“Mais de 60% de tudo o que gastamos no Vale da Rosa é para pagar salários e envolventes salariais: transportes, seguros, etc. O mais importante que temos são as pessoas. O nosso trabalho principal é fazer com que sejam felizes. Quanto mais felizes estiverem, mais rendimento dão. É importante que se sintam bem, que se sintam protegidos, parte da família Vale da Rosa”.

José Luís e a família viram em

Beja um novo começo

José Luis veio da Venezuela para Portugal, com a família, por causa da situação económica. “A mudança não foi só para nós. Foi, também, pelo futuro dos meus filhos. Já não existia maneira de estar bem. Não havia estabilidade. Era cada vez pior”. José Luís é psicólogo clínico, com um doutoramento em psicanálise. “Os meus pacientes já nem conseguiam pagar a consulta”, conta. Muitas vezes, acabavam por pagar com arroz ou farinha.

“Viemos com muitos traumas. Acordava de madrugada e olhava pela janela para ver se o meu carro ainda tinha pneus. A tranquilidade de Ferreira do Alentejo é muito melhor”. Assim, a família escolheu Beja como o seu destino. “Vimos várias empresas nas redes sociais a publicitarem serviços. Quando chegámos foi tudo diferente. Surgiu uma oportunidade de trabalhar no campo. Não fazia nada de psicologia”, explica. Conta que a ascendência portuguesa também ajudou, pois parte da sua família era de Aveiro, apesar de não serem fluentes na língua. Hoje, está a tratar, na Universidade, de conseguir equivalências para conseguir exercer a sua profissão. No entretanto, e porque é sensei de karaté, dá aulas num dojo e já conseguiu mais de 35 alunos. “Desde que cheguei que tive apoio completo de todos, mesmo da Junta de Freguesia. Apesar de não saberem a língua materna, os meus filhos integraram-se rapidamente, já estão no quadro de excelência.” ▪

36 TERRITÓRIO ▪
José Luís António Silvestre Ferreira

Estante Social

Por Armandina Heleno, Departamento de Comunicação, Informação e Documentação

1 Revista Rediteia no. 55

Tema de Capa: Migrações

Ed. EAPN Portugal, 2023

Colaboraram neste nº: Ana Figueiredo Rodrigues, Cecília Menduni Luís, Cristina Casas, Elisete Diogo, Elizabeth Santos, Farhana Akter, Joana Brandão, Joana Carvalho, Joana Ribeiro, João Miguel Carvalho, João Mota, Lara Fraga, Maria Fernanda Campos, Marina Bertolami, Mónica Oliveira Farinha, Nélia Catarina Neves, Paula Pio, Raquel Melo, Sofia Bergano, Sónia Pereira, Tito Campos e Matos, Vasco Malta. Este número da Rediteia aborda a temática numa perspetiva interdisciplinar e intersectorial, de forma a dar conta da complexidade da mesma. Relembra a atualidade e a pertinência do tema, assim como a urgência em agir em prol da inclusão das pessoas migrantes. Pretende-se que os artigos incluídos nesta publicação contribuam para uma melhor compreensão e uma maior consciência social e política dos desafios que a inclusão destes cidadãos ainda apresentam a nível nacional e a nível europeu.

2 Que Vida é Esta?

O aumento do custo de vida e o seu impacto nas pessoas.

Autoras: Ana Lopes, Maria José Vicente, Conselho Nacional de Cidadãos da EAPN Portugal Ed. EAPN Portugal, 2023

Esta publicação tem como objetivo dar visibilidade a várias vozes e preocupações de quem vivencia as situações de pobreza e o verdeiro impacto do aumento do custo de vida. A participação das pessoas é um imperativo urgente e exige compromisso e continuidade. Neste sentido, este livro pretende ser, na primeira voz, um alerta, mas também um apelo aos nossos governantes de que é imperativo agir! Disponível em: https://www.eapn.pt/centro-de-documentacao/brochura-que-vida-e-esta-oaumento-do-custo-de-vida-e-o-seu-impacto-nas-pessoas/

3. O respeito por t@dos não tem idade...

Autoras: Ana Zanatti, Joana M. Lopes e Rita Cruz Ed. EAPN Portugal, 2023

Esta publicação, o quinto número da coleção da Campanha “Despir os preconceitos, vestir a inclusão”, fala-nos sobretudo de afetos e estes são centrais à vida humana. Envelhecer de forma saudável significa também colocar os afetos no centro da nossa vida. Temos de deixar de falar das pessoas idosas como se fossem um grupo à parte. Envelhecer faz parte da vida e todos nós esperamos envelhecer, porque a outra solução não agrada a ninguém. Falar em pessoas idosas é falarmos de “nós” uns anos mais à frente. E “nós” queremos ser amados, queremos ser ouvidos, queremos nos divertir, queremos ser respeitados, queremos que a nossa dignidade seja promovida e protegida.

4. O que distingue as famílias é o sentimento que as une

Autoras: Ana Lázaro, Elsa Margarida Rodrigues, Mónia Camacho Ed. EAPN Portugal, 2023

Este livro é o sexto de uma coleção de dez obras onde trinta escritores exploram literariamente a temática “Despir os Preconceitos, Vestir a Inclusão”, mote da campanha da EAPN Portugal. Primordialmente dirigida a um público juvenil, cada estória pretende ser um ponto de partida para a reflexão, um convite a olhar em redor através de uma perspetiva diferente. Como se cada estória fosse uma janela que desafiasse a perscrutar um horizonte já conhecido através de um ângulo alternativo. Este número é dedicado ao tema da família que deve ser “o “lugar” em que nos sintamos acolhidos, protegidos, respeitados e incondicionalmente amados”.

5. Pobreza habitacional em Portugal: desafios e vulnerabilidades

Autor: Observatório Nacional de Luta contra a Pobreza

Ed. EAPN Portugal, 2023

Após a promulgação da Lei de Bases da Habitação, em 2019, ainda no rescaldo da pandemia de COVID-19 e atravessando um dos maiores aumentos da inflação dos últimos 30 anos, o Observatório Nacional da Luta Contra a Pobreza (ONLCP) procurou caracterizar e analisar alguns dos principais indicadores relacionados com a vulnerabilidade e privação habitacional, bem como compreender o impacto dessas mesmas vulnerabilidades no dia-a-dia das pessoas. Este livro pretende não só caracterizar as vulnerabilidades habitacionais que nos dizem as estatísticas, mas também dar voz às pessoas que vivenciam ou vivenciaram na primeira pessoa estas diferentes vulnerabilidades e o impacto destas vivências no seu dia-a-dia. Disponível em: https://on.eapn.pt/wp-content/ uploads/EAPN_ebook_FINAL.pdf

6. Direitos Humanos

Autor: Francisco Bethencourt

Ed. FFMS, 2023

Todos os seres humanos têm direitos inalienáveis. Esta ideia foi reconhecida pelos países fundadores das Nações Unidas a seguir à Segunda Guerra, tendo sido consagrada pela Declaração Universal de 1948. Desde então, estes direitos têm sido alargados e, em simultâneo, violados todos os dias em todo o mundo. É esta tensão que se encontra no centro deste livro.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 abre o estudo dos direitos civis com um olhar atento à herança das divisões da humanidade. O impacto da descolonização é avaliado, bem como das migrações internacionais, incluindo direito de asilo. Os direitos económicos e sociais são abordados na parte final, tendo sido incluídos os direitos à privacidade e à integridade individual na era das redes sociais. Os direitos ambientais completam este ensaio.

39 38

Juntos na diversidade

Por Equipa técnica do Projeto “tu decides” - E9G | Núcleo Desportivo e Social da Guarda

O Projeto “tu decides” é um projeto integrado no Programa Escolhas, promovido pela Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, através do Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P. e é cofinanciado pelo Pessoas 2030 e União Europeia. O Núcleo Desportivo e Social (NDS), na Guarda, é a entidade promotora e gestora deste projeto. Trata-se do único projeto do Programa Escolhas no Distrito da Guarda.

Nesta geração o projeto procura contribuir para a inclusão e integração social das crianças e jovens e suas famílias, particularmente as provenientes de contextos de maior vulnerabilidade socioeconómica, através de ações promotoras do sucesso escolar, de atividades digitais, de capacitação cívica, culturais, desportivas e recreativas, que permitam promover estilos de vida saudáveis, e contribuir para uma consciência crítica e criativa e para uma comunidade mais participativa e mais dinâmica.

No projeto reconhecemos a comunidade como um contexto heterogéneo e desigual e a integração e inclusão dos grupos sociais culturalmente diferenciados deve passar pelo assumir dessas diferenças.

O trabalho que tem sido realizado com os migrantes e com as comunidades ciganas tem sido, do nosso ponto de vista, diferenciador, dado que tem sido pautado por práticas participativas, pela valorização dos participantes e por práticas de proximidade.

A intervenção é de proximidade, quer pela frequência e regularidade das ações, quer pela localização estratégica da entidade promotora e gestora, que se encontra situada num local próximo de bairros sociais e escolas, o que possibilita a manutenção e o estabelecimento de relações de proximidade humana, criando uma espécie de extensão da própria casa para os/as participantes do projeto.

Os/as participantes migrantes e da comunidade cigana são encarados como um recurso fundamental, uma força de mudança, sendo-lhes dada “voz”, procurando que liderem as ações. Esta participação ativa e dinâmica, que nem sempre é promovida nestes jovens, consideramos que promove a sua autodeterminação, uma identidade positiva, a responsabilidade e a capacitação, com impacto na transformação de si próprios, dos outros e do próprio contexto. A participação das comunidades ciganas e dos migrantes é encarada como um verdadeiro exercício de cidadania. No projeto há várias ações com recurso à educação não formal e informal que visam o combate à discriminação, sensibilização, valorização e preservação dos aspetos culturais, desconstrução ou reconstrução de conceitos criados sobre as minorias, o reconhecimento da diferença em si, a aceitação do

“outro”, formação sobre a cidadania e a promoção do diálogo intercultural. Estas ações desenvolvidas no contexto do projeto, no espaço escolar, no contexto da rua e noutros espaços, tem permitido o diálogo, um maior conhecimento sobre diferentes culturas e a aceitação mútua. Percebemos neste trabalho que há necessidade de as minorias reconhecerem e partilharem, com a sociedade maioritária, os aspetos positivos das suas culturas, sem “perderem” a sua identidade cultural.

O contributo dos parceiros de consórcio, da comunidade envolvente e das instituições locais tem sido essencial para a prossecução dos objetivos. Esta cooperação tem permitido uma intervenção multidimensional, aumentando o espectro do impacto da intervenção, permitindo assim que os/as participantes tenham acesso a oportunidades culturais, cívicas, artísticas e desportivas diversificadas, construtivas e efetivas.

A forte articulação em rede tem promovido um contexto de aprendizagem coletivo e também de articulação de esforços e de mobilização de recursos que permitem responder a preocupações efetivas, mas também a novas questões sociais.

A abordagem é sistémica e multidimensional, possibilitando a intervenção com os/as participantes, não apenas no seu contexto individual, mas também familiar, escolar, social, comunitário e institucional.

Investir na promoção da equidade, na integração e inclusão é um investimento no capital humano. Sociedades inclusivas são sociedades com elevado potencial de desenvolvimento, economicamente produtivas e fortes, autónomas e felizes.

A metodologia que temos adotado é participativa, ativa, flexível e orientada para o interesse dos participantes e para a capacitação dos mesmos. As metodologias de intervenção são sucessivamente ajustadas aos contextos, sendo exigido uma diversidade de abordagens. Através da intervenção procuramos mitigar as disparidades, promover a inclusão social, o sucesso escolar, combater o abandono escolar precoce, promover competências psicossociais que aumentem o capital social e relacional dos/das participantes, reforçar as oportunidades para que as crianças/ jovens sejam mais autónomas/os, mais resilientes, aumentem a sua participação cívica e sejam preparados para os grandes desafios do futuro. Há, de facto, crescentes desafios à integração e inclusão social das comunidades ciganas e dos migrantes, mas urge deslocar a centralidade do emaranhado de problemas para as oportunidades, soluções e recursos. Defendemos que ninguém deve ficar para trás. No projeto partilhamos, celebramos e valorizamos a diversidade.

41 ▪ ESPAÇO ASSOCIADO

Os testemunhos dos jovens com quem trabalhamos diariamente são exemplo do reconhecimento dos mesmos enquanto atores principais, do espaço do projeto como um espaço de diversidade e do reconhecimento dos diferentes modos de ver e de estar, como um fator de enriquecimento, como uma oportunidade:

“É importante termos

várias culturas, religiões, nacionalidades, etnias... porque ensinam-nos valores e tradições diferentes das nossas” (Xico, 18 anos)

“É bom estarmos uns com osoutros.Nãosomostodosiguaiseas diferençasfazem-noscrescer” (Lara, 12 anos).

“No projeto eu sou aceite e sinto-me igual aos outros meninos e meninas” (Rúben, 8 anos).

outros“Aprendemosunscomosasregrasdaconvivência” (Rita,12anos).

“É importante ter pessoas diferentes no projeto porque assim aprendemos uns com os outros” (Dinis, 12 anos).

“No projeto, todos nos ajudamos. O Di (migrante) já me ajudou nas fichas de Matemática (Tomás, 7 anos).

“Noprojetoeusouaceitee sinto-meigualaosoutros meninosemeninas” (Rúben,8anos).

“Como há pessoas com cores diferentes no projeto, aprendemos que não devemos dizer lápis cor de pele, mas sim lápis de vários tons de pele” (Sara, 9 anos).

“Aceitarasdiferenças ésinalderespeito” (Maria,9anos).

“No sinto-meprojetoincluído! Quando cheguei senti vergonha por não me entenderem, mas depois senti que não me puseram de Oumar,parte” 14 anos).

“É importante sermos diferentes no projeto para conhecermos outras culturas e outras línguas” (Susana, 10 anos).

“Podemos aprender uns com os outros. Eu gosto de ensinar português” (Bruno, 12 anos).

“Se não houvesse pessoas de outras línguas, também não íamos aprender outras línguas” (João, 10 anos).

É bom saber sobre diversas culturas e conhecer(Marco,pessoasnovas” 14 anos)

“No projeto todas as opiniões contam! Não interessa quem diz!” (Nuno, 16 anos).

“Aceitar as diferenças é sinal de respeito” (Maria, 9 anos).

“Aqui não excluímos ninguém” (Matilde, 13 anos).

“Aquinãohápreferidos. Não interessa se somos de cores interessadiferentes,sesomosciganos...Oque é que somos amigos e, paramim,aamizadeémuitoimportante” (Vicente, 10 anos).

“Conhecemos culturas crescemosetradiçõesejuntos” (Diawara, 16 anos).

Otimismo, criatividade e capacitação são palavras de ordem na nossa intervenção. “Vamos construir soluções” é uma expressão partilhada em equipa, numa tentativa de reinventar, fazer um trabalho concertado e diferenciador procurando, a cada dia, encontrar as melhores respostas! E a cada resposta surge uma nova questão a que procuramos responder no intrincado de soluções. ▪

42
▪ ESPAÇO ASSOCIADO

Rede Europeia Anti-Pobreza alerta que o aumento do custo de vida reflete-se, cada vez mais, no dia a dia dos portugueses. Destaca ainda que são precisas medidas estruturais para erradicar a pobreza em Portugal e que as pessoas precisam de estar envolvidas no processo.

Por Inês Duarte

INICIATIVA PELO COMBATE À POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL COM 130 ATIVIDADES POR TODO O PAÍS

De 16 a 24 de outubro, a EAPN Portugal assinalou o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza (17 de outubro) com mais de 130 iniciativas. Esta é uma data em que organização aproveita para reforçar a urgência, no combate à pobreza, de se passar da legislação à ação. Destaca, ainda, a necessidade de existirem medidas estruturais para erradicar a pobreza em Portugal assente numa ética humanista.

A Iniciativa pelo Combate à Pobreza e Exclusão Social tem como objetivo “sensibilizar a população para a pobreza e a exclusão social”, através “do trabalho em rede e em parceria, mobilizando todos para aquilo que o combate à pobreza deve ser: um desígnio nacional”, refere a Coordenadora Nacional da organização, Maria José Vicente.

Deste conjunto de eventos, sublinha-se, nos dias 17 e 18 de outubro, o XV Fórum Nacional de Combate à Pobreza e Exclusão Social e a entrega do Prémio de Jornalismo “Analisar a Pobreza na Imprensa”.

Destacam-se ainda eventos como a Mesa Redonda “Casas para todos: dos problemas às respostas” (Porto), Bibliotecas Vivas (Guarda), uma sessão de informação sobre o Acesso aos Cuidados de Saúde para os Imigrantes (Lisboa) e um workshop “Diversidade, Inclusão e Liderança Inclusiva” (Região Autónoma da Madeira).

XV FÓRUM NACIONAL: PROMOVER A VOZ E PARTICIPAÇÃO CIDADÃ

O Fórum Nacional da EAPN Portugal é um momento de diálogo e de reflexão com as pessoas em situação de pobreza e com as entidades responsáveis pelas políticas sociais. Os temas variam de ano para ano, conforme o contexto atual da pobreza e da exclusão social em Portugal, em harmonia com as necessidades identificadas pelas pessoas em situação de pobreza.

A 15ª edição desta iniciativa teve como mote “O Combate à Pobreza: um Desígnio Nacional”, no qual os cidadãos promoveram a reflexão com os partidos políticos sobre a implementação da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza. Deu, também, ênfase não só aos problemas estruturais do país que todos já conhecemos, mas aos outros que se somam e que decorrem da conjuntura internacional. Problemas que já estão a ter, e vão ter no futuro, um impacto muito significativo no bem-estar e nas condições de vida dos portugueses.

A subida dos preços da energia, dos bens alimentares, dos combustíveis são evidentes e geram impactos diretos e imediatos nas famílias. “Agora, mais do que nunca, é tempo de implementar mudanças estruturais a longo prazo e de colocar as pessoas no centro das políticas”, refere a Coordenadora Nacional da EAPN Portugal, Maria José Vicente. “As pessoas são agentes indispensáveis no combate à pobreza. Devem ser os verdadeiros protagonistas quer na definição, implementação e avaliação da Estratégia”, acrescenta.

O Fórum decorreu entre 17 e 18 de outubro, em Coimbra. Dois dias onde se refletiu em conjunto com pessoas que estão ou já estiveram em situação de pobreza ou exclusão social, técnicos da área social, autarcas, representantes políticos e outras entidades da sociedade civil sobre o combate à pobreza e exclusão social. Em específico, debateu-se sobre o aumento do custo de vida e o que é preciso fazer para melhorar as condições de todas pessoas.

45 ▪ EAPN EM REDE

17

DE OUTUBRO: A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ COMO ELEMENTO ESSENCIAL DA LUTA CONTRA A POBREZA

Para Ana Cortez Vaz, Vereadora de Ação Social da Câmara Municipal de Coimbra, é “uma honra para o município coorganizar este Fórum Nacional”. Na mesma intervenção, na Sessão de Abertura de dia 17, saudou ainda a EAPN Portugal pelo seu trabalho na área da pobreza pois “é uma instituição que se preocupa com estas pessoas e este fenómeno”.

Já Luísa Dantas, membro da Direção da EAPN Portugal, recorda que o trabalho de participação e dos Conselhos Locais de Cidadãos e Conselho Nacional de Cidadãos é um pilar fundamental. “Este trabalho nacional não se esgota neste fórum, estende-se por outras atividades. Na verdade, por quase todas as atividades nacionais, estes conselhos estão presentes dando o seu contributo e a sua experiência. Estes grupos de participação cidadã são compostos por pessoas que viveram a experiência do quotidiano vulnerável socialmente, em certos casos da exclusão social, da escassez de recursos, da dificuldade em enfrentar o dia-a-dia, de ter de fazer opções para comprar este ou aquele bem, pagar esta ou aquela conta, sem a possibilidade de dar conta das duas opções ao mesmo tempo, gerir a escassez de recursos quotidiana. Apesar destas dificuldades, estes cidadãos participam ativamente nestes grupos de trabalho, contribuem com o seu conhecimento, ajudam os técnicos, formulam questões e ajudam a construir instrumentos de combate à pobreza e à exclusão social nesta participação”, refere. “Trata-se, pois, de um trabalho articulado a três níveis: local/regional; nacional e europeu, importantíssimo

para aferir a participação de cidadãos, para ajudar a elaborar recomendações e diretivas europeias, definir políticas nacionais setoriais que sirvam para ajudar a combater a pobreza e a exclusão social”, afirma Luísa Dantas.

Um dos membros mais antigos do Conselho Nacional de Cidadãos, Armando Loureiro, salientou “a importância de participar e lutar por melhores condições de vida para todos e a importância destes momentos para conseguir chegar a quem desenha as políticas, procurando de alguma forma influenciá-los”. Deixa, também, uma mensagem aos mais recentes membros destes organismos de participação: “com o tempo percebemos que o nosso trabalho é útil para erradicar a pobreza e a exclusão social”.

O dia 17 continuou com a Mesa Redonda “O combate à pobreza como desígnio nacional: das palavras aos atos”, com a moderação de Pedro Araújo, do Jornal de Notícias. Contou com a participação de Fátima Ramos (PSD), José Carlos Alexandrino (PS), Moisés Ferreira (Bloco de Esquerda), Filipe Reis (PAN) e Cidália Barriga (Conselho Nacional de Cidadãos da EAPN Portugal). Um importante momento, onde foi possível debater a problemática da pobreza no nosso país, dando voz a vários interlocutores de diversos partidos, mas também às pessoas que vivem ou já viveram em situação de pobreza.

Ainda no dia 17, foi apresentada a Carta Aberta dos Cidadãos às forças políticas e população, criada pelo Conselho Nacional de Cidadãos.

CARTA ABERTA DOS CIDADÃOS

“A pobreza não é só estatística. São pessoas e vidas. Nós, os membros dos Conselhos Locais de Cidadãos da EAPN Portugal, manifestamos o nosso descontentamento e a nossa preocupação com as condições em que vivem as pessoas mais vulneráveis. Pretendemos, por isso, fazer chegar a nossa voz e apontar um conjunto de mensagens claras para as entidades responsáveis e demais cidadãos.

• A pobreza constitui uma violação dos Direitos Humanos, devemos estar atentos e conscientes das consequências da pobreza e da exclusão social na vida das pessoas.

• O combate à pobreza deve ser uma prioridade política e uma aposta na verdadeira participação democrática, colocando as pessoas no centro das políticas públicas, enquanto participantes ativos no processo da tomada de decisões e na procura de soluções.

• Os números da pobreza não refletem a vida das pessoas. Por trás dos números existem mulheres, crianças, idosos, famílias que lutam diariamente para sobreviver, com mais dificuldades nos últimos anos agravados pela forte inflação e aumento do custo de vida.

• Qualquer ação que vise o combate à pobreza deve ser capaz de promover uma participação alargada, em especial das pessoas em situação de pobreza, dar voz aos cidadãos que vivem em situação de pobreza é um meio de perceber as suas reais necessidades.

• Os decisores políticos devem estrar verdadeiramente próximos dos cidadãos para perceberem as dificuldades que estes enfrentam e as consequências reais da pobreza nas suas vidas.

• É urgente reforçar a proteção social a sua articulação e eficácia no combate à pobreza em especial a que é destinada aos mais vulneráveis. Não criar medidas esporádicas, mas antes combater a pobreza de forma estrutural e consistente.

• Tornar efetiva a solidariedade social, tornar aplicável e realista a ENCP, que não pode ficar

“fechada numa gaveta”, deve ser capaz de operar as mudanças necessárias para combater os efeitos da pobreza e das suas causas.

• A oportunidade gerada pelos montantes de financiamento dos Fundos Estruturais não pode ser desperdiçada, porque a pobreza não se resolve com “sobras”, nem medidas avulsas. Há que garantir que haja investimentos em áreas fulcrais como a saúde, habitação, educação, formação e trabalho, cultura entre outros.

• É necessário dar horizontes de esperança e dignidade às pessoas, sobretudo às gerações mais jovens. Mitigar a pobreza não chega é necessário que se tomem medidas estruturais e não “pensos rápidos” sob pena do nosso futuro, e de muitos portugueses, estar comprometido e a emigração ser a única opção.

• É a hora de juntar a sabedoria e a inteligência de todos os cidadãos e cidadãs, e da classe política para que tomem as medidas necessárias.

• Não temos medo da mudança. O nosso maior medo é que as coisas nunca mudem. Precisamos de solidariedade, equidade e entendimento entre todos e principalmente precisamos de pensar “fora da caixa” para conseguir algo de novo.

• Apelamos assim a todos os cidadãos e cidadãs e restantes atores, responsáveis a nível político para a urgência de olhar para a pobreza de forma integrada, sem nunca esquecer as pessoas e as suas nacionalidades.

Em nome de todos os cidadãos e cidadãs que ainda sonham, reafirmamos que queremos fazer parte desta sociedade, a democracia não se esgota em eleições e a melhor forma de melhorar a qualidade da nossa democracia passa por preocuparmo-nos mais com os seres humanos, por isso recusamonos a resignar. É urgente mudar. Não fazer nada para mudar o país em relação à pobreza e às desigualdades é ser cúmplice de um Estado que não é de direito”.

47 ▪ EAPN EM REDE

Para além destes momentos, realizou-se também, no final do dia, a Cerimónia de atribuição dos prémios a jornalistas, no âmbito do iniciativa “Analisar a Pobreza na Imprensa”.

“ANALISAR A POBREZA NA IMPRENSA 2022” – V Edição

Esta iniciativa tem como objetivo distinguir profissionais que, através do seu trabalho, contribuem para um melhor conhecimento das situações de pobreza e de exclusão social e trabalhos publicados que retratem e/ou promovam uma imagem real da pobreza e da exclusão social no sentido de facultar uma clara informação sobre estas realidades nomeadamente, sobre as suas causas, as suas consequências, as suas formas de expressão e alguns indicadores que explicam estas situações. Este prémio é atribuído por pessoas em situação de pobreza e tem como objetivo contribuir para combater alguns estereótipos e representações negativas sobre pobreza e exclusão social junto de jornalistas e da sociedade em geral.

Os prémios, oferecidos com a mensagem “Entender a pobreza e a exclusão social é o reflexo de uma aprendizagem social do indivíduo onde se alia o cérebro e o coração. Mas nem sempre temos o que se espera e por vezes o coração é vazio, toldando a visão real das situações intoleráveis e sensíveis de uma sociedade desigual e que não vive para as pessoas. Tentemos encher todo um coração de práticas com sentido” foram realizados pelo designer Augusto Pires da Makeup Design.

Este ano houve um total de 39 trabalhos jornalísticos (20 nacionais e 19 regionais) propostos a concurso. Foram selecionados e analisados pelas pessoas que constituem os 19 Conselhos Locais de Cidadãos – um por distrito assim como a Região Autónoma da Madeira – e, finalmente, selecionados e avaliados por 4 elementos desse mesmo conselho que os representam.

Na Categoria Imprensa Nacional, o 1º Prémio foi atribuído aos Jornalistas Margarida Vaqueiro Lopes, Marta Marques Silva, Nuno Aguiar e Rui Barroso pelo trabalho “PREÇOS A SUBIR: CARTEIRA DOS PORTUGUESES SOB ATAQUE CERRADO”, na Revista Visão de 2 de abril de 2022.

Já a Jornalista Natália Faria e o Fotojornalista Paulo Pimenta receberam o 2º Prémio pelo trabalho “Portugal é o 8.º pior na lista de países com maior risco de pobreza ou exclusão social”, no Jornal Público de 15 de setembro de 2022.

O 3º Prémio coube à Jornalista Vera Lúcia Arreigoso e à Fotojornalista Ana Baião com a notícia “‘Doentes’ vão às urgências para comer”, no Expresso de 14 de outubro 2022.

Relativamente à Categoria Imprensa Regional, o 1º Prémio foi atribuido ao trabalho “Jovens ciganos de VRSA constroem futuro com a ajuda de um luthier”, pelas mãos do Jornalista Pedro Lemos e Fojornalista Nuno Costa do Jornal Sul Informação de 19 de abril de 2022.

O 2º Prémio foi atribuido à Jornalista Mariana Pombo pelo trabalho “Ser cigano é ser alegre, revolucionário e não ter medo de enfrentar a vida”, publicado no Jornal O Setubalense de 10 de fevereiro de 2022.

Por último, o 3º Prémio coube à Jornalista Ana Regina Ramos pelo trabalho “Amarante: “Ponha-se no nosso lugar” quer sensibilizar para a acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência”, publicado no Jornal A Verdade de 4 de maio de 2022.

18 DE OUTUBRO: AFINAL, QUE VIDA É ESTA?

O segundo dia do XV Fórum Nacional começou com a inauguração da exposição e da apresentação da publicação “Que Vida É Esta?”, realizada pelos vários elementos dos Conselhos Locais de Cidadãos. Uma publicação que tem como objetivo dar visibilidade a várias vozes e preocupações de quem vivencia as situações de pobreza e o verdeiro impacto do aumento do custo de vida. Esta publicação pretende ser um alerta, mas também um apelo aos governantes de que é imperativo agir. Estas mensagens são verdadeiras palavras de ordem e encontram-se nesta publicação através de um conjunto de fotografias (tiradas pelos elementos) que refletem as suas experiências e vivências, mas também os seus contributos para que se combata as vulnerabilidades existentes.

Através da metodologia do Photovoice procurou-se dar expressão visual à(s) realidade(s) existentes promovendo o conhecimento e a partilha. Imagens que evocam mensagens, muitas vezes escondidas em pequenos detalhes que transmitem vivências reais para que possam ser valorizadas e reconhecidas como um meio de conhecimento válido e útil. Cada fotografia aqui presente constitui um pequeno pedaço de uma grande narrativa: o sufoco e a angústia

de muitos cidadãos portugueses em várias dimensões das suas vidas em que sentem dificuldade em aceder a um conjunto de bens e serviços fundamentais para a garantia da sua dignidade.

Assim, no dia 18 convidou-se os presentes a lerem e a interpretarem as várias imagens que a publicação e a exposição contemplam, promovendo a reflexão e a consciência social para a realidade de muitas situações que nos interpelam a todos para o combate às injustiças e às desigualdades.

De seguida, deu-se início à Mesa Redonda “O impacto das medidas políticas na vida das pessoas”. Moderada por Joaquina Madeira, membro da Direção da EAPN Portugal, contou com Carmen Pamplona (Conselho Local de Cidadãos do Porto), Prudêncio Canhoto (Conselho Local de Cidadãos de Beja), Alberto Costa (IEFP), Natália Nunes (DECO), Bárbara Aguiar (DGS), Nuno Travasso (Universidade de Coimbra) e Brenda Johnson (Instituto da Segurança Social). Um importante momento de debate e reflexão, com vários intervenientes, que deu a oportunidade de explicar as medidas políticas e as suas consequências no dia a dia das pessoas.

FÓRUM NACIONAL: “O PRINCÍPIO DE UM FUTURO MELHOR”

Para os elementos dos Conselhos Locais, este encontro é uma “oportunidade única” de “ter alguma voz” e de “participar para melhorar a sociedade da qual fazemos parte”. Foi igualmente referido que este evento foi um momento de “aprendizagem e ensinamentos”, “coesão e partilha”, “gratificante e elucidativo”, “o princípio de um futuro melhor”.

O XV Fórum termina com uma mensagem forte: Agora, mais do que nunca, é tempo de implementar mudanças estruturais a longo prazo e de colocar as pessoas no centro das políticas. ▪

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Campanha volta a encher as ruas de Portugal na luta contra a pobreza

Rede Europeia Anti-Pobreza lança campanha nacional para sensibilização da sociedade e poderes políticos. A iniciativa enquadra-se no Dia Internacional para a Erradicação de Pobreza e traz testemunhos reais de pessoas em situação de pobreza e exclusão social.

Por Inês Duarte

Em 2023, a EAPN Portugal está a dar continuidade à sua campanha #pobrepovo. Se no ano passado a campanha/movimento visou testemunhar e denunciar a crescente pobreza no nosso país, através de testemunhos aleatoriamente identificados, transversais a qualquer um de nós, nesta segunda fase da campanha apresentam-se dados reais da situação de Portugal.

“Estes dados serão apresentados em cartazes que seguem a lógica da primeira campanha, sendo que agora as frases são assinadas e identificadas com o nome Portugal e o ano presente. Reforça-se, assim, a transversalidade da ideia de povo, através da nossa identidade comum”, refere o criativo da campanha, Miguel Januário.

Em 2022, destacaram-se “histórias, mais ou menos próximas, mais ou menos ocultas, mas que existem e dizem respeito a todas e a todos nós”. Já este ano a campanha dá relevo aos dados sobre pobreza e exclusão social em Portugal através de testemunhos reais.

“Paralelamente, a partir de pequenos vídeos que serão publicados nas redes sociais, estes dados serão reforçados com testemunhos reais, gravados em áudios, de situações que remetem para os dados apresentados nos cartazes”, refere Miguel Januário.

Áudios esses que apresentam retratos dramáticos, mas verídicos, da realidade da pobreza em Portugal. Semelhante ao ano anterior, os cartazes apresentam-se com “uma imagem direta e crua, monocromática e escura, remetendo para o luto”.

Os cartazes foram colocados por todo o país, nos 18 distritos do continente e na Região Autónoma da Madeira. Os vídeos, divulgados através das redes sociais, apresentam testemunhos como:

“Estou a trabalhar a meio tempo, estou numa residência de estudantes e, infelizmente, quando chego ao dia 20, 21, já não tenho dinheiro para fazer face às despesas. A minha sorte, neste momento, é que tenho um filho mais velho que me ajuda bastante. Realmente é muito triste num país como o nosso haver pessoas que estão nesta situação, porque a inflação e o custo de vida sofreram grande aumento e não se consegue fazer face às despesas”.

O conceito de povo é intencionalmente transversal, refere a campanha, “porque enquanto o grave problema que é a pobreza não estiver resolvido, seremos todos, todo o povo, responsável e pobre porque permite este flagelo e porque fala enquanto sociedade”.

“Também porque essa mesma sociedade que perpetua a pobreza, nos coloca mais perto destas situações (de qualquer uma das descritas nos cartazes) do que longe e afastados delas. Amanhã, por qualquer motivo – um acidente, uma perda familiar, desemprego - qualquer uma ou um de nós está a um passo de ser um nome e uma frase num destes cartazes. Nós não retiramos as pessoas dessa situação, como não garantimos que amanhã lá não estejam mais, sabendo, com toda a certeza, que amanhã era possível acabar com este drama no país e no mundo”, sublinha a Coordenadora Nacional da EAPN Portugal, Maria José Vicente.

A EAPN Portugal apresentou oficialmente a campanha no dia 17 de outubro, no XV Fórum Nacional para a Erradicação da Pobreza, em Coimbra. ▪

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ENCONTRO NACIONAL

o contexto das múltiplas crises e o futuro dos fundos comunitários – que oportunidades para o combate à pobreza

Por Anabela Dinis, Presidente da Mesa do Conselho Geral do Núcleo Distrital da Guarda da EAPN Portugal

Foi um dia longo e rico que juntou os associados e parceiros da EAPN Portugal para uma reflexão conjunta em torno do tema “O contexto das múltiplas crises e o futuro dos fundos comunitários: que oportunidades para o combate à Pobreza”. O título deste encontro remete para a mobilização de recursos no combate à pobreza. Recursos financeiros, é certo, mas perspetivados, sobretudo, como meio para potenciar o envolvimento e a ação de organizações e das pessoas na luta contra a pobreza.

Na primeira mesa redonda, dedicada ao tema “ O papel das organizações no contexto de múltiplas crises ”, moderada por Maria José Vicente da EAPN Portugal, participaram a ASTA – Associação Socio Terapêutica de Almeida (representada por Helena Alves), o Lar Major Rato de Alcains (representado por Maria da Conceição Leão), a Santa Casa da Misericórdia de Santo Tirso (representada por Liliana Salgado) e João Mesquita, formador da EAPN e fundador da empresa Coatl, empresa de consultaria especializada no apoio ao desenvolvimento e capacitação de entidades do terceiro setor

A reflexão e a discussão foram conduzidas por duas questões chave colocadas aos convidados: i) Face aos resultados preliminares do estudo “TerceiroSetor:CombateàPobrezaeExclusãoSocialnocontextodemúltiplascrises”,quaisosprincipaisdesafiosenfrentados

pelasorganizaçõesduranteepóspandemia?;ii)Deentreasvárias dimensões em que é necessário atuar no combate à pobreza (saúde,habitação…)quetemaconsideramomaiordesafioatual?

Os convidados foram unânimes sobre a importância destas instituições nos territórios onde atuam, desde logo, como empregadores com peso muito significativo, mas também pelo seu papel no apoio às populações mais fragilizadas. Destacaram o impacto e o enorme desafio de lidar com a pandemia, um período marcado pela doença, mas, sobretudo, pelo desconhecimento, pelo pânico e pelo isolamento, em que a organizações tiveram que simultaneamente focar-se em salvar vidas e preservar a sua própria existência.

Os desafios mais imediatos na pandemia incluíram a gestão de recursos humanos, com muitas pessoas infetadas e falta de pessoal para cuidar dos utentes, resultando em situações dramáticas, e a necessidade de recorrer a centros de emprego e grupos de voluntariado, com muito pouco apoio público. Os desafios passaram, também, pela gestão dos beneficiários, que enfrentavam o isolamento e depressão, bem como gestão das famílias, afetadas pela ansiedade que esta situação lhes causava. As organizações tiveram, ainda, que assumir funções de saúde para as quais não estavam preparadas, realizar investimentos necessários para enfrentar a pandemia, ao mesmo tempo que sofriam perdas financeiras devido ao fechamento de creches e/ou outras valências geradoras de rendimento. A procura de alternativas, como recorrer a mecenas, foi imperativa, especialmente na primeira fase para a aquisição de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). As que trabalham com projetos financiados enfrentaram também a dificuldade de cumprir com os indicadores de resultados contratualizados, arriscando perder o financiamento. Ao desgaste resultante destas circunstâncias, foi ainda agravado pelas exigências burocráticas impostas, incluindo a elaboração de listagens exaustivas durante o auge da pandemia. Suportar o impacto físico e financeiro durante este período teve, em muitos casos, repercussões sérias na saúde mental dos trabalhadores.

No período pós-pandemia, alguns desafios pré-pandemia mantiveram-se, agravados pelo aumento dos preços resultantes dos grandes conflitos na Ucrânia e Médio Oriente. As políticas limitativas e as necessidades diversificadas e atípicas emergem como elementos desafiadores, exigindo uma necessidade premente de reinvenção para lidar com populações cada vez mais específicas e que se afastam das tipologias institucionalizadas.

A diminuição de pessoas e de pessoas qualificadas, em particular nos territórios mais rurais e do interior, traduzemse numa escassez de recursos humanos nestas instituições.

Embora os imigrantes representem, em alguns casos, uma fonte de recursos, frequentemente estes carecem de qualificações e tendem a não permanecer por muito tempo. A questão da sustentabilidade financeira das organizações do terceiro setor torna-se também neste domínio crítica, constituindo um entreve à manutenção e atração de colaboradores com o perfil adequado. No registo oposto, como nota positiva, a ASTA salientou que o contexto rural tem também as suas mais valias, nomeadamente a disponibilidade de espaço, a proximidade à natureza, a vida comunitária e a forte ligação ao território e aos seus agentes que, em tempos mais difíceis, como foi o tempo da pandemia, constituem recursos valiosos para reinventar soluções e preservar a saúde mental de colaboradores e beneficiários.

Foi precisamente a saúde, juntamente com a sobrevivência e sustentabilidade financeira das organizações, os aspetos considerados mais desafiantes no combate à pobreza. A saúde, identificada como o bem mais precioso e a base essencial para a luta diária (das pessoas em situação de pobreza e das pessoas que trabalham nas organizações), deve ser abordada numa perspetiva diferenciada e preventiva. A promoção do autoconhecimento e do exercício físico, constituem elementos essenciais para a prevenção de burnouts (ainda como sequela da pandemia) e outras doenças.

Quanto à sustentabilidade financeira, destacou-se a necessidade de repensar políticas públicas e medidas de apoio ao terceiro setor e de um maior financiamento do setor sobretudo para valorizar e atrair bons profissionais. Por parte das organizações há necessidade de reinventar respostas e de alcançar uma maior profissionalização: ser mais profissional na forma como se procuram novas fontes de financiamento e se gere uma organização, na forma como se criam e rentabilizam negócios sociais (com financiamento pelo mercado), criando recursos partilhados, numa lógica de racionalização de recursos, que permitam alcançar uma escala mais eficiente das operações.

Já na fase do debate, do lado do público, surgiu ainda o apelo a um maior envolvimento e participação política das pessoas, ao exercício da cidadania e do lobby positivo. Foi também sublinhada a necessidade de dar visibilidade ao que se faz junto da comunidade e dos decisores políticos.

A reflexão na mesa-redonda dedicada ao tema “O papel das organizações no contexto de múltiplas crises” evidenciou como num momento de crise nunca antes vivenciado, as organizações do terceiro setor constituíram um elemento chave, um pilar de apoio na sociedade, dando respostas que nem o próprio Estado conseguiu dar. Ouvimos as dificuldades e a estratégias para lidar e superar esse

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momento, que passaram claramente por uma dedicação sem precedentes, mas que resultaram, não só, numa erosão da sua capacidade financeira, mas também, da saúde mental de quem nelas trabalha. No contexto pós –pandémico, num período política, económica e socialmente conturbado a sobrevivência destas situações continua a ser um desafio. Os convidados partilharam algumas preocupações, mas também algumas estratégias para superar essas dificuldades.

A mesa redonda que se seguiu, dedicada ao tema “ O papel do novo quadro comunitário no combate à pobreza ”, centrou-se nas oportunidades financeiras existentes e, sobretudo, nas que se avizinham, para inovar, fazer diferente, implementar soluções sociais e permitir uma maior sustentabilidade das organizações. Nesta mesa ouviu-se a voz de quem disponibiliza esses fundos e a voz de quem acede a esses fundos. Moderada por Fátima Veiga da EAPN Portugal, participaram nesta mesa redonda a CCDR Norte (representada por Paula Santos), Portugal Inovação Social – Região Norte (representado por Helena Loureiro), POAPMC /Comissão Diretiva do PESSOAS 2030 (representado por Sandra Tavares) e a Associação Sol Ave (representada por Maria José Afonso).

Na sua intervenção, Paula Santos explicou que a CCDR Norte faz a gestão de fundos comunitários, mobilizados através de programas regionais, em particular o Programa Operacional (PO) Regional do Norte. Esta entidade não tem competências sociais diretas, mas abrange áreas de intervenção que são relevantes para o combate à pobreza – perspetivado como objetivo e critério de desenvolvimento. Destaca, neste domínio, a atuação da CCDR ao nível da promoção do emprego, do acesso a serviços básicos, como educação e saúde e a especial atenção a territórios de baixa densidade, com problemas específicos de isolamento e acessibilidades. O PO Norte é financiado, sobretudo, por verbas do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) direcionado para áreas infraestruturais, mas inclui também algum financiamento do Fundo Social Europeu (FSE). Estes fundos são canalizados para incentivos a empresas, criação de emprego, infraestruturas na área da saúde e educação, serviços sociais (com exceção dos que promovam a institucionalização), sucesso educativo e ensino superior. A intervenção na área social é feita através de contratualização com a Comunidades Intermunicipais (CIM) e com o programa Portugal Inovação Social Norte. No caso da CIM, a CCDR Norte financia os planos integrados de ação para a inclusão de grupos vulneráveis (pessoas sem abrigo, envelhecimento ativo, inclusão social por via da cultura), os planos integrados de promoção do sucesso escolar, os balcões de inclusão e projetos para empreendedorismo e emprego.

Sobre Portugal Inovação Social Região Norte, coube a Helena Loureiro a explicação do seu funcionamento. O programa Portugal Inovação Social (PIS) constitui-se como um ecossistema de intervenção social com metodologias diferenciadas para a

minimização de problemas sociais. Resulta de uma intenção da União Europeia, financiada através do FSE, implementada em Portugal desde 2014, como experiência piloto na Europa com a atribuição de 150 milhões de euros através de Resolução de Conselho de Ministros. Atualmente encontra-se em fase de transição de final de quadro e início de outro. O Portugal Inovação Social Região Norte visa a ativação/mobilização do tecido regional no domínio do empreendedorismo social. Tradicionalmente financiado pelo Programa Operacional para a Inclusão Social e Emprego (POISE), os PIS, no Quadro Portugal 2030 também irão trabalhar com os PO Regionais e desenvolverão a sua ação com base em cinco instrumentos de financiamento direcionados para a inovação e empreendedorismo social, envolvendo economia de impacto, investidores sociais, lógicas de avaliação de impacto e competências de gestão. Os cinco instrumentos nesta nova edição são: (i) Capacitação para a inovação social, visando uma maior capacitação dos recursos humanos que intervêm no empreendedorismo social; (ii) Parcerias para a inovação social, apoios atribuídos em formato de cofinanciamento com investidores sociais, incluindo uma linha direcionada para parcerias entre setor privado e público; outra linha direcionada para organismos federadores (CNIS, CONFECOOP). Ambas visam operacionalizar iniciativas de empreendedorismo social no terreno; (iii) Títulos de impacto social, com o envolvimento de investidores sociais e cujo pagamento do valor aprovado em candidatura está dependente da realização dos resultados contratualizados. O Investidor social paga e se se alcançarem os resultados contratualizados o dinheiro é devolvido na integra com benefícios fiscais; (iv) Contratos de impacto social, uma novidade nesta edição, cuja lógica assenta no pagamento por poupança de política pública e V) os centros para o empreendedorismo social, também novo nesta edição, constituindo-se como um spin-off das parcerias que criaram as Incubadoras de inovação social em edições anteriores.

O programa PESSOAS 2030 foi apresentado por Sandra Tavares. Trata-se de um programa temático do Portugal 2030 que se dedica a apoiar medidas de política pública que permitam enfrentar os desafios das qualificações da população, do emprego, da inclusão social e, transversalmente, da questão demográfica. O programa tem uma dotação de cerca de 5,7 mil milhões de euros financiada pelo FSE+. Este programa sucede PO Capital Humano (POCH), o PO Inclusão Social e Emprego (POISE) e o PO de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (POAPMC). Numa lógica de interdependência e complementaridade entre as medidas que apoia, o Programa visa contribuir para a prossecução dos princípios do Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS) atingindo as seguintes metas em 2030: 80% de taxa de emprego da população entre os 20 – 64; reduzir a taxa de jovens NEET dos 15 aos 29 entre os 7% e 8%; assegurar que pelo menos 60% dos adultos participam anualmente em ações de educação e formação; reduzir o número de pessoas em situação de pobreza ou exclusão social em, pelo menos, 765 mil pessoas. O programa dispõe de sete eixos, um dedicado ao financiamento da própria estrutura; três especificamente dedicados à inclusão social e outros três dedicados a medidas

multidimensionais, no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, envolvendo, no total, 56 tipologias de operações, 8 elegíveis em todo o território nacional. Os três eixos dedicados à inclusão social são i) Emprego, conciliação profissional e familiar e igualdade de género ii) Qualificação inicial para crescer direcionado para jovens, visando melhorar o acesso a cursos profissionais, cursos de aprendizagem, apoio a serviços de orientação e psicologia; iii) Maisemelhor(Re)Qualificaçãode adultos muito direcionado para os Centros Qualifica. As medidas multidimensionais desenvolvem-se ao longo dos eixos iv) Maise melhor inclusão Social ; v) Acesso a serviços de Qualidade ; VI) Combateàprivaçãomaterial . A intervenção de Sandra Tavares termina chamando a atenção para a existência de inúmeras soluções de financiamento e para a necessidade de trabalhar respostas eficientes e eficazes e articuladas, destacando a importância de mobilizar redes e parcerias.

A última intervenção nesta mesa redonda foi a de Maria José Afonso, representante da Associação Sol do Ave, associação cujo funcionamento assenta fortemente na utilização de programas de financiamento com fundos comunitários. Na sua intervenção, partilhou a experiência da associação neste domínio, falando de oportunidades e dificuldades e, com base nestas, deixando sugestões para melhorar o funcionamento dos programas de financiamento. A Associação Sol do Ave foi criada em 1993 tendo como território de intervenção o antigo Vale do Ave constituído por 8 municípios. Foi criada por 5 jovens que criaram o seu próprio emprego, numa iniciativa inovadora cujo o objetivo era aceder a fundos comunitários para o desenvolvimento do território. Desde a sua fundação, a associação já fez candidaturas e viu projetos aprovados em quatro Quadros Comunitários, desde projetos no âmbito do Programa Nacional de Luta Contra a Pobreza, o PROGRIDE, os Contratos Sociais de Desenvolvimento Social (CLDS) a Projetos no âmbito do POISE e PO NORTE 2020. A partir dos diversos Quadros Comunitários as respostas da Associação têm permitido o desenvolvimento do território, atuando em quatro eixos prioritários: Desenvolvimento rural, Desenvolvimento social; Qualificação e formação; e Empreendedorismo. Os vários programas com que trabalharam trouxeram princípios de atuação muito importantes e relevantes, novos conceitos e temas e os meios financeiros para implementar soluções junto das pessoas. Ainda que condicionada por alguns interregnos no financiamento, a sua atuação tem mantido uma continuidade no território e globalmente os programas e fundos comunitários constituíram importantes instrumentos para o desenvolvimento social e territorial. Algumas das respostas iniciadas com base em projetos foram-se autonomizando, como foi o caso do Gabinete de Apoio ao Empreendedorismo, e a educação parental. Apesar do seu trabalho, no território, muitos problemas persistem e outros desafios se colocam, como a imigração e a habitação, constituindo novas frentes de trabalho.

Quanto aos programas de financiamento, Maria José Afonso deixa algumas sugestões para melhorar o seu funcionamento:

1. Alargar tempo útil de trabalho num projeto. É fundamental garantir um quadro de estabilidade que permita gerar impactos a longo prazo, que um horizonte de 24-36 meses muitas vezes não permite;

2. Simplificação de procedimentos. Existe uma grande dificuldade por parte das pequenas organizações em gerir todos os procedimentos burocráticos dos projetos (p.e. procedimentos de contratação pública) que impede um trabalho mais eficaz no terreno;

3. Apostar/manter custos simplificados. Manter/criar estrutura de despesas menos complexificadas;

4. Agilizar a tomada de decisão, monitorização a resposta em tempo útil, por parte de entidades envolvidas na gestão do projeto;

5. Melhorar a flexibilidade nos programas para abarcar especificidades locais e novas respostas necessárias;

6. A inovação social dever ser transversal a todos os programas.

EM SUMA:

Existem e continuarão a existir no próximo quadro comunitário inúmeras respostas de financiamento que se podem articular (descortinar esta vastidão e complexidade de toda a rede de financiamentos é já em si um desafio) e que constituem instrumentos importantes para o desenvolvimento social e territorial. Há, no entanto, a necessidade de melhorar essas respostas de financiamento para que se tornem ainda mais eficientes, eficazes e articuladas. Mas há também a necessidade de financiar e apoiar o setor social de uma forma mais estrutural e contínua. Da parte de quem se candidata há que melhorar a sua capacidade de submeter candidaturas, definir indicadores ajustados e de gestão de projetos. É também fundamental, para tirar maior proveito destas oportunidades de financiamento, atuar naquilo que é também o foco da EAPN Portugal: criar e mobilizar redes e parcerias. ▪

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Click: 10 anos a promover emprego e inclusão social

Projeto da EAPN Portugal já apoiou centenas de pessoas e realizou mais de 160 integrações no mercado trabalho. Uma iniciativa que faz a diferença na vida das pessoas, não apenas na sua vertente profissional.

Por Inês Duarte

“O Projeto Click surge como uma solução inovadora” para combater a pobreza, exclusão social e o desemprego, “e restaurar a esperança junto das pessoas que se encontram afastadas do mercado de trabalho e desacreditadas perante o olhar dos outros e, muitas vezes, desacreditadas delas próprias”. É assim que Luísa Dantas, membro da Direção da EAPN Portugal, apresenta o projeto Click que comemora, este ano, o seu 10ª aniversário.

A iniciativa, nascida em 2014 através de um protocolo de cooperação com o Instituto para o Emprego e Formação Profissional (IEFP), já apoiou centenas de pessoas em situação de vulnerabilidade e concretizou mais de 160 reinserções no mercado de trabalho.

O Click tem, assim, como objetivo principal criar um ambiente de aprendizagem e de capacitação para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, para que possam ter uma oportunidade de integrar o mercado de trabalho.

“Este Projeto procura garantir a dignidade humana por meio do trabalho e do empoderamento das pessoas”, refere Luísa Dantas. É, por isso, motivo de celebração, o que levou a que no dia 22 de novembro se realizasse o Seminário “10 anos a potenciar a empregabilidade”, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.

Através de parcerias com empresas e outras instituições, oferece-se às pessoas ferramentas de emancipação e a possibilidade de terem um contacto real com o mundo do trabalho. Além disso, são promovidas ações de mentoria, coaching e de acompanhamento personalizado, com o objetivo de potenciar o sucesso e o crescimento profissional e pessoal das pessoas envolvidas.

“Ao capacitar estas pessoas, estamos a garantir que elas possam adquirir e consolidar competências, tornando-se assim mais competitivas no mercado de trabalho. Isto não só aumenta as suas hipóteses de conseguir um emprego, como também fortalece a sua autoestima e confiança para enfrentar os desafios da vida”, ressalta Luísa Dantas. Ana Andrade, Técnica Superior do Departamento de Emprego do IEFP, salienta o

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facto de o Projeto Click desenvolver uma metodologia que pretende “dar solução aos problemas específicos de grupos de destinatários, desempregados, em situação de particular desfavorecimento, nomeadamente os Desempregados de Longa Duração, os jovens NEET e pessoas beneficiárias do Subsídio de Desemprego Subsequente e do Subsídio Social de Desemprego”.

“Relativamente à conjuntura que vivemos atualmente em Portugal, o contexto macroeconómico é decisivo. Assim, as empresas tendem a reduzir o volume de contratação. Como consequência, constata-se que muitas pessoas são atingidas pelo desemprego e assim as transições para o mercado de trabalho são mais dificultadas”, explica Ana Andrade.

É nesta altura que o Click faz a diferença. “O Projeto Click fomenta um envolvimento cada vez maior dos públicos em situação de particular desfavorecimento, para ingresso ou retorno ao mercado de trabalho e/ou à progressão profissional, incentivando atitudes dinâmicas e proactivas, com o objetivo de facilitar o processo de integração destas pessoas nas empresas”, explica a Técnica Superior.

Ana Andrade ressalta ainda a importância da interação com as empresas, algo que “assume um papel fundamental, proporcionando a sensibilização da importância da integração destes públicos, e de informação sobre os incentivos financeiros à contratação, criando por vezes oportunidades que à partida não existiriam”.

Na perspetiva da equipa técnica do Projeto, o Click vai muito além do trabalho de promoção da empregabilidade, funcionando como um programa “holístico”. “Para que o “Click” aconteça em cada participante há que, em muitos casos, trabalhar outras dimensões da vida a montante da questão da empregabilidade. Isto significa trabalhar em rede, com outros técnicos e instituições que acompanham estas pessoas, no sentido de encontrar soluções para os mais diversos problemas que os participantes em situação de vulnerabilidade enfrentam diariamente. Só após

ultrapassar constrangimentos como a falta de retaguarda familiar, de resposta da rede escolar, de falta de apoio da rede de suporte, entre muitos outros, é que se torna possível trabalhar as variáveis de empregabilidade e garantir o sucesso da integração profissional das pessoas”, refere a equipa responsável pelo projeto.

Em simultâneo, é também desenvolvido um intenso trabalho de sensibilização e acompanhamento junto do tecido empresarial, de forma a possibilitar a criação de oportunidades para pessoas que se encontram em situação de desvantagem face ao mercado de trabalho. De acordo com a equipa, o Projeto Click “abre portas” em empresas para “pessoas em situação de desemprego e possibilita ao empregador e aos participantes um período de mentoria profissional com acompanhamento e mediação constantes, aumentando assim as hipóteses de um match perfeito entre as duas partes e, consequentemente, a satisfação das necessidades da procura e oferta de emprego através da posterior contratação das pessoas”.

O coaching como apoio ao desenvolvimento pessoal e profissional de cada um

Uma das metodologias do Click passa pelo coaching. António Reis Pereira é um dos coaches que colabora com o Projeto e conta que este “ajuda cada participante a voltar a encontrar-se consigo mesmo, com um acompanhamento feito à medida”.

“Trabalhar com o CLICK é um privilégio. Contribuir, em conjunto com as pessoas, para redescobrir as suas próprias capacidades e competências, é o eixo que norteia esta força motriz e que lhe proporciona este tão importante e diferenciador significado”, conta o coach.

Para além disso, é importante promover as vozes dos participantes. “São histórias de vida únicas, muitas vezes fustigadas pela pobreza e pela exclusão social. Neste sentido, colaborar com o Click é fazer justiça: é devolver a cada participante a possibilidade de se sentir capaz, acreditado e valorizado. E isso faz toda a diferença na vida individual e também no coletivo, que se torna mais coeso com este tipo de iniciativas. Por isso vejo o CLICK como um projeto com muita magia e no qual coloco o meu sentido de missão”, declara António Reis Pereira.

“Enquanto coach as minhas funções são apoiar cada participante no seu processo de reintegração no mercado de trabalho através de sessões de coaching individual, coaching

coletivo e sessões de apoio às mentorias profissionais. Através da metodologia de coaching promovo a reflexão da pessoa acerca do seu estado atual e acompanho-a na sua projeção de um futuro desejável para si. Durante este processo, cada pessoa tem a possibilidade de explorar novos caminhos em conjunto, assumindo responsabilidade pelo seu papel de criadora da sua própria vida, o que confere um elevado grau de compromisso tanto com o mercado de trabalho como com a sua vida em geral”, refere.

O coaching permite, assim, “a facilitação dos processos de desenvolvimento pessoal e profissional de cada participante nomeadamente ao nível da autoestima, autoconfiança, comunicação, liderança, planeamento de objetivos e metas, treino de entrevistas de emprego, assertividade, entre muitas outras, promovendo assim uma rápida e eficaz colocação no mercado de trabalho”, acrescenta António Reis Pereira.

A altura em que se “fez o Click”

“Eu não acreditava nas minhas capacidades, mas o Click sim”. As palavras são de Carla Teixeira, uma das centenas de participantes que viu a sua vida “fazer Click” quando entrou no projeto.

É também o caso de Danila Garrido. Desempregada, foi convidada a ingressar no Click e viu neste uma boa oportunidade “de demonstrar a um possível empregador o meu potencial na prática e assim conseguir uma vaga no mercado de trabalho”.

“Durante o período de desemprego sentia-me impossibilitada de conquistar os meus objetivos, queria ter um lugar, fazer parte, ser útil e nada disso parecia possível”, conta Danila. A participante esteve duas vezes no Projeto Click. Na primeira, não correu tão bem, porém, admite que, mesmo assim, algo em si se tornou diferente. “Da primeira vez que fui chamada

eu não me senti adequada ao local para onde fui e não quis ficar lá. Mas ao fim da experiência senti a diferença em mim, senti que era mais forte e tinha o apoio de pessoas sinceramente interessadas em me ajudar a encontrar uma vaga em que me pudesse adequar”.

Porém, o Click vai mais além do trabalho e de encontrar um emprego. Para muitos participantes, significa autoconhecimento. “Eu andava à procura do meu eu e foi no Click que encontrei”, conta Carla Teixeira. António Reis Pereira concorda ao ressalvar que é preciso olhar mais além da integração no mercado de trabalho. “Se colocarmos umas lentes mais amplas, podemos perceber que se trata de um processo de desenvolvimento integral já que são trabalhadas as várias vertentes do Ser humano. É neste processo evolutivo que o Click faz a diferença na vida das pessoas que, além de um trabalho, levam também competências para a vida inteira. O foco é sempre no desenvolvimento e bemestar de cada pessoa”.

A história de Danila não termina na primeira vez que tentou estar no projeto. Não desistiu e conta que tentou o Click mais uma vez. “Da segunda vez o meu ex-marido foi chamado a participar e não aceitou”. Aí, pediu o contacto da técnica do projeto e perguntou se podia ir ao invés do mesmo. “O projeto nunca me dececionou, muito pelo contrário. Tenho um enorme carinho pelo projeto, porque depois de passar por muitas situações (comuns a quem está desempregado) eu vi uma mão amiga que me ensinou a ir atrás dos meus objetivos. É um movimento que se sente, eu consegui e minha vida mudou. Emociono-me ao falar disso, não foi imediato, nem foi fácil, mas foi com apoio e carinho de profissionais que eu tive o privilégio de conhecer e a quem hoje chamo, com muito respeito, de amigos. A minha vida não é perfeita, mas não há comparação, nada me falta, eu trabalho, estudo, tenho a liberdade que eu antes sonhava”.

“Eu adoro o que faço, o Click ajudou-me a ser feliz na vida. E se outras pessoas derem oportunidade ao Click e quiserem ser felizes, o mundo seria muito mais feliz”, acredita Carla Teixeira. ▪

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Lançamento do nº55 da Revista Rediteia: Migrações

Por Armandina Heleno

No âmbito do Seminário final do Projeto Conselho Local de Imigrantes (que decorreu no dia 7 de dezembro, em Lisboa), onde foram apresentados os resultados deste projeto, teve lugar o lançamento do número 55 da Revista Rediteia. Este foi um momento privilegiado para este efeito, pois é de imigrantes, emigrantes, requerentes de asilo, etc., ou seja, é de fluxos migratórios, de migrações, que falamos. É este o tema da Revista Rediteia (Revista de Política Social) que tem uma periodicidade anual e é promovida pela EAPN Portugal, sendo cada número dedicado a um tema.

É nosso propósito que esta Revista seja potenciadora de um espaço de análise e reflexão de várias temáticas relacionadas com as questões da pobreza e da exclusão social e constitua um importante instrumento de informação para todos os que trabalham ou se interessam por questões da área e/ou política social. Pretendemos que esta publicação reúna diferentes opiniões e perspetivas de peritos de âmbito nacional e internacional, e de diferentes quadrantes do domínio social e económico, garantindo assim uma heterogeneidade de pontos de vista e uma informação isenta, credível e multifacetada.

Neste âmbito, é nossa intenção abordar a temática selecionada numa perspetiva interdisciplinar e intersectorial, de forma a dar conta da complexidade dos fenómenos que o tema envolve, dando igualmente voz às Organizações que desenvolvem trabalho nestes domínios.

Antes da intervenção de alguns dos autores dos artigos deste número da Revista presentes no seu lançamento, foi feita uma contextualização, dentro da intervenção da EAPN Portugal, sobre a escolha do tema para o número de 2023.

A EAPN Portugal está atenta ao contexto atual e à importância e impacto que os fluxos migratórios estão a ter na nossa sociedade e aos desafios que nos colocam, não só ao nível do Estado, mas à sociedade em geral e ao cidadão comum em particular. Esta temática tem vindo a ser trabalhada pela nossa Organização há vários anos e em vários contextos. Quer pela parceria em projetos nacionais e europeus (ex. em 2010 o Projeto “Violence em Transit” e um outro sobre “Tráfico humano e mendicidade forçada”), quer pela participação em grupos de trabalho (nacionais e europeus), quer ainda pela colaboração com entidades públicas responsáveis por esta área.

Exemplos mais recentes desta colaboração, salientamos:

1 Em 2021 a organização, com o ACM, de um conjunto de Webinars em que demos a conhecer Programas de Recolocação e Reinstalação, dando voz a ONG para apresentarem práticas locais de Acolhimento;

2. A realização de um vídeo com testemunhos de imigrantes: “Portugal é que me escolheu” (disponível no nosso canal de Youtube);

3. Campanhas de sensibilização, com destaque para uma Campanha contra o discurso de ódio onde os grupos visados eram imigrantes e cujo objetivo era desconstruir preconceitos /atitudes / comportamentos / discursos xenófobos.

Algumas destas atividades referidas surgem no âmbito da Semana da Interculturalidade, evento que a EAPN Portugal promove desde 2014 e cujo objetivo é “apostar na interculturalidade”, pois fazê-lo “é acreditar que se pode aprender e enriquecer através do diálogo e da convivência com o outro”. Esta iniciativa decorre normalmente na primeira semana de abril, com atividades diversas por todo o país e que contou em 2023 com a parceria e apoio do então Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e da Organização Internacional para as Migrações Portugal (OIM). Focando-nos na Revista, o resultado final apresentado reflete parte do plano editorial delineado, tendo sido convidadas várias entidades públicas e privadas (da academia, organismos públicos, peritos nesta área, organizações de terreno, etc.). Destes convites resultaram 16 artigos, a saber:

1 Mercadoria humana – sensibilizar para prevenir e combater o tráfico de seres humanos

- Ana Figueiredo Rodrigues | Saúde em Português

2 Condições de pobreza nos imigrantes indocumentados em Portugal

- Cecília Menduni Luís | CRIA-ISCTE

3 Políticas e Práticas – Inspiradoras e inovadoras com imigrantes

- Elisete Diogo, Raquel Melo | IPP de Portalegre

4 O Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS) e Migrações: uma relação em devir?

- Elizabeth Santos, Joana Ribeiro |Observatórios sobre a Pobreza da EAPN Portugal

5 O impacto da mediação intercultural em sociedades diversas

- Farhana Akter, Lara Fraga, Marina Bertolami | Associação Renovar a Mouraria

6. Qual o papel do ACNUR no apoio às pessoas refugiadas, requerentes de asilo, deslocadas e apátridas?

- Joana Brandão | Portugal com a ACNUR

7 Migrantes – legislação e serviços disponíveis em Portugal

- Joana Carvalho | EAPN Portugal

8. Imigração e tráfico para exploração laboral

- João Miguel Carvalho | CIES – ISCTE

9 Fundão, Terra de Acolhimento

- João Mota | Centro de Migrações do Fundão

10 O Combate ao tráfico laboral de imigrantes

– Redes de Tráfico e a Autoridade para as Condições do Trabalho

- Maria Fernanda Campos | Inspetora Geral da ACT

11 Factos e Mitos sobre a Protecção Internacional

- Mónica Oliveira Farinha, Tito Campos e Matos | Conselho Português para os Refugiados

12 Um Retrato da Imigração na Cidade de Lisboa

- Nélia Catarina Neves | EAPN Portugal – Projeto Conselho Português de Imigrantes

13 Acolhimento de Menores Não Acompanhados – desafios e boas práticas

- Paula Pio | Departamento de Inovação Social e Migrações da Mutualista Covilhanense

14 Contributos para a inclusão de mulheres imigrantes sob a lente de género

- Sofia Bergano | IPP Bragança

15 As políticas públicas sobre Migrações e Integração em Portugal – O papel do Alto Comissariado para as Migrações na sua

conceção e implementação

- Sónia Pereira, Cristina Casas | ACM (AIMA)

16 O Papel da Organização Internacional para as Migrações – Agência das Nações Unidas – no acolhimento e integração de migrantes em Portugal

- Vasco Malta | Chefe de Missão OIM

Nem sempre é possível que todos os convites endereçados obtenham um acolhimento favorável, no entanto ficámos muito agradados com o resultado, agradecendo não só aos que não puderam estar presentes no seu lançamento, mas sobretudo, porque estiveram presentes nesse dia, à Dra. Cecília Menduni, ao Dr. João Miguel Carvalho (ambos do ISCTE), ao Dr. João Mota (Centro de Migrações da Câmara Municipal do Fundão), à Associação Renovar a Mouraria (representada pela Dra. Lara Fraga).

Durante as suas intervenções, os autores fizeram uma breve incursão pelo tema sobre o qual escreveram, situando a problemática à luz do contexto atual, partilhando o seu know how, as suas reflexões e as suas práticas de intervenção. Agradecemos uma vez mais aos autores e convidamos todos os interessados neste tema a ler os artigos compilados nesta publicação. Acreditamos que são um importante contributo para uma melhor compreensão e uma maior consciência social e política dos desafios que representa a inclusão dos cidadãos migrantes, tanto no nosso país como a nível europeu. ▪

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Integrar é sentir que estamos em casa

Por Nélia

Neves, Projeto Conselho Local de Imigrantes

“Talvez sejamos todos imigrantes Trocando uma casa por outra

Primeiro, deixamos o útero para apanhar ar Depois os subúrbios pela cidade imunda a procura de uma vida melhor

Acontece que alguns de nós acabam por deixar países inteiros”

Rupi Kaur, O sol e as suas flores, 2018

Quando a equipa técnica do projeto Conselho Local de Imigrantes perguntou aos conselheiros do mesmo, o que para este grupo os fazia sentir integrados na Cidade de Lisboa, houve uma resposta unânime, “estar integrado é sentir que estou em casa”. O que é preciso para sentir que estamos em casa? Segurança, laços comunitários e comunidade, habitação, estabilidade, serviços públicos, emprego, educação e saúde. São alguns dos fatores imprescindíveis para sentir que se desenvolvem raízes para crescer e florescer no lugar em que escolhemos para construir o nosso futuro.

O projeto Conselho Local de Imigrantes é cofinanciado pelo POR Lisboa através do Fundo Social Europeu e é gerido pela Rede DLBC Lisboa – Associação para o Desenvolvimento Local de Base Comunitária e promovido pela EAPN Portugal/ Rede Europeia Anti-Pobreza.

Tendo como território de intervenção o Centro Histórico Ocidental, o projeto interveio maioritariamente junto de organizações sociais que acompanham a população Sul Asiática. Em recorde histórico, o número de imigrantes com autorização de residência em Portugal ultrapassou um milhão (1,087,995 pessoas imigrantes), um aumento de 306,000 face a 2022, não contando com as 154,000 autorizações de residência CPLP. No total temos cerca de 1,3 milhões de cidadãos estrangeiros com autorização de residência em Portugal. Perante este número crescente de população estrangeira, é necessário conhecermos os desafios e as experiências vividas das pessoas imigrantes que escolhem Portugal para construir o seu futuro.

Apesar de existirem divergências culturais e religiosas, rapidamente captamos que uma grande parte das dificuldades sentidas pela população imigrante é transversal, independentemente do seu país de origem.

Assim, o projeto que tinha como eixo central identificar as maiores necessidades sentidas pela população imigrante, apresenta os seguintes temas como desafios que têm de ser dialogados em articulação com diversos stakeholders e os próprios imigrantes.

Acesso à Habitação

· Empregabilidade e salários dignos

Reconhecimento de Qualificações

Integração a partir da pertença comunitária

Acesso a serviços públicos e funcionamento destes

Acesso à Saúde

· Acesso à Educação

Conhecimento da língua portuguesa

· Conhecimento da agenda cultural e política

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PARTICIPAÇÃO

O coração deste projeto construiu-se com o envolvimento e a participação da população imigrante. Para chegar a esta população, procurou-se criar laços com entidades públicas e organizações de terreno que resultaram em parcerias formais 1

As associações de imigrantes são espaços privilegiados de organização cultural, comunitária e de participação, nas quais as pessoas não são meras destinatárias, mas atores intervenientes na defesa dos seus direitos e na promoção das condições de bem-estar social. À medida em que a equipa técnica foi conhecendo os utentes de diversas associações, presenciamos como estes falavam carinhosamente sobre os técnicos de acompanhamento e se referiam à associação como uma segunda casa. Este contato evidencia o impacto que o trabalho articulado e consistente tem nas comunidades.

A dedicação não parou por aqui. No grupo que compõe o Conselho Local de Imigrantes, onde participam sete jovens imigrantes do Bangladesh, Sri Lanka, Guiné Bissau e Nigeria, a equipa do projeto teve a oportunidade de ouvir e discutir as dificuldades, necessidades e opiniões sobre os fatores que mais afeta o seu dia a dia para construir recomendações de políticas públicas. Apesar de existirem desafios de extrema preocupação com a habitação, já que uma grande parte das pessoas imigrantes vivem em quartos com a família (parceiro(a)/filhos), quartos partilhados, sofreu de despejos, vivem com baixos salários, barreiras linguísticas e procedimentos burocráticos longos, a maioria deseja ficar em Portugal na procura por um futuro melhor e mais seguro para eles e para os seus filhos.

As Assembleias Participativas foram outro momento em que os dilemas e preocupações trazidos pelos conselheiros durante as reuniões do Conselho Local de Imigrantes. Estes momentos de discussão e partilha proporcionaram uma oportunidade única de juntar as comunidades imigrantes com a política local, académicos, organizações sociais e outros especialistas e propor políticas públicas conjuntamente.

A VOZ DOS IMIGRANTES

A construção de recomendações de políticas públicas serve para garantir a consagração dos direitos fundamentais previstos na legislação nacional.

Construir políticas públicas com foco na participação daqueles que estão mais vulneráveis à violação de direitos é imprescindível. Durante os últimos três anos o projeto esforçou-se para criar articulações que juntassem vozes de várias comunidades. A manifestação das necessidades expostas garantiu que as comunidades imigrantes tivessem acesso a sessões de informação sobre esses mesmos temas. Os temas percorridos foram variados e abordaram dúvidas como os direitos do trabalhador, acesso à saúde em Portugal, um conhecimento mais aprofundado de serviços públicos como a segurança social e o IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P, através da realização do projeto.

Para saber mais, por favor consulte a página da EAPN Portugal onde pode encontrar o Manual de Políticas Públicas do Conselho Local de Imigrantes. ▪

1 No âmbito do projeto foram criadas parcerias com as seguintes organizações: A. Associação Lisbon Project; B. NIALP – Intercultural Association Lisbon; C. Associação GAT – Grupo de Ativistas em Tratamento; D. CEPAC

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– Centro Padre Alves Correia; E. Casa do Brasil de Lisboa; F. Renovar a Mouraria; G. CRESCER - Associação de Intervenção Comunitária; H. ACM – Alto Comissariado para as Migrações; I. OIMOrganização Internacional para as Migrações; e J. CIG - Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.
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55+, ENVELHECER NÃO É SÓ SORTE, É TALENTO!

Por Luísa Lacerda, 63 anos, talento 55+

O “Movimento Associação 55mais (55+)” é uma inovadora entidade de economia social (ONG) cujo conceito surge em 2018, criado por Elena Duran, na sequência de situações familiares e pretende valorizar o conhecimento e experiência de pessoas com mais de 55 anos, que por qualquer motivo ficaram desempregadas ou reformadas, mas que continuam (e querem) manter-se ativas. Pode visitar-nos em www.55mais.pt.

Dos já 5 anos de atividade evidenciam-se atualmente os mais de 3.000 prestadores 55+ nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, quase 30.000 horas de serviços realizados, 50% dos clientes fidelizados e o impacto social que daí resultou! Mas há tanto a fazer, ainda!

Através de uma plataforma humana de base digital ajudamos as “nossas” pessoas a prestar serviços de qualidade e segurança, contribuindo também para o combate ao isolamento dos idosos, problema tão sério e transversal da nossa sociedade!

Portugal é um País envelhecido, mais de 25% da nossa população tem mais de 55 anos e estão inativos. Em 2050, Portugal poderá ser o 3º país mais velho do mundo… fator assustador, mas repleto de potencial, se mudarmos a perspetiva face ao papel social destas pessoas!

Para uma pessoa com 55 anos, ou mais, sair de casa com a motivação de prestar um serviço em áreas que gosta, depois de uma vida inteira de trabalho, deverá ser um prazer, é esse o propósito!

Nesta faixa da população encontramos pessoas que nasceram numa ditadura castradora e em ambientes difíceis que os obrigaram a começar a trabalhar demasiado cedo. Vivemos mudanças que transformámos em experiência e conhecimento! Disso são exemplos a mudança de mentalidade que a revolução trouxe, conhecemos as novas tecnologias (computador, o smartphone...) e fomo-nos adaptando a tudo! Pelo meio ficaram as experiências de um passado não tão

longínquo assim como o cozinhar, o fazer costura, o falar línguas, a música, o cuidar de crianças, o cuidar dos nossos pais e avós, o cuidar de animais, o tratar dos jardins, as pequenas reparações em casa e tantos como exemplos dos serviços que prestamos!

O sair do seu ambiente de casa, onde mora sozinho em grande parte dos casos, implica socializar, interagir com outras pessoas de outras idades e com outras culturas, implica uma melhor e maior integração na comunidade e uma remuneração extra, que funciona como um complemento de reforma ou outros subsídios (muitas vezes tão baixos) e que contribui também para uma mudança de mentalidades dos jovens em relação aos mais velhos.

Não queremos ser o “já vali”, queremos sim estar ativos, ser autónomos e ter uma vida menos dependente e que nos permita contrariar doenças do foro psicológico/mental e físico.

“Tem a coragem de não te recusares ao milagre de ti próprio”, dizia um dos nossos maiores pensadores/ filósofos, Agostinho da Silva. Foi este pensamento que me proporcionou procurar soluções para a minha vida depois do acidente que sofri e que me incapacitou para a minha área profissional.

Dos quase 400 anúncios de emprego a que respondi e sem qualquer sinal positivo de ocupação, porque tinha 60 anos, o idadismo impôs-se! Uma visita à internet mostrou-me a 55+ e assim comecei as minhas “Experiências Gastronómicas” no Porto com muito sucesso assumido pelos clientes que solicitaram o serviço e finalmente eu a sentir-me útil e reconhecida! Assim continua a ser! Gratidão 55+! ▪

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SANDRA ARAÚJO

“Temos de fazer do combate à pobreza um desígnio nacional, em que todos os agentes e atores da sociedade unam esforços”

Foi em outubro de 2022 que Sandra Araújo foi nomeada Coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza. Um ano passado, foi apresentado o Plano de Ação desta estratégia. Que desafios surgiram durante este ano? Que vitórias foram alcançadas e o que ainda é preciso fazer?

Por Inês Duarte

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Desde a sua nomeação como coordenadora em outubro de 2022, quais é que foram os principais desafios que enfrentou e quais foram as vitórias?

O meu primeiro desafio quando cheguei a esta nova função foi ter de construir uma pequena equipa de três pessoas para me ajudar no trabalho, algo que só veio a concretizar-se em março de 2023. Depois, o principal desafio foi a articulação com as diferentes áreas governativas, conhecer e identificar os principais pontos fulcrais, ver quais eram as atividades em que elas entendiam que podiam dar um contributo e como é que este se podia concretizar através de medidas concretas a inscrever no plano de ação. Portanto, houve aqui um espaço de conhecimento e de diálogo.

Tem sido um trabalho interessante, a identificação das metas anuais, das fontes de financiamento, identificar os indicadores de aferição e avaliação dos resultados. Tudo isto é um processo exigente, mas é um ponto de partida para aquilo que é necessário construir.

No contexto desta estratégia, e no contexto de revisão deste plano e da elaboração do próximo plano, é um exercício muito interessante no sentido de continuar a ser alimentado e até consolidado. O mais interessante que pode advir deste alinhamento e deste compromisso político de várias áreas do governo passa exatamente por perceber os impactos que algumas medidas têm nas condições de vida e de como é que nós podemos posicionar-nos no sentido de prevenir o aumento das situações de pobreza, investindo e fazendo profundas reformas naquilo que tem a ver com o acesso a bens e serviços básicos e essenciais – como é o caso do acesso à saúde, educação e habitação.

Depois há desafios permanentes, como este compromisso político firme e transversal. E no contexto desta instabilidade política que estamos a viver será um desafio maior nos próximos meses porque independentemente do governo que venha a ser formado, é muito importante que seja dada continuidade a esta estratégia que é de curto, médio e longo prazo. Haver uma linha de continuidade no caminho que foi traçado, nas prioridades que foram definidas, nas metas que foram estipuladas e estabelecidas, é muito importante.

Há desafios maiores que também têm a ver com a forma como a própria sociedade encara a pobreza e a forma como vemos aquilo que é o nosso papel no seu combate. Desse ponto de vista, temos tido um setor social com um trabalho extraordinário no combate a situações de natureza

estrutural, na prestação de serviços importantes para a inclusão de pessoas em situação de pobreza e de exclusão social. Por isso, o trabalho de parcerias, o trabalho em rede é muito relevante. Um desafio desta envergadura não pode ser apenas combatido pela ação do governo, temos de ter uma ação conjunta. Tal como diz o Eixo 6 da Estratégia, temos de fazer do combate à pobreza um desígnio nacional, em que todos os agentes e atores da sociedade unam esforços. O combate à pobreza tem de passar por capacitação, formação, mobilização e não apenas por medidas mais paliativas ou assistencialistas. Tem de estar mais focado nestas dimensões de capacitação, empoderamento e autonomia e autodeterminação das pessoas que estão em situação de pobreza.

A EAPN Portugal considera, como disse, que a eficácia de uma estratégia como esta exige o envolvimento de todos. De que forma é que o plano de ação, em concreto, reflete este esforço?

De todas as medidas e atividades desenhadas na estratégia, algumas podem depender exclusivamente da ação do governo, mas quem as implementa, na sua maioria, é a administração pública local ou as instituições de ação social ou, até, o setor empresarial. Todo o plano está construído nesta base de participação de todos os agentes da sociedade, numa ação concertada e numa articulação forte entre estes vários setores. Não é possível conceber a Estratégia sem esta ação concertada.

A dimensão da participação dos públicos, em particular das pessoas em situação de pobreza, é algo que está também muito presente na estratégia. Gostaríamos, obviamente, que algumas medidas muito concretas envolvessem, sempre que possível, os destinatários das medidas.

A minha preocupação foi, na construção do modelo de monitorização e de avaliação da Estratégia Nacional e do seu plano, conseguir ativar a participação dos destinatários das medidas. E, nesse sentido, criámos um conjunto de encontros destinados a refletir, juntamente com as associações da sociedade civil, quais as medidas mais estruturantes e com impacto mais elevado naquilo que são as condições de vida das pessoas, definindo um relatório metodológico para construir estes processos participativos, quer no acompanhamento, quer na avaliação.

Esse roteiro foi construído em 2023 e em 24-25 a expectativa é serem desenvolvidos um conjunto de projetos piloto, com diferentes tipos de população abrangidos pela Estratégia. Considero que este é um processo diferenciador, que pode dar contributos importantes em relação ao impacto das medidas nas condições de vida das pessoas, propostas e recomendações importantes para o sistema de avaliação e para o futuro plano de ação e, no fundo, fazer uma retroalimentação para a própria Estratégia.

Por outro lado, também no Eixo 6, está previsto manter uma relação muito próxima e através de acordos de parceria com entidades várias, desde as instituições de economia social, de ensino superior, centros de investigação, empresas. Há uma dimensão muito importante de participação do setor empresarial e já tive contactos de algumas empresas que querem trabalhar de uma forma mais próxima com a Estratégia.

Estão também previstos fóruns participativos temáticos e espero trabalhar quer com os municípios, quer com as entidades sociais para os organizar. A finalidade é unir e recolher o máximo de informação que pode ser muito útil e interessante para uma revisão de meio termo da Estratégia e para alterações de medidas de políticas públicas.

O plano tem metas muito definidas e concretas. A título de exemplo, a redução da taxa de pobreza monetária para o conjunto da população para 10%, a redução da pobreza monetária para metade no grupo das crianças. Como é que se propõe a atingir estas metas tendo em conta o contexto atual português?

As metas foram definidas quando se pensou e aprovou a estratégia, num contexto diferente daquele que temos agora. Considero que as metas, mesmo sendo ambiciosas, são realistas. Mas atingi-las implica um esforço permanente de condução de políticas e de capacitação dos atores que vão realizar as políticas e a sua monitorização. Estas metas devem constituir o nosso horizonte até 2030 e tudo devemos fazer, enquanto país, para as concretizarmos. Não devemos, de todo, mediante conjunturas mais difíceis ou mais favoráveis, cair na tentação de rapidamente rever metas para baixo.

O que gostaria mesmo era erradicar por completo a pobreza, mas temos de estabelecer objetivos realistas e que consigam ser objeto de grande convergência por parte das forças envolvidas.

Relativamente aos dados que foram conhecidos na semana passada [a 27 de novembro], eles são preocupantes. Não são uma enorme surpresa, sabemos que a realidade é difícil, apesar do hiato de quase dois anos que eles têm. Tivemos uma melhoria, agora voltámos a piorar, com aumento da pobreza em quase todos os grupos etários, sendo que me preocupa sobretudo o aumento da pobreza nas crianças e nos jovens.

Em 2022 estávamos no auge da crise, tendo sido adotadas algumas medidas pelo governo, exatamente para contrariar ou minimizar esta conjuntura negativa. Algumas não tiveram a expressão que se esperava.

Existiram várias medidas em 2022, como as do programa “Famílias Primeiro”. E há outras medidas, adotadas no final de 2022, que nós não conseguimos que estejam espelhadas nos dados, como por exemplo o complemento “Garantia para a Infância”. Entrou em vigor em setembro de 2022, traduzindo-se na atribuição de um valor de 70 euros mensais a cada criança e jovem menor de 18 anos em situação de pobreza extrema.

Isto para dizer que, apesar de estes dados não serem muito positivos, é muito importante que eles sejam devidamente analisados, para percebermos o que temos de fazer mais e melhor para corrigir as trajetórias.

Já existem mecanismos previstos, para reajustamento das metas ou até para adaptação do próprio plano para as necessidades deste combate à pobreza, ou ainda irão surgir nos próximos anos?

Tem a ver com o modelo de monitorização que estamos a construir. Vamos entrar, em 2024, numa fase de perceber qual é o ponto de situação, o estado da arte do ponto de vista da concretização das atividades que foram inscritas no plano de ação. Sabemos que ele tem um horizonte de ação 22-25, e estando nós no final de 2023, quero fazer um balanço e perceber os indicadores de realização - quantas atividades foram concretizadas, qual o desvio em relação ao que foi programado e planeado. Existem três organismos envolvidos nesta monitorização. Para além da Comissão Interministerial, temos a Comissão Técnica de Acompanhamento que é constituída por todos os organismos que são responsáveis pelas medidas e atividades que estão no Plano. Neste momento, estou a construir o instrumento de recolha de informação para perceber se aquilo que estava previsto foi cumprido e quais as dificuldades e riscos no

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cumprimento das atividades. Nesta Comissão, temos três cientistas e investigadores que têm trabalhado, estudado e acompanhado estas matérias há décadas e que ajudarão a fazer o devido reporte de monitorização.

Um outro organismo é o Fórum Consultivo que vai ser agora criado. A primeira reunião será em janeiro e espero conseguir mobilizar as entidades para a implementação da Estratégia e para ajudar a recolher o máximo de informação na eficácia e eficiência das medidas, avançando com propostas e recomendações para a sua avaliação e monitorização.

Relativamente ainda ao plano de ação, é referido no texto da Resolução do Conselho de Ministros que contém medidas que já foram concluídas e outras que estão em curso, numa tentativa de agregar e congregar diferentes medidas de diversas áreas governativas. O que é que destaca como mais inovador neste plano?

Há medidas no plano que se forem implementadas conforme previsto podem ter um impacto muito importante e significativo. Como, por exemplo, a dimensão do acesso à educação, em especial à educação inclusiva. Vivemos num contexto hoje muito mais intercultural, com uma presença muito forte de comunidades estrangeiras, e temos de ter esta preocupação de garantir que todas as crianças que estão a frequentar o ensino público tenham efetivamente as mesmas igualdades e as mesmas oportunidades de aprendizagem. Há preocupações acrescidas com a inclusão destas crianças com as questões da oferta da língua portuguesa não materna, com as crianças e os jovens com deficiência, há um investimento muito grande no contexto da transição digital através de um programa que já foi lançado em 2022, a gratuitidade das creches, que será totalmente concretizada em 2024. Temos também uma aposta no Ensino Profissional, com um trabalho na sua modernização e na adequação da oferta de cursos às necessidades locais, sociais e das empresas. Há também uma preocupação com o sucesso escolar.

Há aqui preocupações importantes que vão demorar algum tempo até terem algum impacto, mas que estão a ser dinamizadas.

Na área da saúde destacaria, para além de todos os investimentos que estão associados ao PRR, as questões dos cuidados na saúde mental e da reforma do Programa

Nacional de Saúde Mental. Destaco, também, um programa de parentalidade e vigilância para todas as grávidas até ao primeiro ano de vida da criança.

É muito difícil falar de todas as medidas, que são, de certa forma, complementares e concorrem para o objetivo último. De toda a maneira, há aspetos que considero que podem ser disruptivos e que têm a ver com um projeto piloto que queremos criar já em 2024, um modelo de atendimento integrado ao nível dos municípios. As autarquias receberam a transferência desta competência, tendo desde logo a seu cargo os serviços de atendimento e acompanhamento social das famílias que estão abrangidas e apoiadas pelo rendimento social de inserção, pelos contratos locais de desenvolvimento social que são os programas que depois concretizam aquelas que são as prioridades de intervenção do plano de desenvolvimento social. No contexto destas novas competências que foram transferidas para as autarquias, temos, por um lado, um aspeto importante de proximidade, o que implica haver um modelo de intervenção integrado em interserviços, que permita identificar o técnico gestor de família, cuja função é o acompanhamento junto de uma equipa multidisciplinar.

Por outro lado, temos a ambição de criar planos locais ou intermunicipais de combate à pobreza. Claro que isto implica que haja vontade política por parte das autarquias ou das CIM, bem como a construção de um sistema de indicadores e monitorização de nível territorial, que nos permita perceber se as estratégias são ou não eficazes no combate à pobreza. Outra dimensão é a criação de fóruns locais de combate à pobreza, espaços que criem mecanismos que permitam uma participação ativa das próprias pessoas em situação de pobreza e exclusão social na vida do seu território. Os municípios têm de criar condições para que as pessoas não só sejam ouvidas, mas sejam, sobretudo, também elas próprias, atores, porque só por esta via de diálogo e de criação de modelos de governação mais democráticos é que conseguiremos reforçar as políticas públicas e atingir os objetivos preconizados.

Como podemos tornar a luta contra a pobreza um desígnio a nível europeu?

Há muitos anos que a Rede Europeia Anti-Pobreza se debate com esse problema. Andamos a tentar colocar na agenda política ao mais alto nível europeu este compromisso, o combate à pobreza na Europa. Neste momento, os estados-membros estabeleceram uma meta europeia no

Pilar Europeu dos Direitos Sociais, de reduzir a taxa de pobreza em 15 milhões de pessoas até 2030, em que pelo menos cinco milhões devem ser crianças. Portugal tem tido uma participação muito importante nos últimos anos, tendo inclusive recebido a primeira Cimeira Social do Pilar Europeu, em 2021, onde foi apresentado este plano de ação. Em 2023, houve o compromisso de se fazer uma avaliação do plano de ação do Pilar Europeu, com novo encontro aqui no Porto. Já foi definido, para 2025, haver novo encontro no sentido de se fazer esta avaliação.

Há que manter o trabalho da sociedade civil, de organizações como a EAPN, para que este trabalho de advocacy, de lobby, de influência política seja feito e para que haja motivos para colocarmos o tema do combate à pobreza no topo das prioridades em termos de agenda europeia, mas também das agendas nacionais.

QUATRO IDEIAS EM DESTAQUE

“A estratégia pode ser um elemento condutor para restabelecermos esse conhecimento humanista, transformador, sobre a pobreza e a exclusão social, assente numa compreensão mais abrangente das próprias desigualdades sociais e das causas estruturais”.

“A recomposição de uma ligação direta entre o conhecimento sobre a pobreza e ação política em todos os níveis, quer na prevenção, quer no combate à pobreza e à exclusão social”.

“A importância de redignificarmos a própria identidade das pessoas, das comunidades e dos territórios, sobretudo os que estão categorizados como vulneráveis ou desfavorecidos”.

“A importância de reforçarmos o nosso sistema de proteção social, que apesar de tudo ainda tem espaço para crescimento, o que é fundamental e determinante para garantir não só o desenvolvimento económico, mas também para garantir a própria coesão social e a manutenção das nossas democracias”. ▪

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O insuportável custo de vida

Membro do Conselho Nacional de Cidadãos da EAPN Portugal

O tema “O insuportável custo de vida” envolveu o 21º Encontro Europeu de Pessoas em Situação de Pobreza, à semelhança de ano anterior. Por razões diversas, e contrariando edições anteriores, que se realizaram em Bruxelas, este aconteceu na capital espanhola: Madrid. Nos dias 14 e 15 de novembro de 2023, reuniram-se mais de 100 pessoas de 26 países para uma partilha profícua. Todos estes elementos possuem grande lucidez sobre o tema como resultado de uma vivência efetiva do assunto aqui em causa.

Primeiro dia, 14, fomos brindados com uma manhã intensa. Quer presencialmente, quer via Zoom, e em grande parte da manhã, pudemos contar com a presença de Marie Fe Román1 Karine Lalieux2 , Olivier de Schutter3 , Marc Simón4 e Carlos Susías5 . Quais as principais mensagens que nos deixaram? Podemos enunciá-las:

• Desde 2022 que a crise se traduz pelo aumento de preços (habitação, alimentação, energia, etc.).

• Em 2023 assistiu-se a um aumento de preços de 25% face ao ano anterior.

• Temos um árduo desafio porque o custo de vida está muito elevado.

• A inflação afeta muito mais as pessoas em situação de pobreza.

• Para se resolverem os principais problemas apontados, os preços terão de ser indexados ao custo de vida, assim como, os rendimentos.

• Outra medida para a resolução das dificuldades apresentadas passa por os governantes terem de se comprometer com medidas sociais apropriadas. Os benefícios sociais devem estar em linha com o custo de vida.

• A automatização e as novas tecnologias pioram as condições de vida pois nem todos os trabalhadores têm estas aptidões necessárias.

• Documentos e pedidos digitais são muito complexos principalmente para as pessoas mais vulneráveis.

• É necessário dar voz a todos de forma respeitosa e que sejam criadas formas alternativas para que a digitalização não exclua ainda mais. É preciso suprir as lacunas do sistema, tudo tem a ver com a dignidade das pessoas.

• Há pouca participação das pessoas em situação de pobreza.

• A luta contra a pobreza é uma obrigação e não uma opção.

• É necessário acabar com as pessoas em situação de sem abrigo na Europa.

• É indispensável, para todos, o acesso aos bens básicos.

• Palavras de ordem para todos: colaboração e persistência.

1 Delegação EAPN Espanha

2 Ministro Belga das Pensões e da Integração Social

3 Relator Especial da ONU sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos

4 Adjunto do Gerente Geral da Fundação “La Caixa”

5 Presidente da EAPN Espanha e Presidente da EAPN Europa

• Ao falarmos de pobreza não se fala de estatísticas, mas sim de pessoas.

• Há muitas pessoas a esconder a pobreza.

• Criar postos de trabalho com contratos mais amigos dos trabalhadores seria também uma atitude a ter em conta para a resolução dos obstáculos apresentados.

• E por último, a defesa unanime de um rendimento mínimo, na Comunidade Europeia, que não seja diretiva, mas sim lei, para garantir as necessidades mínimas das pessoas.

Ainda da parte da manhã, mas num segundo momento, fomos capacitados sobre a importância das eleições Europeias que ocorrerão em junho de 2024.

Nesta mobilização para a mudança, eleições Europeias 2024, surge Fernando Chironda da EAPN Europa como facilitador. Através de instrumentos claros, introduziu o mote: Como podemos organizar-nos? Aqui surgem como resposta as novas narrativas (não o “eu”, mas o “nós”), estratégia (encontrar o significado do porquê e do como fazer), mapeamento (quem nos pode ajudar/elevar/erguer nas nossas preocupações), envolvimento versus ação (o que vai acontecer nalgum lugar com alguém), emoção/poder (empatia, pensamento visionário).

De relevar que é necessário ter sempre presente o sentimento de pertença, pois este é um elemento agregador que gera a força para que a mudança ocorra.

Foi-nos apresentado ainda, num diapositivo projetado, um diagrama bastante completo sobre a estrutura de como deverá ser uma organização comunitária. Este continha oito pontos essenciais à volta do poder: mudança, ação, estratégia, liderança, organização, conexões, escuta e alcance. Todos estes oito pontos foram explicados.

Já da parte da tarde decorreram cinco workshops de trabalho:

• Rendimentos adequados à crise

• Uma casa decente para todos

• Eficiência energética como condição de habitação adequada

• Medidas de emergência eficientes quer para o Verão quer para o Inverno

• Resiliência alimentar em tempos de crise

A delegação portuguesa participou no workshop “Resiliência alimentar em tempos de crise”. Elegeu este workshop

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uma vez que a sua análise para este encontro se centrou na alimentação. Como é habitual, a delegação portuguesa preparou-se profundamente sobre o tema. Os contributos de Portugal basearam-se em vivências das pessoas em situação de pobreza, constatações da realidade, e de um estudo aturado. Perante o cenário apresentado propuseram-se várias soluções a saber:

• Reforçar a proteção social, especialmente para os cidadãos mais vulneráveis. Em vez de criar medidas pontuais e esporádicas, combater a pobreza de forma estrutural e consistente. Esta abordagem é particularmente importante num período de crise;

• Ver o combate à pobreza como uma prioridade e apostar numa verdadeira participação. É, portanto, necessário envolver ativamente aqueles que sofrem mais diretamente os efeitos da pobreza e da exclusão social. Este envolvimento deve ser desenvolvido com espaços de diálogo entre os decisores políticos e as pessoas através, por exemplo, dos Conselhos Locais de Cidadãos;

• As pessoas devem ser colocadas no “centro” das políticas públicas e devem ser consideradas na sua plenitude/integridade, tendo presente as várias dimensões das pessoas;

• Olhar para o acesso à alimentação como medida preventiva de doenças mais graves a médio e longo prazo (criar apoios para facilitar às organizações e famílias a compra de alimentos mais saudáveis, bem como garantir a qualidade dos alimentos concedidos às pessoas);

• Regulação dos mercados/preços em sectores cruciais para o bem-estar das pessoas, como a alimentação, com maior controlo das margens de lucro de quem vende. Evitar aproveitamentos empresariais da situação socioeconómica atual;

• Fixação (teto máximo) relativamente ao preço dos alimentos, rendas e combustível. Deveria existir um cabaz de bens essenciais com um preço estável e que não subisse constantemente, para evitar situações de fome;

• Os lucros deveriam ser taxados, como está a acontecer em Espanha. Deveria haver uma orientação da Comissão Europeia nesse sentido. Legislação para evitar/impedir esta especulação. Assim como uma maior transparência nas taxas de IVA aplicadas. Há bens de luxo com 6% que deveriam ter uma taxa superior;

• Os dois apoios dados às famílias ( a) um no passado (120€ por pessoa) b) e às famílias vulneráveis (tarifa social) recebem 90€ trimestralmente (30€ por mês), são valores que dificilmente cobrem os custos da inflação. É importante haver medidas estruturais de resposta;

• Os impostos sobre salários acima do salário mínimo são muito elevados face ao valor a receber. As pessoas com salários baixos quando são aumentadas são muito penalizadas, por vezes, ganham menos em termos líquidos do que o salário mínimo. Não há justiça fiscal. Estas situações devem ser tidas em conta, bem como a revisão da tabela do IRS;

• Mais preocupação e dedicação do governo para enfrentar eficazmente o aumento do custo de vida dos portugueses;

• Investir mais na agricultura e pecuária de forma a não ficarmos tão dependentes dos outros países;

• Criar uma estratégia a nível europeu para que a autossuficiência seja possível neste contexto, bem como em cada um dos países;

• Avaliar a medida IVA 0 de forma séria e participativa e implementar as alterações necessárias para torná-la mais eficaz e ter um impacto real na redução do custo dos bens alimentares;

• Renegociações com produtores de alimentos

Constatou-se, no entanto, que nem todos os participantes deste workshop (delegações de diferentes países), estavam em sintonia com a nossa linha de pensamento sobre a questão.

As preocupações centraram-se a níveis diferentes e daí a presumível mais-valia. As conclusões deste grupo constarão mais à frente, neste artigo.

Após estes workshops partiu-se para uma ação de visibilidade. Todas as pessoas deste evento rumaram para Plaza del Museo Reina Sofia. Estas foram escoltadas pela polícia ao longo do percurso. Perante este aparato os transeuntes foram-se questionando e pondo-se a par dos motivos desta manifestação. Uma parte bastante importante foi a distribuição de folhetos à população. Estes folhetos pretendiam sensibilizar quanto à importância das eleições europeias em 2024. Apelavam à relevância deste direito.

Para terminar o dia seguiu-se um momento de convívio com o jantar social. Assim, as diversas delegações tiveram a possibilidade de conviver mais intensamente e fazer as suas partilhas.

Após este dia de trabalho intenso, as pessoas, que constituíam as delegações, ficaram mais capacitadas e empoderadas para colocar as preocupações encontradas, em conformidade com a maioria, aos políticos, no dia imediato.

O dia 15 alvoreceu esperançoso: dia da possibilidade de partilhar as nossas preocupações com decisores políticos. Esta ocorreu no auditório da Fundação La Caixa com a presença destacada dos Eurodeputados Portugueses: José Gusmão e João Albuquerque, a Eurodeputada Luxemburguesa: Mónica Semedo, e ainda Jiri Svarc da Comissão Europeia, e dos relatores dos 5 workshops.

Os relatores tomaram a palavra e proferiram para os decisores políticos:

• As políticas existentes não funcionam por isso é importante envolver as pessoas em situação de pobreza nessas políticas;

• As pessoas não são números, têm voz e esta tem de ser ouvida;

• Implementação do rendimento mínimo adequado na CE;

• Garantir o direito à habitação e as casas sociais devem ser de qualidade ajustáveis às diferentes necessidades;

• Eficiência energética em todas as habitações, o sistema precisa mudar!

• Relativamente à eficiência energética nas casas é necessário que o sistema se altere sendo esta mudança da responsabilidade de todos (sem medos!);

• Regular o mercado nos sectores cruciais para o bem-estar das pessoas, controlar os grandes lucros dos que vendem e apoiar os pequenos produtores e não as grandes indústrias alimentares;

• Alimentos de qualidade e água potável são um direito humano. E tudo deve começar com refeições gratuitas (sem qualquer custo para as famílias) em creches e escolas.

Perante estas exposições, todos os decisores políticos se pronunciaram. Na totalidade invocaram a importância de se votar nas eleições europeias e realçaram que eventos marcantes, como este, sempre deveriam existir.

Svarc rematou que é partidário do Rendimento Mínimo Adequado na Europa.

Apelou calorosamente ao voto nas eleições europeias porque são uma força política. E as políticas serão feitas de acordo com essa expressão de vontades. A nossa voz conta! ▪

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Projeto Opportunities

SUPERAR O ATUAL DEBATE CONTROVERSO SOBRE MIGRAÇÃO

Por Inácia Sá

Técnica do Projeto Opportunities

Nos últimos anos, observámos um aumento significativo dos fluxos migratórios em direção aos países da União Europeia. Entre 2015 e 2016, mais de 2 milhões de refugiados e imigrantes chegaram ao território europeu, via Grécia e Itália, devido aos conflitos na Síria, no Iraque, Afeganistão e ao regime ditatorial na Eritreia. Inicialmente, esse movimento migratório que suscitou uma narrativa de integração dos migrantes na política europeia conjunta, rapidamente se transformou numa narrativa de crise e desintegração. Os debates sobre migração tornaram-se cada vez mais negativos, frequentemente explorados por populistas de direita com narrativas de ódio e de medo, prevalecendo sobre narrativas de integração.

As narrativas sobre migração dizem respeito a relatórios de pesquisa, documentos políticos e outras formas de investigação sobre migrantes. Por outro lado, as narrativas de migração referem-se aos testemunhos e histórias de vida contados ou escritos por migrantes. Esta distinção entre narrativas é fundamental para a compreensão do projeto Opportunities.

Opportunities é um projeto de investigação transnacional promovido pela BEWEGING e financiada pelo Horizon 2020. Reúne diversos parceiros internacionais, incluindo organizações não governamentais (ONGs) e centros de Investigação associadas a universidades em 8 países europeus: Portugal (EAPN Portugal), Alemanha (BUW- Bergische Universitaet Wuppertal), Áustria (IFZInternationales Forschungszentrum für Soziale und Ethische Fragen), Bélgica (UGent- Universiteit Gent ; KVS Brussels), França (GRDR- migration, citoyenneté, développement), Itália (CNCA- Coordinamento Nazionale Comunità di Accoglienza), Países Baixos (EUR- Erasmus Universiteit Rotterdam)e Roménia (TON-Fundatia The Open Network for Community Development), além de 3 países africanos: Gana (University of Ghana), Senegal (UGBUniversité Gaston Berger de Saint Louis) e Mauritânia (GRDR- migration, citoyenneté, développement).

Este projeto tem como objetivo superar o atual debate controverso sobre migração, direcionando-o para um diálogo mais construtivo baseado em novos princípios para um diálogo justo sobre a migração e uma integração bemsucedida. Estes novos princípios compõem o que chamamos de “campo de narrativa justa”. A nossa abordagem propõe, aplica, avalia e defende a “narração justa” no contexto do debate sobre migração.

Objetivos e Pacotes de trabalho

Este projeto envolve diversos parceiros, cada um com equipas responsáveis por diferentes pacotes de trabalho (WP).

A Equipa Azul (WP 1) lidera a gestão do projeto, a administração financeira e a elaboração de relatórios para a Comissão Europeia, assegurando a conformidade com as diretrizes de igualdade de género. A Equipa Rosa (WP 2) analisa narrativas nos meios de comunicação, fornece orientações teóricas e auxilia no desenvolvimento da metodologia do projeto, colaborando com todas as equipas. A Equipa Castanha (WP 3) é responsável pelo desenvolvimento da metodologia das cross talks. A Equipa Vermelha (WP 4) investiga e analisa as atitudes dos cidadãos em relação à migração. A Equipa Verde (WP 5) concentra-se no estudo das narrativas de migração nos meios de comunicação de países europeus e africanos. A Equipa Amarela (WP 6) coordena as sessões das cross talks, promovendo encontros entre migrantes, cidadãos e stakeholders em vários países. A Equipa Laranja (WP 7) tem como missão promover novas narrativas sobre migração através da arte e teatro itinerante. A Equipa Roxa (WP 8) desempenha um papel essencial na disseminação do projeto, expandindo o conhecimento académico através de atividades como palestras e publicações, além de divulgar os resultados das cross talks através de formatos artísticos, como curtas-metragens e exposições. Esta organização da parceria tem potenciado o desenvolvimento do projeto e o cumprimento dos seus objetivos, para além de ser facilitadora do trabalho desta extensa rede de parceiros. Na operacionalização do projeto ao nível nacional a EAPN Portugal tem um papel mais direto na realização das cross talks e na potenciação dos seus resultados através da arte para alcançar um público mais vasto.

Cross Talks, um método inovador para criar um diálogo justo

As cross talks são um método inovador que estabelece o cenário para eventos públicos que promovem encontros interculturais entre migrantes, cidadãos e partes interessadas, reunindo pessoas com e sem experiência pessoal de migração. Estes eventos oferecem experiências desafiadoras a todos os participantes, pois eles exigem que estejam dispostos a envolverem-se num diálogo, ouvir atentamente e estarem abertos a mudanças.

As cross talks introduzem um conjunto de regras e procedimentos que visam assegurar um diálogo justo entre todos os parceiros de conversa, estabelecendo assim um campo de narração justa em nível local.

O método cross talks utiliza histórias baseadas em entrevistas semiestruturadas, nas quais os participantes partilham as suas experiências de migração, as suas aspirações e sobre como gostariam de viver juntos. Essas histórias são lidas em voz alta nos eventos das Cross talks, não pelos migrantes em si, mas pelos stakeholders e viceversa. Esta prática atende a dois propósitos fundamentais. Primeiro, coloca em prática o campo de narração justa, ao dar atenção às experiências e perspetivas, que, de outra forma, poderiam passar despercebidas. Segundo, a leitura pública da história de outra pessoa cria um confronto entre a própria experiência e a do outro, o que pode levar ao reconhecimento e aceitação, que são necessários para focar no que todos têm em comum. A troca de histórias cria a atmosfera ideal para desenvolver as condições para um diálogo justo sobre migração.

Em Portugal, a EAPN optou por envolver jovens migrantes a estudar e/ou a trabalhar no país.

Cross Talks em Portugal

A EAPN Portugal organizou duas sessões de cross talks. A primeira decorreu a 20 de abril de 2023, conduzida em português, com duração de 4 horas. A segunda decorreu a 31 de maio de 2023 e foi conduzida em inglês, com duração de 2 horas. Ambas as sessões contaram com a participação de diversas entidades públicas, incluindo a Câmara Municipal de Lisboa, o Comando Metropolitano da PSP de Lisboa e o Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Além disso, contámos com a participação da Organização Internacional para as Migrações (OIM), e de diversas associações, tais como a DLBC - Desenvolvimento Local de Base Comunitária, a Associação Integrar Diligente, Associação Bairros - Rede de Desenvolvimento Local e a empresa Mapa das Ideias. Investigadores da Universidade de Lisboa e do ISCTEInstituto Universitário de Lisboa também participaram das sessões. Estiveram igualmente presentes participantes do projeto provenientes do Brasil, Guiné-Bissau, Angola, Iraque e Nepal, assim como membros da equipa da EAPN Portugal e da equipa do Projeto.

No total, 30 pessoas, entre stakeholders, migrantes e audiência, participaram nestas sessões.

Pretendia-se com estas sessões a partilha das histórias dos migrantes e dos stakeholders, assim como o debate, a análise e a reflexão sobre os principais desafios enfrentados pelos migrantes em Portugal, bem como receber propostas e recomendações sobre como minimizar alguns destes desafios

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e promover uma integração mais bem-sucedida dos migrantes. Para ajudar na preparação das sessões, foi elaborado previamente um documento metodológico com o plano de sessão e as várias questões-chave a serem colocadas. As sessões iniciaram com a apresentação do projeto Opportunities, incluindo os seus objetivos e o processo da metodologia das cross talks. Além disso, foi realizada uma dinâmica de apresentação com os participantes para estabelecer um ambiente de confiança.

Durante as sessões foram partilhadas 16 histórias, sendo 10 de migrantes e 6 de stakeholders. As histórias que foram lidas e debatidas focaram-se nas aspirações dos migrantes, nas suas expetativas e os passos que estão a dar para alcançar os seus objetivos, bem como nas dificuldades que enfrentam em Portugal enquanto migrantes. Foram, igualmente, lidas e discutidas as histórias dos stakeholders, que expressam as suas visões sobre uma sociedade mais inclusiva e tolerante.

Após a leitura das histórias, procurámos pontos comuns entre as histórias para um diálogo posterior. Esta etapa tinha como objetivo identificar os desafios e experiências compartilhadas pelas histórias dos migrantes e dos stakeholders. Ao encontrar os pontos em comum, foi possível promover um diálogo mais significativo e construtivo entre todas as partes envolvidas. A identificação destes desafios possibilitou a formulação de possíveis soluções e recomendações de políticas públicas para uma integração mais bem-sucedida dos migrantes em Portugal.

Cross Talks em outros países

As cross talks foram criadas com o objetivo de estabelecer um diálogo justo sobre a migração a nível local e foram desenvolvidas em diversos países, incluindo a Itália, Roménia, Áustria, França, Portugal, Bélgica, Senegal, Gana, Mauritânia, com o intuito de estabelecer uma narrativa mais inclusiva sobre a migração. Estas conversas envolveram diversos stakeholders, como representantes de partidos políticos, funcionários públicos, investigadores, professores, assistentes sociais, bem como migrantes de diversas origens, como refugiados, requerentes de asilo e imigrantes em situação regular e irregular.

As sessões das cross talks apresentaram algumas variações de país para país. Alguns realizaram apenas uma sessão, enquanto outras organizaram múltiplas. As histórias foram também apresentadas de diversas formas, com alguns países optando por leituras feitas pelos moderadores, enquanto outros envolveram os stakeholders e os migrantes. Em algumas ocasiões, a ausência da audiência ou

não comparência dos migrantes foi observada. É relevante ressaltar que algumas das histórias compartilhadas evocaram emoções intensas.

Os benefícios das cross talks são notáveis. Elas proporcionam uma visão autêntica das vidas de outras pessoas, promovem a diversidade de experiências de vida, incentivam a empatia e estabelecem um terreno fértil para o diálogo.

As cross talks demonstraram ser um método promissor, ainda que intenso e exigente, suscetível a variações e adaptações, e com um grande potencial para unir diferentes perspetivas, experiências e até “mundos” distintos. Estas conversas proporcionaram um espaço acolhedor e inclusivo para a troca de ideias, onde todos podiam expressar livremente as suas perspetivas individuais e coletivas, promovendo a compreensão mútua e, por conseguinte, a coexistência harmoniosa numa sociedade multicultural.

Eventos públicos e culturais

Após a conclusão das cross talks, o projeto entra numa nova fase, que consiste em divulgar os resultados para o público externo. Nesse sentido, estamos a preparar uma exposição que apresentará 20 histórias de migrantes, bem como as suas recomendações de políticas públicas, em diversos formatos, incluindo texto, áudio e vídeo.

A exposição será lançada em Lisboa, de 10 a 28 de fevereiro de 2024, na Biblioteca Palácio das Galveias. A entrada será gratuita, permitindo assim um amplo acesso ao público. A inauguração da exposição será acompanhada por um debate no mesmo local.

O nosso objetivo é levar esta exposição a outros territórios de modo a expandir o alcance deste projeto, para partilhar as narrativas dos migrantes com um público ainda mais diversificado. Isso permitir-nos-á construir conhecimento mais substancial e estruturado sobre questões de grande relevância para o trabalho da EAPN Portugal. ▪

Para conhecer melhor o Projeto Opportunities:

Facebook:

https://www.facebook.com/projetopportunities

Instagram:

https://www.instagram.com/projetopportunities/ Página Oficial do Projeto: https://www.opportunitiesproject.eu/

Ficha Técnica

FOCUSSOCIAL Revista semestral | dezembro de 2023

Diretor Agostinho Cesário J. Moreira

Subdiretora Maria José Vicente

Editora Inês Duarte

Conselho editorial Fátima Veiga, Joaquina Madeira, Maria José Vicente, Elizabeth Santos e Inês Duarte

Fotografia Inês Duarte, Maria Cecília Monteiro, Projeto 3ESC.E8G, Projeto

Redes na Quint@ E8G, pxhere.com, Inácia Sá, Nélia Neves, 55+, EAPN Europa

Infografia Observatório Nacional de Luta

Contra a Pobreza

Capa Montagem Fotográfia - makeup design Design e paginação makeup design | augusto pires©

Sede da redação/editor Rua Costa Cabral, 2368, 4200 – 218 Porto | Tel: +351 225 420 804

E-mail redação: comunicacao@eapn.pt

Site: www.focussocial.eu

Apoio administrativo: Paula Amaral

Apoio à edição Paulo Sérgio Santos

Redação comunicacao@eapn.pt

Propriedade EAPN Portugal

NIF: 502866896

Periodicidade semestral

Depósito legal ???????????

ISSN 2182-1224

Nº Registo ERC 126146

Preço 5€

Tiragem 2.000 exemplares

Impressão Sersilito-Empresa Gráfica, Lda.

Os textos escritos ao abrigo do anterior AO são da responsabilidade dos seus autores.

Todos os artigos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores, não coincidindo necessariamente com a opinião da direção da EAPN Portugal, promotora deste projeto editorial.

Estatutos Editoriais: A FocusSocial é uma revista especializada em economia social; defende a liberdade de expressão e a liberdade de informar, bem como repudia qualquer forma de censura ou pressão, seja ela legislativa, administrativa, política, económica ou cultural; é uma revista com convicções, mas independente de todos os poderes, manifestando esse espírito de independência também em relação aos seus eventuais apoiantes; entende que as publicações de natureza informativa devem ser independentes porque só assim cumprem a sua função essencial perante a sociedade; participa no debate das grandes questões que se colocam à sociedade portuguesa na perspetiva da construção do espaço europeu e de um novo quadro internacional de relações, no que concerne às políticas sociais; é responsável apenas perante os leitores, numa relação rigorosa e transparente, autónoma do poder político e independente de poderes particulares; entende que é determinante dar visibilidade ao trabalho efetuado pelas organizações não-governamentais, numa perspetiva independente e objetiva, divulgando boas práticas; tem e terá presente os limites impostos pela deontologia dos jornalistas, pela ética profissional e pelo Código Deontológico do Jornalista; inscreve-se numa tradição europeia de jornalismo exigente e de qualidade, recusando o sensacionalismo e a exploração mercantil da matéria informativa.

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