DIGESTO ECONÔMICO, número 361, julho e agosto 1993

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recitou no Teatro São José, de São Paulo. Lenda de Sangue, de 120 versos, constitui página digna de Castro Alves no que este tem de mais característico. Humanidade foi outra composição poética admirável, de 181 versos, composta com 19 anos, composição a que o próprio Rui tinha justificado apreço. Traduziu de Leopardi, em quase 150 versos, Canto Noturno de um Pastor Errante da Ásia.

Quanto a Rui poeta, deixemo-nos ficar por aqui. Quanto a Rui prosador já discorreram ilustres advogados que me precederam mana que hoje se encerra, mas não me lembra ter ouvido que Rui aprendeu a ler anos de idade, o que fazia com admiração do mestre após 3 meses; aprendeu em escola, e não particularmente.

na secom cinco

invesdgação científica” (5). Dois anos depois Heráciito Graça publica Fatos de Linguagem, e a filologia portuguesa constitui o seu ramo brasileiro, em que alguns dos nossos mais sig nificativos homens de letras se iriam distinguir. Para mim, não existe sinceridade, não existe franqueza, não existe lealdade sem palavra e correção de emprego. Notícias hoje se pubiia finalidade de mostrar construções de português e partes do corpo humano. A diferença entre o tempo de Rui e o nosso é gritante. Peca-se hoje em português por ação e por omissão.

O trato da lei exige, no dizer de Rui,

ciência da língua, vernacuiidade, casta correção do escrever. E ‘o teor de um código há de seu ser irrepreensível. Qualquer falha idiomática assume proporções de deformidana sua estrutura nem de” (6).

Não laçamos, porém, comparações de professores nem de sistema educacional entre o tempo de Rui menino e o atual. Passe mos a algumas considerações, sob as ordens do Sr. Presiinte desta reunião, Dr. Carlos Biasotti, sobre o que constitui arma de todo o advogado, a palavra.

Da palavra, que disse o ínclito Rui? Oi lo: “Todos os

Erros de sintaxe, improptiedade de vocá bulos, neologismos disparatados, obscuridade de construção e outras mazelas

ao tema imposto. Os conhecedores da Réplica sabem até onde a arma-palavra alcança. Deixando de lado observações gramaticais, vejamos quão valorosa foi essa arma no manu seio profissional de uns tantos advogados. Ve jamos, sem ordem cronológica e sem distinguir nacionalidades, alguns causídicos de brilho jurídico paralelo ao da palavra.

GUERRA JUNQUEIRO - Quem foi Abílio Manuel Guerra Junqueiro? Advogado, que se bacharelou em direito por Coimbra. Seu brilho não se limitou aos versos, impôs-sc em brilho também nos discursos que pronunciou no exercício de cargos públicos.

GONÇALVES DIAS - Onde foi armar-se para poder com a palavra rimada revelar-se uma das maiores glórias da poesia brasileira. Na faculdade de direito de Coimbra. Morreu em 1864 após ter regido as cadeiras de Historia Pátria e Latim no Pedro II.

nos noticiários. Gramática e di cionário tornaçamonessa que nos dessedentamos fonte, os que nos saciamos desse pão, os que adoramos esse ideal, nela vamos buscar a cha ma incorruptível. É dela que

Q

advogado vive,

objetos ram-se

como o Jornalista, empurrado

desptóveis. Se pe|Q po^teiro para ericacia so- j n'» cialaleideveter ™ mOgm linguagem cui dada, para que linguagem cuidada para propa ganda de crime e de obscenidade?

FRANKLIN TÁVORA - Onde encontrou arma para seus debates políticos em sua terra. Ceará, o esritor Franklin Távora? Na faculdade de direito de Recife.

MACEDO COSTA - Não foi D. Antônio de Macedo Costa, após estudo em doutoramento em Roma, advogado em própria defesa para libertar-se, juntamente Vital de Oliveira, da prisão em que dois anos e meio? Foi depois D. Vital o defensor do estudo de direito para as donas de casa, p^ra conhecimento dos diversos regimes dos bens do casamento, a diferença que existe entre um testamento e uma doação, o que c contrato, o a validez

D. com ao espetáculo ímpio do mal tripudiante sobre os reveses do bem, rebenta em labaredas a indignação, golfa a cólera em borbotões das fragas da consciên cia, e a palavra sai, rechinando, esbraseando, chispando como o metal candente dos seios da fornalha (4). Que pensamento mais apropri ado para o advogado criminalista?

A palavra, a mostrar reações da luta de advogado com promotor. A palavra, bem es colhida e entrelaçada, a revigorar o pensamento de quem a profere.

Impõe-se quem se expressa em linguagem correta, despreza-se quem o faz em linguagem «tropiada; é o que a experiência nos ensina, ^sa imposição e esse desprezo são idêntico linguagem atividades

No dizer de San Tiago Dantas." língua, a correção no escrever, 0 culto da ● , . ^ fixação das normas sintáticas e morfológicas malbaratadas pelos escritora do segundo reinado, tudo isso queageraçâoliteráriadofimdoséculocomeçara a praticar, assume, a partir da polêmica Rui- Carneiro Ribeiro

Ocorrem aqui estas palavras de Rui: “Vida, propriedade, honra, tudo quanto nos é pre cioso, dependerá sempre da seleção das lavras” (7).

O advogado vive, como o jornalista purrado pelo ponteiro do relógio, mas ambos devem ter à mão uma lima chamada gramática e uma chave de fenda chamada dicionário. É

_ ^ P^avra, instrumento mundial de educaÇao social, é, também arma defensiva advogado,bem fabricad as s na magisftawra e na advocacia que tem a maior na iTianifestação de entrelaçamento.

que é partilha, o que é necesário para desses atos, para saber, ainda, como a jut*^ prudência varia, quanto tudo depende juizes, e por mais que pareça, corna-se quanto as delongas dos melhores negócios ruinosas e insuportáveis. É preciso qu^ nheça a agitação do foro, o fiitor da tricas dos processos, as custas enormes qu acarretam e a desgraça dos que têm deman a^ Tudo isso com o estudo, todo o estudo com palavra esclarecida do advogado. ,

pa¬ dos , emsão ela na co falta destas duas ferramentas que está a justifi cação da afirmação de Rui de que no surrão da chamada língua brasileira cabem “todas as es córias da preguiça, da ignorância e do mau gosto” (8).

Se a correção da linguagem revela a pessoa, 0 advogado mostra nela prova do apuro da sua formação.

no mundo inteiro, a e a um tempo ofensiva do tanto mais violenta a natureza e o relevo da quanto mais -- ater-me a e exercitada. Procurarei

LUÍS GUIMARÃES JR. - Tendo estuda direito em São Paulo e em Recife, em^ apoiou 0 poeta fluminense Luís Guimat Júnior para chegar a ser ministro plenipot ciário senão na palavra?

BERNARDO GUIMARÃES - Forma em direito por São Paulo, professor de e filosofia em sua terra nati Ouro Preto, de que se valeu para chegar a juiz de Catalao,

ficaram

GO, Bernardo José da Silva Guimarães senão da palavra sempre aprimorada?

FIRMINO RODRIGUES - Em que apoiava o advogado niteroiense Firmino Rodrigues Silva, que, formado pela São Fran cisco, foi exercera advocacia no Rio, foi juiz cm Ouro Preto c depois chefe de polícia do Rio de janeiro, em que se apoiava ele senão na palavra, de cujo conhecimento deu prova com assídua colaboração em jornais, opúsculos, discursos políticos e ainda com várias poesias, dentre as quais “NITERÓI” de 40 versos decassílabos?

Ruí Barbosa, patrono dos advogados, e Padre Antonío Vieira S. J. notável debatedor se

SÍLVIO ROMERO - Temos no sergipano Sílvio Romero, bacharel em direito por Pernambuco, outro exemplo de advogado que fez da palavra sua potente arma nos poucos anos de vida advocatícia e em sua obra Dou trina contra doutrina”.

DIOGO HURTADO DE MENDOZAFoi na universidade de Salamanca e a seguir em Pavia, Pádua e Bolonha que estudou jurispru dência Diogo Hurtado de Mendoza, autor de “Guerra dc jugurta”.

GIAMBATTISTA VIGO - Que foi o filó sofo e historiador Giambattista Vico, napolitano falecido em 1744, senão um jurista, considerado um dos fundadores da filosofia da história, estudante das leis da evolução pro-

brasileiro, da Escola Baiana, que não poupou a ninguém, nem ao clero nem às autoridades constituídas, bacharelou-se em leis por Coimbra.

MANOEL BOTELHO DE OLIVEIRAOutro poeta brasileiro da Escola Baiana, fale cido em 1711, estudou Jurisprudência Cesárea, como se chamava então o Direito Romano, em Coimbra. De volta à pátria, exerceu a advoca cia. Conhecedor do latim, espanhol e italiano, foi senador.

SANTA RITA DURÃO - Nascido gressiva dos povos?

CARLOS GOLDONI - Que foi Carlos Goldoni, autor de 250 peças teatrais em italifrancês, senão um advogado que começou a exercer a advocacia logo após sua formação pela univerisdade de Paduaem 1731?

FREI VICENTE DO SALVADOR - His toriador anedócico e folclórico, considerado cronologicamente o nosso primeiro clássico, estudou direiro em Coimbra.

ano e em em

RODRIGUES LOBO - As escolas literá rias, desde a seiscentista, têm entre seus autores bacharéis em leis; confundem-se direito e letras. É exemplo Francisco Rodrigues Lobo, de Lema, bacharel de 1602.

PADRE VIEÍRA - Quem nega força literária do Pe. Vieira o alicerce no estudo e defesa do direito canônico! Foi de tal nomeada tribuna que chegou a pregar perante o papa defendeu a causa

Mariana, MG, estudou humanidades no Rio e foi depois aluno e professor da Universidade de Coimbra; faleceu em Lisboa em 1784

CIÃUDIO MANUEL DA COSTA - Após estudos no Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro, foi estudar direito canônico em Coimbra. De volta ao Brasil, Inconfidência. Faleceu cm 1789.

TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA cido de pai fluminense 0 Brasil ter tido a tomou parte na em direito por Coimbra, falecido no Rio em

Clemente X, junto a quem O- ^ _ dos judeus de Portugal, “injusta, nranica e barbaramente perseguidos pela inquisição (9).

ANTÔNIO JOSÉ DA SILVA - Formoupor Coimbra em 1733, começou a seguir a profissão de advogado este autor de oito óperas, levadas à cena no teatro do Bairro Alto, em Lisboa.

padre BERNARDES - A seguir temos lisboeta de 1644, graduado em dueito -idade de Combra. Onde civil desses dois exercer a tameste canônico por universi. a força do direiro canônico e luminares do séc. XVII! Acaso em canhões, em espadas?

CRUZ E SILVA - A seguir, vemos entre os árcades Antônio Diniz da Cruz e Silva, formado obra exisiemc Pátio

GREGÓRIO DE MATOS - Poeta satírico

ANCHIETA - Como não considerar bém advogado um padre josé de Anchieta a defender por lei a fundação do Rio de Janeiro e de Piratininga, e a defender a educação dos hinos de índios no ainda hoje do Colégio em São Paulo? 1799. - Nascellri, °wu-sc com “Crime do Padre Amaro", graciosa e irônica. Autor de um punhado e obras celebres pelo humonsmoe pela ironia, Jte hojc muuo procuradas, foi cônsul em Ha- vana, New Castle, Bristol e Paris.

Á impressão que nos dá a Oteratura dos expoentes das letras portuguesas é a de que uma condição existe para atingir forma e fama lite rárias: diploma de bacharel de direito.

TEÓFÍLO BRAGA - Temos em Teófiío Braga mais um exemplo de advogado e literato que soube manusear a arma da palavra.

MANOEL INÁCIO DA SILVA ALVARENGA, o último representante da Es cola Mineira, nascido em Vila Rica em 1749, foi respeitado por mestres e condiscípulos Coimbra. De volta ao Brasil em 1777, fixa-se ao Rio de Janeiro como advogado e professor de retórica e poética. Faleceu em 1814.

ÁLVARES DE AZEVEDO - Invejável po eta e romancista, Álvares de Azevedo morreu em 1852, quase formado pela São Francisco, deixando célebres suas últimas palavras; “Que fatalidade, meu pai!”.

O^RO ALVES - Um dos mais pronun ciados abolicionistas, falecido em 1871, não se formou mas, transferido da faculdade de direito de Recife para São Paulo, em 1868 exerceu grande influência sobre o espírito da mocidade acadêmica.

TOBIAS BARRETO - O poeta pernambucano de “Dias e Noites” formoupela faculdade de Recife, falecido em 1889, magoado com as tacanhices de uma multidão de inimigos gratuitos, invejosos de seu talento jurídico. Sergipe editou em 1926 suas Obras completas.

JOSÉ DE ALENCAR - Falecido em 1877, foi deputado pelo seu estado. Ceará, em várias legislaturas; de vigor dialético, brilho e elegân cia não comuns nos seus romances, bachare-

lou-se em direito pela São Francisco.

em

nio Felidano de Castilho, que tinha na fala e na audição substimtos da vista, a terceira figura mais representativa do romantismo em Portu gal, que conheceu o Brasil numa viagem feita em 1855, esse extraordinário homem que tra duziu obras escritas em grego, latim, francês, inglês e alemão. Nesses longes tempos, isentos de processos de comunicação maléficos ao idi oma, talento e força de expressão confundiamse com graça e harmonia em nossos escritores.

Com Castilho temos Gstelo Branco, for mado pela universidade de Coimbra, funda dor, com alguns colegas de faculdade, Rodrigues Cordeiro, Serpa, Augusto Lima e Couto Monteiro, do jornal O Trovador.

Em 1856 temos a obra de Soares de Passos, também ele advogado formado por Coimbra.

Mais um

advogado de Taleiíto 6 força alto padrão ^ ©xpressão temos entre = os romancistas, Tomás C@i1í1 graça e Ribeiro,for- harMBTlia mâcio cm ^1*

reito por Coimbra.

Que dizer agora dos realistas criadores da “Escola de Elogio-Mútuo”?

AFONSO ARINOS — Nascido em Mi nas, formou-se na São Francisco em 89, foi por algum tempo advogado no Rio de Janeiro.

JOÃO RIBEIRO — Também formado direito, em 1894, era grande filóiogo, histori ador e professor sergipano.

LUIZ GUiMARAES, TEÓFILO DIAS são parnasianos formados em direito por São Paulo.

RAIMUNDO CORREIA - Outro parnasiano formado em direito por São Paulo foi Raimundo da Mota Azevedo Correia.

LUIZ DELFINO e LUIZ MURAT - São

dois parnasianos formados em direito, Mais próximos de nós, a dispensar dados biográficos temos, formados em direito, VICENTE DE CARVALHO, ADEMAR TAVARES. GUI LHERME DE ALMEIDA, HAROLD DALTRO, VARGAS NETO.

Não está completo o quadro de grandes brasileiros formados em direito.

JOÃO DE DEUS — Bacharelou-se em Coimbra em 1859. Foi jornalista e político. Como educador, escreveu a “Cartilha Mater nal”, adotada oficialmente como método naci onal de leitura. se suas

ANTERO DE QUENTAL - Formado por Coimbra.

JANGO MENDES — Advogado conside ra-se somente o portador de diploma de facul dade? Seria muito injusto em não falar de pelo menos um rábula (assim chamado o advogado não portador de diploma), grande conhecedor de português e de latim, que exerceu a profissão a princípio em Itaporanga, SP, onde elaborava laudas a luz de vela, depois emitapetininga, onde faleceu, há vinte anos, tinha fama de não perder causa em toda a região paulista, com um mínimo sempre de 70 em sua banca, João Batista de Macedo Mendes, o célebre Dr. Jango Mendes.

JOÁO FRANCISCO LISBOA - Nascido 1812, político, jornalista, secretário da presidência do estado do Maranhão, arquivista do império, historiador, autor da Vida de Vieira e de outros 4 volumes editados em Lisboa, foÍ dedicado advogado em sua terra natal.

GONÇALVES CRESPO - Nascido Rio de Janeiro, naturalizado português, bacha rel por Coimbra.

ANTÔNIO NOBRE — Formado em di reito por Paris.

RAUL POMPÉIA — Colaborador na im- vezes pmnsa de São Paulo e do Rio de Janeiro, diretor do Dtatio Oficial e da Biblioteca cional, teve a base de

re Nacompetência literária no curso de cienaas sociais, iniciado em São Paulo e terminado em Recife em 1886. Autor nevrótico e impulsivo d’0 Ateneu, ^ora no Romantismo, a começar do sécu- lo m, temos como manuseadores da arma da palavra quem se formou em cânones pela uni versidade de Coimbra, Castilho, o cego Antô-

MANUEL GUERRA JUNQUEIROLicenciado em direito por Coimbra, várias deputado monárquico, depois político publicano e embaixador em Berna, na Suíça, falecido no mesmo ano em que faleceu Rui Barbosa, em 1923.

TEÓFILO BRAGA - Neste literato de grande reputação, mais um exemplo de advo gado que soube manusear a arma da palavra.

EDUARDO PRADO — O vigoroso polemista e grande jornalista paulistano Eduardo da Silva Prado é da turma de 1881 da São Francisco.

Voltemos a Rui, e com Cíemenceau termi nemos: Foi eloqiiente como advogado, como político, como jornalista, como escritor, como cidadão do Brasil e do mundo” (10).

Bibliografia;

(1) Obras Completas de Rui Barbosa, vol. 1,1.11, pág. 236; (2) Ibidem, pág, 251;

(3) Ibidem, pág. 227;

(4) Elogios Acadêmicos e Orações de Paraninfo, 1924, pág. 352;

(5) Rui Barbosa e o Código Civil, 1949, pág. 33;

(6) Obras Completas de Rui Barbosa, vol. XXVI, t. IV, pág. 93;

(7) Réplica, n“ 424;

(8) Ibidem, n° 22;

(9) ESTÊVÃO CRUZ, História Universal da Literatura,

la France,

(10) GEORGES RAEDERS, Rui Barbosa et # 1949, pág, 10.

cional trilha musical dejohn Barry, que transmi te toda a emoção contida na história e todo o duplo calor que a envolve: a da paixão física, delirantemenre carnal, das personagens centrais (que, revelar-nos-á o final, é, realmente unilate ral, sentida da verdade apenas pelo malogrado herói) e a da paisagem quente, quase cheirando ao calor que exala da terra e dos

corpos, na pequena Pinehaven—e também em Miami, em uma sufocante Flórida no verão. Calor que con some os corpos, transmite-se ao espectador e que, literalmente, consumirá o corpo que liber tará a principal personagem feminina (Kathleen Turner): o incêndio consome o corpo da verda deira Matty Walket, por (juem a estrela se fazia p^ar, permitindo que a impiedosa Mary Ann Simpson, que por aquela que se fazia passar, ^uma a sua identidade real, atingidos os seus fins, graças à impudicícia, à astúcia e à canalhice. Como^na versão de Wilder, tudo indica o clássico triângulo amoroso; lá, MacMurray é um agente de seguros que se apaixona pela insinuan- te Barbara Scanwyck e é levado por ela, como uniQ solução para o seu caso amoroso, a con cordar com a eliminação do marido dela. Nessa versão, o título. Dupla indenização (que é paga pelamortedosegurado, caso esta severifiqueem um desastre), éplenamente justificado: o marido a ser eliminado faz um seguro de vida r corretor Mac Murray, sem se dar conta assinar, que este introduziu uma cláusula refe rente à dupla indenização. Os amantes o matam, Mac Murray se faz passar por ele e simula acidente (queda do trem), em local para onde é transportado o cadáverpelasua cúmplice. Edward G. Robinson é o detetive da Companhia de Seguros, amigo de Mac Murray, que desconfia de uma trama envolvendo o caso, confiando suas

usado pata matar o marido irco (Crenna) e acabará pagando, na prisão, descoberto o seu crime pelo amigo policial Oscar Grace (J.A.Preston), enquanto Mary Ann, livre do marido, de Ned e da Matty, por quem se fizera passar, reassume sua personalidade real, como que a mostrar que o crime bem-tramado com pensa. E é aqui que Kasdam exacerba a visão pessimista de Cain. Nas personagens centrais, que dão o clima do filme, não há qualquer vestígio de nobreza ou de princípios: Hurt, Turner e Crenna são movidos por paixões, desonestidade completa e completa mesquinhez. Matty (Mary Ann, na verdade) é, ao mesmo tempo, a sedutora Eva e a serpente, a envolver o inescrupuloso, mas manipulável, Racine, Adão de um mundo já corrompido, e a utilizá-lo com uma firmeza de propósitos que nada faz abalar. Ela efz sempre o que é preciso, como se diz em um dos diálogos do

preciso não é obvi amente um dever, mas um imperati vo radicalmente egoísta de habili dade, inteiramente

exercício de [ descida aos infernos do

ruptível sem dificuldade maior, mas a mulher, muito mais do que o homem, parece capaz de ir mais e mais longe do que este. Porque, apesar das aparências em contrário, ela é mais forte, tem um domínio maior sobre si mesma, sabe fria e cien temente 0 que quer e está disposta a fazer o que obtê-lo, levando os outros, de

em estranho a quaisquer simulacros de regras rais. O sexo que ela usa abundante e destramente (e os tempos sem maior censura permitem que esse uso seja mostrado muito mais às claras do que no pudico Pacto de sangue dos tempos da censura hollywoodiana, o que, aliás, acontece também com a segunda versão de The Postma. em relação à primeira) mo-

,0 sexo é a armadilha que lhe permite fazer do inescrupuloso c carnalmen te apaixonado advogado o mero agente d^ seu desígnio. Ele faz por eia — claro que ajuda e cumplicidade—o que é preciso. E desce aos infernos da desgraça, enquanto ela subirá paraíso do prazer, sem remorsos ou escrúpulos, sem qualquer compromisso outro que com ela própria e os seus desejos.

Trata-se de uma versão mais do que negra e pessimista, a revelar toda a abjeção que o huma no pode alcançar. E, certamente para a repulsa feminista neste caso específico, do papel que a mulher diabolicamente executa. Como disse¬

e preciso para resto, a fazer o que ela considera que é preciso, graças às armas da sedução. Corpos Ardentes, mais Sangue, vai muito além da história policial ou de suspense: trata-se de uma retrata, por intermédio principalmente da frie- da heroína (mas também da cumplicidade egoísta de seu parceiro), que tudo sacrifica ao seu prazer, com uma dramaticidade quase metafísica, a solução hedonista radical, qu^ está de algum modo embutida na nossa civi zação e que é uma das ameaças a sua sobrevivência, nestes tempos de conftisão e todos os valores. Sem ser ou pretender ser moralizante, mesmo porque essa tarefa oao compete à atte, Corpos Ardentes, ao sugcnr espectador o que ele próprio poderia ser, como habitante desse mundo permissivo e desregra o, que 0 prazer se sobrepõe a tudo, se nao torna melhor, ajuda-o ao menos a compmon der os abismos que rondam o ente humano» como parte de sua condição. E, nesse senti talvez funcione também catarticamente.

Cabo do medo

is do que Pacto de obra artística que

O terror é uma das paixões element^^ constitutivas do modo humano de ser. mente, Aristóteles, interpretando esteticam^^^ a conseqüência da representação rragíca» s£_ dúvida 0 ponto mais alto do gênio j ^ ^ física de um

suspeitas ao amigo, sem, entretanto, imaginar que este é o responsável. Mas, na verdade, o apaixonado Mac Murray é apenas um instru mento nas mãos da impiedosa amante, que se ^ simplesmente o usa para ao sua te, Na versão de Kasdam. o advosada Racine (Hurt) é também usado ^ e aqui a iniciativa, como ficaremos sabendo quase no fim, é planejada com frieza e “racionalidade” pelafalsaMatty (Turner),eliminando-seoacaso queestavanaongemdePaciodesangue.Nedé

ou mos, na história ela não é apenas Eva, sedutora mas irresponsável, e sim a própria serpente. Nainterpretação que Kasdam efzdo univer so de Um a humanidade, nagens centrais pois que são as persoque mais evidentemente a encarnam, é um mero joguete das paixões, cordigesto econOmico 76 JULHO - AGOSTO - 1993

com sua grego, via-a na catarsis, liberação quase ^ duas paixões que nos parecem as mais fundas n ^ existir do homem; a compaixão (éleos) e o terr ^ (fobos). Traduz-se, freqüentemente. éleos po piedade, conceito este, último, entretanto, para o grego, tem um sentido eminentement religioso, e fobos por medo. Parace-nos q éleos é, efetivamente, ao mesmo tempo, comp^ ^ xão e piedade, isto é, compaixão pelo sememascompaixãoemfecedeumterrormet isi ^ — religioso (já que fobos é muito mais do qo nosso simples medo) a que a piedade dá^a ^ mensão do sagrado. 0 medo é uma pal^^ão o ^ reação animal, que compartilhamos com os oU tros animais, fruto do instinto de conservação que todo ser quer permanecer no seu ser, com^ ensinava Spinoza), manifestado em efce do p^ri

pio, (lesses execráveis Sexta-feira, 13), passa, todo ele, na sua imensa maioria, muito longe da arre, por faltar-lhe densidade humana. Mesmo filmes de prestígio entre cinéfilos - como, por exemplo, 0 ciclo de filmes sobre o “sangue de pantera”, de Vai Lewton - podem produzir, especialmente cendo que vai envolvendo o espectador pelas qualidades de sua ambientação cinemato gráfica e fotografia, ceno deleite estético e alguns calafrios, mas sem tocar o fundo realmente obs curo da mente - sua dimensão abissal - que permanece à espreita no homem cultivado, civi lizado e crítico, fundo obscuro em que o terror

está sempre latente.

go do aniquilamento. O terror, embora aparen tado com 0 medo, é mais do que isso: é a percepção de uma ameaça terrível que sempre nos ronda e que tem sua fonte em algo acima de nós e contra a qual somos impotentes. De uma parte essa ameaça, pelo seu poder, nos fascina; de outra nos terrifica. Rudolf Otto viu na ambivalência dessa paixão (pelo menos assim interpretamos o fundo de sua investigação) a própria manifestação do fenômeno religioso do divino: mysterium efscinans e mysterium tremendum são as suas faces, a assombrar o homem e a desenvolver sua veneração em face do desconhecido, ao mesmo tempo que a apavorálo diante dessa força primordial misteriosa que ele não pode dominar e que tenta, magicamente, ser ou

Mesmo quando o universo, com o encaminha para a laicização da

Assim, são os filmes de suspense, em que ameaça terrível pode abater-se a qualquer instante sobre a personagem ou as personagens centrais, com as quais nos identificamos (como sói acontecer com o leitor de uma história que prende sua atenção ou de um espetáculo, teatral cinematográfico, que o enreda na sua trama, independentemente de todas as teorias relativas os uma conjurar.

Com a força distanciamento” na da imagem ao

que era e fizera, em outras situações, sua con denação fosse inteiramente justa, que foi o que, aliás, Sam pensara), aparece como a força desencadeadora de tal terror, que parece indestrutível e que semeia o pânico, num crescompletamente impotente, como as personagens com as quais se identifica, diante daquele demoníaco, verdadeira força sobrenatural que é, entretanto, simplesmente um homem. Eventuais defeitos ou faltas de caráter das perso nagens centrais, Sam e sua esposa, nlo os mantêm à distancia de nós: talvez, pelas suas fraquezas, até aproximem ainda mais, pois que são também, simplesmente, entes humanos, mas inteiramente des\^dos diante da situação.

mente até evolverda civilização, se' . vida,comosagrado cedendo,cadavez mais,seu espaço ao profano, 0 terror ancestral perm^ece e, curiosamente, nos leva a pensar que ele d um elemento necessário ao homem. Ao que parece, a vida perderia uma dimensão essencial-nao

discutimos se “boa” ou má" - se o terror nao arte), sao os

aSSOCiada 3

história, o cinema vem

de necessário na mesmo de todas as

êxito da literatura de mistério, que

catarticamente (ao menos àqueles que são capazes de distingüir uma obra artística de uma

formas a paixão do terror

estivesse presente ainda que pata ser vencido, de suspense, dma- roduzindoo sentimento catártico da liberação. mos, os que tem ^ É essa posição ambígua em face de terror, ao probabilidade maior Kmpo percebido como ''' tessitura da vida e devendo ser vencido, que nos parece explicar do suspense, que deixa o herói, e o espectador que com ele se identifica, no fio da navalha, até 0 desenlace que, destruindo ou liberando-o, ^ nrovocaoefeitocatártlcodadescargaquasefísica simples e inconse- teintroduz o equilíbrio na personalidade qüente d,versão, que pode ter os seus méruos, “ ^ mas que não está aqui em causa), revolvendo O fundo obscuro a que nos referimos e, no desen lace, propiciando uma descarga, um sentimento de alívio e de liberação, mesmo quando o final leva à destruição do herói: nesse último caso, o herói, com o qual nos identificáramos, se perde, massentimoso alívio de, no final, termos o nosso destino de espectadores desvinculados do seu, de forma que, enquanto ele se perde, permanece mos a salvo.

Dentro do contexto que descrevemos, o recente filme de Martin Scorcese, Cabo do Medo, é uma

O clima do filme, que permanece pratica-j 0 penúltimo instante (pois que o último se liga ao primeiro, mas ^ora com a marca indelével do terror superado esquecido), mantém o espectador dominado, até 0 desenlace e a catarse que o acompanha. E tudo isso é conseguido não só graças à fluidez e a segurança narrativas de Scorcese, grande economia de meios, mas também gra ças à força da interpretação, em primeiro lugar de Robert de Niro, que a cada papel se e assegura, cremos nós, o lugar inconteste de maior ator da atualidade, e, a seguir, de todo o elenco, a começar dessa grande atriz que é Jessica Lange, pela meninota que efz o papel de sua filha e que é a narradora da história, de Nick Noite, como o advogado Sam, sem eflar nos demais, corretíssimos em seus papéis, como Robert Mitchum, Joe Don Baker ou Martin Balsam.

Cabo do Medo é, enfim, exercício de descida aos infernos do pela violência da descid catártico poderoso do retorno ao um ameaçada e o apaziguamento cotidiano. , Com a força da imagem associada a historia e às situações, o cinema - que é a ^te por excelência dos nossos tempos - vem exp or^ o de todas as formas a paixão do terror, ois gêneros cinematográficos, o chamado dos til de terror”, propriamente ditos, e os dos filmes de suspense, florescem em torno d^sa paixão. Aindaquecom grande exito de publico, ^p„meirogênL.odos“film.deierroip™pnamente ditos”, seja ao apelar para formas do sobrenatural(gerdmentegrorescas,q acul- laicizada do nosso teinpo. pelo menos „.eios mais refinados, ainda os que continuam devotos de “religibes cultas, repudia seja ape- lando para grosseiras situações aleatórias, freqüentemente estúpidas (à moda, por exem-

apaixonante ao terror que, a, propicia um alívio ^ates humanos como nos, vivem num mundo cada terriricante e aleatóri que lhes acene ^ dolorosa e difícil, de mente - embora aos que, vez mais "KKsitados de also possibilidade, ainda ttspitai Wm __ mesma, já que marcA IT” ^ efemeramente, vencido^ ° 10 com a que mes ana- essa pelicula realmentc exempl Nela, 0 terror se abate sobre a personagem, Sam, e sobre sua familia - e o terrível psicopata que náo quer senão vingat-se do idvoL relapso, que negligenciou uma prova que po- denate-lo salvo da prisão (embora, poaudL ar. a nos ^edora, Inédito: cinema, video ou TV, ^memente, graças à programação especial da ]VBandeirantes,nãoédosfilmesmais(X)nhecidosepresügiados do extraordinário diretor tura até há pouco no Brasil e que só pudemos assistir em aus-

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DIGESTO ECONÔMICO, número 361, julho e agosto 1993 by Diário do Comércio - Issuu