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Publicação bimestral da Associação Comercial de São Paulo dedicada â análise e discussão de assuntos políti cos, econômicos, jurídicos e sociais que interessam ao empresário, bem como à sociedade em geral.
No próximo ano de 1992 assistiremos a das maiores revoluções da História, a uma complementação da Comimidade Econômica Européia, mais conhecida como Mercado CoEuropeu. Essa engenhosa organização, Jean Monnet e Robert mum imaginada por Schumann, teve início no remoto ano de 1951, seis nações, e hoje a integram doze. Den tro de alguns anos, a integrarão, ainda, as compõe mercado paralelo, a com nações que Escandinávia, a Suíça e a Áustria, e, provavel mente, outras nações do Leste europeu recen temente incorporadas ao sistema democrático-liberal, com a queda do sistema comunista.
Mercado Comum as nações Graças ao européias deram um salto fantástico na rota do desenvolvimento. Quem percorre hoje os paímembros dessa comunidade econômica O alto nível de vida que populações. Todos os sinais da ses fica espantado com gozam suassociedade afluente estão presentes nos doze países. Os mais recentes, Portugal e Espanha, espantam pela celeridade com que mostram ter assimilado a nova política econômica, vigente Comunidade. Daí terem os países não inte grantes, percebido que o mundo fechado das deve abrir-se para a economia, ainda que sejam conservados os hinos, as bandeiras, fronteiras, os governos e todos os símbolos nacionais. Economicamente, a Comunidade Econômica Européia é uma única superfície. Copiaram-na os Estados Unidos, o Canadá, o México. E o nosso Mercosul pretende seruitia na nações as
O intercâmbio réplica sul-americana do colosso europeu.
O Brasil poderá expandir suas exporta ções para o Mercado Comum Europeu, ven cendo esdrúxula teoria, segundo a qual não devemos exportar e importar, senão pausadamente, como temos feito, quando poderi amos já ter um mercado exterior de mais de 60 milhões de dólares de exportações, com probabilidade de bom saldo na balança co merciai, para reforço da balança de paga mentos. Por ter interesse no Brasil, a Funda ção Konrad Adenauer e a Sociedade Teuto-Brasileira, com sede em Bonn, pro moveram vários seminários, visando ao es tudo das possibilidades de nosso pais na grande área econômico-financeira. O traba lho elaborado por nosso diretor João de Scantimburgo não chegou a ser apresentado por motivos alheios à vontade do autor e dos promotores do seminário, realizado em Bonn. Mas, dada a sua oportunidade, publicamo-lo neste número, fazendo-o, mesmo, com o devido destaque. O Brasil tem de voltar-se para o Mercado Comum Europeu com mais empenho do que até agora o demonstrou. Temos que nos aproximar, quanto pudermos, com nossa agricultura, nosso parque in dustrial, nossa capacidade de comércio, e, quando for superada a reserva de mercado, com a nossa tecnologia, dos grandes con glomerados econômicos. E deles que nos pode advir apoio para o desenvolvimento, porquanto, numa economia universalizada — se assim se pode dizer econômico é a nota predominante da eco nomia moderna.
JOAO DE SCANTIMBURGO
Um país continente, com 8,5 milhões de quilômetros quadra dos de extensão 150 milhões de habitantes, mais de 8 mil quilô metros de costa, situado na Linha do Equador, e no Trópico de Capricórnio, a 5° de Latitude nor te e 35° de Latitude sul, na maior parte do território sob o clima tro pical e sub tropical, constitui o maior território contínuo para cul tivo de matérias primas adequa das ao seu “habitat”, que abrange vasto leque de produtos. Embora desigualmente de-
senvolvido, o Brasil conta no sul com um parque industrial compa rável aos do Primeiro Mundo. No Nordeste, embora em escala me nor, já também estão implantadas indústrias que exploram diversifi cados ramos, e na Zona Franca de Manaus, indústrias de ponta têm se expandido, graças aos incenti vos fiscais que lhe foram concedi dos, e estão em vigor.
Se há pois, uma nação am plamente favorável a investi mentos nos mais variados seto res industriais, esse país é o
Japão
Reino Unido
Estados Unidos
Média Aritmética
Groninggen de
Brasil. Comprova-o, de resto, um fato altamente significativo: de 1870 até 0 ano passado, isto é, em 120 anos, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo. Com efeito, segundo o trabalho do pro fessor Angus Maddison, da Uni versidade (Holanda), “o crescimento mais rápido do PIB de 1870 a 1987 foi registrado no Brasil”. O quadro elaborado pelo autor coloca o Brasil em lugar de relêvo, como se pode verificar pela respectiva tabela:
Coefícíentes de Multiplicação Média Composta
Deve-se esse fato às poten cialidades do país e à exploração de recursos; à industrialização, à abertura de vias de comunicação, ao uso das vias fluviais, que são
numerosas, no pais, e as suas con dições geográficas e climáticas. As informações que a seguir fornecemos dão idéia sobre a posi ção do Brasil no quadro econômido mundo. Em agricultui-a, o Brasil é o primeiro do mundo, na produção de café, laranja, cana de açúcar, sisal, mandioca e bananas; segundo, em soja, cacau, casta nha de caju. pimenta; é o terceiro, em carne, criaçao de aves, milho, óleo de mamona, couro; é o quarto, em fumo e porco; é o quinto, em juta; é o sexto, em algodão, ovos e mel; é o nono, em arroz; é o déci mo, em leite e amendoim. Na mi neração é o primeiro, em estanho,segundo, em co
mamentos; é o décimo, em papel. Está aí, numa síntese, a extraordi nária situação econômica do Bra sil, com a qual as comparações se fazem raras, dentre os países em fase de desenvolvimento.
Se, pois, num século, o Brasil foi 0 país que mais cresceu, alcan çando essa posição econômica, quais são as notas negativas a mi-
Até o fim do século, o Brasil deverá ter uma população calculada pelos demógrafos, na base da taxa atual de crescimento populacional, de 180 milhões de habitantes. Elevada que seja a renda “per capita*\ será esse um dos maiores do mundo. e o nióbio e quartzo; ferro; o terceiro, em manganês e tântalo; o quarto, em bauxita; o quinto, em argila, terras raras e incônio; o sétimo, em ouro; o oita vo, em urânio, níquel, cromo, manganês e tungstênio; o nono, em diamantes; o décimo, em magnésio. Na indústria, o primeiro álcool, suco de laranja e açu- óleo e farelo de o
em car; o segundo em ladrilhos; o quinto, em soja, e alumínio; o sexto em cigarros e borracha sintética; o^ sétimo em medicamentos, aço, têxteis, pneu máticos, energia elétrica, óleo de amendoim; o oitavo, em cimento e polpa de madeira; o nono, em ve ículo e papel.
Como exportador, o Brasil é o café, suco de laranja. primeiro em óleo, farelo de soja, pimenta, quartzo e tântalo; é o segundo, em minério de ferro, soja, fumo e ca cau; é o terceiro, em frangos e óleo de amendoim; é o quarto, em esta nho e açúcar; é o quinto, em carne; é o sexto, em algodão; o oitavo, em polpa de madeira; o nono em ar-
litarem contra o seu desenvolvi mento? São várias, dentre outras, as crises políticas, falta de aporte maior de capitais estrangeiros e tecnologia, com que ainda não conta 0 país, mas, sobretudo, uma falsa concepção de nacionalismo, que, sob esse aspecto, nos fechou aos invetimentos forâneos. Mas, esses fatos não impedem de acen tuarmos que 0 Brasil cresceu, e oferece, ainda, e oferecerá durante longo período de tempo, vastíssimo campo de investimentos, como nenhum outro país, no mundo, em nossos dias e na perspectiva do futuro próximo.
A nação-continente necessita de relativamente pouco para al cançar a fase plena do desenvolvi mento, quando, então, elevaria de sete para oito o número de nações altamente industrializadas. Mas, chegaremos lá se formos objeto de confiança dos capitais estrangei-
ros à disposição de investimentos.
Até 0 fim do século, o Brasil deverá ter uma população calcula da pelos demógrafos, na base da taxa atual de crescimento populacional, de 180 milhões de habitantes. Elevada que sejaarenda “per capita”, será esse um dos maiores do mundo. Sem dúvida, essa renda é, ainda, baixa, mas, se estabelecermos segmentos para a sua apreciação e avaliação, vere mos que 0 Sul, de São Paulo ao Rio Grande, o Mato Grosso do Sul e o Rio de Janeiro já registram padrão de vida ao de nações altamente industrializadas.
Nesse quadro encontram-se “manchas” de pobreza, mas o pro cesso de incorporação do menos favorecidos é ativo. Deverão ser absorxddos ainda nesta década al guns milhões de marginais da renda “per capita” digna. Isto, porém nas grandes capitais, São Paulo e Rio de Janeiro, onde o desnível social e econômicotem sido acentuado, em consequência das migrações ma ciças das regiões menos desen volvidas do país para os centros industrializados nos quais as ofertas de trabalho são supostamente mais frequentes.
Mas, não é somente o Sul geoeconômico que oferece opor tunidades de investimentos para o desenvolvimento continuado.
No Centro-Nordeste, em tor no do pólo petroquímico da Bahia; em Pernambuco e a região da qual é cabeça econômica; no CentroOeste, com terras apropriadas para culturas extensas, a exemplo da soja, da qual somos os segundos produtores do mundo. Sem que rermos ser ou parecer excessiva mente otimistas, permitimo-nos afirmar que todas as nossas consi derações encontram amparo na re alidade. Os excedentes de capitais, com seu complemento tecnológico, encontrarão no Brasil o ambiente
perfeitamente adequado a investi mentos.
Acresce a essa nota, o sermos uma nação de nítida e incontestá vel vocação democrática. As fases de recessão política têm sido a ex ceção no Brasil, sobretudo nesta nova era histórica, em que o retor no do liberalismo se traduz com a vitória do bom senso, da natureza das coisas, sobre a tirania, o despo tismo ou, simplesmente, a tenta ção ditatorial que perturbou mundo em passado recente.
Reconhecemos que a política industrial do Brasil tem apresenta do falhas, em irmos a passado moto, tomamos o governo Kubitschek. Esse presidente le vantou a bandeira do desenvolvi mento, como objeto a alcançar por seu governo. Mandou elaborar por uma equipe técnica de alta compe tência um programa de metas, executou integralmente. Deve-seIhe a implantação da indústria tomobilística, em tomo da qual vieram a gravitar numerosos seto res industriais. Menos de 40 depois do primeiro passo dado nesse sentido, o Brasil produz média de 1.000.000 de veículos automotores por ano, sendo, por tanto, um dos países bem coloca dos no quadro dos concorrentes.
De Kubitschek para o atual governo, a característica do desen volvimento mantem-se na política econômica do país. As fases de recessão não alteram a visão composição do conjunto. No Pro jeto de Reconstrução Nacional submetido ao Congresso Nacional pelo presidente Fernando Collor de Mello, vem reconhecida a crise que marcou a década de 80 economia brasileira. Mas, centa o presidente nesse documen to oficial: “Nos inícios dos anos 80, a manutenção de proteção elevada e indiscriminada contra as importações, além da concessão
abusiva de reduções fiscais e sub sídios, comprometeram o dina mismo da economia e lavaram à estagnação da produtividade. De um lado, por limitar de maneira significativa a pressão da concor rência sobre a produção local so bretudo nos setores cujos mercados são usualmente oligopolizados, restringiu o estimulo às empresas
sileira e estimular movimentos especulativos e de elevação de margens de lucros. Essa situação passou a alimentar um círculo vi dos
ampliação de cioso desequilíbrios macroeconômicos, aumentando a ineficiência dos processos produtivos e a iniquidade distributiva, comprometendo quaisquer tentativa dc retomada do desenvolvimento econômico e social do país”.
Vemos que o governo atual quer marcar a sua passagem pelo poder supremo da nação com a retomada, diremos, impetuosa, do desenvolvimento. Para alcançar esse objetivo oferece uma política industrial concentrada
O quadro de instabilidade macroeconômica e de estagnação do nível de atividade observado ao longo dos anos 80 e a agudização do processo inflacionário levaram à redução do horizonte dos negócios, concentrando as operações no curto prazo. rena competitividade. O governo, cuja abrangência no Brasil é de largo espectro, adotou e pôs em prática a política de indentificação com tendência ideológica do mundo contemporâneo, isto é, estimula a livre a e o au- a iniciativa, procura desregulamentação, opta pela privatização. Quer, em suma, o Estado mínimo, embora não deixe de ser empresário em alguns seto res. Uns, por falta de interesse de grupos privados, outros, por não ser politicamente viável a transfe rência de controle a particulares. Refírimo-nos, especifícamente, aos transportes ferroviários, num caso, e à exploração do petróleo, outros. Não cremos que haja interesse, tanto de grupos nacio nais, quanto de estrangeiros, para assumirem o transporte feiTOviário, todo ele estatal. Quanto ao petróleo, o que poderá fazer o go verno brasileiro é, através de me canismos legais e mediante a re visão constitucional, permitir os contratos de risco, quando, então, as companhias internacionais po deríam explorar o hidrocarboneto em território nacional ou no mar. Mas, essas duas exceções são, como sublinhamos, efetivamente,
para reduzir custos e melhorar a qualidade dos produtos. De outro lado, por dificultar o acesso à im portação de bens de capital e pro dutos intermediários, retardou ou aumentou os custos da moderni zação da atividade econômica”. “Esses custos não se limitaram a produção industrial. No setor agrícola, o uso de tais práticas es timulou o mau aproveitamento das terras e aprofundou o processo de concentração fundiária. O quadro de instabilidade macroeconômica e de estagnação do nível de ativi dade observado ao longo dos anos 80 e a agudização do processo in flacionário levaram à redução do horizonte dos negócios, concen trando as operações no curto pra zo. A conseqüência inevitável foi a retratação dos investimentos pro dutivos, o que contribui para ace lerar a deterioração da competitividade da economia bra-
exceções, pois todos os ramos eco nômicos estão abertos aos capitais estrangeiros.
No que diz respeito, especial mente, à Informática, o projeto de Reconstrução Nacional foi explí cito: partimos para a independên cia do setor, estando próximo o fim da reserva de mercado através de “joini venture”, de associações de várias ordens, podem os conglo merados internacionais vir ao Bra sil, e concorrer para a nossa integração Informática, cuja expansão encontra paralelo na história eco-
nômica.
A redução tarifária, que é um dado importante na politica econô mica brasileira, fará do Biasil um exportador de produtos industria lizados, o que de resto já é, e um significativo supridor de lacunas de mercados competitivos -.peus, americanos e asiáticos. O de Competitividade In eiiroPrograma dustrial, a política tarifaria, o esgotamanto da política de substi- tuição de importações e de proteci- industrial, submetidos as exigências dos novos termos, co locam o Brasil na posição de LDC, evoluindo para país plenamente desenvolvido.
Exterior e as Diretrizes da Política Agrícola, que foram delineadas em junho e setembro do ano pas sado, respectivamente. A elas de vem se articular outras refonnas importantes como a privatização, a reforma do mercado de capitais, a refonna educacional e a nova política para investimentos em infra-estrutura, completando o es-
mais racional e não predatória os recursos naturais”.
no universo da A redução tarifária, que é um dado importante na política econômica brasileira, fará do Brasil um exportador de produtos industrializados, o que de resto já é, e um significativo supridor de lacunas de mercados competitivos europeus, americanos e asiáticos.
O propósito do governo, das camadas dirigentes da área econô mica consiste em deixarmos o âmbito do Terceiro Mundo, embo ra, sob vários aspectos já o tenha- deixado. Acerca da política industrial do governo brasileiro, é transcrevemos o trecho
forço de modernização produtiva. Estas propostas de reconstmção competitiva estão atualmente em discussão nos fómns criados para articular as ações do Governo Federal, governos estaduais do setor privado”. “O ponto de parti da para essas ações é o entendi mento de que a reestmturação da economia requer participação ativa de todos os agentes econômicos, públicos e privados. A fonte de dinamismo desse processo deverá ser a iniciativa privada. Aos agen tes privados competirá elevar seus investimentos em capacitação tecnológica e na qualificação de recursos humanos: adotar méto dos gerenciais e organizações mo dernos e mais eficientes, bem como modernizar e expandir a estiutura produtiva, para alcançar padrões de preço e qualidade compatível com aqueles vigentes no mercado internacional: e utilizar de fonna onismo mos oportuno do Projeto de Reconstmção Naci onal, onde vêm as respectivas dire¬ trizes do governo.
Louvamo-nos nessa trans crição para tentar convencer os nossos interlocutores que o Brasil oferece todas as garantias para in vestimentos estrangeiros, transfe rência de tecnologia, colaboração conosco no processo de desenvol vimento. Contamos, Já com uma poupança interna significativa, embora não suficiente para todos os projetos que se elaborem, com a finalidade de promover o desen volvimento nacional. Não dispõe, ainda, a nossa população de renda suficiente para manter continuada a poupança. Nem as Bolsas de Valores atraem, como ocorre em países altamente industrializados, 0 montante da poupança que pode ter essa canalização. Evoluímos, no entanto, de maneira expressi va. Não hesitamos em prever que no fim da década o poupador bra sileiro já se tenha capacitado que associar-se às empresas cotadas nas Bolsas é bom negócio.
O “governo Collor iniciou ao lado da política de estabilização, programa abrangente de reforestruturais visando à moder¬ um mas nização produtiva da economia brasileira. Este programa agrega a Política Industrial e do Comércio
De par com essa área, temos a da pequenas e médias empresas, cujo número elevado, atua como iiTÍgador do corpo econômico da nação. Assim é que o Congresso da Pequena e Média Empresas, realizado em 1989, contou com expressivo número de participan tes, tanto do Brasil quanto do es trangeiro, demonstrando vitalida de dessas categorias empresari ais. O investigador, aquele que nos escolher para aplicar capitais, contará, portanto, com uma parce la expressiva da economia brasi leira, que alimenta a grande em presa. Foi nesse sentido que se iniciou a indústria automobilísti ca, a qual deu origem à indústria de auto-peças, hoje florescente.
E, pois, o Brasil grande, pro missor mercado para tecnologia, notadamente, a de ponta, e para equipamentos. Estamos conven-
e, so-
o ex-
cidos de que precisamos aumentar tes desse bloco tenderão a aumena importação de bens de capitais, tar as compras no Brasil. A persNa estatística das importações pectiva que se nos abre é, portanbrasileiras, vemos que esses bens to, positiva. O padrão de vida representam 26,5% o que é mo- dos europeus aumenta sempre, desto. Consulte-se o quadro das Quem conheceu as nações inimportações, e seja ele compara do com países de menor expres são, ver-se-á que muito há que fazer, e que muito deve ser feito, pois oferecemos, ademais do mer cado, da infra-estrutura industrial, comercial, bancária e serviços, re cursos humanos facilmente adap táveis pelo preparo técnico às exi gências da nova indústria, bretudo, uma legislação liberal, atraente para o investidor. No caso específico da Comu nidade Econômica Européia, conhecido do mercado Comum, temos posição favorável, como se vê do quadro anexo. Enquanto portamos o percentual de 28,7% importamos 20,3%m, isto até ou tubro de 1989, as últimas estatísti cas de que dispomos. A CEE po derá ver no Brasil um parceiro de considerável significação para trocas comerciais. Uma nota ne gativa é a da parte agrícola, mas sobre esta falaremos mais adiante. Por enquanto, acentuamos CEE dispõe de condições transacionar com o Brasil, leWndo em consideração a revogação do catálogo de importações proi bidas, a facilitação burocrática, e a eliminação da similaridade.
as que a para serem na voam
A CEE deverá, em virtude das vantagens que enumeramos, e estamos certos de ponderáveis, voltar-se para as im portações brasileiras. Se até Suíça encontram-se uvas brasilei ras vendidas em supermercados, se os aviões da EMBRAER nas linhas secundárias da Europa, se um extenso repertório de pro dutos brasileiros é comercializado em todos os países da CEE, tudo leva a crer que as nações integran-
tegrantes da CEE logo depois da segunda grande guerra e voltou a visitá-las 40 anos depois, praticamente não as reco nhece. Foram impressionantes
País algum conta com tantos trunfos favoráveis quanto o nosso para vencer as últimas barreiras do subdesenvolvimento.
vos, sob a égide do liberalismo democrático, uma era de progres so, no legítimo sentido da pala vra.
as mudanças. O nível de vidade franceses, italianos, alemães, por tugueses, espanhóis, gregos, ele vou-se de tal maneira, que custa crer no que se observou naquele passado. Tratando-se, em geral, de nações homogêneas, embora lutando com imigrações maciças, ainda não incorporadas ao padrão nacional, a renda é distribuída com menos desigualdade do que no Brasil. Mas, essa distribuição teve origem no desenvolvimento, que, em quatro décadas mudou a face da Europa, prepara uma espécie confederada de Estados Unidos europeus, deve atrair outras nações não participantes da CEE, e cons tituirá, em futuro distante, um po deroso polo econômico, um dos polos que, com o americano, ca nadense, mexicano, oriental, em vias de se organizar, o sul-asiático possível de organizar-se, e o lati no-americano, abrirá para os po-
Notando-sc que os países lati no-americanos já procuram esta belecer comunidades econômicas, porestíinulo do presidente George Bush com a “Iniciativa das Amé ricas”, teremos também no conti nente uma Comunidade Econô mica cuja dimensão pode ser mai or ou menor, no curso do tempo, como ocorre com a própria CEE. É nessa perspectiva que ve mos inserido o Brasil. Repeti mos que país algum conta com tantos trunfos favoráveis quanto o nosso para vencer as últimas barreiras do subdesen volvimento, para aproveitar plenamente o que está desen volvido, e a partir para uma nova fase econômica, que co loque o país no patamar das nações consideradas ricas na Terra. Em poucos anos passa mos de exportadores de maté rias primas a exportadores de produtos industrializados. Por exemplo, o café, que já consti tuiu 100% de nosso comércio exterior, desceu hoje a menos de 20%, disputando com ou tros produtos agrícolas ou agroindustriais, um lugar de honra na pauta das nossas ex portações.
Operou-se, portanto, no Bra sil, quanto em outras nações, mu danças para melhor, não obstante os problemas que enfrentamos, um deles terrível, o da inflação inercial, resistente aos mais bem elaborados planos para o comba ter. Apoiando-nos em estatísticas, temos CEE, em segundo lugar na participação percentual no inter câmbio comercial do Brasil. So mente 1 % a menos do que os Esta dos Unidos, segundo o quadro se guinte:
Paíscs
Rep. Fcd. Alemanha
Países Baixos
Reino Unido
Comunidade Econômica Européia - Até outubro de 1989
(Participação Percentual)
Não há, portanto, motivo para dúvida sobre a capacidade econô mica do Brasil. Resta, agora, que a CEE acredite em nosso país, e o veja na sua transparente realidade, essa que procuramos expor linhas acima.
Não desejamos negar a cri se na qual ainda nos debatemos. Seria incorreto. Mas não devemos exagerá-la, supondo tratar-se de fenômeno irremediável, ao menos
a cuito prazo. O Brasil está annado de todos os elementos para combater à inflação, à instabilida de da moeda, aos problemas que decorrem desse mal. Estão sendo usados, com energia, detemiinação e resultados positivos, embo ra a taxa inflacionária ainda seja alta e a recessão esteja penalizan do a classe obreira, extamente a menos qualificada. O governo, o empresariado e as lideranças tra-
balhistas estão, porém, procuran do, pela conciliação,'pelo enten dimento, chegar a um acordo que minimise a gravidade da situação. A política de fomen to da produtividade, a fim de ser elevada a produção está em curso. Graças aum “export-drive” constante, firme e conquista dor de mercados, temos o se guinte quadro da nossa balança comercial:
Temos aí, retratado, o esforço ção interna e ao resultado da subs- acentuamos atrás, a dc bens de para prosseguir no desenvolví- tituiçào de importações posta em capital. E significativo registrar mento. Em 10 anos as nossas ex- prática durante alguns anos. Mu- que as nossas exportaçõesportações cresceram 10 bilhões de dando, porém, o rumo da política, dissemo-lo antes - passarem dos dólares, em números redondos, no sentido da liberalização, pode- produtos básicos aos industrialienquanto as nossas importações mos crescer mais nas exportações zados, em 20 anos, de 28,3% a se mantiveram, praticamente, e mais possibilitar a veriedade das 70,9%. Ilustra essa mudança o inalteradas. Isto devido à produ- importações, sobretudo, como quadro abaixo:
Comparativamente, as importações apresentam-nos um quadro animador:
Pesa-nos, sem dúvida, a dívida externa. Alta para a nossa capacidade de amortização do principal e juros, como 0 demonstra o quadro do nosso balanço de pagamentos:
Balança comercial
* Exportação
* Importação
Serviços (liq) (juros) (-155)
Capitais (líq)
Erros e Omissões
Saldos
Réservas Cambiais
É preciso convir, pois, que não nosso comércio exterior. Amplia- Brasil entrará brevemente no clué mais o Brasil um país exportador dos que sejam os investimentos em be das nações altamente industriade matérias-primas, mas de produ- áreas tos industrializados. E variadíssimo postulantes, como a Informática, e o elenco de produtos industriali- exploradas as reservas minerais, petróleo que consumimos. Mas zados que integram a pauta do com industrialização paralela, o esperamos alcançar a auto-sutecnologicamente lizadas. Ainda importamos 40% do
ficiência em 1995 ou, menos oti mistamente, até o ano 2.000. Também os bens de capital pesam no orçamento cambial brasileiro. Embora, no entanto, não os possa mos dispensar, nem, mesmo a longo prazo, deveremos encontrar compensação para esse item no aumento das exportações de pro dutos industrializados e agrícolas. Aqui chegamos a um ponto crucial de nossas relações com a Comuni dade Econômica Européia. Temos de usar a maior franqueza. Somos tratados com discrinação pela CEE. Com isso perdemos. Segun do amplo noticiário estampado na imprensa internacional, os doze países da CEE, praticamente lide rados pelos franceses, dentre eles Sr. Jaeques Delors, ilustre mem bro do Partido Socialista francês, torpedearam as negociações co merciais do GATT para liberação tarifária mais adequada aos mtedos demais países, em par do Terceiro Mundo. O
Econômicos e Sociais, CEDES, de São Paulo, acentua que na dé cada de 80 0 mundo se defrontou, cada vez mais, com um intrincado paradoxo na área de alimentos. Enquanto dispõe de 400 milhões de toneladas de estoque de grãos, concentrados nas nações desen volvidas do hemisfério Norte, as carências alimentares se apresen tam como problema crônico no
O GATTé o recinto natural para as negociações^ mas as nações altamente industrializadas com o acréscimo, ainda, da Coréia do Sul, não permitem que progridam as negociações, e, com isso, somos prejudicados. o resses ticular os UruguayRoundde 1990tennmou em malogro, exatamente porque os países da CEE não quiseram que alcançasse sucesso. A França, delegado ao GATT, terminamente ao fim dos
A CEE proclama-se Cam peã do liberalismo econômico, fazendo crer que assenta sobre doutrina, hoje triunfante mundo, a política econômida qual é depositária. Mas, o liberalismo prevalece somente para os produtos industrializa dos. Na agricultura, ao contrá rio, prevalece o protecionismo. Trabalho elaborado pela Câ mara de Estudos e Debates essa no ca
Terceiro Mundo. Subsidiados, os agricultores da CEE, assim como os americanos, estão tranquilos, enquanto os países em desenvol vimento, a exemplo do Brasil, e outros, não conseguem vencer as barreiras que lhe são antepostas pelos protecionistas. O GATT vem procurando obter a revisão dos instrumentos de estímulo à produ ção agrícola. Mas inutilmente o faz. Os membros da CEE e os Estados Unidos bloqueiam, siste maticamente, todas as iniciativas nesse sentido. Os delegados dos países prejudicados, apelam, em nome dos respectivos governos, por uma abertura comercial. Mas os membros da CEE, principal mente estes, ignoram os apelos. E esse um exemplo de egoísmo in ternacional, que inutiliza as cons tantes profissões de fé liberal dos membros dessa comunidade. Re centemente, 0 embaixador Rubens por seu opõeni-se subsídios para a agricultum. E toi acompanhado pelos demais bros da CEE. Está aí configurado protecionismo que não hesita- denominar de escandaloa CEE defende o setor memo mos em so, com que agrícola.
Ricupero, ex-representante do Brasil no GATT afirmava, com razão: “Não faz sentido que países tão pequenos como a Bélgica e o Luxemburgo, que têm uma agricultura de fundo de quintal, exportem o mesmo que o Brasil, USS 11 bilhões anuais de produtos agrícolas. Isto só é possível através de subsídios”. É contra esse esta do de coisas que aqui protesta mos. Se a CEE quiser, efetiva mente, mostrar-se liberal e identificada com os novos tempos de uma internacional que nasceu e está se fortale cendo na fertilidade ideológica de fins da década de 80 e início desta década, sem delongas, proceder mudanças na política agrícola que patrocina, dei xando livre 0 comércio inter nacional de produtos primári os. Com isso, com essa mudan ça, 0 Brasil poderia ter, segun do cálculos técnicos seguros, um aumento nas exportações de cerca de USS 10 bilhões, com tendência para aumento até o fim da década. O GATT é o recinto natural para as negoci ações, mas as nações altamente industrializadas com o acrés cimo, ainda, da Coréia do Sul, não permitem que progridam as negociações, e, com isso, somos prejudicados. Aduz, ainda, o estudo citado da CE DES, que é fundamental apoiar as teses de liberalização do co mércio apresentadas pelo Banco Mundial ou mesmo pelo governo dos Estados Unidos. Ao Brasil cabe cerrar fileiras contra o pro tecionismo com posições contun dentes nos foros internacionais, como 0 GATT. É o que estamos fazendo, por intemédio da nossa delegação. Mas a CEE é insensí vel. Se, pois, for possível a este seminário atuar junto a órgãos
que tenham acesso à CEE, que 0 faça no sentido de convencêlos que ajudas são menos im portantes do que a abertura dos mercados, falamos apenas so bre o nosso país ... tem enfren tado dificuldades sem conta para pagar os juros da dívida externa, enquanto a própria dí vida tem solução protelada. Mas um país com a capacidade produtora e exportadora de produtos agrícolas como o Brasil podería duplicar sua ex portação de grãos, poderia ir mesmo além, não fosse impe dido pelo protecionismo dos ricos, dentre eles a CEE, a co munidade liberal em produtos industrializados e protecionis tas em produtos agrícolas. Dei xamos aqui consignado o nos so protesto contra esse com portamento inalterável da CEE, e, ao mesmo tempo, o nosso apelo para que deste encontro saiam tomadas de posição favorá veis à progressiva redução do pro tecionismo. Compreendemos, perfeitamente, que os governos dos países integrantes da CEE têm in teresses eleitorais, político-partidários a defender. É tradicional França a manifestação da “rage agrícole”, todos os anos. Mas medidas devem ser adotadas, no sentido de serem superados os problemas internos dos países, a fim de que fique plenamente atu ante o liberalismo como a ideolo gia do século XXI, que já come çou, com a revolução econômica e com o soçobro do sistema comu nista. É, pois, com um apelo que encerramos esta palestra. Espera mos ser ouvidos.
JOÃO DE SCANTIMBURGO é Diretor do Digesto Econômico. O Texto é de tema proposto pela Fundação Konrad Adenauer de Bonn, Alemanha, para simpósio alí realizado de 8 a 12 de julho de 199).
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JORGE USCATESCU
As indagações a respeito da e das motivações do po- natureza der jamais acabarão. O poder transforma e às vezes defonna as do indivíduo, eportrás das reações formas e maneiras de chegar a ele e de exercê-lo esconde-se, não raro, um impenetrável mistéiio. Na Ida de Média, forjou-se a idéia de uma espécie de libido dominandi, e em nosso século, mais uma vez defi nido como uma “nova Idade Me dia”, a doutrina de Freud e da psi canálise deu ensejo a diversas es peculações sobre o erotismo ou a erótica do poder. Convém esclareespeculaçoes, sua maior parte, conhecimento essas cer que jornalísticas decorrem de um perficial da doutrina do medico vienense. Nessa doutnna, com campo da política e em su aplicação do poder, a pulsão da morte e o narcisismo constiturana uma pers pectiva mais profrmda de analise do que os domínios do erotismo, mais conhecidos por todos, da relação entre o no Ao tema mito de Narciso e a ausência mo derna do poder, aquela reveladora paixão de mandar que Maraón as sinalava na personalidade do Conde-Duque de Olivares, dedi camos algumas refleções livro Maquiavelo y la pasión dei
em que todo poder público, poder político na verdadeira acepção da palavra, se move através dos mei os de comunicação e através do poder subliminar, constante, ob sessivo, da imagem, quem domina não é Eros mas Narciso. O mito de Narciso, assim, vai além do uni verso poético em que o colocava, nas origens da poesia moderna ocidental, o trovador provençal Bemard de Ventador: “Aisin perdei come perdet se / Lo bel Narcissus en la fon”. A fonte onde se contem pla nossa classe política de hoje, em toda parte, é a pequena tela da televisão, onde a “imagem” dos políticos nos persegue com sua presença importuna. Detrás da imagem ergue-se o perfil de Narci so, enamorado consigo mesmo, perdido em seu espelho e prolon gando seu namoro ao império das umas, espelho e fonte universal. Os intérpretes procuram a maior riqueza dos ensinamentos de Freud no mundo interior, onde o narcisismo invade o campo das pulsações - do amor e da mortenum universo vasto e misterioso onde 0 narcisismo é a
dadeiro leit motiv e Freud. Para Spranger, analista sem igual da figura do homem político, isto re presenta 0 cúmulo do egoísmo. Longe estamos de Platão e sua teoria do valor político. Sempre perto de nós, está o chéfe dos eunucos das Cartas persas, de Montesquieu, que escreve a Usbek falando sobre a “técnica” do domí nio do harém através do domínio do espírito e das consciências. Estamos, como dirá expressamen te Freud, num ligar escuro e com plexo onde os que sentiram as frus trações do amor, buscam a satisfa ção da libido na valorização do eu e sua supremacia (1).
O fato é que, uma interpreta ção deformada de Freud e de toda implicação psicanalítica levou a certo jornalismo sociológico, com ideológicos crepusculares - uma era posterior, com o pós-modernismo, pós-fascismo e agora o pósmarxismo acompanhado pelas ilu sões da “perestroika” - a nos falar de um erotismo do poder e inclu sive de uma erótica dele mesmo, num tom menor e de menor tole rância. Trata-se, como foi dito anterionnente, de uma aplicação mais 011 menos patente - no jornalismo tudo e nada querem ser patentes, como patente no jornalismo tudo e nada querem ser patentes, como salientaram
Nietzsche e Kierkegaard, inimigos acérrimos da falsa cultura jornalística dos textos de Sigmund Freud ao fenômeno político. Tudo
'reserva porventura sem fim da “libido”. Dessa maneira, segundo Ricoeur, “nossos amores e nossos ódios são as figuras revogáveis do amor er guido sobre o ftindo indiferenciado do narcisismo; como as ondas do mar, estas figuras podem ser apa gadas, sem que o frindo seja altera do”. Atrás de tudo isso, está o fun do libidinoso egoísta que é o ver¬ em nos¬ so poder. Efetivamente, mais que num domínio libidinoso, a paixão do mundo e do poder se move na inclinação daquele que exerce o poder para contemplar-se em seu próprio espelho. Em nossos dias. com sarcasmo
isso feito por pessoas que não le ram tais textos nem sua aplicação à política feita por um Ricoeur ou um Starobinski. A fórmula é cô-
moda e superficial, e como tal pro porciona certo êxito, e seus segui dores se multiplicaram. Ao mesmo tempo multiplicaram-se os louvo res pela felicidade da fórmula que, na realidade, seria atribuível, mais a Montesquieu e sua metáfora usbekiana da técnica do domínio do harém, do que a Freud.
Não é que Montesquieu, o grande companheiro dos políticos nos últimos séculos, tenha falado sobre a erótica do poder, mas em suas Cartas persas encontram-se metáforas que se aproximam desse tema. Metáforas e metonímias, que seriam mais do que suficientes para uma construção semiótica da polí tica e do poder. Porém, Montes quieu nunca iludiu a realidade con creta. O qual foi que a Revolução e suas consequências não se inspi raram em suas idéias, abandona das na paz das bibliotecas, mas nas idéias de Rousseau. Tudo isso Emil M. Cioran, niilista da moda, atribui à afeição francesa pela literatura, numa reflexão
senta a perfeição iluminista, com seus limites e sua pouca propensão a evasões líricas posteriores, sabe adivinhar quando há do “princípio do prazer” no poder e na política. Recorda-se a presença de Usbek em Paris. Deixou para trás, num Irã que nada teria que ver com o sangrento Irã Komeinista de hoje, seu harém em mãos dos eunucos.
“Proporciona-lhes todos os praze res inocentes. Engana suas inquie tações. Diverte-as com música, danças, bebidas deliciosas. Con vence-as a se reunirem frequen temente”. Conselhos para justifi car o ambiente lúdico e as diatribes feministas de hoje.
Como pode um homem esperar cativar os corações, se seus fiéis eunucos não começaram por submeter os espíritos?^* fí
Uma fascinante troca de cartas acontece entre Paris e Hispahan. Assim nos inteiramos de como os eunucos governam a complicada que vale a pena vida do harém e do seu paralelismo transcrever: “O literato é menos apto que ninguém para compreen-
com 0 governo do Estado moder no. Paralelismo que dá ensejo a der como funciona o Estado. Para Starobinski para referir-se ao “eroisso demonstra certa competência somente durante as revoluções, justamente porque então a autori- crítico genebriano, “que no condade é abolida e, com o poder texto erotizado do despotismo povacante, o homem de letras tem a lítico, o poder absoluto não chega faculdade de imaginar que tudo pode se resolver com uma atitude ou uma frase. Não é de se admirar, portanto, que os homens de 89 se trados, autoritários e alienados, que tenham inspirado num lunático
tismo do poder” em Montesquieu. “Toma-se evidente”, escreve o a fazer reinar a ordem, e não ser por meio da classe de funcionários ao mesmo tempo privilegiados e frusencontram um prazer erótico ao se fazerem temer pelo povo”. Por meio da classe burocrática dos como Rousseau, e não Montesquieu, espírito sólido que não gosta de divagar e que poderá eunucos, o poder erotizado exerce servirde modelo a retóricos idilicos sobre as mulheres do harém a von tade do tirano, à distância. Os conselhos deste soam como uma eterna e sempre atual cantilena: em e sanguinários”. Com efeito, Montesquieu, esse pensador sóli do, concreto, cujo idioma repre-
Na realidade, Montesquieu nos leva ao tema da vontade de poder. A vontade de poder que se centra na vontade do poder. Vemnos à mente Fcdcrico Nietzsche. Mas trata-se de uma vontade que emana da frustração erótica do eunuco, que aspira, como com pensação, por uma erótica distin ta, a do domínio, da intriga, da submissão de suas vítimas. Assim se exprime o chefe dos eunucos negros em carta a Usbek, ao falar da psicologia das mulheres do harém: “Como pode um homem esperar cativar os corações, se seus fiéis eunucos não começaram por submeter os espíritos?” E o que fizeram com as massas, há duzen tos anos os “clubes” e as “sociétés” de pensée” na França aberta à Revolução. E o tema de Sade, que será também o dos sedutores, deste Stendhal e seu Julien Sorel até Baudrillart e seu excessivo trata do da sedução no universo, mais narcisista do que erótico, da tela e da imagem todo poderosa. Don Juan e seu mito entram no jogo da política e do poder. Freud realizou magistral análise da biotipologia narcisista no plano obsessivo. Entremos na análise dos tipos li bidinosos, cuja modalidade cul tural nos aproxima da própria es sência do poder. Ao tipo obsessi vo caracterizado pelo domínio do superego, se opõe o tipo narcisista caracterizado pelo domínio do Eu; ou o tipo erótico, com o domínio do Isto, que tanto fascinaria o freudiano Grodeck na década de vinte. O narcisista é o tipo sempre disposto à ação, ao domínio, a
desempenhar espontaneamente o seja do destino. Porque a idéia do papel de “leader” ou chefe. O destino não domina somente a erótico está sempre voltado à vida concepção de um Hegel jovem, o amorosa e sempre dependente dos Hegel de Tubinga, submisso à fasoulros. Portanto, nada de erotismo cinante influência do grande poeta do poder. Narcisismo do poder. O Holderlin, o genial amante da culhomem do poder, diz o grande tura grega. Hegel, autor da célebre lipólogo psicológico Spranger, é Filosofia do Direito e do Estado, narcisista. Vive sempre para tendo rechaçado tanto o empirismo si, nunca para os outros. Sua ação como o idealismo abstrato, alcané o espelho de si mesmo. A velha libido dominandi é narcisista ou
um erótica. O mesmo se passa com o mandar. Embevccimento e queda da mesma natureza. participam Abre caminho ao nexo profundo entre o poder e a violência, mere cendo nossa refiexão nos tempos
O Estado e o Direito seriam a encarnação de uma espécie de espírito absoluto, nunca há uma coincidência entre o espírito absoluto e sua expressão atuais. * *
A ameaça à vida a partir de um dimensão política tem, sem dúvi da necessariamente, uma coloca ção filosófica. Fora desta coloca ção real, concreta, em seu desdo bramento histórico mais patente, seria impossível definir o que e esta ameaça, nem o carater de vio lência crescente que encena, nem de escala planetana, ainda que conserve seu carater in finito e ideal, está ligado à natureza concreta e como tal se realiza em si ça uma concepção do direito natu ral onde sustenta que o direito. sua dimensãonem o quanto incide na mentalida de, na cultura, no sentido do po i- tico e do social, nem nas mutações mesmo na histona. Uma historia lAoicas do comportamento que será a nossa e que Nietzsche humano e das relações entre os colocará diretamente na pós-cul- , tura e, portanto, na violência, na colocação deste problema guen-a, na distorção de todos os aqui e agora, leva-nos à dimensão valores. da modernidade. Porque Por tudo isso, torna-se manida modernidade, ter- festo que diante do tema da ameainuito mais à ça à vida em todos os níveis, da criança antes de nascer até o ho mem na sociedade, inclusive o a A mesma em ternios mos que pertencem filosofia de Hegel de que à de Maquiavel, é preciso analisar a evolu- da idéia de Estado e de Socie- desprezo aos velhos e despro tegidos física e socialmente, com uma exaltação suprema da vitalisenão a çao dade num desenvolvimento histó rico de acumulaçao nova e sem par, que ao mesmo tempo que lança dade que por si só não é a ameaça e a violência em termos exaltação da violência; toraa-se de racionalidade, faz com que manifesto, por tudo isso, repetiambas, visceralmente, violência e mos, que um retomo à filosofia de ameaça à vida, se alimentem da Hegel não é pura especulação, nem velha idéia grega ou hebraica, que retórica intelectual, sofista ou
alexandrina. Hegel coloca em ter mos inequívocos o que poderia mos chamar de dialética do con flito ou da violência. E o faz modemamente, dentro de um con ceito moderno e real do Direito e do Estado. E verdade que a dialética hegeliana do conflito da violência oscila, como o próprio temperamento do filósofo, entre uma concepção ética ideal, quase uma utopia, e uma realidade histó rica concreta, dinâmica, em anda mento. Com efeito, Hegel de monstra certa incerteza entre a idéia de um Estado de razão ou se quer um Estado ideal, e a idéia de um Estado singularizado, concre to, existente ali na história do sé culo XIX que nascia e que tinha sua encarnação em Napoleão, ou na idéia de Estado pragmático ale mão nascida da cabeça do barão Von Stein. De um lado, Hegel, inspirado nas idéias da arte de Scheiling, vê no Estado e em toda organização coletiva, ao modo dos renascentistas, uma “obra de arte”. Para Hegel, nas épocas de crise e de mudanças, toda organização coletiva coerente torna-se grande obra de arte, divina em sua essência”. E “o principal pensa mento que atormenta o espírito dos homens em todas as épocas de transição”. O Estado e o Direito seriam a encarnação de uma espé cie de espírito absoluto. “Mas nunca há uma coincidência entre o espírito absoluto e sua expressão”. E é precisamente esta expressão a que corresponde a uma existência histórica, em que a totalidade éti ca é representada pelo povo, pela coletividade, encarnação única do infinito e do positivo. Os povos constituem outras tantas individu alidades que estabelecem entre si sistemas de coexistência, mas que participam de um caráter exclusi vo e negativo, fazendo com que a guerra seja prova da vida dos po-
vos. De modo que a guerra, de certa maneira, mais do que uma manifestação exterior à vida de um povo, é uma necessidade ínti ma. E a conseqüência da coexis tência e da mesma individualida de dos povos. Assim Hegel, instaurador de uma modernidade
eterna presença história do con ceito hegeliano da “astúcia da ra zão” (List der Vemunft): solução que se situa numa ordem moral reconhecida por todos.
E sabido que Marx procurou na luta de classes o conflito tipo do homem em sociedade, cuja solu ção, neste caso verdadeiramente utópica, seria a edificação de uma que e nossa, se expressa em sua “Fenomenologia do espírito”.
Atrás desta concepção gené rica do Estado e do Direito, está, para a filosofia de Hegel, a nature za do conflito, colocada dialeticamente, como fonte da violência, da ameaça à vida, da guerra. Esta dialética do conflito é muito fami liar à sociologia atual. Tanto que dela emana a famosa “polemologia” que através de Marx não faz senão recorrer à teoria dialética
A dialética do conflito nasce hegelicamente com o fenômeno primário da dialética social senhor-escravo. do conflito que emana diretamen te da filosofia de Hegel. A dife rença essencial e no Estado requer uma solução imediata, para Hegel a solução pertence à lógica interna do próprio conflito que pode pres tar-se a um processo de gestação e “ao imenso poder da negatividade”. A dialética do conflito nasce hegelicamente com o fenô meno primário da dialética social senhor-escravo. A sociedade
derna posterior à Revolução Fran cesa é nova, visto que alcança a consciência deste conflito, que é universalmente reconhecido. Este conflito consciente implica dialeticamente adversários consci entes de seus direitos e deveres e (^ue se reconhecem como iguais. E, dentro desta dialética, missão do Direito buscar a conciliação e a solução mais adequada dos con flitos. A sociedade civil por sua própria natureza implica em con flitos. A própria emulação e com petência é um fato conflitivo. Há, portanto, uma conflitividade esti mulante e uma conflitividade ne gativa. Mas ambas concordam com uma solução dialética, mediante a
sociedade sem classes com o de saparecimento do Estado. Mas al guém recentemente observava, ao analisar com acuidade a “Filoso fia do Direito” de Hegel, que não foi Marx quem estabeleceu nesta matéria da dialética do conflito, o nexo com a história do nosso tem po. A ironia da história, dizia este penetrante analista, quis que um “obscuro hegeliano, Lorenz von Stein, estabelecesse este nexo en tre Hegel e a sociologia “conflitante moderna”. Numa pa lavra, com a polemologia que se enfrenta num esforço dialético sem fim, com o paradoxo de uma guer ra impossível, uma violência cres cente e uma crescente ameaça à vida em todas as suas formas. A vida como esperança, a vida físi ca, a vida de indivíduos e comuni dades inteiras ameaçadas por mil formas de extermínio.
Num texto datado de 1842, mo
sob o título Kommunismus und Sozialismus in Frankreich, Lorenz von Stein afirmava que enquanto existisse uma sociedade, existi ram classes, dominantes c domi nados. Isso lembra famosa confe rência de Marx Weber em Viena, que ao criticar Marx e o socialis mo, afirmava que a abolição do domínio do homem sobre o homem “é uma utopia tão insensata quanto irrealizável. Com Weber encon tramo-nos diante da concepção atual de conflito que se baseia inteiramente nas relações de po der, seja entre indivíduos, grupos ou Estados. A substância moral infinita de Hegel é substituída de cididamente pela vontade de po der de Nietzsche, cujas inumerá veis fonrias de aplicação são cui dadosamente analisadas pelos so ciólogos e o senhor de uma socie dade sem violência fica provisori amente em estado de vigília” (2). Este princípio de conflitividade ontológica que está na base da sociedade e do Estado individualizados em termos hegelianos, alcançou em nosso tempo novas dimensões e novas formas de manifestação. Aparen temente impossível a guerra, pela ameaça inédita de destruição total da vida da humanidade, outras manifestações de violência e ame aça à vida em diferentes formas têm surgido e se espalhado em escala planetária. Trata-se do ter ror e de sua forma de ação organi zada, que é o terrorismo. Em ter mos gerais, trata-se de uma ação que faz parte das novas formas de conquista de poder; das novas for mas de dominação de um Estado tirânico e totalitá rio; de uma nova forma de ação social negativa. O tema está próximo, é cotidiano, de vivência comum que não necessita de uma remissão interpretativa a calendas gregas, como diria Ortega. Em torno de nós, ele se
insere numa nova mentalidade e preender tal coisa a partir de uma perspectiva liberal. Não é que o comunismo tenha criado ou in ventado um clima de violência e de ten‘or; mas, isto sim, soube darlhe um conteúdo político concre to, numa estratégia na qual, vio lência e pacifismo, denúncia e medo, tentação totalitária e tenta ção niilista, são outros tantos ins trumentos nunca desprezíveis nem
emana
numa nova forma de ação. É uma espécie de atitude esquisofrênica segunda a qual se deseja a morte dos vivos do partido contrário e, por conseguinte, dos vivos em geral, e igualmente a morte, a de sonra ou o esquecimento dos mortos do partido contrário ou dos mortos em geral. Foi dito, e com razão, que no século XX “o poder é triste”. Esta forma de terrorismo foi definitivamente inserida na idéia do poder e sua conquista que da doutrina marxistaleninista. Esta concepção é tida por ultrapassada, como lemos di ariamente nos comentários cir cunstanciais da imprensa do mun do livre, mas existe nela um asnada obsoleto. Onde se te-
Para Cicero, um Cicero cético, a política era a escola do crime. Para o suave moralista Montaigne, o homem público se acha na alternativa de nada fazer ou ser um criminoso. pecto nha conconquistado o podei, jadará lugar a outra alter- mais se nativa. A estrutura do poder acu mula o ten or, e não cabe nenhuma fonna de terrorismo individual ou de ameaça à vida por parte de núcleos ou estnituras sociais par ticulares. Com a idéia de manter e poder também por não sejam pela
conquistar outros meios que guerra mas que impliquem sempre conflito e violência, o marxismo- leninismo sabe estar sempre à la Um inteligente comunista que conhece esta realidade por dentro, como o espanhol Claudin, manifesto que o totalitafascista está sempre em sua natureza, ceder o page tomou rismo ponto de, por perder o poder. O totalitarismo comunista, nunca. Os últimos acontecimentos parecem ter aca bado também com esta mito do poder totatlitário permanente. Para compreender esta forma de violência e de ten'or, é preciso colocar-se, como dizia MerleauPonty ao tratar da dialética humanismo-teiTor, no “Stimmung da violência” revolucionária ou ou do poder. Jamais se poderá com-
depreciados na luta. É certo que a maior parte das profecias ou do ideário de Marx permaneceram nos domínios da Utopia. Mas em seu lugar e talvez em seu nome instaurou-se um sistema forte de poder ... mantido com irgidez e com incessante capacidade de ex pansão ... que tem sabido combi nar com fria e constante tenacida de o princípio do imediatismo das “soluções” com o princípio da es pera e das calendas gregas. Tudo isto em dimensão concreta, fria, aproveitando ao máximo a nature za conflitiva de uma sociedade moderna e um Estado, inclusive um Estado livre e democrático, em que um Truman podia afirmar com profundo acerto e sabedoria que tinha mil vezes mais poder do que um Luiz XIV, um tirano me dieval ou um déspota asiático. A Utopia verteu suas idéias na reali dade. Porém, tudo isso mais à
maneira em que a expões Rubakof, 0 personagem koestleriano de O Zero e o infinito, e inclusive mais à maneira de Huxley em seu belíssimo e sugestivo Brave New World revisited, do que à maneira literária e evasiva de um Orwell, cuja novela 1984 não é senão uma imagem da Inglaterra com uma cifra cronológica invertida; onde ele diz 1984, podia dizer “1948” num lugar concreto em que pen sou, nos alvores da Utopia moder na, seu próprio inventor, São To más Morus.
O poder é triste. O poder como crime. A idéia tem hoje uma vasta aplicação totalitarista, mas não é nova. Tampouco se tem de pensar somente em Maquiavel, a fim de se aproximar dela. Para Cicero, um Cicero cético, a política era a escola do crime. Para o suave moralista Montaigne, o homem público se acha na alternativa de nada fazer ou ser um criminoso. “Le bien públic requiert qu’on trahisse, qu’on mente et qu’on massacre”. Pensando assim, a po lítica é por essência imoral. Ela comporta um pacto com os pode res infernais, porque é a luta pelo poder e o poder leva à violência, cujo uso legítimo está no poder do Estado. A realidade moderna é esta. A diferença entre uma reali dade totalitária e uma realidade liberal e democrática, é a que vai entre o imediatismo e as calendas gregas. Um Estado democratica mente legitimado procura, por to dos os meios, soluções legais ou de compromisso em relação à vi olência. Um Estado totalitário, especialmente centrado nos prin cípios do marxismo-leninismo, se identifica com ela. Por isso, num clima histórico de conflitos as vantagens do segundo na luta pela manutenção e expansão de seu poder são evidentes.
Quando Rubakof descobre no
cárcere o guarda branco que outrora ele teria fuzilado sem titube ar, e após sofrer tortura, descobre também a subjetividade. Desco bre que a razão verdadeira não é a razão objetiva, e que jamis se po derá alcançar a justiça sob o signo da violência. Drescobrirá na reali dade, que não teve razão. Mas nunca poderá descobrir que não é inocente. Esse é o drama da vio lência, 0 verdadeiro drama para a geração desse século. Na realida de, somente a fidelidade ao Ser mão da Montanha pode garantir proventura no século da violência mais do que nunca, esse estado de consciência. Que não se é inocen te quando se cometeu injustiça: quando se praticou a violência; quando se tolerou ou incitou ame aça à vida; quando se tolerou que milhões de seres, de homens, padeça,m e morram de fome. Uma das formas mais espetaculares esta, no planeta, de ameaça à vida. Dir-se-á que é a mesma coisa de sempre. Tácito e Shakespeare dão testemunho fiel disso. Lem bremos os episódios de perene atualidade dos Anais. A ironia do imortal historiador romano quan do narra a morte, o matricídio de Agripi na: “Os deuses proporcio naram uma resplandecente noite estrelada, tranqüila, com mar cal mo”. Evocando com todos os de talhes como Aqueronia “grita ino centemente ser ela Agripina e pede ajuda à mãe do príncipe; é então que é atacada (no mar) com golpes de paus e de remos”, enquanto Agripina, “calando e por isso me nos reconhecida” nada e se refu gia em sua vila, onde por fím a alcançam os sicários de Nero. Ou, como narra Tácito a morte de Petronio, que, condenado, ao con trário de Sêneca, procura uma morte também estóica mas sem retórica; “fez com que lessem a ele não coisas sobre a imortalida¬
de da alma e sobre as opiniões dos sábios, mas poesia leve e fácil... E nem ao menos em seu testamento quis louvar, como faziam a maior parte dos moribundos, Nero e Tigelino ou outro poderoso, mas descreveu toda a vida escandalosa do príncipe com os nomes dos queridos e suas mulheres e novos detalhes sobre cada estupro, envi ando-o a Nero sob lacre, que rom-
A tremenda covardia que fez Gandhi dizer: Creio que se pudesse escolher entre a violência e a covardia, eu aconselharia a violência”. u estas palavras
peu, para que mais tarde não ser vissem para comprometê-lo”. Nosso tempo, embora pareça, não está muito longe dos tempos de Tácito. Muito menos dos tem pos de Shakespeare, com Macbeth, imagem da relação terrível entre poder e crime, entre poder e san gue. Poder, crime, suspeita. Uni dos e assim formulados numa úl tima mensagem que Bukharin, um dos processados de Moscou, en via, no último momento a Stalin: “Koba, de que te serviu minha morte?”.
A violência hoje está na or dem do dia. Na rua, nas almas, nos propósitos do poder e nas tenta ções niilistas. Há um desejo de destruição. Com esta palavra o filósofo Heidegger definia a situ ação percebida por ele na Alema nha da década de vinte: “Destruktion”. Assim, em alemão, com K. A violência está nas pala-
vras e atitudes. “As palavras mentirosas”, como diria Nietzsche, tão atual no auge do niilismo. Quando o inefável prestidigitador do “informativo” de tantas meianoites define a situação na Améri ca Central como “agressão ianque”, e a do Afeganistão como “guerra civil”, comete violência através de “palavras mentirosas”. Além disso, na situação do niilismo planetário e da chamada “ordem anárquica”, a violência vem refe rendada e fortalecida ao máximo pela covardia. A tremenda covar dia que fez Gandhi dizer—grande momento este para relembrar suas palavras surpreendentes e signifi cativas desconcertantes; “Creio que se pudesse escolher entre a violência e a covardia, eu aconselharia a violência”.
Vemos assim como o mundo de Gandhi, distante do mundo dos pacíficos bem-aventurados que ele tanto admirou, o mundo dos bemaventurados de Cristo ou dos contemplativos absolutos da catarse indiana, aparece contami-. nado pela violência fáustica que conquista tudo. Onde o complexo ocidental de Marathon se encon tra com o enigma oriental de Rashomon. Cada vez mais distan te do belo ideal de Goethe quando cantava: “De Deus é o Oriente / De Deus é o Ocidente; / As terras do Norte e do Sul. / Descansam na paz de suas mãos”. E por trás da violência espalhada e que penetra no fiindo da alma em conseqüência da covardia e das palavras mentirosas, a retórica manipula a dissuasão, por trás da qual, por sua vez, se esconde sua irmã gêmea, a guerra. Na companhia triste e an gustiante da violência e da guerra, voltamos ao tema da ameaça múl tipla, variada e insidiosa à vida, com a leitura de um velho tratado militar intitulado A arte da guerra.
Não se precipitem em julgar. Não é de Maquiavel, nem de Clausewitz. É de um velho tratadista chinês de estirpe confuciana. Seu nome era SunTsu. Viveu no século IV a.C. Um dos
seus grandes discípulos do nosso século se chama Mao Tse Tung. O livro foi trazido ao Ocidente e publicado em Paris em 1772 pelo jesuíta Amiot. Uma edição com pleta de 1782 parece ter feito as delícias de um jovem militar cha mado Bonaparte. Em 1927, um grande escritor, militar britânico, Lidell Hart, o redescobre. Há reflexões de grande atuali dade nos textos do tratado chinês. Numa guerra que é, de certo modo tem mil caras.
Para Clausewitz, o princípio da moderação seria um absurdo na guerra, já que a guerra é um ato de violência impelido a limites extremos» O dogma da permanente, que liga intimamente com a enquanto sobre o fun da existência dos hodos continentes se projeta, imensa tela, o que se dissuasão do aberto mens e sobre uma da guerra total. Da anto- como WiTde Sun Tsu, Mao elegeu este aforismo, que merece reflexão: A arte suprema da guerra consiste vencer o inimigo sem combaPara Clausewitz, o principio ia um absurdo na
roso que quer dizer “verdade” e “justiça”, afinna; “A União Sovi ética não se deixará invadir pela epidemia da liberdade”. Estamos em pleno “retomo do trágico”, quando Jean Marie Domenach analisa os destinos do século sob esses signos; “Stalin ou a suspei ta”; “Hitler ou a ausência”. Sím bolos de uma idade materialista que produz uma música, sim, uma mística, em cujo nome gerações inteiras vão ou são conduzidas para o sacrifício. E uma espécie de adeus definitivo à história em nome da violência e do terror. Ausência histórica e entendimen to da história como suspeita. O poder se instala assim no trágico, recordando as palavras de Bossuet; “Não há poder humano que sirva a outros desígnios que não sejam os seus”. O poder violenta a história. E a história do poder. E a história de Macbeth, símbolo extremo da em ter da moderação seria guerra, já que “a guerra violência impelido a limites extremos. A réplica de Sun Tsu isto- “Subjugar o inimigo sem combater é a maior habilidade”, de sua estrategia é um ato de a Ou esta regra atualmente em uso; finge incapacidade. Se estão per to, simula distância. Se estão lon ge’, simula proximidade”. E o leit motiv: “Vencer o inimigo sem combater é o máximo triunfo. Ser invencível depende somente de si “Se és capaz, mesmo”. * * *
A violência, a guerra, a neces sidade e seu império. Primeiro na vida do homem, veio a necessida de. Uma vez descoberta a liberda de, logo veio a luta pela liberdade.
Mais tarde Marx, seguindo a pista de Hegel, redescobre o fatal retor no dogmático da necessidade. Faz, inclusive, mais do que isso, colo ca a necessidade no nível da liber dade. E a revolução do nosso tem po coloca as coisas no nível do tempo para suscitar a seguinte questão; “Liberdade, para que? E logo o Pravda, cujo nome mentiviolência e sangue unidos na ânsia do poder. Macbeth é o herói de Shakespeare com maior presença nesse século. Poder, demência transformada em Eros. Stalin é sua encarnação simbólica. Liber dade, para que? O poder, o Estado quer racionalizar a vida social. É chegada a hora, ouvimos dizer, do Estado organizar a sociedade. Al guém se perguntará, aqui e agora ... que tem isso a ver com os perigos que ameaçam a vida em uma escala normativa jurídicopolítica? Claro que tem a ver. Isto é o cerne da realidade que nos ameaça, racionalidade, que se sobrepõe ao homem humano, a um humanismo em plena dispersão, arrastado como um todo, aum babélico con flito de humanismos. A Torre de Babel semântica que envolve e distorce tudo; os termos da políti ca (democracia, liberdade, igual dade, vazias de sentido), da moral, com uma terrível distorção de va lores em todas as escalas. Com a vocação totalitária, com sua irmã a vocação niilista, que têm a mes ma raiz ontológica, substitui-se o diálogo e a comunicação pela sus peita. A necessidade, braço arma do da suspeita, desentranha-se de raízes de liberdade. Não para im por a ditadura do proletariado, mas uma ditadura fabricante do prole tariado. Uma ditadura que fabri que uma nova classe, uma casta, um novo espírito burguês, um novo despotismo asiático, mil vezes mais cruel do que o denunciado por Marx na hora germinal (3).
“O stalinismo é a antologia viva de Shakespeare”, escreve Domenach. E em “Danton”, o ci neasta polonês Vajda pinta os he róis da tragédia polonesa de hoje, procurando semelhanças até nos traços físicos. Política e paixão, paixão de paixões. “A hipnose que 0 poder exerce é invencível”, co-
mentava Berdiaef. E, outra vez em Shakespeare a voz de Macbeth: “São tempos cruéis estes, em que somos traidores sem saber e ouvi mos os rumores do medo sem sa ber 0 que tememos, flutuando so bre um mar revolto e violento que nos agita em todas as direções”. A política destruidora e voraz. No vamente Macbeth: “Se uma vez feito tudo acaba, seria bom tudo acabasse”. Mas a contradi ção faz com que nunca acabe. O medo gera o terror, o terror gera medo, a suspeita permanece e tudo começa de novo. E o mundo está se povoando de “conciliadores”, milhares de “bonhommes Stalin”, que flutuam entre o medo e o ter ror. Este é 0 pano de fundo da guerra permanente, do terrorismo universalizado, da constante ame aça à vida enquanto se continua a exaltar os sagrados princípios, e o pacifismo estabelece sua irman dade com a ecologia.
existência não só não desaparece, mas mobiliza energias vitais vas tas e profundas. Ideologia e políti ca exercem uma “hipnose invencível”, como dizia Berdiaef. O niilismo do Estado e da política absorve tudo: destino pessoal do homem, seu sentido trágico da existência. A estatística, o univer so concentracionário, o apocalipse da guerra, as abstrações ideológi- que
IO “Prè Ubu” no ápice do po der. O caldo de cultura do medo, da suspeita, do terror e do genocídio, não podia ser outro senão a liber dade. Tanto que há quem acabe por denunciar cinicamente “a epide mia da liberdade”.
Para concluir, no século XX, e mais ainda no acaso desse sécu lo, “o poder é triste”. O poder é triste, o poder é trágico. Até ponto em que mitos e ideologias materialistas suscitam
o
A sociedade de alto nível tecnológico tem mais capacidade do que nenhuma outra para ser totalitária oUy ao contrário, niilista. cas, não conseguem anular este sentido trágico. No século XX o poder é triste. Quem não ama a violência não tinha que ter nascido neste século, diria Trotski. Expul so da História, o trágico volta a apoderar-se de uma História atre lada à Utopia. Tudo isso no quadro de um mundo que um personagem chinês daTentação do ocidente, de Malraux, assim definia; “A inten sidade que as idéias criam em vós, hoje parece-me que explica me lhor vossa vida do que elas mes mas. A realidade absoluta foi para vós Deus; depois, o homem. Mas o homem morreu depois de Deus e agora vós buscais com angústia alguém a quem poderieis confiar vossa estranha herança”.
bemética, onde o ordcnador pre tende assegurar o triunfo da “von tade geral”. Como estamos longe do momento em que Malesherbes escrevia a Mirabeau!: “Oh monsieur le marquis... les systèmes de toute espéce sont irop au dessus de moi”. Moje tudo é sistema. O sistema está sobre cada um de nós. Mas se todo sistema é abstrato, a violência contra a vida é concreta. Sua marca é o sangue. Seus cami nhos estão regados de sangue. Po rém tudo isso, por mais desolador que seja, não exclui o paradoxo. Porque se a fé e a esperança nada podem contra a Utopia do ordenador e do sistema, ainda po dem tudo contra a violência e a ameaça à vida, à pessoa e sua dignidade. Onde ela aparece já não cabe a confusão babélica nem a semântica perifrástica. Não cabe oferecer a paz quando, sendo governante, sabe-se perfeitamente que este oferecimento é fruto da covardia, do medo e dos compro missos. Sendo assim, cabe dizer: “Eu não vim para trazer a paz mas a guerra”. Palavras que ditas por Quem as disse e pode dizê-las hoje mais do que nunca, com mais profundidade e mais verdade, em nada contradizem a mensagem do Sermão da Montanha.
(1). cf. JORGE USCATESCU, Maquiavclo y la pasión dei poder, Ed. Guadarrama, Madrid, 1968, p. 62 et seq.
(2) EUGHNE FLERSCHMANN, “Dialectiquc el conflit”, in Hegcl et la philosophic du droit, Presses Universitaires de France, Paris, 1979, p. 84.
A sociedade de alto nível tecnológico tem mais capacidade do que nenhuma outra para ser totalitária ou, ao contrário, niilista. Estamos nos umbrais da Polis ci-
JORGE USCATESCU, autor espanhol, apresentou o texto na XXVII Reu nião de Ciudad Católica, ein Madri. Tradução de Renée Chequer Ramalho Machado
(3) cf. JORGE USCATESCU, Europa, nuestra utopia, Ed. Rcus, Madri, 1978, p. 108 et seq. uma capacidade de morte e de sacrifício, inconcebível em qualquer outra época e menos ainda na tradição espiritual e cristã européia. En quanto a filosofia do século pro clama a morte de Deus e do homem, gerações inteiras aceitam generosamente, ou melhor, cega mente, o holocausto. As mitologi as humanistas. Através da demo cracia, a política sacrifica a liber dade, a História se entrega à Uto pia, mas um sentido trágico da
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MIGUEL AYUSO
I
A questão dos limites ou limi tações do poder, à primeira vista, parece remeter a um posi cionamento meramente técnico. Tratar-se-ia de acordo com este de recondu zir sem mais o grande tema do poder a sua “aplicação correta, diária e artesã”; de despojá-lo de seu esoterismo e mistério, toman do patente sua verdadeira funcio nalidade; enfim, trata-se de verter a metafísica em um conjun to de técnicas particulares e instmmentais (1).
condições de detenninar quais se jam suas limitações. E só depois de precisar quais são estas limitações, encontraremos o “nume” do poder. Portanto, relacionam-se intima mente as tarefas de nos aproximar mos da essência do poder e fixar mos a atenção nos seus limites. Entretanto, a realidade do po der mostra-se inacessível sem a consideração dos fatores históri cos e sociologógicos, dos quais resulta a sua caracterização.
modo de entender ca” con-
, advertiu que, se a Idaeste posicionamento pos-
Sem negar ao interesse que tão freqüente entre os cultivadores do Direito Público e, em particular, do Direito Administrativo sa ter, o certo é que tal aproxima ção às limitações do poder, no seio do fervedouro de tendências espi rituais e ideológicas que explicam a origem do Estado moderno posterior evolução, requer tudo prévio mais profundo.
e sua um es-
Efetivamente, a questão das limitações — neste caso do poder, porém mais universalmente de qualquer outro objeto—se estabe lece em uma esfera propriamente filosófica: 0 conhecimento de uma determinada realidade é dado pelo que positivamente contém, considerando-a também pelos li mites que marcam seu perímetro e a distinguem dos campos limítro fes. Somente sabendo captar a metafísica do poder estaremos em
O presente tema deve ser colo cado em relação estreita com os do conceito e origem do poder e de suas tendências histórico-sociológicas que já ouvimos nas exposi ções de Estanislao Cantero e José Maria Alsina, respectivamente, e com o do totalitarismo e distribui ção de poderes que ouviremos de Juan Vallet de Goytisolo. As qua tro comunicações formam um bloco unitário na intenção e plural no enfoque, que tentarei completar com esta contribuição.
Que o fenômeno do poder tem sido sempre contemplado com uma confusa mescla de curiosidade e receio é algo evidente, que se po dería ilustrar sem dificuldade com exemplos tirados das mais diver sas épocas e referidos aos mais variados lugares.
Porém que em nossa época se percebe uma crescente preocupa ção em fazer oposições ao poder e, ao que parece, ao seu crescimento
incontido, não deixa de ser menos evidente para o observador das tendências dominantes cm nosso mundo. Talvez por isso. Romano Guardini, no início de seu livro “O poder. Uma interpretação teológiao desenvolver sua tão co nhecida tese de que, embora toda época histórica se realize simulta neamente em todos os campos da vida humana, no curso da história umas vezes é um elemento da existência e outras outro diferente o que alcança uma importância especial ou uma consideração do minante de Moderna se caracterizou por crer que todo aumento do poder sobre a natureza constituia um proveito, hoje o poder se tornou problemático: “Na consciência de todos brota o sentimento de que nossa relação com o poder é falsa e de que inclusive este crescente poder nos ameaça a nós mesmos” (2). Isto não impede que o poder — e num sentido mais onicompreensivo e não meramente circunsconti-
crito ao âmbito político nue crescendo e inclusive possa afirmar-se que está alcançando seu estado critico. É o profundo pa radoxo que ultrapassa desde seu princípio a Modernidade: dar livre curso a uma torrente represada contida em tempos anteriores pela espessa rede de instituições soci ais e pela influência da fé religiosa e da moral comunitária, e buscar logo seu controle em fatores me cânicos e artifícios técnicos.
junto como a de De Jouvenel (6) que acabo de citar; nem seu dina mismo, apesar da famosa frase de lord Acton (7).
O poder é, em primeira instân cia, um fato de força, mas que nào se esgota em si mesmo. Por isso, por um lado, o professor Elias de
Que este fato bifronte e para doxal, ressaltado com propriedade pelo teólogo alemao de ascendên cia italiana, é um sinal de nossos tempos, demonstra-se com facili dade nas considerações, entre ou tras, de Bertrand de Jouvenel — em seu clássico livro, Du Pouvoir (3) — ou de Claude Polin em sua Tejada (8) pode destacar como a obra menos conhecida L'ésprit “potestas” romana é a força que totalitaire (4).
Defrontamos com as questões básicas do porque de sua atual exao que aconteceu du-
O que aconteceu durante os séculos passados para que o poder tenha chegado a se desenvolver tão desmesuradamente, a ponto de ameaçar invadir todas as dimensões da existência humana?
Cumpre ainda acrescentarsegundo o pensamento do profes sor Elias de Tejada (11) - aos ele mentos político e ético outro dado: 0 reconhecimento social, de base eminentemente sociológica, de onde lhe vem uma primazia, uma consideração de superioridade, um respeito que se basta para ser efeti vo sem necessidade de utilizar a coação física na generalidade dos casos.
figuração natural para trânsito moderno para sua pois o concentração e seu congestiona¬ mento.
cerbação rante os séculos passados para que poder tenha chegado a se desen volver tão desmesuradamente, a ponto de ameaçar invadir todas as dimensões da existência humana? e de como de sua desejável o que fazer para o restauração alcançara significação acertada do poder, de tal modo que possamos devolvê-lo a seu estado ordenado compelindo-o a atuar pelo bem do homem? e fíéis às premissas existe por si mesma, antes que fospresentadas anteriormente, inici- sem ditadas as leis e que estas caminho estudando reconhecessem, regulasssem e delimitasem seus contornos; mas. a aremos nosso fenômeno do poder em sua conmostrar deo por outro lado também, não resulta menos certa a afirmação de Roma no Guardini (9) de que o poder nào pertence só ao mundo físico - a força impessoal, cósmica e materi al - mas implica no exercício de uma responsabilidade pessoal e.
E que 0 poder é força persona lizada e como tal orientada e limiao
seres criados, nào tem em si mes mo uma tendência a ser obsolutista, apesar de certos ressaibos que em tal sentido se admitem inclusive
O poder, como fenômeno na tural” - porque decoiTe natural- portanto, tem o selo moral que mente da sociedade, que é natural marca indelevelmente o humano, homem, idéia que é patrimônio da filosofia política ocidental e que, vinda de Aristóteles, Santo Tomás tada pelo direito. Isso nos aproxie Francisco de Vitória, incoipora- ma de sua fundamentação teleolóram ao pensamento cristão de modo gica, uma vez que, à medida que original com a idéia de criação (5) essa força se põe a serviço dos - isto é, adequado à ordem dos ideais de justiça que caracterizam 0 juridico, toma-se possível seu discernimento de outras forças: à medida que o político se subordina ao ético, o poder se justifica pelos numa obra acertada em seu con- fins a que serve (10).
Na experiência romana - e nin guém como Álvaro D’Ors (12) o destacou tão bem, extraindo da mesma uma lição de alcance uni versal que tem palpitado no fundo de todas as suas contribuições à filosofia política e social, como se tratasse de seu fio condutor - se distinguia claramente entre o po der e a autoridade, polos de poder e saber, respectivamente, sobre um frindo de reconhecimento social em ambos os casos. A experiência medieval por sua parte, fez seus os ensinamentos dos juristas roma nos clássicos, mas o fez de acordo com uma situação política radical mente nova, a ocasionada pela nova configuração que o cristianismo havia dado à sociedade. A queda do Império Romano no Ocidente deu origem a uma nova civilização assinada por um governo altamen te descentralizado e instalado so bre uma base feudal, que renunci ava a toda tentativa de identificar-se, em última instân cia, com a soberania; pela autono mia e influência em costumes e leis da Igreja; pela virtual inde pendência de vilas e cidades cora respeito ao poder real ou imperial; e pela existência de “parlamentos” na França e “cortes” na Espanha, que tinham a faculdade de outorgar ou negar subsídios ao governo. O professor norte-americano Frederick Wilhelmsen (13) expli cou com notável precisão e de maneira sugestiva como na Cris-
tandade medieval a autoridade se estendeu até difundir-se através dessa multidão de instituições que caracterizavam o mundo medie val, fazendo dele uma realidade política sem par. O poder pertencia ao príncipe e estava especificado e determinado por uma série de ins tituições e, cada uma, tinha autori dade própria. O poder era uno e a autoridade era plural: o poder polí tico era único e a maneira de exercê-lo era multíplice. E, acima de tudo, a soberania estava reser vada a Deus, visto que Nele poder e autoridade se identificam.
Esta restrição medieval do poder político pela autoridade - ou, mais exatamente, por uma multi dão de autoridades - é um dado crucial para qualquer teoria do poder, visto que este fica circuns crito a coroar e harmonizar a estru tura de uma sociedade fortemente diferenciada e institucionalizada. Assim, sir John Fortescue - citado por Voegelin (14) e estudado por Wilhelmsen (15) -, ao articular o significado da representação polí tica, recorre à analogia anatômica e compara a “res publica” a um corpo que não pode funcionar sem cabeça. Não debalde, o próprio Fortescue, seguindo Santo Tomás, fizera uma distinção entre o “dominium politicum et regale que um só homem governa, o rei, mas de acordo com leis que ele não faz mas que encontra em institui ções, costumes, usos e estatutos de seu reino - e o dominium regale que levava em si o germe do pos terior absolustismo.
É bem diferente a significação que a Modernidade deu ao poder. Tem-se dito que o senhor da man são política construida pela Mo dernidade é criação do gênio de Maquiavel, que Hobbes deu forma ao servidor e que Bodin construiu o teto que desde então chamamos “Estado”. Depois de Bodin, o po¬
der se adornará com o véu da sobe rania e nascerá o obsolutismo. Po der absoluto inconcebível para o homem medieval - que contempla va os excessos no contexto da dou trina da tirania, forma de gorveno que, como tal, nada tem que ver com o caráter absoluto do poder mas só com seu uso ilegal -, que só podia ser atribuido a Deus: pois
A comunidade, reduzida a uma massa amorfa, carente de instituições com fução política representativa, foi amoldada por um modo ou por outro pelo poder, que absorveu toda autoridade dentro de si e se proclamou soberano.
somente Ele pode dar integro ser às coisas sem reformar nenhum sujeito preexistente, somente Ele tem um podernão condicionado de modo algum nem por dentro nem pornenhum dos fatores extrinsecos sobre os quais pode exercer-se. A tal ponto que a mera afirmação do poder absoluto e soberano do manarca reossoava como uma here sia. Os exemplos são conhecidos de sobra, desde a tradução de Gaspar de Anastro e Isunza das Repúblicas de Bodin “catolicamente emendadas” em que substi tui a palavra soberania pela “su prema auctoristas” (16); até a condenação pela Inquisição, da proposição sustentada, diante do rei Felipe II, por um pregador de que “os reis têm poder absoluto sobre as pessoas de seus vassalos e sobre seus bens”, condenação que incluia a retratação pública do que fora afirmado erroneamente, com - em
todas as formalidades de processo jurídico (17). Para não falar da doutrina do tiranicídio... (18) Com Bodin muda o sentido do poder. Inclusive no campo das analogias passa-se da expressão anatômica de Fortescue a que vê no poder uma autêntica forma substancial da comunidade. O po der passa a ser aquele que vivifica intrinsicamente uma realidade e faz ser o que é, com o que entramos decididamente no terreno do dominium regale. O poder político se fez absoluto somente quando se converteu na forma substancial da república. A comunidade, reduzi da a uma massa amorfa, carente de instituições com fução política re presentativa, foi amoldada por um modo ou por outro pelo poder, que absorveu toda autoridade dentro de si e se proclamou soberano. Porém esse absolutismo, des de que aquele que exerce o poder tenha consciência de uma ordem moral que não deve ser violada e desde que perdure uma certa - ain da que decadente - vida social li vre, não mostrará todas as conseqüências dissolventes que encerra. Ainda assim, com o passar do tem po, seus efeitos irão excedendo os de um mero vício ou defeito (19) no exercício ou peculiar constitui ção do poder, para entrar no âmbito do que propriamente constitui um novo espírito, com sua otontologia, sua moral, sua política e inclusive sua praxis própria (20). É o totali tarismo, do qual Bemanos disse que “é menos uma causa do que um sintoma” (21), com palavras luminosas, pois ligam o fenômeno do Estado totalitário com o final de um processo ideológico em que a democracia moderna ocupa uma fase decisiva.
O problema teorético do po der, desde Montesquieu até nossos dias, tem sido o da possibilidade e desiderabilidade de estabelecer li¬
mites à sua tendência para o abso lutismo. A tradição liberal que nasceu do enciclopedismo tratou de assegurar a liberdade numa si tuação política em que a república se havia feito soberana, identificando-se com o poder per pétuo e absoluto. Nisso está preci samente a debilidade de sua solu ção, inserida plenamente no con texto do Estado moderno. E a isso se dirigiu o ataque da escola contra-revolucionária. Vásquez de Mella referiu-se a esta questão em inúmeras ocasiões: “O absolutis mo é a limitação jurídica do Poder, e consiste na invasão da soberania
social pela soberania superior po(22). “... Essa unificação lítica... da soberania é a causa e a base do regime parlamentarista, diferenciando-o assim do verdadeiro regime representativo...” (23).
Mas, talvez ninguém como Donoso Cortês, tenha explicado fundamentos de uma teoria do poder distinta e oposta à contida textos liberais. Em seu Ensayo sobre el catolicismo, el liberalisel socialismo, em seu discur-
e trio (...). Ali, a unidade, dilatando-se, gera etemamente a também tem muito que dizer na variedade; e a variedade, explanação da lei da unidade e da condenando-se, se resolve em verdade, iluminando toda essa área unidade etemamente (...). Porque da experiência de modo muito mais é uno, é Deus, é perfeito; porque é pleno e mais inteligível do que o perfeito, é fecundissimo, é varie- faria uma explicação puramente dade; porque é variedade, é famí- imanentista: “Na sociedade, aunilia. Em sua essência estão, de um dade se manifesta por meio do pomodo inalterável e incompreensí- der e a variedade por meio das hierarquias... Sua coexistência é a um tempo o cumprimento da lei de Deus e a garantia da liberdade do povo” (26).
Um poder sem limites é um poder essencialmente anticristão e um ultraje ao mesmo tempo contra a majestade de Deus e contra a dignidade do homem.
Na filosofia política Donoso
Na Carta, pois, nosso autor, com outra terminologia, não faz senão encarecer o que antes vía mos encarnado na distinção entre poder e autoridade como pedra fundamental da ordem social e política cristã.
na pesna sua os nos moy so sobre a ditadura, e principal mente em sua famosa carta ao editor da Revue des Deux Mon des, deixou-nos provas dessa sa bedoria por extrair das verdades teológicas conseqüências polítisociais. Donoso começa. cas e buscando na doutrina especifica mente cristã da Trindade, a chave da estrutura metafísica do ser e, conseqüência, portanto, a como explicação de todo o criado. Por escreve no primeiro capítulo do Ensayo.- “No mais recôndito, mais alto, no mais sereno e luminoso dos céus, reside um Tabemáculo inacessível mesmo aos coros dos anjos: nesse Tabernáculo inacessível está atuando
ISSO, no perpetuamente o prodígio dos prodígios e o Mistério dos Misté rios. Ali está o Deus católico, uno um fato palpável” (25).
Por um lado, pode-se notar como Donoso insiste em que a unidade se encontra no poder, um poder que deve ser uno soa do rei —, perpétuo família — e limitado, encontranvel, as leis da criação e os exem- doresistêncianumahierarquiaorplares de todas as coisas. Tudo foi ganizada. A monarquia absoluta feito à sua imagem; por isso a conservou a unidade e a perpetuicriação é una e vária” (24). No dade do poder, mas pecou ao “desentanto, o genial estremenho não prezar e suprimir todas as resisse limita a estabelecer sua lei, mas tências” contra o mesmo, ao desdesce a explicar sua virtualidade truir aquelas hierarquias corporaque, paradoxalmente, não é uní- tivas em que estas resistências voca, mas que á análoga, pois está haviam nascido e que eram sua submetida a si mesma: “Sendo encarnação. O absolutismo, poruna em sua essência, é infinita em tanto, “violou a lei de Deus”, pois suas manifestações; tudo o que violou a lei da variedade e da existe parece que não existe senão unidade: “Um poder sem limites é para manifestá-la; e cada uma das um poder essencialmente anticoisas que existem, a manifesta de cristão e um ultraje ao mesmo modo diferente: de uma modo está tempo contra a majestade de Deus em Deus, de outro em Deus feito e contm a dignidade do homem, homem, de outro em sua Igreja, de Um poder sem limites não pode outro na família, de outro no uni- ser nunca um ministério nem um verso; mas está em tudo e em cada serviço, e o poder político, sob o uma das partes do todo; aqui é um império da civilização cristã, não mistério invisível e incompreen- é outra coisa. Um poder sem lisível, e ali, sem deixar de ser um mites é, por ouíro lado, uma idolamistério, é um fenômeno visível e tria, tanto no súdito como no rei: no súdito, porque adora o rei; no
rei porque se adora a si próprio histórica das limitações do poder, não quero deixar de apresentar uma visão mais sistemática. Aliás, trata-se do mesmo problema de que me ocupei anteriormente, só que visto de um ângulo diferente. Uma vez que o poder vem da natureza, como mostramos antes, temos que deduzir daí sua limita ção. O poder é limitado pela sua própria natureza e seus limites na-
f^ão há principio, como o religioso, que possa conter os apetites desmesurados de poder e nenhum fundamento como o moral para basear a reta convivência. mento em um contrato, e nenhum poder é inamovível se seu funda mento é variável; nega-a em sua limitação, porque a trindade políti ca em que o poder reside, ou não age por impotência, enfermidade orgânica que resulta em divisão, ou age tiranicamente, não reco nhecendo além de si mesmo, nem encontrando ao seu redor nenhu ma resistência legítima. Por últi mo, o parlamentarismo, que nega a Monarquia cristã em todas dições de sua unidade, também em sua variedade todas as suas condições pela pressão das hierarquias
fà
turais vêm determinados, de um lado, por sua origem divina, pois enquanto é participação do poder de Deus não pode sair dos limites com que Ele marcou sua obra na lei natural; e, por outro lado, por seu objeto adequado, que é o bem comum temporal interpretado se gundo o princípio de subsidiariedade. as connega-a - e em
Não quero entrar na análise da teoria da divisão de poderes, que Donoso critica sutümente embora sem referí-la propriamente a Montesquieu, por considerá-la, talvez, como uma postura liberal comum de seu tempo.
religiosas e éticas. Não há princí pio, como o religioso, que possa conter os apetites desmesurados de poder e nenhum fundamento como o moral para basear a reta convivência. Aqui também a voz profética de Donoso Cortês ressoa em nossos ouvidos: “Senhores, não há mais do que duas repressões possíveis: uma anterior e outra exterior, a religiosa e a política. Estas são de tal natureza que, quando o termômetro religioso sobe, o termômetro da repressão baixa, e quando o termômetro reli gioso esta baixo, o termômetro político, a repressão política, a ti rania, está em alta. Esta é uma lei da humanidade, uma lei da histó ria” (29). Em seu famoso discurso sobre a ditadura, que sustentou Narváez antes de que mais tarde outro discurso seu, o discurso so bre a situação política da Espanha o derrubasse, o genial estremenho nos traça um paralelismo que, lido hoje, ainda impressiona. Porém se do ponto de vista da sociedade, os limites religiosos e éticos são bási cos, porque em uma sociedade bem ordenada a coação pode reduzir-se ao mínimo enquanto numa socie dade decadente a coação só crava — na expressão de Rostowtzeff (30) a carne apodrecida, que se desgarra, fazendo, em expressão clássica, com que essa sociedade não suporte nem seus males nem seus remédios; do ponto de vista do governante, não deixam de ser menos eficazes e importantes, pois os valores religiosos e morais des cobrem no homem sua verdadeira missão e encarnam no governante a prudência política de tornar possível o que é necessário, ver dadeira pedra filosofal da ciência e do agir político. Além do que, sob este mesmo ponto de vista, a consciência de ser um mero admi nistrador e de atuar como vigário é uma barreira contra a vaidade do (27). Porém se Donoso encontra muito a condenar no absolutismo, encontra esses erros aumentado no sistema político que nasceu da Revolução francesa. A Monarquia absoluta, embora negando a mo narquia cristã em um aspecto fun damental, como é o da limitação, afirmou-a em outros dois igual mente fundamentais, o da unidade eodaperpetuidade. O parlamenta rismo, em compensação, violou a estrutura do poder em todas as suas notas essenciais e, portanto, em suas consequências. O liberalis mo, segundo Donoso, “nega-a em sua unidade, porque converte em três 0 que é uno com a divisão de poderes; nega-a em sua perpetuidade, porque coloca seu funda-
Estes limites naturais do po der, é forçoso reconhecê-lo, são inerentes ao seu próprio exercício independente de posterior deter minação na ordem jurídica concre ta de cada comunidade.
Após ter-me ocupado ainda que em parte e quase de modo impressionista, com a colocação
Assim, pois, e procurando acertar num critério classificatório que sej a ao mesmo tempo suficien temente expressivo e substancial mente exato, podemos distinguir três tipos principais de limitações do poder:
A) Em primeiro lugar, defrontamo-nos com limitações susociais (28)..
governante. Essa essencial delega ção do poder constitui também um de seus traços mais característicos frente ao caráter essencialmente indelegável da autoridade (31).
B) Em segundo lugar, temos que nos referir às limitações orgâ nicas. A mera existência de uma sociedade forte e vigorosa é um eficaz mecanismo disuasório fren te às veleidades expansivas do po der político. Porém, se a sociedade além disso, está estruturada e em distintos níveis é observado o
seus princípio dc autonomia jurídica, multiplicam-sc as garantias de li berdades c reduzem-se à sua míni ma expressão os temores de abuso. O filósofo belga Marcei de Corte -o sinteticamente num
expressou ensaio sobre a educação política lê: “Todo Estado (32), onde se construído sobre comunidades nasua iiTadiação no meio turais c social, vê de tal modo reduzido seu poder a uma justa medida, que raramente atua como manifesta ção de uma força exterior aos cida dãos. Ao contrário, todo Estado sociedade é axiomaticamente
coesão profiindíssima da ortodo xia pública católica e na variedade e liberdade fecundissimas do que Donoso Cortês, como vimos, cha mou “hierarquias sociais”.
A teoria e a praxis liberais, porém, e abrindo o abismo em cujo aprofundamento colaboraram to dos os totalitarismos, não só negou a limitação do poder que é fruto da variedade hierárquica, mas tam-
A mera existência de uma sociedade forte e vigorosa é um eficaz mecanismo disuasório frente às veleidades expansivas do poder político.
bém despedaçou a sociedade por dentro, negando-lhe a coerência do que Kendall e Wilhelmsen chamaram ortodoxia pública (34).
fragmentando-a. sem coercitivo, policial, amiado de um arsenal de leis e regulamentos en carregados de dar sentido às con dutas imprevisíveis e abeirantes dos indivíduos. Sua tendência ao totalitarismo é diretamente pro porcional ao desaparecimento das Qomunidades naturais, à decadên cia dos costumes, à derrocada da
Este texto, sumamente preci so, esclarece uma boa parte das questões que levantam as limita ções orgânicas e, sobretudo, dá resposta ao grande tema do relaci onamento do poder com a liberda de. Com efeito, a chave do aspecto humano
supremo domínio de Deus e nos invioláveis direitos naturais da pessoa.
Não resta dúvida também, que as limitações orgânicas são im prescindíveis, pois a centralização da sociedade como por outro lado a divisão do poder erros políticos gravíssimos que provêm de uma filosofia desorbitada. Sendo que a comunidade po lítica descentralizada, distribuin do a autoridade através de uma são diversidade de instituições autô nomas, é exigida pela mesma lei da existência política.
Porém, ao lado das limitações propriamente jurídicas ou consti tucionais. Trazem, sobretudo, uma dimensão mais extrinseca para o tema das limitações do poder, pois realizam sua função mediante condicionamentos impostos pela sociedade, geralmente através de órgãos que a representam. Estão intimamente relacionadas com a situação e circunstâncias de cada povo e são, portanto, essencial mente mutáveis e adaptáveis.
Por consequência, finalmente, estão também em estreita relação com a peculiar institucionalização de cada comunidade.
“entranhável”, para usar a ter minologia de Vicente Marrero num livro original e instigante (33) — dos poderes antigos radicava na
C) Em terceiro lugar, temos limitações propriamente jurídicas ou constitucionais. Não resta dú vida que as limitações éticas e religiosas, enquanto arraigadas no estrato mais profundo do homem, são também as mais sólidas e as que mais deixam a liberdade ao abrigo de qualquer arbitrariedade humana. Na plena submissão ao direito natural está a pedra de to que do poder ordenado, pois, como assinalou Pio XII em mensagem de Natal de 1942 (35), o sanea mento da situação a que chegou hoje 0 sentimentojurídico por obra do positivismo e do utilitarismo só pode ser obtido quando se desperta a consciência de um or denamento jurídico fundado no
Em nossos dias, a tensão entre poder e autoridade desapareceu e 0 poder vem eliminando do cam po político e social as instâncias de autoridade que em tempos pas sados, e num diálogo continuado, construiu sociedades livres. A Igreja, sede principal da moral pessoal viu reduzido seu âmbito de influência — aí radica a autori dade, em influir sem ter propria mente poder —, primeiro no âm bito político e mais tarde no pro priamente social da moral famili ar e da educação e ensino. Isso até o ponto de poder dizer-se que ao educaçao”.
PConcluindo, o tema das limi tações do poder, à luz do estado atual das sociedades chamadas democráticas, não pode apresen tar aspectos mais inquietadores. Desde que Maquiavel converteu a
É difícil acrescentar mais. Se me permitem tirar uma con clusão, direi que para recupe rar a verdadeira metafísica do poder, com suas inerentes li mitações éticas, orgânicas e jurídicas, uma intensa mo ralização da política e uma re cuperação da autêntica vida social são pressupostos indis pensáveis. Mas isso nos leva ria muito longe... (41). * * *
A limitação do poder é uma necessidade permanente e o Estado atual continua à sua procura, embora não a encontre, pois a procura onde não a pode encontrar, simplesmente, porque se encontra em outro lugar.
capazes de desautorizar o poder velho lema da separação entre a Igreja e o Estado, uma vez esta consumada, seguiu-se a separa ção entre a Igreja e a sociedade (36). Dir-se ia que a própria Igre ja, instalada na tese seráfica do pluralismo, acomodou-se a tal fato até que começou a ser incomoda da pelo desenvolvimento do que no plano teórico havia aceitado (37). As instituições sociais, pri vadas de repercussão participati va pelo monopólio político dos partidos, vêm sofrendo a erosão acelerada da massificação e da uniformização. O processo des crito com traços lucidíssimos por Bertrand de Jouvenel e prolonga do por nosso amigo Thomas Mo inar, do Estado, uma vez converti do em único agente da vida social, dispensando seus favores e conce dendo seus benefícios numa cas cata descendente de novas feudalidades (3 8), poderia ser aqui evo cado se não constasse em outras partes do programa desta Reunião. Mas a limitação do poder é uma necessidade permanente e o Estado atual continua à sua procu ra, embora não a encontre, pois a procura onde não a pode encon trar, simplesmente, porque se en contra em outro lugar, precisa mente nas instâncias de autorida de a que acabo de me referir. A divisão de poderes, que resulta inviável; os direitos humanos en tendidos como dogmática consensualista e essencialmente ope rativa ou estratégica (39); ou a opinião pública, forjando mitos, imagens, slogans, selecionando e manipulando a informação (40) e com uma inegável predisposição à criptocracia, não conseguem deter os abusos do poder, o que demonstra a necessidade de uma autoridade independente, cristali zada em órgãos de conselho des providos de poder que, seu saber socialmente reconhecido, serão
(1) Cf EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA. La lucha contra la,s inmunidades de poder cn el derecho administrativo, Madri, 1979, pp. 12 et seq
(2) ROMANO GUARDINI, “El poder. Una intcrprctacion teológica”, in Obra.s, Ma dri, 1981, tomo I, p. 168.
(3) Cf BERTRAND DE JOUVENEL, El Po der, Historia natural de su crccimicnto, Madri, 1956.
(4) Cf CLAUDE POLIN L’cspiril lotaíitairc. Paris, 1977. Pode se ver uma resenha magistral do mesmo pelo professor MARCEL DE CORTE em L’Ordrc français, n.224(I978), pp6-2l.
política, emancipada do direito, em uma técnica racional do poder, considerada sem outro fim senão o próprio poder, e desde que Bodin converteu esse instrumento em soberano, a moral e as hierarquias sociais têm sofrido um prolonga do exílio da vida política. O constitucionalismo não seguiu senão por um atalho que encontrou aber to. Sanchez Agesta destacou, numa página das mais lúcidas do Direito político de nossos dias: “O prima do da vontade de poder sobre a constituição social, que é uma das características do nosso tempo, partiu o fio de uma tradição forjadora de instituições, e de certo modo toda ordem constitucional contemporânea apresenta-se como um projeto racional de constitui ção, não só das instituições que encarnam o poder político mas também das mesmas entranhas da ordem social (42).
(5) Cf LUÍS SANCHEZ AGESTA, Los prin cípios cristianos dcl orden político, Madri, 1962, cap. Vlll, pp 141 et seqs, Vcja-scas referências de autores clássicos, c as da doutrina social e política da Igreja,
(6) Cf RAFAEL GAMBRA, Prólogo à versão espanhola do livro já citado dc BER TRAND DE JOUVENEL, El poder. Também o livro dc GAMBRA, Eso que llaman Estado, Madri, 1958, pp 139 et seqs, espccialmentc a partir da p. 148.
(7) Atribui-se a lord Acton a frase - que fez sucesso - dc que “o poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente”.
(8) Cf FRANCISCO ELIAS DE TEJADA, “Poder y autoridad; concepción tradicio nal cristiana”, Verbo, n. 85-86, 1970, pp 419-437, corretamente a p. 425. Também Podere liberdade, Madri, 1970, p. 163.
(9) Cf ROMANO GUARDINI, op. cit., pp 170-171.
(10) Recordemos a definição que, sobre o direito, de ELIAS DE TEJADA, “norma ética de conteúdo político”. Cf. Introducción a la ontologia juridica, Madri, 1942, p. 111.
(11) Cf FRANCISCO ELIAS DE TEJADA, Poder y autoridad: concepción tradicio nal cristiana, loc. cit., pp 430-432.
(12)Trdta-sc dcumii autentica idéia ccntnil do pensamento de .-Mvaro D'Ors. Ver. como exemplo. Una mtroilucción al estúdio dcl Dcrecho. Madri. "Autoridad y potestad" in Hscritos vários sobre el de* recho em crisis. Roma-Madri, 1973. pp 93-105: "Doce proposiciones sobre el poder" in Hnsayos de teoria politica. Famplona. 1979, pp, 111-121; IVelecciónjiibilar, Santiago de Compostela, 1985, 33 pp; l.a violência y el orden. Madri, 1987. 125 pp. I tlo importante aceder ao coração de obra deste autor que seu discí pulo. professor R.AI .AHL DOMINGO, dedicou-lhe seu livro Teoria de Ia auctoristas. Pamplona. 1987, 324 páginas.
(13) Cf FREDHRICK D. WILHELMSEN. "Donoso Cortês and the meaning of political power", l he Intercollegiatc Revicw, (1968). logo reproduzido em Christianity and political philosophy, Iniversidade de Geórgia, 1978, pp 139-173, Há versão castelhana de CARMELA
n.
hostis à ‘‘soverainité" bodiniana”. social y economica dei Império Romano, Madri. 1962.
(17) Cf. J.MME B.^LMES, El protcstanisnio comparado con el catolicismo, Madri. 1967, p. 374. onde conta com detalhes o sucedido, citando como fonte Relaciones de ANTONlO PEREZ.
(IS) Cf FR.4NCISCO PUY MUNOZ, "Balmes, sobre loscuerpossociales básicos”, no volume de vários autores El otro Balmcs. Sevilha, 1974, p. 256. onde es creve. referindo-se à doutrina do tiranicidio, que “é a mais genuina ciração do sistema ideológico tradicional hispâni co”.
(19) Cf. para uma análise clássica dos vícios ou defeitos da soberania, já orgânicos, já funcionais. ENRIQUE GIL Y ROBLES, Tratado de Derecho político según los princípios de Ia filosofia y dcl derecho cristianos. Madri. 1961-1963, tomo II, pp 681-717.
(20) Cf meu trabalho “El totalitarismo demo crático”. Verbo. 219-220, 1983, pp 1165-1198: ou no volume coletivo ® Crisis en la democracia?, Madri, 1984.
do jurídico ao metallsico. Cf (21) GEORGE BERNANOS, La libertad, ® para qué? Buenos Aires, 1974, p. 136.
(31) Cf ALVARO D’ORS, Escritos vários sobre el Derecho em crisis, cit., pp 93 et seqs.
(32) Cf MARCEL DE CORTE, “Ueducacion politica”, Verbo, n. 59(1967), pp 635-659.
(33) Cf VICENTE MARRERO, El poder entraftable. Madri, 1955.
(34) Cf WILMOORE KENDALL e FREDERICK D. WILHELMSEN, Cicero and thepolities of the public orthodoxy, Pamplona, 165; de WILHELMSEN, também, La ortodoxia pública y los poderes de Ia irracionalidad, Madri, 1965.
(35) Pio Xll, “Con sempre”, in Documentos políticos de doctrina pontificia, Madri, 1958, pp 838-855. uma GU TIERRIvZ de GAMBRA im Verbo. 69 (1968), pp 691-726. O professor Wilhehnscn, segundo confessouem mais dc uma ocasião, pretendia cm alguns dc seus trabalhos, transcender a distinção orsiana FREDERICK d. WILI lELMSEN,Cristo Rcy, libertad, carlismo. .Sevilha, 1975, p.5.
(14) Cf ERIC VOEGELIN. Nueva ciência dc la política, Madri 1968, pp 68-78, onde estudo importante da obra do autor medieval inglês sob o ponto de vista da articulação do significado da representaç2o politica.
uni
(15) Wl LHELMSEN, estendendo as reflexões citadas dc VOEGELIN, analisa a contri buição de FORTESCUE como significa tiva da tradição ocidental. Cf. do mesmo, “Donoso Cortés and the meaning of po litical power", cit.. p. 702 da versão cas telhana; “Sir John Fortcscue and the EnglishTradition”, Modem Age, vol. 19 (1975), também no livroChristianity and political philosophy, cit., pp 111-138, cuja orientação sigo neste trabalho.
(22) JU AN VASQUEZ DE MELLA, “Discur so cn el Congresso de los Deputados el 18 de junio de 1907”, in Obras Completas, vol.X,Madri, I932,p. 181. Neste discur so Mclla enfrenta com certa extensão e notável interesse uma crítica à teoria de separação dos poderes.
(23) Id., “Confercneia en el Teatro Goya, de Barcelona, el 5 de junio de 192I", in Obras Completas, vol. XIV, Madri, 1932, p. 298.
(36) Cf THOMAS MOLNAR, “Ideologia y religión en la Hungria de hoy”, in Verbo, n. 231-232 (I985)jp. 117.
(37) Cf JOSE GUERRA CAMPOS, “La Iglesia y la comunidad política. Las incoherencias de la predicación actual descubren la necessidad de reedificar Ia Iglesias”, in MIGUEL AYUSO (editor), XIV Centenário dei III Concilio de To ledo. Iglesia-Estado: donde estamos hoy?, número extraordinário da revista Iglesia-Mundo, n. 384 (1989), pp 51-58.
(38) Cf THOMAS MOLNAR, El socialismo sin rostro, Madri, 1979.
(39) Cf MIGUEL AYUSO, “La visión revo lucionaria de los derechos humanos como ideologia y su critica” in Anales de la Real Academia de Jurisprudência y Legislación, n. 20 (1989), pp 280-298. (24) JUAN DONOSO CORTES, “Ensayo so bre el catolicismo, el liberalismo y el socialismo” in Obras Completas, Madri, 1970, vol. 11, p. 512. Cf as refletidas considerações que faz o professor CAR LOS VALVERDE, S. J„ na “Introducción” à edição da obra, vol. 1, pp. 104 et. seqs.
(25) Id.,op, cit., pp 522-523.
(26) Id., “Carta al director de la Revue des Deux Mondes” in Obras Completas, vol. II,p.769.
(27) Id„ loc. últ. cit., pp. 769-770.
(28) Id-, loc. últ. cit., pp. 770.
(29) Id., “Discurso sobre la dictadura”, in Obras Copletas, v. II, P.316.
(40) Cf MARCEL DE CORTE, “La información deformante”. Verbo n. 41 (1966), pp 9-27.
(42) Cf LUIS SANCHEZ AGESTA, Curso de derecho constitucional comparado, Ma dri, 1980, pp 27-28.
(30)Cf MIGUEL ROSTOWTZEFF, Historia
MIGUEL AYUSO é filósofo espanhol, o texto foi apresentado à XXVII Reu nião de Ciudad Católica, em Madri. Tradução de Renée Chequer RamaIho Machado.
(41) Cf ALVARO D’ORS, La violência y el orden, cit., pp 106 et seqs. (16) Cf. FRANCISCO ELIAS DE TEJADA, El Franco Condado hispânico, Sevilha, 1975, p. 228, onde escreve: “Quando o aragonês Gaspar dc Afíastro e Isunza verte para o castelhano Las Repúblicas, dc Bodin, “catolicamente emendadas”, põe entre suas correções a de que os hispânicos não podem aceitar a noção de soberania, devendo substituí-la pela “suprema auctoritas”; dado que a sobe rania é poder ilimitado sobre os corpos sociais, enquanto que a “suprema auc toritas” implica que cada corpo políti co, incluídas as potestades do monarca, está encerrado dentro de uns limites. Razão pela qual os espanóis (...) eram
0 grande escritor inglês de um grande livro... que não me canso de citar, cujo título... SmallisheautifuU, que traduziram por “O Negócio é ser Pequeno” ... (se acreditasse em conscientização etivessepoderpara tanto mandaria repetir, martelantemente, de cinco em cinco mi nutos em todas as Rádios e Televi sões), nos adverte sobre o perigo que assalta a sociedade moderna, como efeito de sua incoercível tendência
para o agigantamento das coisas. O progresso da técnica conduz grande (ou ao faraônico) e este foca 0 homem, reduzindo-o anúmero ou a simples peça escravizada na engrenagem do mundo. Esse ao su¬
escritor, Schumacher, no início da 2=‘parte do seu livro, indaga sobre o “Maior Recurso . E responde: não é o solo fértil, nem são as grandes bacias petrolíferas, nem as jazidas de ou de prata o maior recurso de região. O maior recurso é o homem e, como o homem só é homem pela educação, o maior recurso acaba mesmo ouro uma sendo a educação. E confirma a afirmação, lembrando que a história tem mostrado que, não raro, novas civilizações despontam, onde uma precedente ruiu, sob o aparente fundamento de ter exaurido seus recursos materiais, sem que nada tenha ocorrido de recuperação físi ca, apenas pelo surgimento de uma nova ousadia, nova animação hu mana. O homem é o grande recurso e a educação o habilita a sê-lo.
Juntamos, assim, duas cons-
tatações de Schumacher, a educa ção é o maior recurso e o negócio é ser pequeno. E a associação dessas idéias nos é sugerida pelos progra mas Ciacs e Cieps; dois equívocos que apostam na grandiosidade. Ou, no vultoso e espetacular, que dá na vista.
O pior nessa grandiosidade não é ser utópica mas é ser ineficaz. Primeiramente, a grandiosidade acarretaria, certamente, a dispersão ou desperdício do dinheiro pelo meio do caminho e apenas uma pequena parte chegaria ao consumidor. Ima ginando o presidente Collor inau gurando 500 Ciacs por mês, cerca de 20 por dia, teríamos os 5000, construídos e equipados em 10 me ses. Disse equipado, isto é, materi almente equipado, pois onde en contrar o maior recurso, seja 50 ou 70 mil pessoas qualificadas ... e animadas... para fazê-los funcionar? Imaginemos também, já que nin guém é impediao de sonhar o im possível, que cada Ciac tenha uma redondeza que permita reunir 1000 alunos, teremos 5 milhões em escola; que fazer com os 20 ou 25 milhões discriminados ou sem escola? O programa, mesmo que venha a ser efetivado, seria ineficaz. Não resol vería. Além disso, não se pode es quecer que projetar o impossível é o caminho mais certo (ou a desculpa mais certa) para não fazer nada. O negócio é ser pequeno. Uma universidade se faz nos grandes centros e convoca os alunos dis tantes; a escola primária, porém,
deve situar-se junto à casa da cri ança, que não pode vencer distân cias. Dez ou vinte pequenas esco las, mais fáceis de ser administra das, mais fáceis de serem equipa das com recursos humanos, mais acessíveis às crianças valem mais (e custam menos) que um Ciac. De resto, quem não pode com o tempo não inventa moda.
Seria muito bom que tivésse mos todas as crianças brasileiras em prédios majestosos, acompa nhadas por mestres pós-graduados. Não comecemos, porém, pelo desprezo do pouco que há; não comecemos por não levar em conta ou pelo desprezo da professora leiga, que, no barraco da roça, dá o que tem, ensina o que sabe, isto é, ensina 10 ou 20 crianças a ler e escrever. Não impeçamos, com o guilhão corporativo, o que quer e pode de ensinar o que sabe. O sonho utópico não só mata o real, mas nos deixa mais indigentes. A escola, dizem, começou quando um alfabetizado encontrou um analfabeto e sentiu-se movido a comunicar-lhe o alfabeto. O ne gócio é, pois, confiar no pequeno e não desprezar o existente. Se há dinheiro para construir e manter Ciacs, vamos empregá-lo para avivar o que existe. Vamos esti mular a pobre professora do ser tão, aumentando-lhe o salário de 8 a 10 mil cruzeiros, para, ao menos, o dobro disso. E vamos criar-lhe .condições para que se anime, creia no que faz, para fazê-lo com entu-
siasino. E juntemos a isso a oferta a essa professora existente da possibilidade de aprimorar-se.
Diante desse assustador pro grama das Ciacs, lembro-me mais uma vez, do livro de Schumacher: “um estudo de Economia que leva em conta as pessoas”. Levemos em conta as pessoas.
O novo ministro da educação ... na sua palavra inicial ... nos abriu uma luz da esperança, que andava tão longe. Se não falou em vitalizar o existente, se não disse que impoita mais ter gente diante dos olhos que prédios, disse coisas equivalentes. Talvez seja o bom olho do físico ou o olho realista. Certa vez, um físico que acabara de sair de um simpósio universi tário, onde ouviu um mestre de ciências humanas concluir sua exposição, dando como certa e provada, em face dos dados que apresentava, a tese anunciada, disse-me, pálido de espanto: física, com dados equivalentes, não se teria provado nada”.
Evidentemente, não faço pou co das ciências humanas que, jo gando com o imprevisível da liber dade humana, vive um campo mais
incerto, mas pennito-mepensar que 0 hábito da exatidão física possa dar um salutar senso de medida e objetividade ao administrador e proíegê-Io contra a imaginação, a louca da casa, nos seus vôos oníricos. Um pouco mais de pé na terra.
Diante do programa grandioso dos Ciacs, calçado sobre o pro grama fracassado dos Cieps, ouso perguntar; “por que, em vez de 5000 Ciacs, não se abre um olhar, a um tempo menos pretensioso e mais amplo, se pensa em 500 ou 600 Centros de formação e apri moramento de professores? Seri am escolas normais, restauradas no seu valor antigo, não para titular professores, mas para/o/vwa/- pro fessores. Solução muito mais sa dia do que a “Pedagogia, com ha bilitação em magistério de Ua4 que vem pegando os candidatos de menor desempenho e acaba for mando o mestre pedagogês. Além disso, o ensino nomial que junta salutarmente o aprendizado do o que ensina?- com o do como ensi nar, pemiite aproveitar a faixa etária de 18 a 23 anos das professoras (idade ótima para cuidar de crian-
ças) e alimentar as salas de aula. Esses Centos, porém não seriam só isso. Seriam centro de aprimora mento e reciclagem do professor existente. Não se marginalizariam os existentes, mas confortava-se a sua presença. E como parece que há dinheiro (embora me espante um pouco ouvir falar em bilhões no meio de tanta miséria), crie-se expectativa de melhores salários, tomando um pouco mais atraente a velha e nova profissão. Isso, como primeiro passo, em caminho do salário condigno. E em vez de oferecer uma moringa, com água, oferecer-se-ia uma fonte borbulhante de água viva. Em vez de uma grande casa, gente para ensinar. O maior recurso. Não me escapa que há um en sino normal, por aí, maltratado e desacreditado. Não é a multiplica ção desse que desejo. Mas a volta com 0 padrão antigo.
Será também um sonho? Pode ser. Talvez seja. Contudo, um so nho mais próximo da visão solar.
PRADO é reitor do Colégio de São Bento, Rio de Janeiro.
Expressão Legitima e Independente do Empresariado Paulista 01014 — São Paulo — SP — PABX 234-3322 Rua Bca Vista, 51
“Não trouxe iluminação ao assunto, mas pelo menos não aprofundou a escuridão circunstante*\
Bertrand Russel ao assistir a uma aula de matemática de Whítehead
O terceiro-mundismo, como se sabe, é uma espécie de sindica to dos pobres. Sob essa ótica sin dical, a relação entre países ricos e pobres é uma relação adversária: um jogo de soma zero. Se alguns países enriquecem, é menos pelo seu mérito intrínseco do que por terem dominado a tecnologia da espoliação. Os países pobres são pobres, não por incompetência ou mau gerenciamento, e, sim, pelas “perdas internacionais”. A solu ção estaria, assim, menos em re formas internas do que na corre ção das injustiças do comércio internacional e no controle da ga nância dos credores e investido res. O ressentimento é esporte mais fácil do que a autocrítica.
Sucederam-se neste pósguerra várias tentativas de organi zação dos sindicatos dos pobres, e por todas elas o Brasil exibiu dis creta simpatia. Na década dos 50, a moda era o “grupo dos nãoalinhados”, no qual pontificavam Tito, da Iugoslávia, Nehru da ín dia, Sukamo da Indonésia, Nasser do Egito e Nkrumah de Ghana. Veio depois o “grupo dos 77” que deu origem à Unctad (Conferên cia Internacional de Comércio e Desenvolvimento).
No “grupo dos não-alinhados”, Tito era o de motivações mais claras. Rompera com Stalin, porém não com a ideologia comu nista, de sorte que a formação de um bloco neutro na guerra fria era uma fuga ao isolamento. Os ou¬
tros, em fase recente de descolonização, precisavam de um palco internacional para o exercício da retórica antiimperialista. Retórica, antes que re formas, pois todos eles (exceto Tito, que pelo menos preservou precariamente a unidade iugos lava) arruinaram os respectivos países: Sukamo, pela corrupção estatocrática; Nkrumah, pela me galomania inflacionaria; Nehm, pelo socialismo burocrático; e Nasser, pela transformação da vitória na expropriação do Canal de Suez em derrota face aos isra elenses. Uma vantagem presuntiva do não-alinhamento era a reserva do direito de achacar alternativamente uma das super potências - os Estados Unidos e a União Soviética - conforme as conveniências do momento. No Brasil, foram diversas as variações em tomo do tema do terceiro-mundismo. Jânio Qua dros iniciou 0 africanismo na po lítica externa e, com a pitoresca condecoração a Che Guevara, injetou-nos o vírus da “cubanofilia”. Era um pouco uma pose, um pouco uma tática. A afirmação de uma política externa provocantemen te heterodoxa distrairía a atenção pública da política econômica in terna austera e conservadora. Evoluímos depois para a“política independente” de San Thiagu Dantas, que mereceu parabéns do presidente Kennedy. Dizia este que as superpotências tinham tido
que abandonar a idéia de “política independente”, pois precisavam medir e justificar as conseqüências de suas ações sobre aliados e ad versários. O africanismo na políti ca externa se aprofundou nos go vernos Médici e Geisel. O Brasil se projetava como potência regi onal e como herdeiro da influên cia portuguesa. Houve depois um toque de arabismo, de vez que, para cortejar os árabes, após a crise de petróleo, chegamos ao ponto de equiparar “sionismo que os judeus esperavam pôr ter mo a dois mil anos de diáspora — a um caso vulgar de racismo. Nada disso teria tido maiores conseqüências se nos confinásse mos a exercícios retóricos. Entre tanto, na década de 70, transfor mamos simpatia em financiamen tos, no afa de abrir mercados para bens e serviços. Tomávamos em préstimos no mercado eurodólar, a juros de 12%, para financiar os africanos a 8%, esquecidos de que nada mais fácil na África do que vender e nada mais difícil do que receber. Angola e Moçambique devem-nos, respectivamente, US$ 900 e 600 milhões. Haverá solida riedade no calote, pois que esses países nos dirão exatamente o que Tancredo Neves sugeria que dis séssemos aos nossos credores; “Não se pode pagar dívidas com o sangue do povo”.
Qualquer análise sóbria do terceiro-mundismo e das propos tas da Unctad sobre a implantação com
de “uma nova ordem intemacional" revelaria graves equívocos de percepção. Em vários pontos, os interesses do Brasil não são coincidentes com esse confuso conjunto que, antes do colapso socialista, se convencionava cha mar de Terceiro Mundo. Os países africanos são nossos concorrentes na exportação de produtos tropi cais e, obtendo tratamento prefe rencial no Mercado Comum Eu ropeu, colocam-nos em desvanta gem competitiva. Os produtores de petróleo da Opep se cartelizaram para quadruplicar os pre ços, num momento em que importávamos 80% do consumo brasi leiro. A coincidência de nossos interesses era maior com os cha mados Nics asiáticos (países de industrialização recente), os quais, aliás candidatar ao clube dos ricos, e não ao sindicato dos pobres. Ti nham em comum conosco o pro blema de abrir mercados industri ais e absorver tecnologias e capi tais. Isso exige um comportamen to cooperativo e não-confrontacionista com o Primeiro Mundo. Durante certo tempo, “inteligentsia” brasileira se sedu ziu com a proposta terceiromundista de criação de “uma nova ordem internacional”. Removido tom retórico, as propostas da Unctad eram irrealistas. Almejauma abertura unilateral: os
perceptível a insinuação subli minar de que a pobreza resulta mais de conspiração externa do que da ineficiência interna.
A “nova ordem internacional” afinal chegou de forma diferente, com 0 colapso do socialismo e a vitória das economias de mercado. Daí resultou uma mudança de paradigmas: o Estado não é mais o
economia de mercado, fazendo tardiamente o inevitável. No con texto latino-americano, é o país mais fechado às importações, e o lento cronogramade liberalização nos deixa ainda com as tarifas mais altas do continente. Privatizamos bem menos que no Chi le, México, Venezuela e Argenti na. Nossa legislação sobre capitais estrangeiros é a mais restritiva e discriminatória de todas. E a tri butação, vista sob a ótica do in vestidor residente no Exterior, é de 61%, contra cerca de 35% nos
sempre preferiram se
O discurso presidencial de posse deu-nos a esperança de que nossa opção era clara; preferíamos ser o último do clube dos ricos a ser o primeiro do clube dos pobres.
primeiro motor de desenvolvi mento, o herói da peça não é o planejador e sim o empresário, a eficiência na exportação é preferí vel a barreiras contra importações, e a receita do sucesso é o investi mento no capital humano, sem o qual não adiantam nem capitais financeiros nem recursos naturais.
citados países, nossos concorren tes na atração de capitais. O Brasil é o único grande país que negociou sua dívida externa, não apresentou ao FMI um programa credível de combate à inflação e hesita em renunciar à pirataria em matéria de propriedade intelectu al. Não é de admirar que o mundo veja 0 Brasil como um banhista imprudente, que braceja brava mente para regressar à praia. Torce de certo, talvez lance bola, mas certamente não cerimônia de nao
para que uma organizará uma premiaçao.
O discurso presidencial de posse deu-nos a esperança de que nossa opção era clara; prefería mos ser o ricos a ser o primeiro do clube dos pobres. A opção seria pelo Jockey Clube, e não pela gafieira. Agora as coisas são menos claras que a aula de matemática de Whitehead: não se iluminou o assunto e parece que aumentou a escuridão circunjacente. a
último do clube dos o va-se países ricos abriríam seus merca dos, preservado o direito dos po bres a medidas protecionistas. Os ricos fariam investimentos, e as internacionais dari- orgamzaçoes am financiamentos, sem exigir re formas internas, isto é, sem inter ferências com a bagunça sobera na. Os capitais externos deveríam vir humildemente só para aqueles setores, e de acordo com aquelas regras, que os burocratas nativos entendessem apropriados. Era
Não é fácil explicar a recaída terceiro-mundista da política ex terna brasileira. Parte da explica ção residirá na frustração pessoal do presidente, que julga que seus corajosos esforços de moderniza ção e ruptura de tabus não tiveram adequado reconhecimento pelos países ricos. Da ótica interna, Collor conseguiu importantes transformações culturais ao pre gar a privatização, a abolição de reservas de mercado e a abertura econômica externa. Da ótica in ternacional, o Brasil é meramente um retardatário no ajustamento à
ROBERTO CAMPOS, economista, di plomata de carreira e deputado fede ral (PSD-RJ), foi ministro do Plane jamento. O artigo foi em parte condensado, datavenia, de “O Estado de S. Paulo”, edição de 15 de julho de 1991.
JOSUE MONTELLO
Quem leu o Journal do Vis conde de Vogüé, relativo ao perío do de 1887 e 1883, há de lembrarse do encontro do diplomata e aca dêmico francês com Dostoievski, em São Petersburgo, quando des creve 0 romancista como um curi oso tipo de russo obstinado.
Em meio à discussão com o diplomata a propósito das reações do espírito eslavo no contexto do mundo ocidental, disse-lhe o ro mancista: “Nós, na Rússia, temos o gênio de todos os povos e mais o gênio russo. Epor isso que podemos compreender os outros e os outros não nos podem compreender.”
Louvados nessa conclusão do romancista, compreenderemos melhor certas manifestações do gênio russo, quer no plano intelec tual, quer no plano social e políti co, e que, por vezes, nas singulari dades de suas reações, como que nos ultrapassam.
Daí o silêncio russo, a passivi dade russa, o mistério russo, bem ao invés deste nosso temperamen to latino, capaz de exaltar-se primeiro impulso e que leva mosqueteiro a pôr a mão aguerrida na guarda da espada, reagindo tes de pensar.
Sem a longa paciência e o cál culo frio, obstinado, próprio de gênio eslavo, Napoleão não teria sido atraído a Moscou para cidade incendiada, prelúdio da derrota gigantesca em que se viu batido pelos flocos de neve que lhe acompanhavam a retirada.
Para bem compreender a rea ção atual da União Soviética, sacu dindo de si 0 comuni.smo, após setenta anos de passividade apa rente, convém buscar-lhe a expli cação no modo de ser do gênio eslavo. O longo tempo transcorri do desde a Revolução de 1917, a despeito das propagandas, das la vagens cerebrais, não o destruiu, levando-o à passividade absoluta. Lembram-se da águia ferida que os presidiários trazem do campo para tratá-la e domesticá-la? Depois de a tratarem, são obrigados a soltála, sempre insubmissa. A águia, ao sentir-se solta, alçou o seu vôo, para seguir em linha reta, sem se voltar para trás.
A página de Dostoievski, nas Recordações da Casa dos Mortos, volta a ter, assim, a atualidade.
A mudança total da estrutura política soviética, devolvendo ao povo a plenitude da liberdade, ocorre no ano em que transcorre o centenário de nascimento das grandes vítimas do regime implan tado em 1917. Refiro-me a Mikail Bulgakov, o romancista genial de O Mestre e aMargarida, obra-prima a que aludi, em outra oportunida de, nesta mesma coluna, assinalando-lhe a importância, no plano das obras russas realmente funda mentais, como Ana Karenina, Al mas Mortas, Crime e Castigo.
Diz-nos Serguei Ermolinski, no longo texto introdutório da edi ção integral do grande romance de Bulgakov, o que foi, na União So-
victica, o suplício do escritor para defender a sua independência. E contar-nos que este, encontrandose com um dos mais ferosez caluniadores dc sua vida e insultadorcs de sua obra, levantou para ele o dedo de seu brio e de sua ira para invectivá-lo:
— Estou feliz por vê-lo. En fim, cá o tenho. Diga-me agora: por que motivo hei de ouvir sem pre, a meu respeito, de sua parte, tantas mentiras? Todas elas repeti das por milhares de pessoas, en quanto sou obrigado a ficar calado, sem poder defender-me? Como isso não é sequer um processo, não tenho oportunidade de ser ouvido. Não me deixam falar.
E mais veemente:
— Você deturpa o sentido do que escrevo. Altera meus pensa mentos.
Serguei Ennolinski, testemu nha dessa reação do escritor, com pleta assim a narração da cena: “Ele, o insultador, fez um gesto com a mão, sempre inátado, com as bochechas em fogo, e desapare ceu. O silêncio reinava na sala. Nem um aplauso. Nem uma excla mação. Ninguém ousava inter romper esse estranho silêncio...”
Quando as águas voltarem aos seus leitos, após a crise que ainda abala a União Soviética, estou certo de que, para explicar o dilú vio, detectando-lhe as origens e justificando-lhe a avalanche, a bi ografia do grande escritor nisso, como a de Pastemack, ou a de
Soijenitsync, há de ser subsídio importante para que daí se extrai am algumas lições fundamentais, no plano da vida política.
Bulgakov foi vítima predileta, enquanto viveu, e mesmo depois de morto, daquilo que podemos definir como um neologismo cria do por Rimbaud, ou seja: o patrulhotismo.
O patrulhotismo é a açào da patrulha no plano da vigilância ideológica. Trata-se de uma enti dade invisível de que se identifi-
cam a atuação e a presença, nos seus efeitos objetivos. Age de dois modos: ou pelo insulto (e a restri ção) ou pelo silêncio.
No caso de Bulgakov, a patru lha recorreu, de início, à restrição intimidando o es-
e ao insulto critor. Veja-se, a propósito, o de poimento de Ermolinski: “Ele co lava num caderno todas as críti cas, tudo quanto se havia escrito sobre ele. Com isto formou um grosso volume, constituído exclu sivamente de injúrias, de ultrajes. Sem uma só palavra de compreen são e estímulo.”
Depois da injúria pública, com as agressões escritas, por vezes confiadas a escritores secundári os, vem a fase do silêncio em torde Bulgakov. Diz-nos ainda Ermolinski; “Por volta dos anos 30, o silêncio que se fez à sua volta dava-lhe vontade de gritar. Como se estivesse morto. Como se nun ca houvesse existido.”
contra sua pessoa e sua obra; que lhe permitisse partir para o estran geiro, ou que o mandasse fuzilar.
Um dia, meses depois, é cha mado ao telefone:
Mikhail Bulgakov? Aqui fala Stalin.
E 0 escritor, duvidando:
— Quem?
— Stalin, Joseph Vissarionovitch Stalin.
O patrulhotismo é a ação da patrulha no plano da vigilância ideológica. Trata-se de uma entidade invisível de que se identificam a atuação e a presença, nos seus efeitos objetivos.
E o ditador, sentindo a dúvida do escritor:
Vou lhe dar meu telefone, no Kremlin.
Bulgakov anota o número. Faz a ligação. E é do Kremlin que efe tivamente lhe respondem.
Logo 0 próprio Stalin vem ao aparelho, e lhe diz:
meus amigos, em defesa de Bulgakov! De próprio Stalin!
E aqui entra em cena, mais uma vez a patrulha literária, na União Soviética. Tenaz. Subreptícia. Manobrada naturalmente por falsos escritores. Ou por escri tores medíocres, mas eficientes que se apoderam das colunas especi alizadas em literatura e arte, e se desforram de seus fracassos com o silêncio sobre a obra alheia, o aplauso irsonho às agressões que eles próprios sugerem, as intrigas, os fuxiquinhos, simulando compe tência. Sobretudo o silêncio silêncio de cemitério que se esten deu sobre Bulgakov, à revelia das recomendações e das instruções do próprio Stalin.
Com 0 silêncio sistemático, torturam Bulgakov.
Vale a pena recorrer, mais uma vez, a Ermolinski, testemunha dessa miséria humana, também, explicativa da derrocada do socia lismo na União Soviética: “Quando se trata da representação de uma das peças de Bulgakov (depois da ordem de Stalin), os diretores de teatro passaram de um extremo a outro; de início, maravilhavam-se; em seguida, perseguiam o escritor; por fim, sumiam. E o autor voltava a se ver só, com seu manuscrito.”
E como, para viver, precisava de sua pena de escritor, com as suas peças de teatro, os seus ro mances, os artigos, os contos, viucondenado à miséria. E é então que, em carta, se dirige a Stalin para dizer ao ditador que ele, como teatrólogo, como romancista, não poderia viver sem criar literariamente. Por isso, pede ao ditador uma destas três soluções: ordenar que cessassem as perseguições se
—Recebi sua carta. Não have rá mais perseguições contra o se nhor. E mais: vou ordenar que lhe dêem um emprego no Teatro de Arte. E que sejam representadas as suas peças.
Deve-se a narrativa do episó dio a outro russo, amigo de Bulgakov, louri Elaguine. Acrescentamos mais, louvados na mesma fonte, que, nas Obras de Stalin, publicadas em 1949, há um estudo do ditador sobre o teatro de Bulgakov, a propósito de uma de suas peças. As jornadas de Turbine — em defesa do escritor! Sim, no
Restou a Bulgakov o pequeno emprego no Teatro de Arte, em Moscou, já que, sem ordem de Stalin, não seria possível tirá-lo dali.
Diz-nos mais o seu amigo e biógrafo: “O mundo de Bulgakov se limitou então a quatro paredes, enquanto enchia de manuscritos inéditos as gaveta de sua mesa de trabalho. Lutava, assim, por seu direito de escrever, de escrever o que realmente vivia, sempre fiel a si mesmo.”
Entre esses manuscritos avultavam os originais de seu romance capital, O Mestre e Margarida, obra
que lhe asseguraria renome inter nacional entre os vultos funda-
mentais da verdadeira literatura russa de nosso século mas que só seria publicado 25 anos depois da morte do grande escritor.
Não é grande a obra romancesca de Bulgakov. Convém inici ar-lhe a leitura pelo Romance Te atral, passando depois a A Guarda Branca, e concluir com o Mestre e Margarida, sem deixar de ler tam bém um pequeno volume em que o fantástico e o real se mesclam, para melhor vigor da sátira, um Coração de Cachorro. Em todos eles o escritor nos faz sentir a sua inde pendência, 0 seu vigor afirmativo, notadamente em sua obra capital, O Mestre e Margarida, em que o romancista vai além das simples reminiscências pessoais, ajustadas a uma realidade imaginária, na qual um mágico cria a supra-realidade, fazendo-nos irr e meditar.
O Visconde de Vogüé, que também escreveu o primeiro gran de estudo sobre o romance russo, numa frase em que eram vagas, no mundo ocidental, as informações
sobre as suas figuras mais signifi cativas, Leroman russe, certamen te incluiría Bulgakov entre essas figuras, com O Mestre e Margari da. E levando em conta que, nessa obra de publicação póstuma, o morto se levanta do próprio pó, erguendo a lápide funerária, para represálias como esta, visando transparentemente à patrulha lite rária da União Soviética, mais or gulhosa da carteirinha de escritor do que de obra publicada: “Um escritor não se define por um certi ficado, mas por aquilo que escre ve.” (pág. 471, da edição integral francesa).
Já em outro capítulo, na pág. 147, como que ouvimos a casquinada do riso mordaz de Bulgakov: “É preciso reconhecer que, entre os intelectuais, às vezes a gente encontra, a título excepci onal, pessoas inteligentes.”
No plano político, a rebelião contra o poder à sua volta tem este desabafo do romancista: “Todo poder é uma violência que se exer ce sobre o ser humano. Tempo virá em que não haverá mais poder,
quer o de Ccsar, quer o de qualquer outro. O homem entrará no reino da verdade e da justiça, onde todo poder se tornará inútil.” (pág. 72) 1 loje, cm face da reação do povo na União Soviética, com a crise que busca o seu ponto de equilíbrio, c ainda com as próprias circunstâncias rondando o seu lí der, convém meditar sobre a ação nefasta do patrulhotismo de que Bulgakov foi vítima predileta. Na sua solércia, cabe à patmIha a responsabilidade das denún cias, dos silêncios, das persegui ções. Em suma: daquilo que Jorge Amado, no seu discurso na Acade mia Brasileira de Letras (16-071991), chamou de baixaria das es querdas. E que, lá mesmo, na União Soviética, há de estar tentando so breviver, na busca de outros Bulgakovs.
JOSUÉ MONTELLO c escritor, mem bro da Academia Brasileira de Le tras, ex-embaixador do Brasil, junto à Uncsco.
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MIGUEL REALE
I o que nao nos greco-romano, permitira compreender o verda deiro espírito dessa cultura, que deve tanto à autonomia criadora no
Para um estudo sumário da influência que o Cristianismo exerceu sobre as doutrinas políti cas e jurídicas, pensamos que não há nada melhor do que fazer cotejo prévio entre o valor do indi víduo em face do Estado, na con cepção política dominante na anti guidade clássica, e o resultante dos princípios
plano das artes e das ciências, — podemos dizer que a personalida de humana ficava até certo ponto resultante ou reflexo da orum como dem política constituída.
O Cristianismo, veio abrir rutotalmente diversos, dando mos início a uma revolução que, segun do uma expressão feliz de Otto Schilling, consistiu sobretudo em uma “cultura da personalidade”. O homem deixou de valer como cidos essenciais ensinamentos evangélicos.
E hoje quase que um lugar comum dizer-se que o Estado pa gão constituía o valor humano su premo. Aos olhos dos gregos e dos romanos a comunidade política representava a máxima expressão da realidade ética alcançada pelo homem. Só se compreendia a ple nitude da personalidade dentro do Estado e pelo Estado, e era tão somente como membro efetivo de
uma comunidade política, partici pante de seus órgãos diretores em maior ou menor escala, que o ho mem se revestia da qualidade de cidadão, com a qual se confundia a qualidade de ser livre. Afastado da zona de influência da “polis” ou da “urbs”, o cidadão ficava à mercê das maiores violências, sem a ga rantia que nasce do respeito devido ao homem enquanto homem. Em bora sem exagerar, como fazem alguns autores, a subordinação ab soluta do indivíduo ao Estado
dadão, para passar a valer como homem, como pessoa. Da doutrina cristã resulta que o homem é por si só um valor digno do mais alto respeito e que, pelo simples fato de sermos homens, independente mente de qualquer ligação de or dem política e jurídica, somos pos suidores de um núcleo indestrutível de prerrogativas que o Estado não pode deixar de reconhecer. Dessa arte, a primeira conseqüência do triunfo do Cristianismo foi relativa ao valor da pessoa humana.
lores humanos, não há como dimi nuir a contribuição fundamental do Cristianismo no deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo, cm biusca do necessário equilíbrio entre a liber dade e a autoridade. Surgia, com efeito, como conscqücncia lógica da afirmação dos direitos específi cos de cada homem, a necessidade de se reconhecer que a vida social, na totalidade de suas expressões e significados, não se confunde com a vida do Estado.
O Estado-cidade, isolado dos demais em seu orgulho autárquico (a autarquia, podemos dizer, ca racteriza o Estado-urbano da cul tura clássica, assim como os con ceitos de autonomia e soberania distinguem, respectivamente, ordens políticas medieval dema), o Estado urbano, unitário e cerrado, não podia exprimir-se em uma rede de relações de natureza jurídica entre governantes e gover nados, porque a ordem jurídico-social se identificava com o próprio ordenamento estatal.(1)
Proclamado o valor distinto da pessoa humana, — com um espíri to novo, bem mais alto que o do individualismo universalista dos filósofos estóicos, que assinalam, aliás, o momento crepuscular de desagregação do Estado-cidade, — como que ficou uma idéia-força à espera do momento propício para
Mesmo aceitando as limita ções feitas por Hauriou, Croiset e Jellinek, à tese clássica de Fustel de Coulanges, que nega a existên cia, na civilização pagã, de um conceito de liberdade individual semelhante ao atual, por ser então 0 Estado a expressão total dos vaas e mo-
resolver o problema crucial da or ganização do poder político medi ante o mútuo reconhecimento dos direito ou funções do Governo e do Povo. Explica-se, assim, sem se olvidarem outros motivos de or dem história e econômica, a ausên cia de qualquer idéia de “represen tação popular” na antiguidade clássica, mesmo nos períodos cul minantes da democracia ateniense ou da Roma republicana. Ao passo que nestes dois polos, em tomo dos quais girou a esfera da cultura matriz do Ocidente, o Governo era o próprio povo, manifestando-se ambos como simples movimentos dialéticos da organização civil, como vértice e base de uma única pirâmide;já a vida política influída pelo Cristianismo albergava um princípio de frutos imorredouros, pois implicava em uma discrimi nação de fins e de atribuições na organização social.
Conjunturas históricas só per mitiram a plena eclosão desse princípio séculos mais tarde, de pois de um longo processo de amálgama étnico e cultural entre invasores bárbaros e os civiliza-
tura que se caracteriza por sua identificação entre Estado e Povo (Estado monista, em que rex ac regnum se confundem), encon trando. ao contrário, terreno favo rável em uma fase histórica, na qual o Estado vai surgindo com um caráter dualista (rex distinto e, não raro, contraposto ao regnum), ao se processarem as integrações na-
tue 0 privilégio dos cidadãos. Do restante, da religião, das finanças, da administração, do comércio, e da indústria encarrega-se um conselho depositário da tradição. Dá-se o fe nômeno extranho de uma depen dência extrema ao lado de um poder sem limites. Enquanto na ágoratudo se curva perante as tribos, o indiví duo e os seus mais preciosos interes ses estão na mão do Estado: o povo é rei, o homem é escravo”. (4)
Aristóteles designa o homem como um ser político e o distingue, assim, do animal por sua cidadania. )
cionais que aqui não cabe examinar.(3)
A idéia de personalidade im plicava, pois, em um novo concei to de liberdade, a que era inerente o princípio da representação polí tica os dos habitantes do Ocidente, inspi rando a solução dos problemas de governo em termos de representa ção popular. A idéia de um governo representativo, com efeito, só apaperíodo medieval, como
No Estado pagão a liberdade é um modo de se manifestar da consciência cívica, privilégio de insigni ficante minoria. O cidadão da polis rece no síntese da afinnação ética da per sonalidade, formulada pela dou trina cristã, e a afirmação, às vezes rude e primitiva, a individualidade por parte dos povos invasores, e por motivos de ordem econômica, ligados à tutela da propriedade in dividual e à fiscalização do poder tributário. De qualquer forma, é de grande importância observar que a idéia da representação política foi, como dissemos, estranha à anti-
guidade clássica.(2) A teoria da representação não podia, em ver dade, desenvolver-se em uma cul-
ou da urbs não é livre por ser ho mem, mas por ser cidadão, de modo que os conceitos de liberdade e de cidadania política se confúdem tão intimamente que os ideais do Estado acabam primando sobre os dos indi víduos. O importa. que primacialmente, não é a liberdade, mas a “isonomia”, ou seja a subordi nação a leis iguais para todos e vota das por todos. “Votar as leis nos comícios, escreve Laboulaye, ele ger os chefes do Estado, e julgá-los quando necessário, eis o que consíi-
Wemer Jaeger, um dos mais sutis intérpretes da cultura helênica, depois de dizer que a concepção política desta sofreu sempre a in fluência poderosa da idéia aristo crática de estado, escreve: “O Estado-cidade mais antigo repre sentava, para todos os seus cida dãos, a garantia de todos os princí pios ideais de sua vida. ( Em tempo algum, o Estado se identificou, em medida tão alta, com a dignidade e o valor do ho mem. Aristóteles designa o ho mem como um ser político e o distingue, assim, do animal por sua cidadania. Esta identificação de humanista, do ser humano, com o Estado, só é compreensível na extrutura vital da cultura antiga da “polis” grega, para qual a existên cia em comum é a súmula da vida mais alta, dotada até mesmo de uma qualidade divina”. (5)
O indivíduo possuia, teorica mente, 0 valor de um estado em miniatura, de uma micrópolis, se gundo a expressão platônica, mas não havia, na realidade, direito in dividual que não fosse direito do Estado, visto como as liberdades civis recebiam, quando muito, a consagração dos usos e costumes. Poderiamos dizer que existia uma liberdade coletiva, segundo afir mação de Benjamin Constant, isto é, uma liberdade como direito do indivíduo enquanto membro com ponente de uma assembléia que delibera pelo voto da maioria.
O Cristianismo modifica com- qualquer subordinação da vida re pletamente esse estado de coisas, ligiosa às finalidades da vida polídelimitando as atribuições gover- tica, nem a entrosagem de sua namentais e fechando o rosário dos extrutura comunitária no organisdireitos invioláveis da consciên- mo administrativo do Estado, cia; ou melhor, acelera uma evo lução que já se processava, pois a concepção romana do Estado como ordem jurídica comum, consoante subordinavam a religião à comuni observação de Bluntschli, já repre sentava certo progresso na relação à teoria grega do Estado como con junto da ordem moral do mundo.
das relações entre o Estado e a Igreja, posto pelo Cristianismo, constituo a nota dominante de toda a política medieval, subordinan do-! he grande parte das concepções do Direito. Quando Cristo respondeu: “Dai a Cesar o que é de Cesar, e a Deus o que é de Deus”, partiu os laços que dade política, e condenou toda e Outra coseqüência relevante da revolução cristã no plano da organização social, e. logicamente, no das teorias sobre o Direito, nos (6) é dada pela idéia de igualdade e fraternidade humanas. Neste pon to, o Cristianismo vem dar força aos princípios cstóicos, pois Zeno e Crisipo, Sôneca e Marco Aurélio não
Epresisamente porque combi na a idéia antiga do Estado e a idéia cirstã do valor da pessoa, que pensamento político da Idade Mé dia, no dizer de Gierke, apresenta umacomplexidade assombrosa. (7) E necessário notar que a defe sa dos direitos individuais é com pletada, na doutrina cristã, pela proclamação da igualdade das fi nalidades humanas, de modo que ao reconhecimento dos direitos in-
Sendo apolítico, o Cristianismo implicou, necessáriamente, na quebra do caráter religioso do Estado antigo, na distinção entre a esfera religiosa e a política. o
dividuais passa a corresponder uma considerável soma de deveres do qualquer possibilidade de uma reindivíduo para com a sociedade.
ligião cívica resultante da ordem estatal. Melhor do que “separar”, será, porém, dizer como pondera Magnin, que o Cristianismo veio “distinguir” a religião da política. Todo o período medieval revela a uma intensa e permanente agita ção doutrinária sobre a exata ma neira de se interpretarem as pala vras de Cristo, uns chegando à conclusão de que o Estado e a
E paradoxal, mas é verdadei ra, a afirmação feita por um notá vel escritor católico de que foi apoliticidade, ou seja, a falta de preocupação política, que fez re sultar do Cristianismo uma grande revolução no plano político (8). Sendo apolítico, o Cristianismo Igreja devem representar dois doimplicou, necessáriamente, quebra do caráter religioso do Es tado antigo, na distinção entre a esfera religiosa e a política. Em política (tese gibelina); outros in verdade, a religião pagã era, de vocando textos sagrados para con certa fonna, um elemento compo- sagrar a supremacia da Igreja sonente do Estado; fazia parte da bre o Estado (tese guelfa). administração pública; os seus ministros eram ministros do Esta- pensamento de Santo Agostinho, do, acumulando outras funções de de Santo Tomás, de Dante, de ordem não religiosa. A doutrina Marcílio de Pádua e de outros, cristã, ao contrário, não permite fácil é verificar como o problema mínios distintos, cada qual com sua autonomia prórpia, sem laços de dependência e de subordinação na O certo é que, estudando o
pregavam essecialmente diversos, condeprincipios nando a escravidão como um insti tuto exclusivamente de Direito Positivo e contrário aos ditames da razão natural. Se era essa, contudo, a con cepção dos estóicos, não se pode dizer que fosse a dominante no mundo helênico-romano. Platão, por exemplo, admitia que os ho mens, ao nascerem, já trazem mar cados os seus destinos, uns desti nados a fazer parte da classe dos artífices, outros com qualidades para formar na classe dos guerrei ros e outros, finalmente, com pen dores próprios às altas flinções de guias dos Estados, por serem conliecedores do supremo Bem. A República ideal platônica baseia-se, pois, no princípio da desigualdade natural dos homens, plenamente compatível com a es cravidão, que representa a máxima violência contra a pessoa. Mais categórico ainda do que o mestre, revelou-se Aristóteles, justifican do, com vários argumentos, a desi gualdade dos homens, e mostran do a racionalidade da instituição servil.
A organização política do mundo greco-romano é de tal
naturaza que há sempre uma casta àmercêdos“cidadãos”,aristocraou grupo reduzido vivendo do tra- tas ou plebeus, que sabiam tirar balho alheio. Mesmo em Esparta, proveito do desmedido poder das onde os corifeus do comunismo assembléias.
pretendem ver realizado o sonho igualitário, as separações são tão profundas entre os cidadãos que somente os ricos podem tomar dispõem do lazer necessário às parte na “refeição comum dos nobres ocupações da virtude, e “Aos pobres, lembra não curvam a sua reta estatura iguais”
Aristóteles, não é permitido parti cipar das refeições públicas, mas esta é a norma costumeira da cidade. Quem não pode fazer face às despezas da refeição pública, não pode pretender os direitos da cida de”.
Não se invoque o exemplo da democracia ateniense para de monstrar o triunfo do princípio igualitário. Isto nos levaria a gra ves equívocos. Em atenas, mesmo momentos de mais intendo nos radicalismo popular, quando os cargos públicos eram distribuídos sorteio, com abstração de precompetência, era reduzida por paro e classe dos “cidadãos”, dos ho mens com o privilégio de compa recer à ágora perante os tribunais: a imensa maioria, formada de es-
“A sociedade, escreve Paul Janet, se divide em duas classes: os homens livres, os cidadãos que
O trabalho, considerado em si mesmo, como necessidade, meio de subsistência, fonte de riqueza, o trabalho é servil e, como tal, excluído da cidade.
para realizar grosseiros trabalhos; e os artífices ou escravos, que de pendem em tudo e por tudo dos homens livres, a cuja subsistência trangeiros (metecos), de comerei- provêm; os primeiros são os mem- antes, industriais, artífices e ope- bros e os senhores do Estado; os rários, só gozava de liberdade em setores produtivos, mas participar da vida do Esta do com a particularidade de lazer não é a ociosidade, mas a só os nascidos de pai e mãe ocupação do espírito em coisas nobres, e não em trabalhos mecâa
outros são os seus súditos e instru¬ mentos. O “Lazer”, eis o título do homem livre entre os antigos. O seus sem que atenienses é que podiam pre tender adquirir os direitos da nicos. O trabalho não é vedado ao cidade. Isso sem se falar na homem livre, mas também não é massa dos escravos, tratados mais que o entretenimento do lazer. O trabalho, considerado em si como coisas. Se este sistema permitia que comerciantes e industriais, priva dos das preocupações de uma agi tada vida política, cheia de intri gas e surpresas, se dedicassem. plenamente às suas atividades cri- lidade implicava em uma nova conadoras, desenvolvendo extraordi- cepção de liberdade cívica, a idéia nariamente as riquezas e as artes, de igualdade conduzia a um conceinão é menos certo que os deixava to de cidadania, segundo a identifimesmo, como necessidade, meio de subsistência, fonte de irqueza, 0 trabalho é servil e, como tal, excluído da cidade”. (9) Ora, se o princípio de persona-
cação “homo-cives”, que é um im perativo da evolução política. Guilherme Ferrero pões em justo destaque a contribuição do Cristianismo nessa obra de demo cracia real, sem os privilégios re sultantes de particularismos gentilícios. “A doutrina de igual dade moral dos homens, lembra o referido historiador, já havia sido enunciada por alguns grandes fi lósofos da antiguidade, mas foi o Cristianismo que a conseguiu fa zer penetrar na consciência uni versal, destruindo assim, até seus fundamentos, o verdadeiro gover no aristocrático, e criando a de mocracia moderna. Desde que fi cou destruído na consciência das massas o princípio segundo o qual os homens não seriam moralmen te iguais, mas desiguais, a aristo cracia pôde ainda ser uma conven ção social, aceita em certas épocas por mera conveniência; deixou, porém, de ser uma forma orgânica e quase sagrada da sociedade civil, como havia sido na antiguidade”.(10)
Assim, com o advento do Cristianismo, uma idéia, que era acalentada apenas por uma redu zida elite, inspirada nos ensinamentos do estoicismo, a da igualdade e fraternidade humanas, passou a valer como ideal comum, penetrando nas mais humildes ca madas sociais.
A doutrina dos Evangelhos teve, como conseqüência, por as sim dizer, a permeabilização do ideal de fraternidade através todos os setores da sociedade imperial, fazendo chegar até aos escravos uma palavra que lhes dava alta consciência de sua individualida de. Por outro lado, a idéia de igual dade e fraternidade, pregada pelos cristãos, não era simples produto de especulação filosófica, nem se traduzia apenas em frios argu mentos de ordem lógica. Repre-
sentava, ao contrário, um valor amor absoluto, a humildade perfundamentalmente afetivo, que feitacomagrandezainfinita”.(13) ressoava nos corações como uma clarinada conclamando à luta, pois decorria da concepção de que to dos os homens somos filhos de um
A libertação dos escravos não resultou, entretanto, nem podia re sultar, imediata e tão somente dos ensinamentos de Cristo. Assim como os estóicos continuaram a
único Pai, de que todos somos membros de uma única família, não iguais à luz da razão apenas, mas iguais perante o Criador de todas as coisas. E o conceito de admitiraescravidãocomoumfato, paternidade divina que anima, com um calornovo, a doutrinajá segui da pelos estóicos, transformando um princípio depura racionalidade em um elemento emocional capaz de alterar o destino do mundo.
O efeito da caridade cristã para com os pobres e os estrangeiros foi tão profundo que o insuspeito F. A. Lange lembra, como fato notável, que “Julião Apóstata, não obstante o seu desejo de substituir o Cristianismo por uma religião do Estado, filosófico-helênica, re conheceu publicamente, neste as pecto, a superioridade do Cristia nismo sobre as antigas religiões. Querendo, pois rivalizar com os cristãos, ordenou que se estabele cessem, em cada cidade, asilos onde se acolhessem os estrangei ros, qualquer que fosse a religião deles”. (11)
Não é demais acentuar esse
traço dominante de amor e carida de na doutrina cristã, que a distin gue da pregação estóica sobre a fraternidade e igualdade humanas (12), e de todas as religiões anteriSó o cristianismo, escreve ores:
Albert Dufourcq, é possuído por essa idéia de “caridade”, com a qual pretende transfigurar o mun do, e que foi o primeiro a elaborar. Em verdade, o Cristianismo é a únicareligião que define Deus pelo Amor. Além do mais, aparece como a única que ousa encarnar o Deus Amor e fazer resplandecer, na plena luz da história, a Carida de Viva, Jesus, reconciliando, no
O que deve ser visto e realizar-se nos fins dos tempos, viram-no em espírito as almas crédulas: o reino do amor, onde os últimos serão os primeiros
fiíyÀ
embora condenando-a à luz da ra zão, também os padres da Igreja admitiram a realidade dessa insti tuição humana, dada a impossibi lidade de se destruir “ex abmpto” um elemento indispensável à eco nomia e à própria ordem social do Império. A doutrina de Cristo traduziu-se, preliminarmente, em uma pregação de resignação para os escravos, e de docilidade e no breza para os senhores, aconselha dos estes a não abusar de sua posi ção dominante para não se desme recerem aos olhos de Deus.
Com 0 correr do tempo, o ideal cristão conseguiu operar o desgas te no instituto da escravidão, con correndo, com fatores outros de ordem técnica e científica, para a sua extirpação, fenômeno que, ali ás, ainda se processa em várias partes do globo.
autoridade no seio da Igreja, que sustentaram a compatibilidade do instituto da escravidão com a dou trina cristã, assim como houve os que, mal interpretando o pensa mento de Santo Agostinho, redu ziram o Estado a uma entidade subordinada, de valor precário, per ser fruto do mal e do pecado. Não estamos aqui, entretanto, estudan do os desvirtuamentos a que estão expostas até mesmo as doutrinas mais puras, mas sim procurando esquematizar aquelas idéias-forças basilares do Cristianismo que, com o tempo, não só se impuseram à realidade crua dos fatos, como pre valeceram sôbre as conclusões de intérpretes influenciados por pers pectivas históricas contingentes.
Não há que confundir os valo res universais so Cristianismo com as adotações pragmáticas e inevi táveis de seus princípios por força de imperativos políticos, econô micos ou técnicos: “anunciando o Evangelho aos pobres, o Cristia nismo, observa Lange, transfor mou completamente o mundo an tigo. O que deve ser visto e realizar-se nos fms dos tempos, viram-no em espírito as almas cré dulas: o reino do amor, onde últirnos serão os primeiros”. (14)
É inegável que não faltaram autores, alguns de reconhecida os
E essa perspectiva que fal ta, por exemplo, a Eduard Westermarck, quando invoca uma série de fatos para mostrar que a extinção dos escravos e dos servos se operou por moti vos outros que não os decor rentes do idealismo cristão. (15) Excluir a influência do Cristianismo, que se revela na própria critica de Westermarck, parece-nos tão absurdo como querer só por êle explicar o multifário processo histórico da libertação do homem, pelo qual se delimitaram as zonas pró prias da ação individual peran te o Estado, prepararam-se as IV
condições de uma vida política livre, libertou-se e digni ficou-se o trabalho, e deu-se à mulher o lugar que lhe compe te no sistema da cultura.
posição da mulher e ao tratamento dos filhos.
Na antiguidade clássica, a mulher não possuia autonomia pessoal definida: pertencia à famí lia do pai enquanto cultuava os deuses lares dos antepassados pa ternos; uma vez casada, desligava-se, em geral, da família dos pais para passar a pertencer à família do esposo; a sua posição na
vontade dos esposos, pais ou se nhores. Não é menos certo que o ideal cristão não pôde prevalecer durante largo lapso de tempo, em virtude de condições culturais ad versas. Nem faltou, também quem pretendesse descobrir, nos Evan gelhos, passagens consagradoras de uma absurda inferioridade espi ritual da mulher, tese que a Igreja solenemente repeliu.
ou economica
É difícil, no estudo destes pro blemas, manter o necessário equi líbrio, reconhecendo o valor po tencial da doutrina cristã em fiinção das forças de resitência a ela opostas por elementos externos de ordem demográfica ou técnica, intelectual.
Westermarck e tantos outros pre tendem julgar a influência do Cris tianismo à luz dos séculos iniciais de nossa era, esquecidos de que, como bem pondera Alfi’edo Weber, “toda a cristianização do período de transição, tão agitado e escabro so, não pôde facultar, nem mesmo
os
Não procede o argumento daqueles que invocam o fato de terem sido prestadas às mulheres gregas e romanas as maiores homenagens, em sua posição de esposa e de mãe, especialmente nos períodos de predomínio aristocrático do remotamente a compreensão Cristianismo pelo povo, nem tão um verdadeiro contato com poucoseus conteúdos espirituais”. (16) O instituto da escravidão não podia, pois deixar de soífera influ ência gradual de uma concepção religiosa que implicava em “problemática de imponente gran deza, que tem acompanhado existência toda do mundo ociden tal” e “representa de modo direto força mais revolucionária do mun do” (17), assim como já fora notá- vel a influência análoga do estoicismo. O reconhecimento da interferência de causas e princípi¬
sociedade, por conseguinte, era simples resultante da comunidade de culto. Variava a sua situação na sociedade com a mudança dos deuses que lhe cabia adorar. Ela, deuses próprios não os possuia, o que era sinal de inferioridade evi dente. Além disso, ficava pratica mente subordinada aos caprichos maritais, correndo mais facilmen te o risco do dovórcio unilateral ou repúdio. uma a a os ético-religiosos não nos impe de, entretanto, de reconhecer que a extinção do trabalho servil, fruto amargo de necessidades econômi cas, só podia resultar de mutações decisivas no plano da técnica e da
Não procede o argumento da queles que invocam o fato de te rem sido prestadas às mulheres gregas e romanas as maiores ho menagens, em sua posição de es posa e de mãe, especialmente nos períodos de predomínio aristocrá tico (19). Não se contestam esses fatos, eles não excluem que o Cristianismo tenha contribuído a economia.
V
Também sob a influência do Cristianismo profundamente se transfonnou o instituto da família, especialmente no que se refere à
dar à mulher um valor próprio, autônomo, em qualquer condição ou setor social, abstração feita da
O Cristianismo, em verdade, destruindo os cultos domésticos particularistas e mostrando que há um Deus comum a todas as famíli as e a todos os homens, fez desapa recer a legião imensa dos deuses lares, que eram o reflexo das desi gualdades gentilícias, em prejuizo da concepção da família natural.
O Cristianismo apresentava, ainda, o exemplo de uma família, na qual nascera o Deus feito ho mem, 0 Cristo, para trazer a pala vra nova: nessa família, a mulher adquiria a alta posição de esposa e de mãe, livre de toda e qualquer mutação no plano político-social.
A idéia de família natual, como célula doméstica, formada por la ços biológicos e assentada sobre uma unidade ética, se contrapunha à família antiga baseada na co munidade de culto, verdadeira so ciedade ao mesmo tempo econô mica, religiosa e cívica, de estrutu ra e fins marcadamente políticos, como 0 demonstra o insigne Bonfante.
O citado romanista põe bem em evidência o contraste entre o conceito romano de matrimônio e 0 que foi elaborado no plano jurí dico sob a influência cristã e canônica, assim como no tocante ao instituto do divórcio e ao concubinato. (20).
Não se pode contestar o ca ráter ético do matrimônio ro mano, como bem o ressalta a célebre definição de Modestino: “Nuptiae sunt con-
junctio maris et feminae et consortium omnis vitae, divini et humani juris communicatio” (L.i Der. n° 23,2), mas o que o caracteriza é o seu emba samento subjetivo, por ficar na dependência da duração da “affectio maritalis” entre os cônjuges. O casamento em Roma não é uma instituição de valor objetivo, cujos fins transcedem à vontade mutável dos nubentes no ato de instiuíla, mas algo que perdura em função da intenção mútua dos cônjuges de continuar viven do, como nos esclarece Justiniano, em uma “conjunctio individuam consuetudinem vitae continens”. É por esse motivo que o matrimônio ro mano prescindia de formas ju rídicas para a sua conclusão, assim como o divórcio também não exigia senão uma simples comunicação verbal ou por es crito (per litteras) ou por mensagem (per nuntium).
Não é demais notar que, du rante séculos, só o homem usou da faculdade de repudiar a esposa, por achar-se ela sujeita à “patria potestas” ou à “manus”, embora seja certo que, no fim da Repúbli ca, cresceu o número dos matrimô nios “sine manu”, e também as mulheres conseguiram o divórcio, podendo obrigar o marido a renun ciar à “manus”. A corrupção final dos costumes exprimiu-se, como é sabido, no número alarmante dos laços matrimoniais partidos, pro vocando uma instabilidade tanto mais prejudicial à mulher quanto maior fosse sua dedicação aos va lores domésticos.
De conformidade com o ideal cristão, o matrimônio não podia, como é óbvio, continuar na depen dência exclusiva da “affectio” conjugal, nem o divórcio se con cluir com as facilidades existentes
em Roma. No caso do divórcio, como nos demais, a influência cristã foi, porém, se exercendo sem violências e rupturas bruscas, atra vés de conquistas graduais no pla no concreto da história, consa grando, primeiro, a paridade na situação dos cônjuges, e, afinal, a indissolubilidade do vínculo ma trimonial. Não é demais ponderar
O concubinatoexistia no mundo romano ao lado do matrimônio como um reflexo de desigualdade existente entre os indivíduos e as classes. HP
que, se hoje em dia não são poucos os defensores do divórcio, ninguém mais, salvo alguns extremistas do anarquismo, seria capaz de preten der a restauração da concepção romana do divórcio como um sim ples fato. Tal a força dos princípios que compõem a estrutura de nossa cultura, sobre uma base indes trutível de respeito aos valores da personalidade humana.
Não só sobre as uniões legais mas também sobre o concubinato foi decisivo o influxo do Cristia nismo. O concubinato existia no mundo romano ao lado do matri mônio como um reflexo de desi gualdade existente entre os indiví duos e as classes, uma solução encontrada pelos impedidos de se unirpelos laços do casamento. Era uma situação de fato, que a socie dade pagã, com os seus costumes amolecidos, acabará por tolerar, sem cuidar, entretanto, de lhe dar
juricidade. A Igreja, longe de con denar o concubinato, como pode ría parecer, preferiu seguir uma via da mais alta prudência, limitandose em um primeiro momento, a elevá-lo ao grau de “instituto jurí dico”, com garantia para a concubina c seus filhos. A proibi ção legal veio depois, para preve nir casos futuros, e quando a des truição das barreiras gentilícias possibilitou ao maior número a conclusão do matrimônio regular.
Em matéria de Direito de Fa mília, como se vê, é sempre o mes mo princípio fundamental da igualdade e do respeito à persona lidade humana que norteia e inspi ra as reformas: paridade e respeito mútuo entre os cônjuges, elevação no tratamento dos filhos, valor objetivo da união matrimonial (21). O Direito é sempre uma expressão de vida, e uma dada concepção sobre o universo e a vida condiciona todos os institutos jurídicos, em uma unidade orgânica, de maneira que as modificações se operam sempre com um sentido maravi lhoso de conjunto. Por qualquer prisma que se observe, quer quan to ao Estado, quer quanto à famí lia, à propriedade ou aos direitos políticos individuais, é sempre o mesmo princípio essencial de “valoruniversal da personalidade” que atua como idéia-força na base do sistema.
Tratando dos problemas da escravidão e da representação po lítica, já tivemos oportunidade de estudar o novo valor dado ao traba lho por influxo da doutrina cristã, mas a questão é de tal magnitude que não pennite uma simples refe rência marginal.
O Cristianismo assinala um dos momentos culminantes do proces so multimilenar de redenção e
dignificação do Trabalho, ate este se tomar o que já se vislumbra no panorama agitado de nossos dias, a força elementar da ordem social, a “constante" ou o “denominador comum" dos valores econômicos e jurídico-políticos".
Divergentes são as opiniões sobre o papel do Cristianismo na história do conceito de trabalho, alguns autores contestando a sua influência decisiva, outros expli cando a totalidade do fenômeno à luz de seus princípios. Neste pon to, como nos demais, é preferível distinguir sem separar, evitando soluções unilaterais ou dc meros intuitos apologéticos.
A primeira observação a fazer-se é a de que foi indispensá vel um longo decurso de tempo para que as palavras de Cristo fnitifícassem, prevalecendo sobre orgulho dos homens dotados com prerrogativas do lazer, tomado, como vimos, “título” de cidadania. As grandes revoluções espirituais não se improvisam, e a sua com preensão é o fruto maduro do tem-
de pena e de castigo, restituindo-lhe a alegria do espontâneo e do natural, especialmente, acrescenta o filó sofo italiano, com o advento da era renascentista e da Reforma. Para Tilgher. é com Calvino e a sua teoria de pre-destinação que o tra balho tende a purificar-se de fina lidades imediatas, para valer como liberdade, autonomia, alegria, ce lebração de espírito. (22)
As grandes revoluções espirituais não se improvisam, e a sua compreensão é o fruto maduro do tempo.
que não raro encontraram situa ções adversas, mas que, afinal, se impuseram à crueza mesma dos fatos.
Pensamos, por outro lado, que, se a concepção cristã do trabalho veio contrastar com a dominante no mundo antigo, não deixou de representar, sob certo ponto de vis ta, a conclusão esperada de um processo milenar e profundo de glorificação das fadigas pacíficas e criadoras, desde os tempos em que Hesíodo, em suas poesias campesinas, se contrapunha ao desdenhoso ardor guerreiro dos heróis de Homero.
Segundo Adriano Tilgher, que é um dos mais penetrantes estudi osos do assunto, a concepção cris tã do Trabalho coloca-se, como um valor novo, depois de duas concepções antitéticas: a helênicoromana, e a hebréia. Na primeira o que predomina é um sentimento estranho do Trabalho como pena, esforço, dor, que pesa sobre os homens como uma inelutável fata lidade, e da qual os homens procuem vão libertar-se para realizar ram, suprema felicidade do repouso. Já na segunda concepção o que domina é o sentido religioso de uma culpa própria a resgatar-se, de um castigo divino imposto aos hebreus, para os quais o Trabalho já se ilumina de um incerto crepús culo ideal de redenção. O Cristia nismo libeita o trabalho do sentido a
Nessa sedutora tese de Tilgher há excesso de esquematismo, e, sobretudo, o esquecimento de que a doutrina de Calvino marca, ao contrário, um retrocesso ao supe rado fatalismo grego, agravado de uma carência de fins que ia facili tar o amoralismo capitalista, na apologia fáustica da ação pelo pra zer da ação.(23)
A concepção do trabalho como alegria, e não como expiação, esta va desde o início no bojo da con cepção cristã da vida, e o próprio Tilgher nos aponta a grandiosidade do exemplo das instituições mo násticos consagradoras dos traba lhos manuais, agrícolas e pastoris, como ocupação nobre própria dos mais santos e dos mais sábios. Ora, esse exemplo da atividade monacal não é senão um “momento” de uma longa e ininterrupta con cretização de valores ideais cris tãos no plano da história, ideais po.
É preciso, em verdade, não esquecer que, ao lado da concep ção aristocrática do “otium” e das “dignidades bélicas”, houve sem pre tanto na Grécia como em Roma, um filão perene de amor às cousas pacíficas e calmas, ligadas aos misteres do campo e inspiradas no exemplo da própria terra, silencio sa e serenamente fecunda, engalanada de flores e de frutos. E a voz de Hesíodo, em “Os traba lhos e os dias” e é a voz de Virgílio, como um oásis no meio das preo cupações bélicas avassaladoras do Império.
Era, porém, apenas um filão à espera de um grande sopro universalizador. Jaziaelesubmerso sob camadas de orgulho gentilício, sob o peso de vaidades aristocráti cas que marcavam a fisionomia peculiar da “polis” e da “urbs”. Em uma sociedade, como a pagã, toda assentada sobre a desi gualdade natural dos homens e as diferenças extremadas de classes, era mais natural que a vida política fosse defendida como um patrimônio da minoria, que, ou não precisava trabalhar por excesso de riquezas, ou mercadejava as van tagens do voto quando carecedora de recursos. Para essa aristocracia reduzida de “cidadãos”, o trabalho
era algo de desprezível, mesmo quando dedicado às, para nós, su premas criações das artes e das ciências. Fidias e Policleto pareci am exemplos pouco aconselháveis a um herói de Plutarco, partícipe das altas responsabilidades do Es tado e, por conseguinte, necessita do de lazer para graves medita ções... A plebe inculta, essa em pregava o “otium” como todas as plebes em qualquer época da his tória. Não é demais lembrar que os mais altos espíritos não ocultavam a sua trágica incompreensão pela grandeza do trabalho, que constitue, aliás, um traço ou nota cons tante de toda sociedade aristocráti ca e guerreira, como nos compro va, por exemplo, a história de Espanha, onde os trabalhos pacífi cos eram tidos na conta de coisa própria de servos e mulheres. Grécia e Roma, no esplendor de sua cultura, quando mais alto bri lhava a sua estrela político-eco nômica, cosideraram o trabalho, especialmente o manual, função imprópria dos homens livres. Aristóteles e Platão, Xenofonte e Plutarco, subscreveríam sem pes tanejar estas palavras de Cícero, que tão estranhamente soam aos nossos ouvidos: “quem troca o seu trabalho por dinheiro a si mesmo se vende e se coloca na categoria de escravo”. (24)
Isto não obstante, se pensar mos nas riquezas do comércio helênico, notadamente por obra de Atenas, e na magnificência de suas artes, devemos evitar certas gene ralizações por demais absolutas, como têm observado vários auto res (25). Apreciando-se a questão do ponto de vista das instituições jurídico-políticas, não será exage ro dizer que entre os gregos e os romanos o que houve foi in compreensão de um binômio que hoje nos parece tão natural e cada vez mais indissolúvel: o binômio
da cidadania e do trabalho. Pareci am-lhes elementos antitéticos, excludentes um do outro, de sorte que a sociedade, na sua massa imensa de trabalhadores da agri cultura e do comércio e da indús tria, quedava fora da “cidade”, ou a ela se subordinava em um segun do momento, pela voz suspeita da aristocracia dominante, muitas vezes pomposamente ornada com
Quem troca o seu trabalho por dinheiro a si mesmo se vende e se coloca na categoria de escravo (( i„_1
vestes democráticas, que pressu põem, nem pode deixar de pressu por, efetiva igualdade perante a lei.
A “isonomia”, da qual os atenienses mostravam-se tão ciosos, nunca deixou de ser uma igualdade pe rante lei só para os poucos que eram considerados cidadãos: os mercadores e servos, agricultores de artífices não usufruíam das prerrogativas das leis iguais...
A concepção jurídico-política na Grécia e em Roma, desconhece, pois, o valor do Trabalho como base ou condição da atividade ci vil, e não estabelece qualquer laço ou relação entre “trabalho” e “ci dadania”. Hoje, que concebemos a Nação como uma cooperativa dos que trabalham, tais fatos causam estranheza, favorecendo generali zações fáceis.
ca. Voz serena, que contrasta com os gritos estridentes dos conquis tadores arrogantes; verdade há tempos esquecida, embora emba lada pelos versos de Virgílio e Columela, como o fora por Hesíodo, em sua apologia da terra fecundada pelo esforço pacífico do homem. Mas se a voz é a mes ma, que diferença de tom e altitu de! Nascendo Cristo, o filho de Deus, no seio de humilde família de trabalhadores, de certa forma se sublimava o trabalho como fun damento de uma nova ordem soci al, ou melhor, de um novo ciclo na história da humanidade. Além do mais, essa dignificação do traba lho resultava da dignificação do próprio homem, de sorte que a questão era resolvida em sua raiz mais profunda, em seus valores autênticos e essenciais.
A valorização do trabalho re sulta, nos Evangelhos, mais de fatos do que de palavras. Não mais 0 trabalho-pena ou fatalidade dos gregos, nem o trabalho-expiação dos hebreus, mas o trabalho-alegria, por ser trabalho em comu nhão afetiva. A concepção do trabalho, como afirmação que homem faz de si mesmo, por conseguinte, é autonomia, li berdade, alegria, festa e celebra ções do espírito, para empregar mos expressões características de Adriano Tilgher, encontra fonte inspiradora primacial no Cristianismo, desabrochando nas realizações da cultura do maior século medieval, e nas esplendidas conquistas do Renascimento, para representar, hoje em dia, todo um sentido de vida, o magno proble ma que talvez condiciona todos os outros da ordem social, por quanto o problema da paz é o problema do trabalho com ale gria.
Pois bem, sob o signo de Cris to, volta-se a ouvir uma voz de paz, de atividade criadora e pacífio e que. a sua
Outro elemento que deve me recer a nossa consideração, neste resumido apanhado das modifica ções advindas através dos séculos sob o influxo do Cristianismo no plano da ordem jurídica e social, é o que concerne à idéia de socialidade, de comunalismo, com repercussão na ordem econômica e na tela dos direitos relativos à propriedade.
lor do todo, isto é, o lado social da vida humana.
O principio da igualdade pre gada nos Evangelhos tem-se pres tado a interpretações diversas, aparentemente irreconciliáveis. Para alguns estudiosos o Cristia nismo é a fonte do individualis mo; para outros, Cristo é o Pai das idéias socialistas. A uns e a outros
deve possuir um fim, que é bem coletivo, a felicidade do povo.
Que dizer da tese do materialismo socialista, que nivela as qualidades de todos os homens, almejando a etapa final de um paraíso de iguais, onde deveríam ser igualmente tratados o viciado e 0 homem puro, com a elevação do vício em detrimento da virtu¬ de?
aos
Sendo, como foi, eminente mente apolítica, a ideologia cristã não podia deixar de provocar mais violenta reação por parte dos imperadores romanos, cuja auto ridade era apresentada como de essência divina. Daí o tato dos cristãos terem sido vistos como rebeldes, ou, para usarmos de uma expressão atual, como “extremis tas”, elementos perniciosos à es trutura do Negando-se a adorar os imper dores, como deuses, os cristãos ameaçavam os alicerces da cons tituição política imperial, especi almente na época do declínio do Império, quando as imensas con quistas romanas já se encontra vam ameaçadas por forças internas desagregadoras e mal se regiam embates enfurecidos das hordas bárbaras. Perseguidos, os cristãos se ainda mais, passando a vi vida comunitária, do mais
a
Sendo, como foi, eminentemente apolítica, a ideologia cristã não podia deixar de provocar a mais violenta reação por parte dos imperadores romanos, cuja autoridade era apresentada como de essência divina. Estado romano. a-
É claro que não é possível pretender rebuscar no Cristianis mo a fonte da corrente dos niveladores. O socialismo, quan do fundamentado em uma con cepção materialista da vida, es conde os ressentimentos oriundos dos debates tragicamente trava dos entre a aspiração, que cada um de nós tem de ser igual aos demais, e a consciência dos limites que a natureza impõe à nossa pretensão.
escapa a totalidade do problema, com toda a riqueza de seus dados, porque na coirente cristã “indivi dualismo” e “socialismo”, por as sim dizer, se integram em uma unidade nova, subordinada a uma finalidade transcedente, que é de outra ordem, porque visa a perfei ção espiritual.
A doutrina de Cristo ensina-nos, ao contrário, a pene trar nesse antagonismo, revelan do-nos a linha da harmonia e do equilíbrio, sem sacrifício da pes soa e do indivíduo, pondo a pro priedade em função do homem e não 0 homem em função da pro priedade.
uniram ver uma heróico altruísmo, todos por um e por todos, realizando até mesformas incipientes de comu nhão de bens, onde os marxistas, — fazendo abstração da finalida de religiosa e espiritual, —julgam encontrar verdadeiras experiênciprecLirsoras de sua ideologia coletivista... Abstração feita do exagero daqueles que transfonnam Cristo em um apóstolo do comu nismo, é inegável que o Cristia nismo trouxe ao mundo um prin cípio novo, reconhecendo o valor do indivíduo, sem esquecer o vaum mo
O individualismo faz do indi víduo um ser isolado, só ligado pelos laços de família, do grupo profissional ou do Estado na me dida e enquanto estes não dificul tem a expansão mais completa das suas tendências e inclinações na turais. Pela sua própria natureza, portanto, refoge de todo e qual quer ideal comum, de toda e qualquer finalidade que não seja a da autarquia individual. Ou é afmalista, ou se perde no atomismo dos fins particulares. Assim sen do, é uma força antagônica ao Estado, o qual necessariamente
Eis porque compreendemos aqueles que afirmam que, se o Cristianismo fortaleceu as estru turas sociais, “nunca denunciou a escravidão como contrária por si ao direito natural”. A afirmação dos direitos da pessoa não poderia deixar de representar também a salvaguarda dos direitos do indi víduo.
Como observa René Gonnard, a economia inspirada nesses prin cípios, não é individualista, e mui to menos socialista. O que ela põe 110 primeiro plano não é nem o indivíduo, nem o Estado, mas a família, o gnipo profissional, a classe, a espécie humana, “a espé cie humana, no dizer de Haurion, fortemente concebida em sua unias
dade, como que formando um cor po místico, do qual Cristo é a cabe ça”. (26)
VIII f
Em resumo, o Cristianismo implicou na transformação da vida social e jurídica por múltiplos motivos, dentre os quais cumpre destacar os seguintes:
a — o reconhecimento do va lor do homem como homem; dig nificou 0 cenceito de “personali dade” e “liberdade”, assegurando aos indivíduos uma esfera de ação, e impondo limites ao poder abso luto do Estado;
b — a distinção entre os direi tos de César e os de Deus condu ziu à distinção entre a Igreja e o Estado, contrariando a doutrina que divinizava os Césares;
c — a idéias de que o trabalho eleva o homem aos olhos de Deus e dos homens revelou o elemento, em tomo do qual, no decorrer dos séculos, vai se fundamentando cada vez mais toda a ordem social e jurídica; possibilitou, em suma, que 0 trabalho se tomasse o sujei to por excelência do ordenamento jurídico-político;
pensáveis àsua concretização real, infelizmente ainda hoje de exis tência problemática; 0 princípio da igualdade feriu em cheio a doutrina da desi gualdade natural dos homens, ne gando todo fundamento ético ao instituto da escravidão; transformou a família em uma unidade ético-biológica, na
Apontando as inlluências mais marcantes, tivemos o cuidado de ir lembrando que todas elas são ramos de um mesmo tronco, péta las de uma mesma rosa, expres sões de um mesmo centro de vida. A idéia de fraternidade, ou melhor ainda, de -‘caritas” condiciona to das as demais, igualando a situa ção dos esposos, abrandando o pátrio poder c o dominio sobre os servos, garantindo a cada homem e a cada povo condições pacíficas de livre desenvolvimento, pelo respeito mútuo c pelo trabalho.
O DireitOy é sempre uma expressão de vida, nem pode ser compreendido fora do clima espiritual que envolve os homens e as coisas, marcadas com o sinal de sua força criadora.
l“Roma-
a qual a mulher adquiriu um valor próprio;
animou de força ética todos os setores da ordem jurídica, que existe para permitir aos ho mens e aos grupos a livre manifes tação de suas tendências naturais, segundo uma lei geral de equilí brio e harmonia.
O princípio de uma reli gião universal, na qual os crentes estão para Deus em uma relação de filhos para o pai, deu um senti do novo e uma força emocional às idéias de fraternidade e igualdade já cultivadas pela filosofia estóica; a idéia de comunidade universal se contrapôs ao sentido particularista e patriótico da ética e da política do período clássico, tal como haviam sido expostas nas obras de Platão e de Aristóteles: a idéia de uma organização univer sal do gênero humano surgia ao influxo de um ideal religioso, pre parando as condições externas de cultura técnica e econômica indisd IX
Permitiu, outrossim, que se reconhecesse ainda mais a grande força da “lei escrita nos corações”, aquela que os gentios mesmos não desconhecem, porque dela lhes dão testemunho “a sua consciência e os pensamentos de dentro, que umas vezes os acusam, e outras os defendem” (São Paulo nos”, II, 15), essa lei que natural se chama por tradição mais que bi-milenar e que, exprimindo ordem justa, condiciona todas as ordens jurídicas particulares e contingentes.
Pouco importa alegar, com a história à vista, que esses ideais não se realizaram imediatamente após a pregação da Boa Nova, e que outros fatores, de ordem eco nômica e cultural, decidiram da realização efetiva das conquistas capitais, que acima lembramos. Não há que confundir o que se põe como ideal, como um imperativo de dever ser, com as limitações empíricas que dificultam ou adi am o alcance dos alvos desejados. O que aqui analisamos são grandes valores do idealismo Cristão no plano do Direito e do Estado, as forças viituais que nele se continham e que trabalharam, séculos seguidos, as consciências dos homesn, e que não deixarão de trabalhar os corações e as inteli gências no sentido de nos ga¬
O Direito, como dissemos, é sempre uma expressão de vida, nem pode ser compreendido fora do clima espiritual que envolve os homens e as coisas, marcadas com 0 sinal de sua força criadora. Descortinamos apenas al guns dos ideais do Cristianis mo como concepção de vida traduzida em concepções de Direi to,eofizemoscomadistância que exige a visão dos altos cumes. e os
rantir condições cada vez mais reais de liberdade e de mútua compreensão, tão necessárias e esta atormentada família hu mana.
(1)
o in.signe .lellinck clicga mesmo a declarar (.pic "não sc encontra na lilenilura helênica traço aignm da concepção dc que o Listado se fomia mediante fatos jurídicos", acrescentando que “muito menos deixou de ser esiranlia aos Roma nos a concepção de uma origem jurídica da coisa pública", ao passo que a Idade Média coloca o problema, cm tennos dc juridicidade. "La Dotrina Cícncrale dello Staio". trad. it. 1921. vol. 1. pg. 508 c scgs. c notas. Na realidade, porém, já cm Roma sc processava essa "jurislação" crescente do poder, que é um imperativo da evolução política, tal como julgamos ler demonstrado cm “Teoria do Direito c do Estado”, cit. pg. 70.
- Vide sobro estes pontos o nosso livro “Formação da Política Burgueza". Rio, 1934, p. 71 c segs. Não é demais (ransnclc dissemos sobre o cha(2) crever o que ado “individualismo germânico”, ao qual. durante longo tempo, se atribui a origem do governo representativo: gcmiânico primitivo tem o individualis mo espontâneo, irracional e prepotente dos desorganizados.Não sc trata, costuma dizer, de uma tendência pe-
(5) — Wemer Jaeger idcalcs dc la cultura griega”. trad. lic.spanhoIa. México, 1942, vol. I, pág. 127.
(6)
(7)
■Paideía” — Los Rio. 1945, pág. 4S4). como se entre as “causas psicológicas” mais poderosas nâo se incluíssem as brotadas da doutri na cristã...
- Cfr, Bluntschli — “Théorie Généralc dc 1'Etat”. trad. francesa, 3“ cd., Paris. lS91.pág. 33
- Gicrkc — “Les théorics politiques du Moycn Age", pág. 2.
(8) — E. Magnin — “L'Etat, conception paicnnc. conception chrcticnne". 1931. pág. 21.
(9)
- Janet. "Histoirc de la Science Politique dans scs rapports avcc la Moralc", 5“cd., vol. 1. pág. 209. Mais explicito é ainda Wells: "Mas a generalidade do povo, fora da classe feliz dos cidadãos, traba lhava c obedecia; se alguém desejasse a proteção da lei, tinha que buscar um cidadão para ploitcá-la. Pois só um cida dão tinha direito dc requerer perante os tribunais. A idéia moderna de serem to dos os habitantes do Estado cidadãos teria chocado profundamente os privile giados democratas dc Atenas”. (“Histó ria Universal”. 1.1, pág. 367).
(16) - Alfrcd Weber - “História de la cultura”, trad. de Rccascns Siches, mêxico, 1943, pág. 2S5.
(17) - Alfrcd Weber. op. cit., pág. 270-1.
(18) - Sobre essa questão, tão debatida, cons. “L’cvolution Letourneau. Tcsclavage”, Maraoco e Souza-“Histó ria das instituições do Direito Romano Peninsular c Português”; Wallon“Histoirc de Tcsclavage dans Tantiquité”, 1.111; co sempre atual estudo deTroplong - “Dc Tinflucncc du chistianisme sur le droit civil". de
— Ferrero, “La Ruinc dc la Civilization Antique”, Paris, 1921, pág. 122.
(11) — Langc — “História do Matcrialismo”. trad. de Lobo Vilela. Lisboa, vol. 11, pág. 18,n°2.
(12) — Sobre a diferença essencial entre o conceito cstóico c o cristão dc fraternidade, cfr. meu livro “Atualidades dc um mundo antigo”. Rio, 1936, pág. 214 e scgs.: “...o cstóico quando faz o bem c fechado cm si mesmo. Não se entrega, não sc comunica, como se o amor não fosse um acréscimo do ser”. Com grande beleza e acuidade, diz Hõffding que “o Cristianismo arrisca a vida para ganhar a vida’ trad. dc Poitevin, Paris, 1905, pág. 211.
(10) m O como sc culiar à raça, mas antes dc urna conseqüência natural do estado evolutivo cm que resultado dc uma sc encontra, ou seja, o falta dc nonnas c não uma rebeldia contra poder constituído. O bárbaro c indivi dualista porque ainda está na fase dos indivíduos c dos bandos autônomos e soltos, no período do impcralismo indi vidual sem reflexão, que é a primeira ) Nada tão o ‘Moralc”, sugestão da natureza. ( ab.surdo como a explicação da história pelo formato do crâneo dos homens..." (Cfr. op. cit., págs. 31/32).
(13) — Dufourcq 'El cristianismo antiguo desde los origenes hasta el feudalismo”, Buenos Aires, 1940, pág. 129. (3) Cfr. o meu trabalho “Teoria do Direito c do Estado”, S. Paulo. 1940, e “Forma ção da Política Burguesa”. (4) Laboulayc — “L’Etat et scs limites”, Paris,pág.228.“A liberdade, não só para os ateniese, mas para os gregos em geral, — observa Mauricc Croiset, privilégio, o privilegio do cidadão. Con sistia cssencialmcntc na participação do governo e na igualdade perante as leis. Não implicava em nenhuma delimitação certa dos direitos do Estado” — “La civilization hellcnique”.. Paris, 1926, pág.
(19) - Cfr. Jaeger. “Paideia”, op. cit., vol. I, pág. 41: “A posição social da mulher nunca teve, entre os gregos, um lugar tão alto como no período da cavalaria bomcrica”. Com relação à Roma,Ic-se em Savigny, “Sistema dcl Diritto Roma no Attualc”, trad. Scialoja, vol. I, pág. 351, que certos autores, como Hcgel e Adam Müllcr, ao criticarem o direito de família romano, se esquecem de que “no seio de nenhum povo da antiguidade a mulher foi tão altamente respeitada como cm Roma”.
(20) - Bonfante. “Istituzioni di Diritto Roma no”, 3“ ed., pág. 173.
(21)- Cfr. Dcclareuil. “Rome et Torganization du droit”. Paris, 1924, pág. 370 e segs.
(22) - Cfr. Tilgher, “Homo Faber” - Storia dei concetto di lavoro nella civiltà occidcntalc”, Roma, 1929
(23) - Sôbrc as ligações entre o capitalismo e a Refomia, peço a atenção do leitor para o que cscrevi em meu livro “Formação da Política Burguesa”, cit., pág. 94 e segs.
(24) — Cfr. Cícero. “Dc Officiis”, cap. XLIL
(25) — Nesse sentido, cfr. Glotz, “Ancient Grcece at work”, N. Y. 1926.
(14) - Lange, op. cit., vol. II, pág. 18. 53.
(26)—René Gonnard, “Histoirc des doctrines cconomiques”, Paris, 1924, vol. 1. pág.
(15) - Westermarck, L'originc et le dcvcloppcmcnt des idees morales”. trad. francesa. Paris, 1928, vol. I, pág. 688 c segs. - Análoga c a posição dc Pontes dc Miranda, o qual em uma tantativa infeliz de “humour”, diz que “com a vinda do Cristianismo, a igualdade começou a ser na outra vida”. Para cie, as verdadeiras causas da extinção do trabalho servil foram econômicas c psicológicas, (cfr. “Democracia, Liberdade, Igualdade”, era um
MIGUEL REALE é professor emérito da Faculdade de Direito da Universida de de São Paulo; ex-diretor da USP (duas vezes), membro das Academi as Paulista de Letras e Brasileira de Letras; presidente do Instituto Brasi leiro de Filosofia. 83.
J.O. DE MEIRAPENNA
Na problemática da autorida de legítima (ou seja, no governo das leis ou no governo dos homens legitimamente eleitos) prevalece a questão essencial da sucessão. Trata-se de uma problemática que, ao meu ver, não parece haver sido tratada com suficiente profundida de, em suas complexas facetas. Foi Max Weber quem, neste século, melhor lhe abordou o caráter cabuloso ao sugerir a existência de três tipos de domínio ou autorida de (Herrschaft) legítima chamou o Tradicional (feudal ou patrimonialista), o Carismático e o Racional-legal. A evolução da vida política se faria no sentido de uma racionalização progressiva da au toridade. Com o domínio da lei abstrata (rule of law) como objeti vo final a ser alcançado. Aos três tipos de domínio correspondem três formas de transmissão da chefia do Estado, historicamente mentadas. A violênciacorresponde a uma ruptura da legitimidade, particularmente nos momentos de transição sucessória. Mas perma nece o fato que a sucessão legíti ma, normal e pacífica constitui um dos desafios cruciais e mais angus tiantes na vida dos povos. E isso especialmente em nosso país. Ela geral momento difíceis, de trata mento delicado, tanto no tipo de regime de aútoridade tradicional (quando se processa por herança genética, de pai para filho ou outro familiar mais próximo, segundo a fórmula consagrada le roi est moit.
vive le roÜ), quanto no próprio regime racional-legal, quando se supõe uma transferência de autori dade segundo mecanismos consti tucionais prés-estabelecidos, pre vendo uma forma qualquer de consulta eleitoral. SupÕe-se que o também se transmita de
estabelecimento de regras consti tucionais suficientemente amplas e flexíveis para a sucessão, sob a lei, em sistema de consulta eleito ral popular, tem se revelado parti cularmente aleatório. Os Estados Unidos da América parecem repre.sentar o único país que conse guiu assegurar normalmente o processo, nos últimos duzentos anos. Assim mesmo, esse sucesso foi alcançado à custa de uma guer ra civil, uma das mais sangrentas da história, c do episódio quase grotesco que culminou com núncia do presidente Nixon e sua substituição pelo vice-presidente, Gerald Ford, o qual nao havia en frentado o teste da consulta popu-
eu
lar. Os conflitos sucessórios, acompanhados de golpes de esta do e execuções capitais, constituí am uma dieta nonnal das dinastias da Idade Média. Na Inglaterra, chamada Guerra das Duas Rosas configurou um longo contencioso dinástico entre a Casa de York e a Casa de Lancaster, provocada por certas imprecisões e ambigüidades da lei sucessória, e pela ten dência a desrepeitá-las sob o im pulso da vontade irresistível de poder, a libido dominandi de que falavam os escolásticos. Logo após 0 triunfo dos Tudor com o partido de Lancaster (com a morte de Ricardo III no campo de Bosworth, 1485, quando o rei teria gritado, segundo o drama de Shakespeare, “a horse! a horse! my kingdom for ras a expen-
carisma pai para filho, ou do chefe falecido um de seus auxiliares ou lugares-tenentes mais próximos. A “rotinização do carisma represen taria, segundo Max Weber, a for mal como se consolida, ao para ma nor longo do tempo, a autoridade dita tradicional. Á realidade histórica que a redemonstra, como procuraremos provar, que a questão não é, ge ralmente, de simples solução, constituindo mesmo uma das prin cipais fontes de querelas, distúrbi os, conspirações, assassinatos, re voluções, golpes de estado, guercivis e externas, e outras formas de violência que constituem a própria substância dramática (que diria “luciferiana”) da vida co letiva dos povos. A fixação de um sistema legal e racional de trans missão, mesmo no regime monárquico, custou séculos para ser elaborado na maior parte dos paises europeus. Ela nunca parece haver sido alcançada de modo satisfatório nos países do Oriente. A passagem da autoridade máxima para o primus inter pares, em regi mes aristocráticos ou oligárquicos, não é tampouco matéria para descurar. E finalmente, nas repú blicas democráticas modernas, o
a horsc!"). Henrique Vlll. um rei despótico mas dotado de imenso carisma, fixou fortemente as regras de sucessão que resistiram ao próprio enfrentamento religioso fanático entre católicos, anglicanos e evangélicos puritanos, então do minante na vida inglesa. O caso da conspiração palaciana que levou lady Jane Grey à coroa durante nove dias é característico: Mary Tiidor, conhecida como Mary Sangrenta (Bloody Mary), assu miu a coroa porque filha legítima de Henrique Vlll, não obstante seu catolicismo e seu casamento com Felipe II da Espanha fossem repu diados pela maioria do povo e da corte. Mary Tudor foi sucedida por sua meia-irmã, Elisabeth, que
ção Gloriosa” de 1688, que derru bou o rei Jaime II. Jaime II era católico e teve um filho que, presu mivelmente, seria educado na mesma religião inaceitável.
A Revolução elevou ao trono o filho do rei, Mary, com o marido desta, o príncipe holandês GuiIhenne de Orange, ambos protescircunstância
Nas monarquias européias consolidou-se o princípio da primogenitura, o que não aconteceu nos despotismos asiáticos. também assumiu, sendo protestan te, embora por alguns fosse consi derada bastarda. Filha de Ana Boleyn, segunda mulher de Henrique VIII, a grande Elisabeth foi aceita porque representava a legitimidade sucessória na família Tudor. Temendo os tíUiIos à coroa de sua rival Mary Stuart, apoiada pelos católicos, pelos espanhóis e por alguns escoceses, Elisabeth acabou mandando decapitá-la. Após a morte de Elisabeth, entre tanto, o filho de Mary Stuart, JaiI, escocês e protestante, assuproblemas, segundo as
o princípio de respeito à legitimi dade sucessória é forte, porém às vezes violado em favor de um pa rente próximo do monarca anteri or, por força de superiores exigên cias de segurança nacional, inte gridade constitucional ou forte pressão emocional da opinião pú blica, estimulada por convicções liberais poderosas.
Nas monarquias europeias consolidou-se o princípio da primogenitura, o que não acontenos despotismos asiáticos. Cabia a coroa, automaticamente, ao filho ou filha mais velho, ou somente ao varão no caso de vigo rar a lei sálica, como por exemplo em França. O problema da heran ça, complicado por fatores religi osos e ideológicos, de natureza política, novamente se maniféstou por ocasião da chamada “Revoluceu
tantes e dispostos a aceitar a hegemonia do Parlamento. Ainda no correr do século XVIII, houve algumas tentativas de restauração dos Stuart, a do Old Pretender e a do Bonnie Prince Charlie, ambas apoiadas por alguns clans escoce ses intratáveis, por católicos, por absolutistas monárquicos e pelos franceses. A Revolução de 1688, porém, consolidou definitivamen te o modelo de parlamentarismo monárquico e, com ele, do libera lismo de Locke. Do ponto de vista da história constitucional, consi dero a Revolução Gloriosa mais importante do que a própria Revo lução Francesa, pois serviu de modelo inicial para o regime de democracia liberal representativa hoje vigorante em todo o mundo civilizado. Vê-se, nessa confusa história política, que fatores de ín dole religiosa, ideológica, econô mica e nacional afetam a sucessão.
Outro caso interessante é o da chamada “Pragmática Sanção”, que assegurou a sucessão do impe rador Habsburgo Carlos VI para sua filha Maria Tereza, em 1740. O gênio de Maria Tereza conse guiu vencer a oposição internaci onal à sua coroação, que se levantou à morte do Imperador seu pai, pro vocando a Guerra de Sucessão da Áustria, mas terminou conservan do a integridade dos domínios da casa de Habsburgo-Lorraine. As disputas giravam em tomo de uma interpretação da Lei Sálica que re servava a sucessão para os filhos varões, com exclusão das prince sas. As Guerras Carlistas na Espanha do século XIX foram igualmente provocadas por um contencioso na matéria, desta vez afetando a dinastia dos Bourbons da Espanha, uma vez que a Lei Sálica vigorava na Casa Francesa. Incidentalmente, “carlista” sobreviveu até a Guerra Civil espanhola de 1936-39, quan do essas facção monárquica, radi cal e “legitimista” combateu ao lado de Franco sob a denominação de “requetês” - hoje não desem penhando contudo qualquer papel. Na história da França, emba tes de sucessão, complicados por intervenções estrangeiras, lutas religiosas entre católicos e “huguenotes” calvinistas, e diver gências ideológicas ocorreram ao tempo da dinastia dos Valois e após a Revolução Francesa. Ao morrer Henrique III sem descen dência, devia a coroa recair em
partido o me miu sem leis de sucessão estabelecidas, e juntando as duas coroas da Ingla terra e Escócia.
cípio da irresponsabilidade do mo narca, que reina mas não governa. O poder se encontrou, imemo rialmente, nas mãos de regentes, ministros e dinastias de Shoguns, ditadores militares, que se reveza vam de acordo comum princípio pragmático bastante semelhante ao chinês.
O que é preciso levar em conta neste exame perfuntório é que as leis sucessórias, quaisquer que se jam, implicam na incidência de uma regra racional e metódica no que, de outro modo, seria um siste ma absolutamente irracional e ar bitrário de escolha do Chefe do Estado. A “roíinização do carisma" do soberano, fundador de dinastia, comporta um mecanismo legal de transmissão segundo um critério tradicional. Notemos que esse mecanismo vigora mesmo em “re públicas populares” como a índia da famíliaNehru, a Coréia do Norte do ditador Kim Ilsung, a Rumenia do falecido ditador Ceausescu e, possivelmente, a Cuba fidelista. O carisma pode também ser trans mitido às mulheres de políticos de prestígio, como Isabelite de Perón, Corazón Aquino, Violeta de Chamorro, a senhora Bandaranaike do Sri Lanka, e BenazirBhutto, do Paquistão. Tivemos, na América Latina, exemplos de dinastias re publicanas como a dos Somoza na Nicarágua, dos Lopez no Paraguai, dos Duvalier no Haiti. O carisma rotinizado, escreve Weber, “conti nua a trabalhar em favor daqueles cujo domínio e patrimônio é asse gurado pelo poder soberano e que, para sua existência contínua, as sim dependem de tal poder”. O sociólogo alemão insiste que o carisma, dom “extraordinário, so brenatural, divino”, comporta um poder soberano que, embora irra cional, constitui uma fonte legíti ma de aquisição de domínio e au toridade geralmente aceito pela
sociedade. Existe uma crença entranhada nos povos de que os mé ritos excepicionais do fundador carismático seriam geneticamente transmitidos a seus descendentes, embora não exista nenhuma base biológica para sustentar essa pre sunção.
O processo de “tradicionalização" do carisma ocorre pela repetida sucessão, “legitimada" na
A história conifrma ter sido a coroa invariavelmente arrebatada, no início de cada dinastia, por um chefe militar vitorioso. dos I .
transmissão hereditária: eis o fun damento da monarquia que, du rante milhares de anos, constitui o sistema normal de governo dos povos do planeta. Já se disse que o primeiro rei foi um general de sorte. Napoleão representa o caso mo derno mais notório, mas a história confirma ter sido a coroa invaria velmente arrebatada, no início de cada dinastia, por um chefe militar vitorioso. Todas as dinastias euro péias firmaram seu poder através da violência das armas, garantindo subsequentemente o patrimônio da família por manobras políticas e através do casamento. Golpes de Estado no palácio, por parte de ministros ou vizires que controlam 0 poder policial, é outra forma co mum de conquista do poder monárquico.
cionoLi graças aos dotes trazidos por princesas estrangeiras que se casavam com arquiduqiies austría cos. Isso se tornou uma tradição na Casa d‘Austria, inspirando o fa moso hexâmelro; Bella gerant alii, tu felix Áustria nube - ‘'deixai os outros guerrearem, lu, Áustria fe liz, casas"... H' assim que, no pe ríodo monárquico da história eu ropéia, os povos adquiriram sobe ranos não apenas por conquista ou sucessão hereditária, mas pelo matrimônio. Talvez o exemplo mais famoso de tal política, conduzida por soberanos de gênio, foi o que favoreceu Carlos V em viitudc do casamento da infanta Joana de Castela (Joana a Louca), a filha dos Reis Católicos, Isabel de Castela e Fernando de Aragào, com Felipe o Belo, herdeiro da Casa de Borgonha e íabsburgos. Ao tornar-se Carlos 1 da Espanha, o llabsburgo tornouse, ao mesmo tempo, herdeiro das possessões da Áustria, Imperador da Alemanha, senhor dos Países Baixos que haviam pertencido aos duques de Borgonha, rei da Espanha e de todo o império colo nial espanhol “onde o sol nunca punha": Carlos V esteve mais perto do que qualquer outro monarca na história, de se tomar dono de toda a Europa. Ao desapa recer a dinastia dos Áustria Espanha, a coroa passou para Bourbon, Casa à qual pertence atual rei Juan Carlos, quando neto de Luis XIV, Felipe de Anjou, sucedeu ao trono de Madrid 1704. Essa sucessão, contestada pelas grandes potências européias, deu origem à Guerra de Sucessão de Espanha que arruinou a França e ensanguentou a Europa em prin cípios do século XVllI. Diriamos em conclusão que o conceito de “tradição do carisma dinástico, conforme postulado por Weber ocorre pela repetida transmissão
A política matrimonial dos Habsburgos, a mais famosa das famílias dinásticas européias, funse assim, na os o 0 em
ricos ze
da auréola que “rotiniza” a heredi tariedade cm determinada família governante. A alcova do casal real passou assim a constituir um dos mais importantes instrumentos da política monárquica. O resultado podia ser aleatório: de um encon tro aleatório de gametos surgia um gênio ou mentecapto, um Marco Aurélio ou um Nero, um Luis XIV ou um Luis XV, um Pedro o Grande ou um tzar Paulo. Essa irracionalidade impressionou os filósofos da Idade da Razão e, como conseqüência, pregaram a liqui dação do Absolutismo. Constitucionalismo monárquico foi o reasultado. Mas o que lhe substituiu, na Repúblia, não é mui to mais racional: afinal, o Presi dente é eleito de tal modo que o voto de um molequinho analfabeto de Roraima vale o voto de vinte empresários paulistas, quinveneráveis avós mineiros, doze catcdráticos cariocas. Em política, não é fácil encontrar racio nalidade...
ambições políticas como herdeiro das idéias de Getúlio Vargas. O Vizir ou Primeiro Ministro está sempre a um passo do trono e, frequentemente, substitui o Sultão seu Senhor. Por esse motivo, tam bém, o Sultão desconfia do Vizir e não raro o manda executar. A his tória dos Vizires otomanos confir ma a regra que a posição desses funcionários era uma das mais po-
O
Os pretendentes à sucessão sempre procuram legitimar seus títulos pela proximidade maior que tinham com o antecessor carismático.
Também certo é que o carisma apresenta como contagioso. Ele se transmite do líder não somente filho, ao sobrinho, ao neto, à
viúva, mas aos amigos e conse lheiros mais próximos. Os preten dentes à sucessão sempre proculegitimar seus títulos pela pro- ram ximidade maior que tinham com o antecessor carismático. Em nosso país assistimos ao esboço de uma “dinastia" getuliana: o carisma do “Pai dos Pobres" foi transmitido a Jango Goulart o qual, segundo cer ta, lenda, seria filhoi natural do ditador. De Jango, esse carisma, positivista, autoritário, populista, caudilhesco, se transmitiu ao cu nhado de Jango, B.rizola. Em sua agitada carreira política, que ainda o poderá levar, para nossa desgra ça, à suprema magistratura, o fun dador do “socialismo moreno” sempre procurou legitimar suas
derosas e mais perigosas em qual quer carreira burocrática na Subli me Porta. Hoje em dia, os ditado res têm que se precaver dos chefes de Estado Maior de suas forças Armadas ou dos chefes de Polícia, sobretudo dos chefes de polícia secreta: esses oficiais se encontram a um passo do poder supremo. Na União Soviética, o KGB sempre constituiu um poder detenninante: Stálin se elevou graças ao controle que conseguiu estabelecer sobre o Partido que dominava a Tcheka. Quando moireii o ditador, a luta pelo poder durou alguns meses, com peripécias dramáticas tais como a tentativa de golpe do chefe do KGB e amigo íntimo do fale cido, Laurenti Béria. O golpe foi contido pelo marechal Koniev com tropas do exército, sendo Béria fuzilado nos porões do próprio KGB. Uma outra tentativa do bu rocrata mais ligado a Stálin, seu se ao
Secretário particular, Malenkov, foi frustrada pelo Partido. Béria e Malenkov afastados, Kruschov carregou o laurel. O próprio KGB, finalmente, subiu ao poder com Andropov o qual foi o patrono de Gorbachov; e este quase derruba do pelo recente do qual a figura central foi o general Kryushkov, comandante do temido e poderoso Comitê de Segurança do Estado. Em regimes totalitários, o ambici oso e eficiente apparatchik deve escalar rapidamente a hierarquia burocrática do partido ou da polí cia secreta, para obter a “eleição” pela oligarquia dominante no Politbureau. Em regimes como os que vigoram na América Latina, na África ou na Ásia meridional, o caminhodopoderpassa geralmente pelo comando das forças armadas. Há muitos exemplos históri cos de monarquias eletivas. O Santo Império romano Germânico, que durou mil anos (o primeiro Reich) e foi fundado por Carlos Magno, era eleito e dependia, teoricamen te, da sacralização pelo Papa. Os eleitores (Kurfürsten) eram os grandes senhores feudais alemães, alguns dos quais ostentavam o pró prio título. A prática persistiu por que, ao contrário das outras mo narquias européias, o princípio de primogenitura custou a se consoli dar contra as velhas tradições das tribos germânicas. A coroa passou a circular entre os príncipes das várias tribos. Depois de muitas peripécias, a coroa, cuja cabeça favorecida era determinada pelos seis ou sete Eleitores, acabou per manecendo regularmente na famí lia Habsbiirgo. Isso teve como re sultado histórico a formação de um estado austríaco separado do pro priamente alemão, e a demora na unificação da Alemanha até o sé culo XIX, quando por Bismarck foi flmdado o segundo Reich (1871) em benefício do rei da Pmssia,
Guilherme I. O pior exemplo de monarquia eletiva foi o daPolônia, especialmente em virtude da insti tuição do liberum veto, o qual permitia a qualquer membro da nobreza polonesa, reunida na Die ta (Sejm), bloquear um candidato. O sistema se corrompeu de tal or dem que os aspirantes à coroa passaram a ser agentes dos poten tados estrangeiros, como foi o caso do príncipe Poniatowski, amante da tzarína Catarina a Grande da Rússia. Provavelmente em virtude de haver sido a única monarquia européia que não conseguiu consolidar-se nos séculos XVII e XVIII — no período do Absolutismo hereditário também a única nação importante da Europa ocidental que perdeu sua independência.
O Papado é o grande exemplo de monarquia não hereditária, monarquia eletiva, estando essa circunstância obviamente ligada ao princípio disciplina do celibato eclesiástico. O celibato não impe diu, entretanto, a incidência de um nepotismo desarvorado na época em que esteve a Igreja à mercê da nobreza romana e dos príncipes italianos: algumas famílias como, por exemplo, os Borgia, os Médici, os Colonna, dominaram a Santa Fé. Os grandes monarcas europeus influenciaram igualmente a elei ção dos Papas, com episódios la mentáveis como 0 “cativeiro de Babilônia” de papas franceses em Avignon. Os Imperadores ger mânicos e os reis espanhóis exer ceram influência semelhante so bre a Sé de Pedro. Vários casos de cismas e de aparecimento de Anti-papas demonstram que o sis tema eleitoral do Vaticano nem sempre foi eficiente. Hoje, o Conclave funciona às mil maravi lhas e quando o Colégio dos Car deais (isto o colégio eleitoral da Igreja católica) se reúne a portas
rigorosamente fechadas (cum cla ve), podemos estar certos que, dentro de algumas horas ou alguns dias, dele emergirá um novo Sumo Pontífice.
Notemos que, mesmo nos Es tados Unidos, os candidatos dos dois grandes partidos, o Republi cano e o Democrático, eram originariamente escolhidos através dc
O Papado é o grande exemplo de monarquia não hereditária, monarqiiia eletiva, estando essa circunstância obviamente ligada ao princípio disciplina do celibato eclesiástico.
peito à lei constitucional {ride of law) e sua relativa frieza em rela ção à política, inlciramente satisfatório quando perturbado por fortes paixões e interesses contra ditórios graves. A eleição de Abraham Lincoln . que desejava abolir a Escravidão, foi o pretexto que desencadeou a Guerra dc Su cessão, o mais violento conflito civil da história americana. E a renúncia de Nixon resultou da as pereza das paixões levantadas pela guerra do Vietnam c pela “revolu ção dionisíaca” dc 1968/69.
A aplicação prática das idéias acima desenvolvidas se coloca no momento em que se prepara o Bra sil para o plebiscito dc 1993, com a escolha entre o presidencialismo e o parlamentarismo, podendo ser este monárquico —- e o a meu ver, .seria a melhor solução.
foi a Polônia a m
negociações mais ou menos secre tas entre os líderes de cada agremiação em pequeno comitê (caucus). Na verdade, tratava-se de um sistema muito pouco demo crático: o eleitor só possui a opção entre dois homens, escolhidos por uma pequena oligarquia de políti cos. Já se disse que o Presidente da República, nesse sistema, repre senta uma verdadeira monarquia em que o povo só é consultado de quatro em quatro anos. Hoje, o sistema de “eleições primárias” nos estados da federação contribuiu para democratizar a própria esco lha dos postulantes. Os raros casos em que apareceram candidatos importantes de terceiros partidos registraram invariavelmente um fracasso. Convém ainda recordar que o sistema de consulta eleitoral ao povo não é, mesmo nos Estados Unidos, conhecidos por seu pragmatismo, sua tradição de res-
A Constituição do Império no Brasil concedia ao Parlamento capacidade de ratificar, ou não, a sucessão do primogênito na Casa de Bragança. Assim também cabe rá ao Congresso, caso seja o parla mentarismo monárquico vencedor no plebiscito de setembro de 1993, escolher entre os príncipes da Casa de Bragança que, tradicionalmen te, reinou sobre Portugal e Brasil, aquele que, brasileiro nato, pare cer mais merecedor da gloriosa, liberal e moderadora coroa impe rial.
Conforme procuramos de¬ monstrar neste curto ensaio, o parlamentarismo de modelo anglo-saxônico, com uma monar quia constitucional, se apresenta como aquele com maiores possibi lidades de assegurar a estabilidade institucional, por resolver mais suavemente o problema da transi ção sucessória. Quando, há dois anos, comemoramos cem anos de República com retumbantes elei ções presidenciais, comemoramos também, na efeméride, como
apropriada e enfaticamente o faz o deputado Cunha Bueno, 12 esta dos de sítio. 17 atos institucionais, 6 dissoluções do Congresso, 19 rebeliões militares, 2 renúncias de presidentes, 3 presidentes impedi dos dc tomar posse c 4 depostos, 7 constituições diferentes, 2 longos períodos ditatoriais e 9 governos autoritários, além de um sem nú mero de cassações, banimentos, exílios, intervenções em estados, sindicatos e universidades, censu ra à imprensa e assassinatos de políticos influentes. Nos últimos 62 anos, observa Cunha Bueno. somente um presidente, eleito por voto direto, Juscelino Kubitschek, tenninou o mandato. Poderiamos, entretanto, acrescentar, que mes mo JK, eleito com 30% dos votos, só tomou posse graças a um golpe preventivo ou contragolpe militar
(novembro de 1955) que foi acom panhado da deposição de dois pre sidentes, Café Filho e Carlos Luz, 0 primeiro regularmente eleito como vice-presidente na chapa de Getiilio Vargas em 1950. A verda de é que a República, só funcio nou, com certo grau de tranqüilidade, no período oligárquico da Velha República (até 1930) quan do, sem eleições verdadeiras, eram os presidentes escolhidos entre os governadores de São Paulo e de Minas; na época personalista de Getúlio Vargas (1937^5); e durante o período militar autoritário de 1964, quando foram as eleições indiretas estritamente controladas pelo Alto Comando do Exército. A própria crise na posse do presidente Tancredo Ne ves, eleito indiretamente muito embora muito baitilho tenha sido feito com a campanha da “diretas já”, resultou de
sua hospitalização tardia e morte ino portuna, por ter sido marcada pelo receio do presidente-eleito de que pu desse ser prejudicada pela doença. O registro geral não é notável, é mesmo lamentabilíssimo.
A contra-prova da experiência republicana, tão negativa como nota mos, podería então sugerir que o sis tema sucessório promovido pelo par lamentarismo, nas condições propos tas, quando é o chefe de estado um eri hereditário que erina mas não governa, detendo apenas o chamado “poder moderador” para as emergências polí ticas, podería conduzir a uma estabili dade e consolidação da estmtura polí tica do país.
J. O. DE MEIRA PENNA é embaixador aposentado, professor da Universi dade deBrasília,jomalistae ensaísta. É autor de numerosa obra.
da sociedade contra os governos, não sai das lides políticas e, por esta razão, não se envolve com os problemas políticos e de gover no, a não ser para consultar o povo sobre o desgoverno, nas dissoluções do Congresso.
I. Presidencialismo p~}
□ Republicano 2. Parlamentarismo: '^D Monárquico.
até porque as crises nacionais não solucionadas pelo presiden cialismo, estão a exigir um pro fundo debate sobre a matéria.
com 0 que aqueles que preferiPara reflexão dos legisladores rem o parlamentarismo, deverão e dos eminentes ministros do Tri- escolher qual o tipo que prefebunal Superior Eleitoral, em face rem. do que expus, sugiro que a cédula para o futuro plebiscito seja veicu lada da seguinte forma:
A meditação sobre tema de tal magnitude tomar-se-á obri gatória a partir de agora até 1993,
I\ .rSC;.\NDR.\ DA SI l.\ A MARTINS, é professor titular tlc Direito Econô mico e de Direito Constitucional da l●‘aculdade de Direito da Universida de -Macken/iee presidente do Conse lho de 1'istudos Jurítlicos da Pederaeào do Comércio do listado de Sào Paulo.
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