BOLETIM
ANO II - Nº 04
Comissão Pastoral da Terra Nordeste 2 - outubro de 2022
PERNAMBUCO
Banco de sementes crioulas: cuidar da biodiversidade e guardar o futuro da nossa alimentação
U
ma prática muito antiga, passada de geração em geração, pode garantir soberania alimentar, diversidade e prato cheio na mesa das futuras gerações. Estamos falando do cultivo e do armazenamento das sementes crioulas. Essas sementes são aquelas que não tiveram sua estrutura genética modificada pela indústria e não são patenteadas por nenhuma empresa. São preservadas por famílias camponesas, sendo símbolo da autonomia e da cultura dos povos do campo. Há quem diga que essa prática está com os dias contados, por causa do monopólio e da imensa pressão exercida por grandes e poderosas empresas que fabricam e controlam as chamadas sementes transgênicas. Mas famílias camponesas espalhadas por todo o mundo seguem resistentes, guardiãs do futuro da nossa alimentação. É o caso dos agricultores e agricultoras do Sítio Cruz, localizado no município de Garanhuns, agreste de Pernambuco.
Nessa comunidade vive a agricultora Maria de Jesus. Ela conta que existem mais de 360 famílias na localidade, algumas são pequenos(as) agricultores(as) que moram no local há gerações, outras conquistaram o direito de serem assentadas na área em razão da luta pela terra. Há muitos anos, esses camponeses e camponesas aprenderam que é preciso cultivar e guardar as sementes crioulas para garantir a safra do ano seguinte e a diversidade dos alimentos. Por isso, costumavam armazenar as sementes, geralmente em garrafas, e trocar entre si as diferentes espécies. Até existia um banco de sementes no local há cerca de 40 anos, como Maria relembra: “no passado já existia essa experiência, as famílias eram chamadas de guardiãs das sementes. Então pensamos: por que não continuar com o banco
de sementes?”. Animado para ampliar a prática ancestral e fortalecer a agroecologia na comunidade, um grupo de camponeses e camponesas fez um levantamento das sementes crioulas no local. O ano era 2015. Naquela época, o grupo identificou que nas casas das famílias estavam guardadas, desde muito tempo, diversas variedades de sementes crioulas, sendo dezoito tip diferentes de feijão, três de milho e nove de fava. Naquele mesmo ano, as famílias contaram com a colaboração do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) para estruturar, organizar e consolidar o Banco de Sementes Comunitário. Os agricultores e agricultoras também receberam apoio de universidades e redes agroecológicas, como a Rede de Sementes
Crioulas do Agreste Meridional de Pernambuco (Rede Semeam). Desde a sua inauguração, em dezembro de 2015, até os dias de hoje, o Banco Comunitário de Sementes Crioulas do Sítio Cruz é referência na valorização, conservação, cultivo e diversidade das sementes de variedades locais. E o que torna o Banco de Sementes do Sítio Cruz ainda mais especial é o fato de ele ser coletivo e não apenas individual. Ele funciona assim: cada família integrante pode receber 30 quilos de sementes crioulas para serem plantadas em suas roças quando a chuva chegar. Após a colheita, elas precisam devolver 35 quilos de sementes para assegurar o estoque comunitário. Periodicamente, as famílias integrantes se reúnem na sede da associação comunitária, onde está instalado o Banco de Sementes, para avaliar como estão o armazenamento e o cultivo e como podem ampliar as variedades das sementes na comunidade. Uma das estratégias encontradas para diversificar o estoque é participar de atividades e feiras de trocas de sementes com outras comunidades do agreste pernambucano. Cada família cultiva em lotes que medem até 4 hectares. “A área
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é pequena”, reconhece Maria. E esse é um dos principais desafios da comunidade, pois não há espaço para ampliar a produção de alimentos e o cultivo de sementes crioulas. Por isso, é sempre bom relembrar: a luta pela agroecologia é também a luta pelo direito à terra! Outro desafio enfrentado são as fortes chuvas ou os longos períodos de estiagem, que são efeitos das mudanças climáticas. “Esse ano, a gente teve uma perda quase total das nossas lavouras. Teve muita chuva. Foi cruel, mas mesmo assim, vamos garantir o estoque de sementes para o nosso Banco”, assegurou Maria. Mesmo com esses desafios, o Banco de Sementes do Sítio Cruz é um dos pioneiros da região e faz
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valer a luta em defesa da autonomia camponesa e da agroecologia. Com essa prática, as famílias impedem o monopólio de grandes corporações que só ofertam sementes transgênicas e de poucas variedades. E olha só: essa oferta de sementes transgênicas geralmente vem associada à utilização de veneno. Tudo isso só piora a terra, a natureza e acaba com a nossa biodiversidade. Por isso, “o Banco de Sementes é uma iniciativa que dá autonomia para o povo, além de se basear no princípio da solidariedade e da cooperação. As famílias deixam de ser dependentes das sementes transgênica ofertadas por poderosas empresas. No Sítio Cruz, essa experiência tem passado de geração em geração e tem fortalecido a organização da comunidade, o trabalho coletivo, a biodiversidade. É uma forma de cuidar da vida, de valorizar a agroecologia e de resistir ao agronegócio”, destaca Eurenice Silva, agente da CPT no agreste de Pernambuco. Produzir, guardar e partilhar sementes crioulas para garantir o futuro da alimentação e das próximas gerações: são missões que animam as famílias do Sítio Cruz na sua caminhada em defesa da vida.
Texto: Equipe CPT Agreste (PE) Edição: Renata Albuquerque Fotografia: Acervo da comunidade do Sítio Cruz e CPT Jornalistas responsáveis: Lara Tapety (Reg. Prof. 0001340/AL) e Renata Albuquerque (Reg. Prof. 0007209/PE)
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