CPT NE2 - Boletim Alvorada - 12ª edição – Maio de 2023

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LUTAR NÃO FOI EM VÃO: A Bota Velha é nossa!

Desde 1999, as famílias camponesas dos acampamentos Bota Velha e Santa Cruz, no mesmo imóvel rural, enfrentavam conflitos no campo na Zona da Mata de Alagoas. Foram duros anos de perseguição, com a destruição das lavouras, despejos e ameaças de despejo.

“A gente lutou demais. A gente passou fome, frio. A gente andou muito a pé nessas pistas e nessas estradas bloqueando e fazendo de tudo. E sem falar no sofrimento, porque o sofrimento não foi fácil”, relatou a líder comunitária Maria Quitéria.

As ocupações resistiram a vários mandados de reintegração de posse, sendo o último em 2019, quando o processo de execução foi suspenso. Na época, a luta e a cobrança pela desapropriação do imóvel se deram no âmbito estadual, em razão do cenário de paralisação da reforma agrária e do posicionamento do então Presidente da República, Jair Bolsonaro, que pregava o ódio contra o povo Sem Terra.

Em janeiro deste ano de 2023, rumo ao desfecho das negociações com o governo de Alagoas, a comunidade de Bota Velha foi abençoada pela 33ª Romaria da Terra e das Águas com aproximadamente 1.200 peregrinos e peregrinas cantando: “Quero entoar um canto novo de alegria, ao raiar aquele dia de chegada em nosso chão, com meu povo celebrar a alvorada, minha gente libertada, lutar não foi em vão”.

A boa notícia foi confirmada em março deste ano de 2023: a fazenda Bota Velha foi adquirida pelo governo estadual e destinada para as famílias camponesas.

De acordo com Carlos Lima, da coordenação nacional da CPT, o principal papel da organização durante essas duas décadas foi incentivar as famílias a lutarem, reconhecendo-se como herdeiras da terra e conscientes de que a luta por Bota Velha, além de ser constitucional, também é apoiada pela Igreja por

trazer dignidade para os filhos e as filhas de Deus.

“A CPT assumiu um papel de nunca deixar que a esperança viesse abaixo e que as pessoas não deixassem de acreditar que seria possível a conquista da terra, mesmo que demorada”, disse o coordenador.

Além da luta e da fé, outro importante motivo para a conquista da terra foi a produção de alimentos. As aproximadamente cem famílias transformaram a propriedade abandonada por usinas falidas numa “terra que mana leite e mel” (Êxodo 33:3).

Para Carlos Lima, “Isso só foi possível também porque as famílias conseguiram permanecer em 60 hectares dessa terra; e o fato de plantarem, produzirem, terem casa de farinha e eletricidade, de alguma forma, alimentou a esperança e trouxe, com certeza, mais força para continuarem nessa luta tão demorada, de quase duas décadas e meia”.

B O L E T I M
ANO III - Nº 02
ALAGOAS
Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 - maio de 2023
"É gratificante a gente saber que agora nós vamos ter o nosso pedaço de chão. Depois de 24 anos de luta, de sofrimento, a gente agora já recebeu a notícia de que somos vitoriosos. A posse da terra foi uma das conquistas dada por Deus".
(Maria Quitéria, camponesa e liderança da comunidade de Bota Velha, em Murici/AL)
Bota Velha recebe a 33ª Romaria da Terra e das Águas de Alagoas, 2023 Foto: Lara Tapety

As famílias produzem uma variedade de alimentos saudáveis para consumo próprio e para serem comercializados em feiras livres. Juntas, conseguem preparar ao menos meia tonelada de farinha por semana na casa de farinha do até então acampamento. Na área, também há escola municipal, capela e um açude comunitário. Desse açude, as famílias pescaram centenas de peixes para a Semana Santa neste ano.

A auto-organização comunitária e a construção de uma rede de apoio foram determinantes para a conquista. "A conquista da Bota Velha é resultado de um mutirão de colaboração das próprias famílias, que acreditaram em si mesmas; da CPT, que envolveu outros setores da Igreja; e de companheiros e companheiras da sociedade civil e de universidades. A comunidade de Bota Velha contou com a solida-

riedade de comitês na Itália e no Canadá, além de cartas de apoio vindas da Alemanha. Então, em torno de Bota Velha foi construído um grande mutirão para continuar a luta em defesa daquela terra", contou Carlos Lima.

Entre os apoios, pode-se destacar as associações italianas Pachamama (Terra Mãe) e Amici di

Joaquim Gomes, além do Comitê de Erradicação da Pobreza (CPEP) de Quebec, no Canadá. Também teve papel importante o diretor-presidente do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (Iteral), Jaime Silva, que abriu diálogo dentro do governo estadual em busca de uma solução para o conflito na localidade.

Aos/às que lutam pela terra, fica a mensagem de Quitéria: “O que eu posso dizer para outras comunidades - eu sei que por ai tem comunidades com muito tempo de luta igual a gente - é que não desistam, porque essa Terra todinha só tem um dono, e esse dono se chama Jesus. Somos filhos(as) de Deus, então somos herdeiros(as) da Terra Prometida dada por Deus”.

SEU AZARIAS, PRESENTE!

Nessa jornada de 24 anos, alguns tombaram no caminho, como o camponês José Maria, conhecido como Seu Azarias. Ex-canavieiro, chegou ao acampamento Bota Velha em busca de uma alternativa diante das dificuldades enfrentadas com sua família em 2002. O agricultor faleceu no dia 28 de maio de 2022, aos 72 anos de idade.

Seu Azarias encontrou na agricultura familiar camponesa um trabalho digno e jamais desistiu do sonho da Terra Prometida. Mesmo após perder a visão, seguiu participando das mobilizações.

Conselho editorial

Dênis Venceslau

José Carlos Lima

Texto: Lara Tapety

Revisão: Renata Albuquerque

Fotografia: Equipe CPT Alagoas

Publicação da Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2

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Lara Tapety

Nilton Júnior

Renata Albuquerque

Vanúbia Martins

Jornalistas responsáveis: Lara Tapety (Reg. Prof. 1340/AL) e Renata Albuquerque (Reg. Prof. 7209/PE)

APOIO B O E M
Foto: Lara Tapety Visita da associação Amici di Joaquim Gomes e e do prefeito de Piossasco (Itália) ao acampamento Bota Velha, 2022. Quitéria na pescaria da comunidade, 2023 Ocupação do Iteral, em 2022
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