CPT NE2 - Boletim Alvorada - 7ª edição - Maio 2022

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BOLETIM

Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 - maio de 2022

ANO II - Nº 02

PERNAMBUCO

Casa de farinha comunitária na comunidade Padre Tiago: as raízes profundas que alimentam a re-existência camponesa

É

no município de Moreno, Região Metropolitana do Recife, que uma comunidade de aproximadamente 50 famílias posseiras decidiu construir uma casa de farinha comunitária há cerca de três anos. A comunidade é chamada de Padre Tiago, do Engenho Una, e é uma das áreas de conflito por terra em Pernambuco. As famílias vivem no local há gerações e por muito tempo enfrentaram tentativas de expulsão e várias outras violências provocadas pelo latifúndio canavieiro. Até hoje, o direito à permanência na terra ainda não está garantido, mas elas estão resistindo e decidiram, por conta própria, construir a casa de farinha coletiva para fortalecer a luta pela conquista da terra e para responder à necessidade de comercializar o excedente dos alimentos mais produzidos no local: a mandioca e a macaxeira. E por que uma casa de farinha? É na casa de farinha que a comunidade se encontra, trabalha, canta, brinca, conta histórias, lembra do passado e projeta o futuro. É este significado profundo que a casa de farinha tem para as comunidades camponesas: um encontro com sua ancestralidade, sua identidade, um sentimento de pertencimento vivenciado de forma comunitária. É um reencontro com o Brasil profundo.

Foto: Benoni Codácio

A construção e o funcionamento da casa de farinha – Foi em 2019 que a comunidade decidiu se organizar, fazendo rifas e sorteios, para adquirir os equipamentos e materiais necessários à construção do espaço. Além disso, contaram com a solidariedade e os saberes de pedreiros e carpinteiros da própria comunidade para realizar a empreitada. O beneficiamento acontece de maneira coletiva, envolvendo várias famílias em forma de mutirão - que vem da palavra motyrõ, do Tupi, e significa “trabalho em comum”. Geralmente, tudo começa ainda de madrugada. “São formadas equipes para dinamizar o processo: tem a equipe que vai limpar o forno, outra que vai buscar a lenha para acender, outra para arrancar a macaxeira para descascar, ralar, prensar, peneirar e depois torrar. Enfim, tem trabalho para todo

mundo”, explicam o camponês Zé Braz e o atual presidente da associação da comunidade, Maurício Silva. Cada agricultor(a) é responsável por levar do seu roçado a mandioca e a macaxeira que quer beneficiar. O faturamento é partilhado entre quem participa do trabalho e quem fornece a produção. A comunidade também criou um caixa comum, em que cada família contribui com o valor de R$20,00 por mês para garantir a manutenção do espaço e consertar os equipamentos quando necessário. Mas, mesmo com a mensalidade, ainda existem desafios para manter a estruturda da casa de farinha. Por esse motivo, a comunidade deseja reservar uma área para a produção coletiva da macaxeira e da mandioca e destinar todo o valor arrecadado para manter o espaço e também auxiliar a Associação Comunitária.


BOLETIM

Publicação da Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 Endereço: Rua Esperanto, 490 - Ilha do Leite, Recife, Pernambuco CEP: 50070-390 | Fone: (81) 3231-4445 / Redes sociais: @cptne2 Site: cptne2.org.br E-mail: comunicacao@cptne2.org.br

Foto: Plácido Júnior

Foto: Soneide Gomes

casa de farinha é um instrumento que dialoga com outros setores da sociedade, mostrando a realidade e a luta do povo do campo. Antes, o predomínio da cana-de-açúcar no local era como uma foto de uma cor só, monocromática, que escondia a diversidade da comunidade. Hoje, a casa de farinha, com a produção agroecológica feita na comunidade e a sua luta pela terra, está trazendo luz e colorido para a região. Onde antes existia degradação ambiental, exploração do trabalho e monocultivo açucareiro, hoje existe fartura e diversidade. A casa de farinha está trazendo, sobretudo, o encontro com a ancestralidade, com a cultura e a identidade camponesa, o que faz a comunidade Padre Tiago se enraizar cada vez mais na terra, alimentado a luta e o sonho da terra partilhada.

Foto: Soneide Gomes

dade atraído pela casa de farinha - seja pelo turismo rural, seja pela Festa da Macaxeira - conhece a história das famílias, troca conhecimentos, desfruta dos saberes e sabores camponeses e passa a ser solidário com a comunidade na sua luta pela Reforma Agrária. A pedagogia da casa de farinha – Como vimos, a casa de farinha comunitária é um espaço de resistência que cumpre um papel pedagógico tanto para dentro da comunidade quanto para fora dela. Dentro da comunidade, a casa de Farinha possibilita que as famílias pratiquem uma gestão coletiva seguindo os princípios da economia camponesa, fomenta o protagonismo e a auto-organização comunitária, além de proporcionar melhora significativa na geração de renda dos camponeses e camponesas. Fora da comunidade, a

Foto: Plácido Júnior

A casa de farinha e a luta pela terra – Antes da casa de farinha, os agricultores e agricultoras não conseguiam dar destino ao alimento. “A macaxeira apodrecia, pois não tínhamos como vender ou vendíamos barato para o atravessador”, comenta o camponês Zé Braz. Hoje, o espaço possibilitou não apenas o beneficiamento do produto, mas a ampliação de sua comercialização e também a divulgação da luta da comunidade! A casa tem impulsionado atividades relacionadas, por exemplo, ao turismo rural e à cultura local, o que está fortalecendo a luta das famílias para permanecerem na terra. A comunidade passou a ser rota de diversos grupos de ciclistas da região, que pelo menos uma vez por mês vão ao local ver a farinhada e adquirir os produtos beneficiados. O espaço também estimulou a criação da Festa da Macaxeira, atividade cultural que acontece anualmente na comunidade, com apresentações musicais e artísticas, além da comercialização de diversos produtos derivados da macaxeira, como: “a farinha, o beiju seco, o beiju molhado, o manuê ou pé-de-moleque, a tapioca, bolos, doces, picica (mistura de farinha, verduras ou carnes, preparada na hora da farinhada)", comentam as agricultoras Soneide Gomes e Dona Mocinha. Cada grupo que visita a comuni-

Conselho editorial Dênis Venceslau José Carlos Lima Lara Tapety Nilton Júnior Renata Albuquerque Vanúbia Martins

Texto: Equipe CPT Mata Norte (PE) Edição: Renata Albuquerque Fotografia: Benoni Codácio, Plácido Júnior e Soneide Gomes Jornalistas responsáveis: Lara Tapety (Reg. Prof. 0001340/AL) e Renata Albuquerque (Reg. Prof. 0007209/PE)

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