Edição N.º 1654

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Diário do Alentejo 3 janeiro 2014

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e do Mar já fez aprovar um novo despacho da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, que entrou em vigor no primeiro dia de 2014, na quarta-feira passada, já depois da realização desta matança. De acordo com este novo despacho, “a autorização da matança de animais fora dos estabelecimentos aprovados nos termos do presente despacho não pode comprometer o respeito pelas regras aplicáveis à garantia da saúde pública e da proteção animal, designadamente as relativas ao bem-estar dos animais durante o abate”. Pode ainda ler-se, no despacho que entrou em vigor, que “importa também criar as regras sanitárias para a matança dos animais fora dos estabelecimentos de abate quando é efetuada em eventos ocasionais, mostras gastronómicas ou de caráter cultural para a manutenção de tradições rurais, como a matança tradicional do porco e ainda, em situações que as refeições são servidas ao consumidor em ambiente familiar, como as servidas em casas de campo e empreendimentos de agroturismo, classificados como empreendimentos de turismo no espaço rural e nos empreendimentos de turismo de habitação”. Assim passou a determinar-se, entre outros aspetos, que “é autorizada a matança para autoconsumo de bovinos, ovinos e caprinos com idade inferior a 12 meses, de suíno, aves de capoeira e coelhos domésticos, desde que as carnes obtidas se destinem exclusivamente ao consumo doméstico do respetivo produtor, bem como do seu agregado familiar”, e desde que respeitadas determinadas condições. Entre outras, determina-se, por exemplo, que “as explorações não estejam sujeitas a restrições sanitárias e se encontrem registadas de acordo com a legislação em vigor”, que “os animais estejam identificados de acordo com a legislação em vigor” e que “os animais utilizados não tenham sofrido um acidente e não sofram de perturbações comportamentais, fisiológicas ou funcionais”.

O despacho informa ainda, por exemplo, que “é aconselhável e pode ser solicitado o exame sanitário efetuado por médico veterinário” e que “é expressamente proibida a comercialização ou a cedência por qualquer forma das carnes obtidas nestas matanças”. Hélder volta a frisar que “está é, sobretudo, uma reunião familiar. Uma reunião que se repete anos após ano. Que sempre assim foi e que é uma tradição”. “Não vendemos a carne, é para consumo próprio”, diz uma e outra vez. “Quando era mais novo via os homens a fazer, depois comecei a ajudar. Chegou a altura em que os velhotes já não podiam fazer e tivemos de ser nós. De seguir. E agora pronto, sabemos fazer e fazemos”, conta ainda Hélder Ramos. Também Maria de Jesus assim o fez. “Isto a bem dizer não se ensina. Ninguém me ensinou. Somos nós as mulheres que tratamos, por exemplo, das tripas. Tiramos a parte do rissol. Lavamos, tratamos de toda esta parte e ninguém nos ensinou, começámos a observar e depois foi fazer”. Entretanto Herculano e Manuel Luís

“Desde crianças que estamos habituados a fazer isto. Faz parte de nós. Criamos os animais depois eles servem para o nosso sustento, para o sustento da família. Até que ainda seja permitido. Qualquer dia deixa de ser”.

abandonam o canteiro e procuram o sol. Passam ao lado do bicho, que ali jaz, enquanto os homens se preparam para o chamuscar com um maçarico. Encostam-se a uma parede branca também imaculada, que os protege do vento frio. “Antigamente era chamuscado com um arbusto: um tojo”, diz Manuel Luís. “Cheguei a matar mais de meia dúzia só num dia. Matava e seguia para outro. No tempo em que na aldeia era assim. Agora já não. Já não é nada assim”, recorda o homem. Herculano confirma. A pele do animal está queimada e os homens raspam enquanto está quente. Mais água e a mangueira novamente ao serviço. Mulheres de um lado, homens do outro e só os cães, de seu nome “Pincel” e “Barbacinha”, se atrevem a frequentar ambos os lados. O animal está pronto para ser aberto. As tripas são separadas, com todo o cuidado para não rebentarem, e depois são as mulheres que se encarregam da sua lavagem. Começa todo o processo de desmanche e, segundo os homens, “tudo se aproveita”. Uma machadada, outra. Mais outra e o porco em pedaços. Sobre uma chapa de metal repousam brasas e sobre as brasas uma grelha aquece. Na cozinha o sangue, em vinagre e alho, já está ao lume e o cheiro é intenso. “Não é toda a gente que gosta da moleja, mas mesmo quem não gosta às vezes tem de provar, é tradição”, conta Antónia de Jesus. Voltando ao despacho, a quantidade máxima de animais que podem ser abatidos, por ano, para autoconsumo, no que diz respeito aos suínos, é de três. A mesa põe-se e já há carne sobre as brasas. Na mesa azeitonas, pão e vinho. Os homens continuam a festa, as mulheres fazemna do outro lado. Até na altura de comer pouco ou nada se misturam. Durante a matança houve apostas. “Qual o peso do animal?”. Oitenta e cinco, 95, 90, 100. Foram os números lançados, mas ninguém acertou. Oitenta, era este o seu peso certo.


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