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Renata Roitman
RESGATANDO A HISTÓRIA DO MONTE DO TEMPLO
O projeto arqueológico de Peneiragem do Monte do Templo convida brasileiros a participar da empreitada
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Um grande achado arqueológico de 2016 foi uma sinagoga na Galileia, que tem o potencial de mudar algumas noções existentes hoje. Esta sinagoga teria existido antes da destruição do Segundo Templo.
Renata Roitman
Sou paulista e formada em jornalismo. Por meio de um programa do MASA, me arrisquei nesta aventura de viver em Israel para experimentar a vida em um país muito diferente do Brasil. Apesar dos problemas, a qualidade de vida aqui é muito boa. Israel tem realidades, conflitos e quotidianos muito diferentes do Brasil.
Israel é um dos locais mais arqueologicamente ricos do mundo. O país reúne artefatos e informações de vários períodos históricos, desde o neolítico até os dias de hoje. São muitas escavações e artefatos a serem encontrados e muitas pessoas, de todas as partes do mundo, vêm a Israel para trabalhar como voluntários nas escavações. Atualmente, existem 41 projetos que aceitam voluntários acontecendo no país.
Além dessas, muitas outras escavações e pesquisas arqueológicas são conduzidas pela Autoridade de Antiguidades de Israel, que autoriza e supervisiona estas atividades. No país, antes de qualquer construção ou reforma ser iniciada, a Autoridade de Antiguidades realiza escavações na área, para a retirada de possíveis artefatos históricos. Isso é necessário já que a região é riquíssima historicamente e pode-se “tropeçar” na história em qualquer parte de Israel.
Devido aos achados arqueológicos de 2016, o país esteve em destaque nos noticiários. Um importante exemplo disso são novos fragmentos dos Manuscritos do Mar Morto, do período do Primeiro Templo, que mencionam o nome
Israel é um dos locais arqueologicamente mais ricos do mundo.
Jerusalém e que foram encontrados no final do ano. Estes manuscritos nunca foram encontrados em sua integralidade, apenas em pedaços. O achado dá esperança de que mais partes ainda possam ser descobertas, dando aos pesquisadores maior compreensão daqueles textos.
Juntamente com estes fragmentos, foi encontrada também uma rara inscrição romana, mencionando a provincia da Judéia e o nome de um governador romano, já conhecido, e que, aparentemente, governou a província pouco antes da Revolta de Bar-Kochba. Esta descoberta ocorreu durante uma pesquisa submarina em Tel Dor, no Mar Mediterrâneo.
Em novembro de 2016, foi descoberto um raro esconderijo de artigos em ouro e prata, datados de 3.600 anos, em Gezer (sítio arqueológico localizado entre Tel Aviv e Jerusalém). No local também estavam estatuetas de deuses, produzidas pelos cananeus. Os deuses e o dinheiro foram encontrados dentro de um vaso de barro nas fundações de um edifício, levando à teoria de que o pote foi colocado ali como uma oferta aos deuses para abençoar a construção.
Outro grande achado arqueológico do ano foi uma sinagoga na Galiléia, que tem o potencial de mudar algumas noções existentes hoje. Esta sinagoga teria existido antes da destruição do Segundo Templo, que, supostamente, deveria concentrar todas as atividades religiosas judaicas da época. Não há certeza quanto ao uso dado ao novo espaço, sendo possível que este fosse apenas um local para reuniões, porém se for identificado que o local era usado para culto religioso teremos uma demonstração que nem todas as atividades religiosas aconteciam no Templo. Estes poucos exemplos de descobertas de 2016 mostram a importância da região para a arqueologia.
O Projeto de Peneiragem do Monte do Templo
Jerusalém é uma das cidades mais escavadas do mundo. Por esta razão, é incrível que o Monte do Templo nunca tenha sido escavado. Isso acontece em boa parte porque o Waqf (instituição muçulmana que controla o local) nunca autorizou pesquisas arqueológicas na região. O mais pró-


À esquerda, Frankie Snyder, especialista em pisos antigos decorados, que utilizou cálculos geométricos para reconstruir os padrões que existiam no Monte do Templo. À direita, parte da equipe do Projeto de Peneiragem do Monte do Templo durante o trabalho.
ximo que já se chegou de uma escavação na área é o nosso Projeto de Peneiragem do Monte do Templo, que peneira terra retirada de dentro do Monte.
No canto sudeste do Monte do Templo, existe uma grande estrutura subterrânea, conhecida como “Os Estábulos de Salomão”. Este espaço foi construído durante o Período Islâmico Anterior, em cima das ruínas do Segundo Templo, e foi usado como estábulo pelos Cavaleiros Templários durante as Cruzadas, quando ganhou o nome. Entre 1996 e 1999 o Waqf converteu o local em uma nova mesquita. Em novembro de 1999 maquinaria pesada foi usada para criar uma nova entrada para a mesquita, demolindo uma grande área do Monte do Templo. Estas obras foram realizadas sem qualquer supervisão arqueológica, desrespeitando as leis da Autoridade de Antiguidades, que exige a realização de escavações arqueológicas antes de qualquer obra.
Além destas reformas, uma grande área aberta no leste do Monte do Templo foi demolida para a construção de novos pavimentos. Cerca de 400 caminhões retiraram 9.000 toneladas de solo da região, saturado de artefatos arqueológicos de todos os períodos históricos do Monte do Templo. Esta terra foi despejada em diferentes locais, principalmente na região do Vale do Cedro.
Os então estudantes de arqueologia da Universidade Bar-Ilan, Zachi Dvira e Aran Yardeni ficaram intrigados pelo ocorrido e decidiram examinar o solo despejado. Os estudantes divulgaram alguns objetos encontrados na peneiragem durante uma conferência sobre Novos Estudos em Arqueologia. Isto gerou um grande debate acerca do assunto, o que levou o tema para a imprensa.
O professor doutor Gabriel Barkay, um dos mais importantes arqueólogos de Israel, decidiu se juntar à Dvira e eles estabeleceram um projeto de peneiragem sistemática do solo retirado do Monte. Assim surgiu o Projeto de Peneiragem do Monte do Templo. A iniciativa permite uma pesquisa aprofundada sobre a história do Monte do Templo, de Jerusalém e de Israel, nunca antes possível. As informações trazidas pelo projeto podem confirmar teorias existentes além de dar origem a novas, podendo mudar todos os estudos arqueológicos relacionados a um dos locais mais sagrados do mundo.
Além disso, o programa convida e acolhe pessoas de todo o mundo para participar, o que não é comum. Ao longo de seus 12 anos de existência, o projeto cresceu como iniciativa de relevância internacional. Com a ajuda de mais de 200.000 voluntários, centenas de milhares de valiosos achados foram descobertos. Sendo assim, o Projeto de Peneiragem age como um programa educacional, ensinando a história do local e convidando pessoas ao redor do planeta a serem parte desta pesquisa e da história deste local sagrado.
Decidi fazer estágio no Projeto de Peneiragem do Monte do Templo porque considero a iniciativa muito importante e interessante. O projeto pode realmente fazer a diferença. A área do Monte do Templo é inacessível a arqueólogos e a peneiragem resgata objetos de grande valor histórico. Além disso, o programa convida e recebe pessoas
do mundo todo a fazer parte, o que não é comum.
O Projeto de Peneiragem do Monte do Templo encontra diariamente artefatos dos mais diversos períodos históricos e povos que passaram pelo local, não apenas judeus, mas também romanos, bizantinos, árabes, cruzados, entre muitos outros. O Monte do Templo é sagrado para as três maiores religiões monoteístas do mundo, e, portanto, para bilhões de pessoas. Numerosos artigos de muitos tipos são encontrados, tais como fragmentos de vasos de pedra, cerâmica, moedas, joias, uma rica variedade de contas, figurinhas de terracota, pesos, pontas de flechas e outras armas, a maioria datada do período do Primeiro Templo em diante (século 10 a.C. até os dias de hoje).
No ano passado, nós fomos capazes de reconstruir os padrões dos pisos dos Tribunais de Heródes que ficavam no Monte do Templo, graças aos azulejos coloridos em formato geométrico que encontramos durante a peneiragem. Nossa pesquisadora, Frankie Snyder, especialista em pisos antigos decorados, utilizou cálculos geométricos e se baseou em exemplos de pisos semelhantes, encontrados em outros locais, para reconstruir os padrões e descobrir os diferentes pisos coloridos, que existiam no Monte do Templo. Isto é algo jamais visto na história da arqueologia.
Grande parte da cerâmica encontrada pelo Projeto de Peneiragem data dos períodos do Primeiro e Segundo Templos. Boa parte destas peças são fragmentos de jarros, mas também de cálices, pratos e outros tipos de objetos. Esta cerâmica data dos períodos entre o século 10 a.C. até a destruição do Templo em 586 a.C. Muitos destes achados são da época do Rei Salomão, que construiu o Primeiro Templo, e seus sucessores (séculos 10 a 9 a.C.). Tais descobertas são raras em Jerusalém e geram um debate acirrado sobre o tamanho da cidade nesta época. Muitos estudiosos duvidam que o Monte do Templo tenha sido parte de Jerusalém no século 10 a.C. Eles acreditam que Jerusalém era, na verdade, uma pequena vila e não uma grande cidade. Nossos achados contradizem esta afirmação minimalista e confirmam o relato bíblico sobre o tamanho de Jerusalém naquele período. Com a ajuda de mais O Projeto de Peneiragem ajuda a de 200.000 voluntários, centenas de milhares desmentir também outra teoria, referente à ausência de ocupação do Monte do Templo durante a época bizantina. de valiosos achados Nossa peneiragem encontrou numerosos foram descobertos. O fragmentos de elementos arquitetônicos Projeto de Peneiragem do período Bizantino. Graças à compaage como um programa ração com edifícios existentes em outros locais, pudemos comprovar que nossos educacional, convidando achados são consistentes com a arquitepessoas ao redor tura da época. do planeta a serem Encontramos, por exemplo, fragmenparte desta pesquisa tos de mosaicos tesserae (os pequenos elee da história deste mentos coloridos usado nos mosaicos), telhas, objetos Coríntios e obras de arte local sagrado. de igrejas, todos condizentes com o período Bizantino. Nossos achados incluem também artigos em cerâmica, tais como lâmpadas a óleo, algumas com inscrições gregas, outras com uma cruz e também lâmpadas decoradas com alças estilizadas em forma de cruz. Também achamos numerosas moedas. Todos estes achados contradizem a afirmação que durante esse período não houve atividades de nenhuma ordem no Monte do Templo e que o local era deserto e totalmente desprovido de estruturas. Os achados mostram que existiam estruturas bizantinas no Monte do Templo e que elas foram destruídas e posteriormente substituídas por estruturas islâmicas, construídas por califas desconhecidos, durante os séculos 7 e 8 d.C. O Domo da Rocha foi construído em 685 d.C. e a Mesquita de Al-aqsa em 705 d.C., ou seja, ambas durante o Período Islâmico Anterior, que durou de 638 a 1099 d.C. Nossos achados dessa época incluem fragmentos de mosaicos dourados, que foram parte da cúpula do Domo da Rocha, cerâmica com inscrições, incrustações em madrepérola (inclusive uma com o desenho do Domo da Rocha), joias, peças de jogos, muitas moedas, algumas de ouro, pedras com inscrições e fragmentos arquitetônicos. Infelizmente, nos últimos anos, por razões políticas, tem crescido um movimento de negação da ligação de judeus e cristãos com o Monte do Templo. Os defensores deste movimento dizem que apenas muçulmanos têm ligação com o local e que não há provas da ligação de judeus e cristãos. Em outubro de 2016, a Unesco aprovou uma resolução apoiando este movimento de negação. O texto
questiona a conexão de judeus e cristãos com o Monte do Templo e enfatiza apenas a conexão com o Islã, utilizando inclusive apenas os nomes em árabe do local. O Projeto de Peneiragem demonstra como esta resolução é falsa, pois o projeto encontrou milhares de artefatos antigos datados do Primeiro e Segundo Templos no solo do Monte do Templo. Nossa pesquisa tem o poder de derrubar esta campanha, demonstrando e provando o quanto ela distorce a história do Monte do Templo e de Jerusalém.
Caso seja publicada, a pesquisa irá demonstrar para o mundo que existe sim uma forte ligação entre judeus e cristãos e o Monte do Templo. Muitas pessoas não sabem que o povo judeu já estava na região muito antes da criação do Estado de Israel (os judeus estão na Palestina há mais de 4.000 anos). Nós podemos mudar isso.
Entretanto, para que o Projeto de Peneiragem continue, são necessárias doações, que são nossa principal fonte de recursos. Os valores arrecadados serão utilizados na publicação dos artigos sobre pesquisa e manutenção da iniciativa por mais um ano. Sem eles, corremos o risco de fechar as portas e encerrar nossas atividades.
A pesquisa arqueológica que não é publicada e compartilhada com a comunidade científica e o público é descartada como se nunca tivesse sido realizada. O Projeto de Peneiragem precisa do apoio dos brasileiros e do resto do mundo para completar sua responsabilidade como guardião da história do Monte do Templo. As doações podem ser feitas on-line em http://half-shekel.org/pt-br/. Para saber mais sobre a pesquisa, acesse nossos sites em inglês e português: https://templemount.wordpress.com/ e http:// www.pt.tmsifting.org/
Fontes consultadas
http://digs.bib-arch.org/ – acesso em 3 de janeiro de 2017 http://www.haaretz.com/archaeology/1.761814 – acesso em 3 de janeiro de 2017 http://www.biblicalarchaeology.org/daily/news/top-10-biblical-archaeology-discoveries-in-2016/ – acesso em 3 de janeiro de 2017
Renata Roitman é jornalista formada pela FIAM (Faculdades Integradas Alcântara Machado). No laboratório do Projeto de Peneiragem ela trabalha com Relações Públicas, Assessoria de Imprensa e Mídias Sociais. O principal objetivo do seu trabalho é levar informações e conhecimento sobre o projeto para países de língua portuguesa ou espanhola, principalmente o Brasil, a fim de atrair doadores e voluntários.
Sítio arqueológico na cidade de Jerusalém, em local onde escavações são permitidas.
