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correio de venezuela • 05 a 11 de agosto de 2010
Dois países, duas realidades
N
ão restam dúvidas de que a Venezuela e Portugal caminham de mão dada devido à grande quantidade de interesses comuns aos seus governos e cidadãos. Porém, mais além destes interesses ou coincidências, a realidade é muito distinta daquela que pretendemos conhecer. Numa viagem recente ao ‘velho continente’, por motivo da Gala dos Prémios Talento, fiquei impressionado com uma conversa que era mantida entre um grupo de idosos que se encontravam sentados em frente da Catedral da cidade do Porto. Queixavam-se do aumento da insegurança e dos roubos com “navalhas”; lamentos que me inspiraram muita graça, pelo pude evitar alguns sorrisos. É motivo de sorrir? Realmente, não são. Mas penso que quando vens de um país em que todos os dias são assassina-
Sergio Ferreira
"É indispensável criar consciência para que seja possível criar uma Venezuela civilizada"
das pessoas com armas de fogo para roubar os seus pertences, aqueles roubos com “navalhas” não devem ser considerados “relevantes”. Se é certo que para os portugueses o aumento da insegurança é um problema a combater com urgência, creio que os venezuelanos já se acostumaram à violência como o pão-nosso de cada dia. Inclusivamente, atrevo-me a dizer que para nós já é algo normal, algo com o que temos de viver e ao que não devemos ter medo. Mas esta grande diferença de mentalidades não é apenas notória a este nível. São evidentes também em gestos ou atitudes tão simples como o de atravessar a rua, comer, andar, à missa e até apagar um cigarro. Alguém poderá questionar tudo isto e perguntará: Mas não se apaga um cigarro da mesma forma em qualquer parte do mundo? Não. A dife-
rença salta à vista se se tiver em conta que o venezuelano comum atira as beatas ao chão e deixa-as acesas, enquanto que o comum dos portugueses costuma procurar um cinzeiro ou um caixote do lixo, ou, no pior dos casos, apaga a beata com o sapato para depois a recolher com o fim de a colocar no lugar mais apropriado. São diferenças que nos permitem dar-nos conta do muito que ainda nos falta caminhar para chegar ao desenvolvimento, mas que, lamentavelmente, não podemos usar como ponto de comparação devido ao contraste nas estruturas de ambas sociedades. Ainda que não se possa alterar a mentalidade de 27 milhões de habitantes, é indispensável criar consciência para que seja possível criar uma Venezuela civilizada e más digna nas próximas décadas.
Director Aleixo Vieira Subdirector Agostinho Silva Coordenação Sergio Ferreira Soares Jornalistas: Shary Do Patrocinio, Andrea Guilarte, Carla Salcedo António da Silva, Sergio Ferreira Soares, Victoria Urdaneta, Jean Carlos de Abreu Correspondentes: Edgar Barreto (Punto Fijo) Carlos Balaguera (Valencia-Maracay) Trinidad Macedo (Barquisimeto) Silvia K Gonçalves (Guayana) Sandra Rodriguez (La Victoria) Ricardo Santos (Margarita) Fernando Urbina (Higuerote) Colaborações: Raúl Caires (Madeira), Arelys Gonçalves Antonio López Villegas, Luís Barreira, Álvaro Dias, Luis Jorge, Ysabel Velásquez, Carlos Agostinho Perregil R. Administração: Gloria Cadavid Publicidade e Marketing: Carla Vieira Paginação: Elsa de Sá Correcção: Alexandrina Andrade
catarse
Assessoria Gráfica: Raimundo Capelo
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Fotografia: Paco Garret Secretariado: Anaís Salazar
Guerra lenta e silenciosa
E
scutei o choro de uma mulher, talvez dos seus 45 anos, perguntava-se entre lágrimas; Porquê a mim? Porquê a ele? Depois não pude conciliar o sono. A quem choraria e porquê? O choro dilacerante de uma mãe quando perde um filho, tem um som diferente quando o levou os gangs, quando chegou uma bala perdida, quando não teve a oportunidade de dizer amo-te filho pela última vez. Este é o mesmo choro que cada dia invade os cantos da Venezuela, uma mãe, um pai, um irmão, não importa se é um amigo, o país está a chorara porque a violência arremata contra os seus filhos. Como não
Carla Salcedo Leal
10 homicídios só na área Metropolitana de Caracas
preocupar-se se aqui ninguém está isento? Há pouco tempo conheceuse através de um jornal de circulação nacional, que mais de 3000 corpos tinham entrado num total de 212 dias na morgue de Bello Monte, dos quais uns 2177 têm como causa de morte i homicídio. Isto traduzse em cerca de 10 homicídios diários só na área Metropolitana de Caracas, colocando o nosso país numa comparação danosa com a Ciudad Juárez, e que deixa a um lado o número de falecidos na guerra do Iraque, que desde o seu inicio registou pouco mais de 4000 mortos. Já ninguém está isento, nin-
Distribuição: Enrique Figueroa
guém está protegido. Falta de educação, perda de valores, descontrolo no porte de armas e a impunidade são apenas algumas das causas da situação que se vive na Venezuela, o que é bastante preocupante. E muitos dirão que com o facto de nos preocuparmos não resolvemos nada, mas a eles mesmos lhes pergunto. Como resolveremos esta situação quando a vida perdeu o valor numa cidade onde se vive uma guerra silenciosa? Oxalá tivesse a solução nas minhas mãos, talvez assim já não seria quotidiano ouvir o choro de uma mãe quando perde um filho por uns sapatos ou um carro.
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