Diário da Cuesta

Manuel Bandeira (19/04/188613/10/1968) foi um dos mais importantes escritores da Primeira fase do Modernismo e um dos pontos mais altos da poesia lírica nacional. É considerado um clássico da literatura brasileira do século XX O poema “Vou-me Embora pra Pasárgada” é um dos seus mais famosos poemas. Foi também professor de literatura, crítico literário e crítico de arte. Ocupou a cadeira n.º 24 da Academia Brasileira de Artes.
Maria De Lourdes Camilo Souza
“Ói ói o trem
Quem vai chorar
Quem vai partir
Vem surgindo detrás das montanhas
Ói ói o trem
Vem trazendo de longe as cinzas do velho éon
Ói já vem fumegante apitando
Os que sabem do trem
Ói é o trem
Não precisa passagem, bagagem
Quem sabe do trem.
Pois o trem está chegando
Está chegando na estação.
É o trem das 7 horas
É o último do sertão
Do sertão
Ói olha o céu
Já não é mais o mesmo
Vê, ói o céu
Já não é mais o que você conheceu
Não é mais
Vê ói que céu é um céu carregado, rajado suspenso no ar.
Vê é o sinal
É o sinal das trombetas e dos guardiões
Ói lá vem Deus
Deslizando no céu
entre brumas de mil megatons
Ói olha o mal vem de braços abraços com o bem num romance astral
Amém
Raul Seixas
Foi assim que numa dessas manhãs chuvosas, escutei encantada o barulho do trem.
Parei o que estava fazendo para ouvir aquele som da minha infância.
Ouvi mesmo morando tão longe da estação. Comentei de mim para mim : “Ói ói o trem”
Sorri lembrando da música do Raul Seixas, o trovador das estrelas.
Mergulhei nas lembranças, a excitação da viagem, o barulho longo do apito, em seguida, o trem partindo como tão bem conseguiu Villas Lobos transpor para a música. Algum tempo depois, procurando por alguma informação no Google, vi algo estranho, que não consegui confirmar de pronto.
Vi as fotos do Papa Francisco e do Papa Bento XVI e uma notícia sobre sua morte aos 96 anos.
Mais tarde se confirmou como fake.
Justo neste mês 9, que outra personalidade importante também partiu : a Rainha Elizabeth da Inglaterra, aos 97 anos. A mente já uniu os fatos, e o barulho do trem voltou aos meus ouvidos.
Ao reler a letra da música do Raul, mesmo sem querer me fez lembrar daqueles videntes de plantão e seus prognósticos, anunciando os dias e as coisas que virão, prenunciando um Apocalipse para os próximos dias, ou seriam anos?
“Ói ói o trem
É o último do sertão “
Lembrando que para pegar esse trem não precisamos de passagem nem de bagagem...
Não escolhemos nem a roupa, podemos até ir de pijamas, como no trem fantasma do Natal.
Aquele que passava de madrugada, na rua detrás da casa daquele menino, em busca dos presentes do Papai Noel. Não sabemos a hora que vai passar, ou a quem iremos encontrar sentado em seus bancos.
O destino sabemos que seguirá até aos céus e lá veremos o bem e o mal sentados lado a lado.
A única coisa que necessitamos é a nossa luz.
O candeeiro bem alimentado como nos ensinaram no evangelho, para luzir bem lá no alto quando o noivo chegar.
Ói ói o trem..
José Celso Soares Vieira
A arte sempre envolve uma manifestação que nos transporta a um outro mundo, perdido mundo, onde os sonhos se tornam uma realidade tão viva que não desejamos acordar mais daquela fantasia.
Assim são os desenhos artísticos do meu amigo Vinício. A perfeição dos traços, a sutileza na criatividade dos seres ou personagens, o humor contido - mas insinuante e irônico -, a dosagem harmoniosa das cores, a contagiante comunicação que conduz ao embevecimento... tudo isso é um pouco da obra tão grandiosa deste desenhista botucatuense de Piapara.
Vinício que nos conduz a um labirinto artístico como a linha de Ariadne, me leva ao mundo encantado do faz-de-conta. Imagino-o garoto de seis anos, brincando no quintal de sua casa. Filho único, vivencia suas brincadeiras com um caminhãozinho, carregando-o de terra e transportando-o de um canto para outro, numa comprida viagem que não acaba mais. De repente, uma lanterna. Estranha lanterna.
Como viera parar ali? Curioso, pega-a, revira-a e tenta destampá-la.A tampa é dura, muito dura, para suas ainda frágeis mãozinhas de menino. Mas, súbito, se abre. Então ele nota, espantado, que da lanterna sai uma fumaça fininha a princípio, mas grossa depois. E essa fumaça toma contorno de um imenso homem gordo, bigodudo e careca, com uma trancinha atrás da cabeça. Era um gigante, o gigante da lâmpada, que há séculos esperava por seu libertador. E o fantástico ser lhe disse, em voz tonitruante:
- Meu amo e libertador. Faça três pedidos que eu te atenderei.
Atônito, o garoto disse ao gigante:
Eu quero que minha família seja feliz.
Você será muito feliz com seus pais - disse o gigante. Mas eu vou prever o teu futuro também.
Você vai se casar com uma jovem e bonita professora, de nome Lourdes. Vocês terão dois filhos: o Vina e o Eduardo. Suas noras lhes serão muito queridas. Na velhice, terão a doce alegria dos netos. Ainda lhe darei o poder de fazer amigos. Eles serão tantos que, como as incontáveis estrelas do céu, você não conseguirá contar o número deles.
Tá bom, grandão, mas vou te fazer o segundo pedido. Eu quero poder desenhar o que vejo e o que imagino. Como você tem um coração bondoso, desprendido e não pediu riquezas, vou-lhe dar o poder de encantar pessoas com a arte do desenho. Sua arte será admirada por todos que a virem. Você fará desenhos para gente famosa no Brasil. Um poeta, chamado Manuel Bandeira, vai sentir-se encantado com a ilustração de seu reino imaginário de “Vou-me embora pra Pasárgada”, ilustrado por você; Francisco Marins vai solicitar sua arte em “Verde era o
coração da montanha”; jornais e revistas terão ilustrações suas; mas será na Faculdade de Medicina de Botucatu que você vai passar a maior parte de sua existência profissional, dando vida artística a cadáveres, numa contribuição para a ciência.Na central de Recursos Humanos da CESP, ali bem pertinho da serra, onde as vozes dos duendes virão, em forma de aves, saudá-lo, nas manhãs de sol, você também vai pontuar seu trabalho com a arte dos predestinados, aposentando-se, então.
Puxa! Quanta coisa, hem grandão! Já to cansado de te ouvir. Mas vou fazer o último pedido: Eu gosto muito de futebol e já torço pro Palmeiras. Será que dá pro Palmeiras ter grandes jogadores e ser campeão pra sempre?
Pra sempre, eu nao posso fazer porque tem o corinthians, mas voce vai ver seu time predileto muitas vezes campeão. Chegará um tempo em que ele vai se tornar o campeão das cinco coroas e você ficará muito feliz. Você vai fazer um desenho do plantel do Palmeiras que será exposto na sala de troféus do time, em São Paulo. Adeus.
Como num sonho gostoso e bom, o gigante sumiu. E o Vinicio cresceu, e o Vinício casou, e o Vinício se tornou pai e avô, e o Vinício nos leva em seu tapete voador para o mundo do faz-de-conta, onde não há ódio, mas só amor e fantasia; e o Vinício continua palmeirense de coração, artesão verde que pule com arte a esperança do bem viver.