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Correio Riograndense Ano 108 - Nº 5.532 - Caxias do Sul - 8 de fevereiro de 2017 - (54) 3220.3232 - www.correioriograndense.com.br

ÚLTIMA EDIÇÃO

CR 1909 - 2017

Obrigado leitores, agentes e colaboradores pela centenária parceria


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CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

Editorial 2

1909 - 2017

108 anos: missão cumprida João Carlos Romanini/CR

Frei Cleonir Paulo Dalbosco

Provincial dos capuchinhos do RS

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e tivéssemos, hoje, a máquina do tempo para retroceder até o dia 18 de janeiro de 1896 veríamos naquele entardecer, chegando a Conde D’Eu (atual Garibaldi), dois frades: frei Bruno de Gillonnay e frei Leão de Montsapey. Vinham da França, cansados de uma longa travessia, mas animados, para trabalhar na evangelização e no acompanhamento espiritual dos imigrantes italianos que já habitavam o solo gaúcho. Logo ao chegar se depararam com a dura realidade em que viviam os imigrantes italianos. Estavam abandonados à própria sorte. As promessas que os atraíram para cá eram, na realidade, só promessas. A necessidade de evangelizar e de ajudar o povo a ter uma vida digna obrigaram os frades a pensar em alternativas. Eles então se deram conta de que não bastava pregar o evangelho, rezar e falar de Deus. Era necessário também pensar na saúde, na educação, na subsistência e nas condições de vida do povo. Preocupados com a educação dos filhos dos imigrantes, os frades convidaram as congregações francesas das irmãs de São José e dos irmãos Maristas para virem para cá e abrirem escolas. Para a formação de frades nativos, dois anos após a chegada, em 1898, abriram o primeiro seminário. Pensando no próprio sustento, assumiram a administração de paróquias e iniciaram atividades alternativas. Neste contexto, o sonho de frei Bruno, de ter um novo instrumento de evangelização, foi desabrochando. Em 1904, frei Bruno relatava ao bispo Dom Giovanni Scalabrini a necessidade da imprensa na evangelização: “Trabalhamos para estabelecer com simplicidade, no centro da colônia italiana, uma pequena impressora, que levará periodicamente no seio da família, em sua língua materna, uma página do santo evangelho,

Cleonir: “mais que jornal de informação, foi jornal de opinião e formação”

Desde o início até os dias atuais, o jornal procurou ser fiel aos seus princípios. Teve seu foco voltado à propagação dos valores fundamentais para a vida humana e cristã. explicada e comentada com histórias edificantes e com alguns conselhos sobre agricultura...”. Neste mesmo ano escreveu ao ministro provincial na França, dizendo: “Sem jornal, não se faz nada”. O sonho de ter uma impressora e um jornal não se concretizou logo. Frei Bruno não tinha recursos para esse empreendimento e, no interior da missão capuchinha, ainda não havia consenso. O padre Carmine Fasulo, pároco de Caxias do Sul, assume o sonho de frei Bruno e em 13 de fevereiro de 1909 funda

CR FUNDADO EM 13 DE FEVEREIRO DE 1909 Filiado à ADJORI-RS e ABRAJORI Diretor de Redação: frei João Carlos Romanini Editora-chefe: Andressa Boeira Editores-assistentes: Maria de Fátima Zanandrea e Marcelino C. Dezen Diagramação: Rafael Dias Oliveira Comercial e Assinaturas: Stela Maris Andelieri Editado por: ASSOCIAÇÃO LITERÁRIA SÃO BOAVENTURA/EDITORA SÃO MIGUEL Direção-geral: frei Álvaro Morés

o jornal La Libertá. Em 1910, La Liberta é transferido para Garibaldi e assume o nome de Il Colono Italiano. Em 1917, torna-se La Stafetta Riograndense. Em 1941, o nome do jornal é traduzido para Correio Riograndense. Desde o início até os dias atuais, o jornal procurou ser fiel aos seus princípios. Ele nasceu para ser um jornal diferente. Além de falar de Deus e proclamar a sua Palavra, teve seu foco na educação, na cultura, na saúde, na agricultura, na ecologia, na propagação dos valores

Correio Riograndense Redação, Administração, Comercial e Assinaturas: Av. Alexandre Rizzo, 534 CEP: 95110-000 - Caxias do Sul - RS Telefone: (54) 3220-3232 Impressão: Jornal Pioneiro Circulação às quartas-feiras Site: www.correioriograndense.com.br E-mail: jornalcr@jornalcr.com.br Facebook: facebook.com/jornalcr

fundamentais para a vida humana e cristã. Mais que um jornal de informação, foi jornal de opinião e formação. Já correram 108 anos de história. O jornal tornou-se testemunha viva de grandes acontecimentos regionais, estaduais, nacionais e mundiais. Suas páginas guardam o relato de um século de vida. Guardam rostos, fatos, descobertas que marcaram gerações. Guardam histórias dos “Nanetto Pipetta” que vieram ao Brasil para achar a cucagna.Em sua trajetória,o Correio Riograndense se comprometeu com o desenvolvimento e a busca de uma vida mais digna para o povo. Hoje vivemos um novo momento. Novos e modernos meios de comunicação estão se impondo. Para manter os propósitos originais e dar os passos que o momento exige, o jornal passará para um novo formato: será veiculado exclusivamente pela internet, com conteúdo readaptado, e estará integrado aos demais meios de comunicação administrados pelos freis capuchinhos do Rio Grande do Sul, ou seja, às emissoras de rádio da RedeSul e Rede Maisnova. Se, em sua época, frei Bruno de Gillonnay soube utilizar os meios adequados para chegar até o povo, hoje somos nós os desafiados a encontrar novos caminhos. Depois de 108 anos de jornal impresso, agora o Correio Riograndense continuará sua missão com novo formato. É a forma que encontramos para continuar a evangelização através do jornal. Aproveitamos essa última edição impressa para agradecer a todos os colaboradores, agentes, leitores, parceiros, anunciantes e apoiadores que fizeram história conosco por mais de um século. Muito obrigado! Com o mesmo sentimento, os convidamos a fazer parte deste novo momento do Correio Riograndense. O jornal pode ser acessado, gratuitamente, pelo site: www.correioriograndense.com.br

Correio do leitor Despedida “Sinto muito o fechamento do CR impresso. Perdemos mais um espaço alternativo para divulgação das ideias de quem utiliza a liberdade de pensamento, como Frei Betto. Esta é a tendência da mídia impressa, o que lamento, pois nada como pegar o jornal e levar para ler em qualquer lugar, no momento que quiser.” Maria Helena G. Pereira São Paulo - SP

“É com pesar que recebo a notícia do fim da publicação impressa. São muitos anos entregando o jornal aos assinantes, cobrando sua assinatura anual, criou-se um vínculo bom. De qualquer forma, sei das dificuldades em mantê-lo, bem como das mudanças na forma de fazer comunicação. Desde já desejo sucesso na nova fórmula digital.” Ricardo Chesini Carlos Barbosa - RS

“Vão ficar as saudades do belo e centenário jornal, dos cultos e abnegados articulistas e das mais variadas e sempre atualizadas matérias, e ainda de quem gentilmente contatava com os assinantes (Stela Maris). O mundo está mudando rápido e certamente outras novidades virão. Veremos como será o CR online.” Dorvalino Uez Ijuí - RS

Nota da redação

Recebemos outras centenas de cartas e e-mails de leitores dando sua opinião sobre o fim do CR impresso, mas infelizmente não foi possível publicar. Quem ainda desejar se manifestar, ou tiver qualquer outra demanda relativa ao jornal, pode encaminhar para o e-mail que permanecerá ativo: jornalcr@jornalcr.com.br

CR para pesquisa

Todas as 5.532 edições do Correio Riograndense estão digitalizadas e podem ser acessadas nos links: - 13/02/1909 a 25/12/2013: http://liquid.camaracaxias. rs.gov.br/portalliquid/Pasta/ SubPastas/15 - 15/01/2014 a 08/02/2017: https://issuu.com/correio.riograndense Objetos e documentos relativos à trajetória do jornal estão sob a guarda do Museu dos Capuchinhos (Muscap): rua General Mallet, 33, bairro Rio Branco, Caxias do Sul / RS; telefone (54) 3220-9577.


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Agentes 3

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# COLABORADORES

Os pilares de uma longa trajetória

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Os agentes foram sempre os imprescindíveis canais de comunicação com os assinantes e leitores

circulação ininterrupta de um jornal durante quase 109 anos pressupõe uma grande reserva de idealismo, amor à causa e persistência. O Correio Riograndense sempre acreditou e confiou nos seus leitores e deles também sempre mereceu absoluta confiança. Mas por trás da grande família dos assinantes, espalhados por quase todos os estados brasileiros e até no exterior, sempre esteve presente um verdadeiro exército de colaboradores, praticamente voluntários – os agentes. Devese a eles o êxito obtido pelo Correio Riograndense ao construir uma sólida trajetória de 108 anos como um dos veículos de comunicação mais confiáveis do sul do país. Responsáveis pela distribuição do jornal, pela renovação das assinaturas e pela divulgação nas comunidades, os agentes foram,

desde os primeiros anos do Cor- transporte e de meios que permi- Juntos, formaram uma equipe reio Riograndense, ainda como tem a entrega de impressos em permanente de divulgação do jorIl Colono Italiano, uma ponte qualquer parte do país, os agentes nal, uma grande família, ligada indispensável entre os editores e continuaram sendo imprescindí- por laços afetivos e sentimentais, os leitores. veis para que o CR continuasse como elos de uma imensa correnGraças à dedicação dos agen- chegando com regularidade e te. O patrimônio que mais orgutes, o Correio Riograndense pode segurança em centenas de comu- lha o CR é a consolidação de uma chegar aos mais inigualável credistantes rincões dibilidade junto “O centenário Correio Riograndense foi sacerdote, aos seus leitores dos estados do catequista, técnico agrícola, cozinheiro, professor, sul e de outras e assinantes; e os regiões do país, agentes, segurabiblioteca e... até jornalista. Um jornal de fé; um acompanhando mente, são parte jornal confiável! E nós, agentes, sempre fomos principalmente as integrante desse soldados de linha de frente da ‘boa batalha’”. levas de migranpatrimônio. Avelino Ló, agente do CR em Garibaldi tes que, em alguns O Correio Rioperíodos da hisgrandense semtória, tiveram no jornal o único nidades. pre contou com freis capuchimeio de comunicação, o único E para a maioria dos agentes, nhos atuando em tempo integral elo de ligação com suas terras de o cargo não se resume apenas na divulgação, que percorreram origem. Muitos foram pioneiros, a isso. Muitos consideram esse de forma incansável os estados levando o jornal a comunidades trabalho uma missão; outros, do sul e são lembrados com carecém-formadas pelas correntes um compromisso com a boa im- rinho pelos agentes mais antigos. migratórias, desde o sul até o nor- prenssa; outros ainda, por her- Merecem destaque freis Roque te do país. darem dos antepassados uma Costella, Roberto Franciosi, Hoje, apesar das facilidades de função que consideram sagrada. Domingos Collet e, nos últimos

l arnie C o rim no .) e P , Marceli q s e o (2ª à onir chin ressa, D n a i nd a oB verin Stela, A de Fátim e S : m o a caçã ir.) co e Mari Dedi ltimo à d (ú

Carinho: Diva Miotto (esq.) com Stela Maris, do CR

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anos, ainda que não de forma permanente, freis Arlindo Battistel e Laudino Bertoldo. Nos últimos tempos, com a ausência de freis na linha de frente da divulgação, as assinaturas reduziram bastante, mas a atuação dos agentes foi fundamental para que o número continuasse razoavelmente bom. Agora, ao encerrar sua caminhada como veículo impresso, o Correio Riograndense sentese na obrigação de manifestar a imensa gratidão com cada um desses incansáveis parceiros. Através dos agentes Diva Miotto, de Vila Flores; Avelino Ló, de Garibaldi, por muitos anos responsável pelo maior número de assinaturas do CR; Severino Bianchin, de São José do Ouro; e Primo Galdino Carniel, de Cacique Doble, os últimos agentes que visitaram o Correio Riograndense, um imenso obrigado.

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Obrigado! Muito

o: Av elino Andr Ló (3ª à essa, e Stela squerda) e Raf com ael, d Felipe , Mar o CR

celino ,


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# CORREIO RIOGRANDENSE

“Sem jornal não se faz nada”

A frase de frei Bruno de Gillonnay, chegado da França em 1896, expressa verdade centenária

Gillonnay - Em 1904, frei Bruno relatava ao bispo dom Giovanni Scalabrini a necessidade da imprensa para a evangelização: “Trabalhamos para estabelecer com simplicidade, no centro das colônias italianas, uma pequena impressora, que levará periodicamente no seio das famílias, em sua língua materna,

Arquivo Correio Riograndense

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nascimento do Correio Riograndense, idealizado por padre Carmine Fasulo, pároco da paróquia Santa Tereza de Caxias do Sul, e frei Bruno de Gillonnay, coordenador da missão dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul, chegado da França em 1896, foi motivado pela imigração italiana ao Rio Grande do Sul. Um ano depois do primeiro sonho, em 1897, surge O Caxiense, primeiro jornal de Caxias. O veículo defendia a política republicana. Logo entrou em atrito com o vigário, padre Pietro Nosadini, que, de imediato, compreendeu que também precisava de um jornal. Um bolletino seria editado com o nome de Il Colono Italiano a partir de 1º de janeiro de 1898. Na primeira página coloca sua linha editorial: advogar as causas dos católicos italianos e imigrados de Caxias e da região. Falará do desenvolvimento das sociedades católicas, a fim de que sirvam de exemplo “aos covardes e indiferentes”; e não esquecerá a defesa do Papa: “Santo Padre, os católicos italianos imigrados em Caxias e nas colônias vizinhas vos juram devoção e obediência ilimitada...” Em 24 de agosto de 1904, padre Carmine Fasulo, ex-palotino, assumiu como pároco de Caxias. Em novembro desse ano a paróquia recebeu a visita de dom Giovanni Baptista Scalabrini, bispo de Piacenza, Itália. Scalabrini conhece a realidade da colonização italiana e inteira-se dos sonhos do frei francês Bruno de Gillonnay, chefe da missão capuchinha fundada há apenas nove anos. Em 13 de fevereiro de 1909, Fasulo funda o jornal La Libertà. Três meses depois, em 5 de maio, deixa o cargo de pároco e vende o jornal ao substituto, padre Francisco Baldassarre. Em Caxias, o jornal O Caxiense, que se intitulava defensor das colônias italianas e órgão republicano, fechou em 28 de abril de 1898 por não interessar ao povo; já o Il Colono Italiano, de Nosadini, fechou em 21 de agosto de 1898 por não interessar aos católicos.

Evento: inauguração da linotipia, em 1948, na sede do jornal, m Garibaldi uma página do Santo Evangelho, explicada e comentada, uma história edificante, alguns conselhos de agricultura...”, conforme se lê no manuscrito original em francês, datado de 12 de outubro de 1904. Menos de dois meses antes da manifestação a Scalabrini, em 20 de agosto, frei Bruno escrevia ao provincial da Saboia, submetendo-lhe à apreciação o projeto da “fundação em Conde d’Eu de uma pequena impressora”. Inicialmente pensava numa revista mensal para a formação religiosa nas escolas. Também o preocupava a ignorância dos colonos. E concluía: “Mas, sem jornal não se faz nada.” Pretendia comprar uma impressora dos franciscanos sediados em Lages ou uma disponível em Porto Alegre. A autorização veio da França no final de 1904 ou início de 1905.

Os contatos de Carmine Fasulo com frei Bruno e as incursões eventuais dos capuchinhos franceses no município, especialmente no atual território de Nova Roma do Sul, motivaram o pároco de Caxias a criar um periódico dirigido aos católicos, coisa que o capuchinho, como estrangeiro, não podia concretizar. Assim, La Libertà “scende per la prima volta nell’arena giornalistica” em 13 de fevereiro de 1909, com boa aceitação. Em 5 de maio de 1909, quando La Libertà estava no nº. 15, toma posse como pároco outro ex-palotino, padre Francisco Baldassarre, cuja gestão durou quatro meses, com grandes desentendimentos com os fabriqueiros e o povo. O jornal, agora sob a direção de Baldassarre (Fratelli Baldassarre), “tornou-se inútil e escandaloso, insultando sacerdo-

tes, fabriqueiros e fiéis.”

Il Colono Italiano - Entre o nº. 44 e o nº. 45 do jornal transcorre um mês. O nº. 45 do La Libertà circula com a data de 15 de janeiro de 1910, editado em Garibaldi e tendo como diretor padre Giovanni Fronchetti. Na capa é estampada a aprovação episcopal, onde Fronchetti acrescenta ter recebido aprovação verbal de dom Claudio José para assumir a direção do La Libertà, em 27 de dezembro de1909. Na mesma edição, o novo diretor acha justo que se retome o mesmo “Programma” do La Libertà, que havia enfrentado tantas dificuldades. Reafirma que o jornal será católico, mas não se ocupará exclusivamente de assuntos religiosos. “Anzi, La Libertà sara per eccellenza l’amico, il consiliere, la difesa del colono”.

Na capa das edições nº. 50, 51 e 52, de fevereiro e março de 1910, há uma chamada anunciando que Il Colono Italiano será o título que o La Libertà assumirá na edição de 12 de março de 1910, quando entrar no segundo ano editorial. La Libertà tinha surgido como “Giornale settimanale del popolo”. Sendo o colono italiano a maioria da população da região, nada mais acertado que o jornal tenha o nome de Il Colono Italiano. O ápice das dificuldades do diretor austríaco do jornal (Fronchetti), em Garibaldi, acontece a partir de 17 de abril de 1917, quando o Brasil rompe relações diplomáticas com a Alemanha e a Áustria. Os quatro proprietários – Fronchetti, Capuchinhos, Moreau e Carlotto – reúnem-se às pressas para tomar medidas. A direção fica com o capitalista e construtor Agostinho Mazzini. Logo o chamam de ‘testa de ferro’ que aceitava dirigir um jornal anti-italiano. Mazzini só aguentou até 21 de junho, quando pediu demissão, exigindo o fechamento do jornal. Os cotistas se reuniram novamente, não admitindo a morte assim tão estúpida do jornal que tinham. Foi quando o capuchinho frei Caetano Angheben (18851967), há anos colaborador de Fronchetti, propôs que o jornal saísse sem o nome do editor-responsável e com novo título. A ideia foi aceita e a edição de 5 de julho de 1917 levava o nome La Staffetta Riograndense. A partir dessa data, a administração e a redação ficam a cargo dos capuchinhos, embora Fronchetti ainda fosse sócio. Em 23 de setembro de 1918, Fronchetti registra em cartório declaração dizendo que o valor do capital do já Staffetta Riograndense (ex-Il Colono Italiano) é de 15 contos de réis. Também declara que a Sociedade Literária São Boaventura (capuchinhos) entrou no capital inicial com quatro contos de réis e que “por conseguinte a dita Sociedade Literária São Boaventura (Reverendos Padres Capuchinhos) é coproprietária da tipografia do Staffetta Rio-Grandense, pertencentes, acessórios e tudo o mais em proporção ao capital com que entrou e que na mesma proporção tem direito a todos os lucros”. De 1918 a 1921, os capuchinhos adquiriram as cotas que ainda não lhes pertenciam. Dia 12 de janeiro de 1921 é a data da oficialização da compra do jornal pelos capuchinhos, em proposta escrita de cessão de sua parte na tipografia aos mesmos capuchinhos.


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História 5

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m 1912, alguns sacerdotes se prontificaram a fundar um jornal genuinamente católico e italiano. A ocasião surgiu no mesmo ano, quando o jornal Bento Gonçalves, de Júlio Lorenzoni, parou de circular. Em seu lugar surgiu o Corriere d’Italia, tendo como redatorchefe o padre Estevão Minetti. Com a saída de Minetti, vieram as dificuldades, obrigando o padre Poggi a bater às portas do padre Enrique Preti, dos missionários scalabrinianos, que colocou dinheiro e designou o padre João Constanzo para dirigir o jornal. Ficou no cargo até 1917, sendo substituído por padre Carlos Porrini, até 1921, e pelo padre José Foscallo. Esses dois últimos, desde o início dos anos 1920, tentaram uma fusão com o Staffetta Riograndense, dos capuchinhos, editado em Garibaldi. Em 8 de abril de 1925, frei José formalizou uma proposta de fusão ao padre Enrico Preti, superior dos scalabrinianos. Algumas cláusulas: os capuchinhos manteriam somente o Staffetta, nenhum outro jornal; não aceitariam a direção de um novo jornal; caso o Staffetta fosse fundido com o Il Corriere, o novo jornal deveria ter um novo nome; se houvesse fusão, o maquinário deveria ser comprado meio a meio; caso os carlistas quisessem comprar o Staffetta - “che và a gonfie vele” (de vento em popa) -, o preço seria de 42 contos de réis pelo maquinário e materiais e 25 pelos assinantes. De Guaporé, em agosto de 1925, padre Preti escreve marcando um encontro para negociar. Como não houve entendimento para a fusão dos dois jornais, freis José, Exupério e Candido assinam nova proposta, em 12 de agosto de1925, dizendo que estavam dispostos tanto a vender o Staffetta quanto a comprar o Il Corriere. Na documentação, segue uma “declaração” conjunta de frei Candido Bampi e padre Aneto Bagni, scalabriniano, assinada em Bento Gonçalves, com data de 7 de junho de 1927, estabelecendo as condições da fusão. O novo jornal sairá na data da primeira edição de julho de 1927, conservará o título Staffetta Riograndense, mas manterá como subtítulo Il Corriere d’Italia. Nas edições de 22 e 29 de junho de 1927 comunica-se a fusão dos dois jornais a partir da primeira edição do mês de julho. O jornal, com sede em Garibaldi, “será o porta-voz dos sentimentos católicos dos nossos bravos colonos”. Já na edição de 6 de julho de 1927 se comunica que a redação do Il Corriere em Bento Gonçalves não existe mais e que, em Garibaldi, a direção conta com o apoio dos agentes do Il Corriere,

Fotos Arquivo/Correio Riograndense

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Gene da longevidade se deve à linha editorial

Trem: embarque de malotes com exemplares do jornal, em 1959, saindo de Caxias do Sul para a região Sul todos mantidos e considerados a mão direita do jornal. As edições com dois títulos circularam de 6 de julho a 31 de agosto de 1927. Na edição de 7 de setembro de 1927 já não há dois títulos e o Staffetta estreia. Transferência - Por questões de logística, o diretor frei Sílvio Armiliato obtém, em 12 de dezembro de 1950, autorização para a transferência do jornal para Caxias do Sul. Graças a um empréstimo de Cr$ 100.000,00 junto à Previdência do Sul e “a ofertas de Caxias e alhures”, em pouco mais de um ano as instalações junto ao convento dos capuchinhos, no bairro Rio Branco, já permitiam receber a máquina impressora e toda a tipografia vindas de Garibaldi. A primeira edição do jornal, após o seu retorno à cidade de origem, foi em 4 de junho de 1952. O jornal permaneceu no bairro até o final de 1998, quando foi para as atuais instalações no bairro Desvio Rizzo. Ainda em 23 de abril de 1952, a tipografia do Correio Riograndense foi registrada com a denominação de Editora São Miguel, propriedade da então Sociedade Literária São Boaventura. Hoje, 8 de fevereiro de 2017, fica a Editora e o CR sai de cena. Difícil isenção - A edição nº. 1, de 13 de fevereiro de 1909, já deixava claro que o jornal devia ficar longe da política partidária. Il nostro programma, o histórico projeto editorial, foi constantemente assumido ao longo dos 100 anos do Correio Riograndense. Os capuchinhos, em 1917, sentiram de perto o que signifi-

Caxias do Sul: equipe prepara envio da edição dos 100 anos cava o jornal ter opção política (o editor-proprietário, padre Giovanni Fronchetti, tirolês, apoiava a Áustria quando a I Guerra eclodiu). O jornal foi salvo ao manterse longe das opções políticas e nacionalistas. Na gestão de frei Cândido Maria Bampi, em 10 de maio de 1928, foram baixadas normas objetivas para a redação do Staffetta. Uma delas era: “Evitare qualunque política di partito o de nazionalità”. As normas eram uma coisa, a prática, porém, outra. Em diferentes contextos políticos o jornal tomou partido, como quando abraçou o fascismo de Mussolini. Para o jornal, a Itália passou a ser a nação modelo. O jornal defendeu ardorosamente os totalitarismos, desqualificando a democracia. Mas, 1941, também foi o ano da virada nas posições do jornal. Assim mesmo, quando o Papa condenou o fascismo, o jornal demorou a publicar os seus pronunciamentos, isto é, balançou entre duas preferências.

No contexto regional, o Correio Riograndense representava grande força. De 1945 a 1955, tempo de vários embates eleitorais, caravanas iam visitar o jornal com o objetivo de mendigar uma recomendação ou um elogio. Foram movimentadas, por exemplo, as visitas de Juarez Távora, Milton Campos e Jânio Quadros. Foram eventos do gênero que fizeram dom José Baréa exclamar: “Agora conheço a força do Correio Riograndense!”. Programa - Ao lado das lutas que fortaleceram o Correio Riograndense, também estão os fatores que sustentaram a sua longevidade. Dois se sobressaem: as características do conteúdo e da linha editorial – expressas na edição nº. 1, de 13 de fevereiro de 1909 – e a aquisição do jornal pelos Capuchinhos do Rio Grande do Sul e sua inserção no projeto de evangelização desenvolvido desde o início do século XX. A definição da linha editorial vem de Carmine Fasulo, no La

Libertà, em 1909, e é assumida por Giovanni Fronchetti, a partir de 1910, e vem sendo mantida pelos capuchinhos há mais de 100 anos. O programa editorial na capa da primeira edição é muito claro: “Nosso jornal será semanal e de índole clara e essencialmente católica...; será papal no mais estrito sentido da palavra” (Il Nostro Programma, ed. nº. 1, 13.02.1909, p. 1). A confissão católica e papal não fez do La Libertà um jornal só de conteúdos da fé cristã católica e de suas expressões religiosas. Manteve-se aberto aos temas da agricultura, indústria, saúde e medicina prática, “coisas que consideramos não só úteis, mas também necessárias ao desenvolvimento da vida social”. “La Libertà sarà anche ricca de notizie mondiali, e più specificamente d’Italia e di questo Stato di Rio Grande del Sud (...) e decisamente aliena della politica partidaria”, diz o editorial. Tais linhas editoriais somadas à capacidade de sempre atualizálas, dando-lhes expressões contemporâneas, são as verdadeiras bases da longevidade do Correio Riograndense. Nas últimas décadas, o tema da responsabilidade e ética ambiental, por exemplo, está entre os que mereceram mais destaque na pauta editorial. O segredo da longevidade do jornal estava também na capacidade de construir e manter a fidelidade de seus leitores e na logística de distribuição. O jornal sempre valorizou a figura dos agentes, fator que lhe garantiu uma penetração inigualável e diferenciada. O agente foi valorizado desde os primeiros anos de circulação.


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Opinião 6

1909 - 2017

# COLUNISTAS

Espaço permanente à reflexão

A credibilidade dos textos publicados se apresenta como o grande trunfo do jornal

Frei Aldo: da inovação, falando do futebol, até a coluna atual frei Bernardino Vian. Escrevia de Portugal, para onde fora em missão. Destaque ainda para frei Fidelis Dalcin Barbosa e frei Odorico Dalmolin, que trabalhava na Cúria Geral, em Roma. Eram janelas desde a Europa. Frei Bernardino comandou uma equipe de missionários que varreu o país com a imagem de Nª Srª de Fátima. Seus retumbantes sucessos apareciam nas páginas do Correio Riograndense em artigos. Neste mesmo ano começaram a aparecer artigos do frei Teodoro Ferronatto. Em outubro de 1951, surge pela primeira vez um artigo do padre Benjamim Busatto. A coluna permanente se intitulava “Política e Colônia”. Padre Benjamim, com o pseudônimo de Chico Tasso, visava a participação política dos agricultores. Missionário no Brasil Central, frei Luiz Maria de Tomás Flores, também conhecido por Ricardo Liberali, enviava matérias abordando rios desconhecidos, tribos semicivilizadas, cobras e árvores gigantescas do Mato Grosso.

Caipira - Na edição de 8 de outubro de 1945, os leitores do Correio Riograndense encontram uma novidade: Correspondência Caipira, coluna assinada por um tal de Zé Fernandes. Era o pseudônimo do frei Dionísio de Antônio Prado, que teria papel destacado no jornal por 25 anos. Também usava o pseudônimo de Pimentinha. O jornal, que começara em italiano e passou depois para o português, abria-se agora para o linguajar gaúcho e caipira. O primeiro artigo tinha como título: Vortô tosquiado. Aos poucos foram aparecendo mais artigos assinados: frei Arcanjo Bisotto, que seria, mais tarde, editor do jornal, frei Alberto Stavinski e outros. No fim da década de 60, os padres Pedro Luiz e Benjamim Miotto começaram a escrever com regularidade. Em 29 de abril de 1953 José Zugno assina a primeira coluna Vida Agrícola, que escreveria por quase 55 anos. Em 1964 aparece a primeira contribuição do jovem jornalis-

Doutor José Zugno: assinou coluna Vida Agrícola por 55 anos

Arquivo CR

Frei Wilson João: colunista deixou seu recado durante 39 anos ta Victor Faccioni. São também significativas as participações do padre Antônio Galiotto, destacando a importância da Frente Agrária Gaúcha e dos Sindicatos Rurais. Neste sentido também destaca-se o nome do deputado Adolfo Pugina. Em 1967, Hélvio Remussi e Décio Dutra, dois jovens capuchinhos, mudaram o conteúdo e diagramação. Na edição de 13 de maio aparece uma coluna sobre um assunto até então proibido: futebol. Era a Bola na Rede, de frei Aldo Colombo.

Luiz Chaves/CR

Paraná - Em abril de 1951 fazia sua estreia no jornal o professor Vicente Barroso. Paulista, conheceu o norte do Paraná e a incipiente colonização. Numa longa série de artigos, Vicente Barroso fala das possibilidades do “famoso norte do Paraná”. Foi um incentivador das migrações gaúchas para aquele estado. Barroso escreveu artigos e reportagens até o começo da década de 70. Na edição de 2 de maio de 1951 aparece o primeiro artigo assinado pelo frei Bernardino de Vilas Boas. Outras vezes assinava apenas frei Bernardino ou

Gabriele Baruffi/Div./CR

O

Correio Riograndense sempre se preocupou em promover a multiplicidade de pensamento. O primeiro nome do Correio Riograndense, La Libertà, já definia o estilo jornalístico. Seria jornal de opinião. A liberdade proclamada não seria em relação à Igreja, uma vez que se definia como papal. A liberdade, de pensar e escrever, visava alguns grupos específicos da região, considerados anticlericais, com influência da maçonaria. Nos primeiros 20 anos quase não apareceram artigos assinados. Seu conteúdo refletia a opinião da Igreja. Era a verdade oficial, que dispensava nomes e assinaturas. Questões mais candentes eram abordadas pela direção do jornal, especialmente no tempo de dom Carmine Fasulo. O polêmico monsenhor Ascânio Brandão pode ser considerado o primeiro colunista. Foi chamado de apóstolo da Boa Imprensa. Por quase 20 anos compareceu regularmente nas páginas do jornal, num estilo bastante agressivo. Também neste tempo foram publicados artigos do escritor gaúcho Ernani Fiori. Na edição de 1° de maio de 1949 aparece a primeira contribuição do padre José Busatto. Ele abordava assuntos gerais. Outros artigos eram assinados por pseudônimos ou pelas letras iniciais do nome. Regularmente apareciam Cartas Circulares de dom João Becker (Porto Alegre), Antônio Reis (Santa Maria) e José Barea (Caxias do Sul). O jornal mantinha espaço para o papa Pio XII, dando importância às rádiomensagens, dirigidas - Urbi et orbi - a Roma e ao mundo. Com o passar do tempo cresceu o número de artigos assinados. É o caso do frei Mariano de Alfredo Chaves e do frei Luiz Ferronatto. O primeiro num estilo mais literário, enquanto o frei Luiz era cáustico e polêmico.

uma coluna sobre a Ordem Franciscana Secular. As colunas começaram a ter espaço maior. Artigos sobre vida matrimonial, assinados por Leonel (frei Leonel Santin), foram publicados ao longo de 10 anos. Na edição de 16 de janeiro de 1974 estreava novo colunista: Wilson João, capuchinho. “Wilson João dá o recado” era o título. O primeiro artigo: Doença da Solidão. Em 25 de maio, padre Zezinho volta a comparecer com “Um Minuto para Cristo”. No dia 10 de outubro Mudança - A edição de 28 de de 1979 estreia Olhar Diferente, abril de 1970 marca profunda mu- de Aldo Colombo. dança. O jornal, até então standart, passou a ser tabloide e a cores. Contraponto - Com o obFora adquirida uma impressora jetivo de evitar o pensamento Goss Community, a primeira em único, a direção do CR passou offset no interior gaúcho. Mudou a publicar a coluna do Frei Bettambém o conteúdo do jornal, dan- to, dominicano, que tem livre do ênfase maior à notícia, sobretu- acesso aos principais jornais do visando os municípios da região do Brasil. Frei Betto representa colonial italiana. Por oito anos as- a corrente centro-esquerda da sumiu a direção um jornalista lei- Igreja, afinada com a Teologia go, Décio Osmar Bombassaro. da Libertação. Sua primeira A página 4 do jornal foi definida contribuição foi editada a 12 como opinião. Além do editorial de janeiro do ano 2000. Em deeram publicados mais dois artigos zembro do mesmo ano estreou de opinião, com rotatividade dos o ex-frade franciscano Leonarautores: Mário Gardelin, Aldo Co- do Boff. lombo, Ovídio Deitos, Jimmy RoPor fim, no começo de 2004, drigues, Leonel Santin, Floriano começou a colaborar a teóloMolon, Rovílio Costa, Luiz Alber- ga leiga Maria Clara Luchetti to de Boni e Geraldo Moser, entre Bingemer. Mais recentemente, outros. Os dois últimos enviavam entraram na história frei Jaime contribuições da Alemanha. No Bettega, com a coluna Olhar à corpo do jornal também aparece- Vida, e frei Luiz Turra, com a ram contribuições, entre outras, de coluna No Coração da Vida. frei Jaime Biazus e Tasso de Lima O CR fez da opinião sua linha Neto (Luiz Alberto de Boni). Eram principal. O jornal ensina a matemas distribuídos em dezenas de neira de entender as notícias. A capítulos. Frei Evaristo Parisotto credibilidade se apresenta como manteve, durante algum tempo, o grande trunfo do jornal.


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CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

Opinião 7

1909 - 2017

No coração da vida

LUIZ TURRA

Frei capuchinho, formado em Filosofia e Teologia. Pároco na Paróquia Santo Antônio, em Porto Alegre, RS. É também compositor e músico

As constantes experiências de mudança

F Para podermos viver e conviver, seja com as pessoas, seja com a atualidade dos avanços que a criatividade humana nos oferece, não há como nos fechar às mudanças

Fotos João Carlos Romanini/CR

az parte da vida estar em consUm jornal, mais que centenário, tante ritmo de mudança. Desde cujas mensagens foram elaboradas por as realidades mais importantes tantas mentes e tantos afetos e passou até as mais simples e insignificantes, por tantas mãos para ser lido e apreciaem tudo e sempre há um clamor de do, passa agora para o formato online, mudança. Nosso nascimento é uma mudando o modo de comunicar-se, mudança! Passamos da proteção mas mantendo e aperfeiçoando seus global do ventre de nossa mãe e muconteúdos formativos e informativos. damos para um mundo desconheciO mundo da comunicação, e seus do e imensamente mais amplo, mas meios, acelera sempre mais seu ritmo também inseguro. Nosso crescimende mudança. to necessita e está todo envolvido em Com certeza, o público de leitores mudanças. Nossa partida deste munmais antigo será o que mais sentirá esta do é também uma mudança definimudança, mas também é bom pensar tiva. Porque somos também história que uma multidão que não conhecia e fazemos história, estamos sempre este jornal poderá, a partir desta moem mudança. dalidade, ter contato e se apoderar dos O ritmo cotidiano da vida e da hisconteúdos do Correio Riograndense. tória vai exigindo de nós mudanças Falando com Dom Itamar Vian, arrotineiras e simples, outras impreviscebispo emérito de Feira de Santana tas e extraordinárias. Para podermos na Bahia, confirmou-me que o jornal viver e conviver, seja com as pesso- Luiz Turra: começou a escrever crônicas para o jornal em 28 de julho de 2010 mais antigo do estado, senão do Brasil, as, seja com a atualidade dos avan“Folha do Norte”, a partir de 2016 deiços que a criatividade humana nos oferece, não nossa acomodação e se tornam provocadoras de xou de circular na forma tradicional e passou a há como nos fechar às mudanças. Mudamos de avanços, tanto pessoais como sociais. Existem estar disponível de modo online. Quando Dom mentalidade; mudamos de comportamento; mu- mudanças passageiras e outras profundas, como Itamar chegou a Feira de Santana recebia sete damos modos de vestir, de nos alimentar, de nos as de nosso tempo, que estão operando uma mu- jornais. Hoje circulam apenas um diário e um relacionar conosco mesmos, com os outros, com dança de civilização. semanário. o mundo e até mesmo com Deus. Para nós, são melhores as mudanças que vão Correio Riograndense não vai parar, mas vai Existem mudanças forçadas que demoram, acontecendo e nos motivam a tomar decisões mudar seu caminho e seu modo de chegar. Cormais ou menos, para serem assimiladas e in- conscientes, livres e responsáveis. Estas também reio Riograndense não vai morrer, sua herança tegradas em nossa mente, em nosso coração e têm o seu preço, pois toda a decisão exige uma de ontem se manterá viva e sua presença difeaté nos motivar em nossas ações. Existem mu- cisão, que não nos isenta de certa intensidade de renciada de hoje facilitará o acesso ao mundo. danças condicionadas à normalidade dos fatos, dor. Falo assim acenando a mudança que, a par- Registro meu obrigado ao passado deste meio de diante das quais podemos resistir, mas não temos tir deste número, o Correio Riograndense come- comunicação e convido a confiar, na esperança, como fugir. Existem mudanças que desafiam ça a concretizar. em seu futuro!

Olhar à vida Frei capuchinho, formado em Filosofia, Teologia e Administração. Pós-graduado em Gestão de Pessoas e Administração, mestre em Ética Organizacional

F A missão foi cumprida. Gratidão aos que fizeram, distribuíram e leram o nosso centenário jornal, que trocou de nome, algumas vezes, mas nunca abandonou sua essência

JAIME BETTEGA

Necessárias transformações para continuar a missão

oram dias e dias pensando em como dar forma e conteúdo à crônica da última edição impressa do Correio Riograndense. Devo ter sido o último cronista a integrar a equipe que, semanalmente, brinda os leitores com temas e pontos de vista que convidam à reflexão. Foi necessário voltar, por uns instantes, às lembranças da infância para encontrar o ‘enredo’, a fim de agrupar harmoniosamente as palavras para encerrar o atual formato do nosso centenário jornal. Os sentimentos são muitos e diversos. A realidade, por vezes, impõe decisões que não dependem unicamente da vontade. Na verdade, não é um término, mas uma passagem, uma mudança. Não vivemos mais apenas num mundo físico e material. A tecnologia virtual infiltrou o cotidiano e moldou outras maneiras de relacionamento e comunicação. O Correio Riograndense está no compasso desse novo tempo. Nasci no interior de Caxias. Cresci em contato com o ‘pacote de jornal’ chegando semanalmente. O ônibus dava um sinal e deixava o Correio Riograndense à beira da estrada. Como éramos em vários irmãos e primos, alguém saía correndo para pegar o pacote. O nono, imigrante italiano, era o agente. Depois da sua partida, o tio que ficou na casa paterna assumiu a missão. Por fim, meu irmão mais velho tornou-se o responsável, mas quem se encarregava da

distribuição era a minha saudosa mãe. Não deixava de ser um verdadeiro ritual semanal: o jornal era aguardado com expectativa e emoção. A continuidade dos estudos obrigou minha saída do interior. Como precisava trabalhar para garantir o sustento, fui acolhido como empacotador semanal do jornal. Até então, não havia pensado na vocação capuchinha. Foi o testemunho dos freis que despertou o chamado à vida religiosa e sacerdotal. Minha história familiar e vocacional sempre contou com a presença Jaime Bettega: estreou como articulista do CR em 26 de junho de 2013 do Correio Riograndense. Seriam necessárias muitas edições e muitas páginas para registrar outras formato: deixa de ser impresso para ocupar um histórias de milhares de leitores. Com certeza, a lugar no mundo virtual. Não estou me despemissão foi cumprida. Gratidão aos que fizeram, dindo, pois iremos nos encontrar nesse novo esdistribuíram e leram o nosso centenário jornal, paço. O ônibus já não entregará mais o pacote que trocou de nome, algumas vezes, mas nun- com os jornais. Mas ele estará na tela virtual, ca abandonou sua essência. Agora ele muda de continuando sua importante missão.


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CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

Opinião 8

1909 - 2017

Olhar diferente

ALDO COLOMBO

Frei capuchinho, formado em Filosofia, Teologia e Jornalismo. Reside em Garibaldi, onde é vigário paroquial e superior da fraternidade

Velho Staffetta Riograndense, adeus!

V Você foi cartilha, catecismo, Bíblia, igreja e escola para muitas gerações

Obrigado, velho Staffetta, tua luta não foi em vão. Muitas sementes foram lançadas na terra. Certamente, muitas delas germinaram. Outras irão germinar

elho Staffetta - centenário Staffetta - carregado de anos e de glórias, nos encontramos pela última vez. Em seguida, tu vais partir. Para mim, será como perder um amigo, mais que amigo, um confidente, um familiar. Foi decidido, tu deves partir. Não há mais lugar para ti. Causa mortis: anemia, não tua, mas de muitos. Talvez você pudesse viver mais, mas aí entram em jogo algumas moedas... Vou sentir muito tua falta. Tua visita semanal era uma festa, um raio de luz. Você me colocava a par de tudo, inclusive de notícias que a mídia sensacionalista despejava sobre nós. Você nos contava de novo os fatos, mas de maneira diferente. Você me colocava a par dos preços agrícolas, dos que haviam morrido aqui no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina ou no Paraná. Você me falava de festas, de enchentes, da praga dos gafanhotos... Você dava uma importância toda especial às notícias da Igreja. Você me informou da eleição e da morte de uma dezena de papas. O primeiro foi Bento XV, em meio a uma Europa em chamas; depois, Pio XI, Pio XII. Com surpresa surgiu o desconhecido Papa bom, João XXIII, o Papa do Concílio. Coube ao seu sucessor - Paulo VI, um papa que não sorria - realizar uma obra monumental ordenando as imensas intuições conciliares. Depois houve a eleição do Papa João Paulo I e - apenas 33 dias depois - sua morte. Após 700 anos, um papa não italiano, o polonês João Paulo II, é eleito, vindo da Cortina de Ferro. A história caminha e o cardeal Ratzinger, um professor, é eleito, assumindo o nome de Bento XVI. Surpresa, espanto, o Papa renuncia e em seu lugar o Conclave busca, “no fim do mundo”, o Papa Francisco, com a doçura de seu protetor e uma coragem profética. Também tu - velho Staffetta - me informavas de política. O Brasil tem um novo presidente, contava em junho de 1909: Nilo Peçanha. E depois, mais 33 presidentes, entre os eleitos, os impostos, depostos, legítimos ou não. Também revelavas as reviravoltas da Segunda Guerra Mundial, com 50 milhões de mortos, 28 milhões de mutilados e prejuízos materiais calculados em um trilhão e 500 bilhões de dólares. Depois, os sinos anunciando a paz, uma paz cheia de crises, com a Terceira Guerra Mundial apavorando a humanidade. Estados Unidos e União Soviética ameaçavam com seu arsenal de bombas, capazes de destruir o planeta Terra sessenta vezes. Em Berlim foi erguido o Muro - símbolo de uma época - que acabou derrubado pelos ventos da liberdade. Muitos custaram a crer, mas o homem chegou à Lua, um coração humano foi transplantado e nasceu um bebê de proveta. Há 100 anos, o Staffetta tinha apenas oito anos e Maria apareceu em Fátima. Mais tarde, a sua imagem peregrinou pelo Brasil, nos ombros dos missionários coordenados por frei Bernardino Vian, que contava aos assinantes as maravilhas de Fátima e suas pombinhas. E o Concílio? Quantas notícias, falsas e verdadeiras. A Igreja caminha para trás, a Igreja caminha para frente... É primavera, é inverno... É o Espírito Santo, é o maligno. Aí veio a missa em português e os padres deixando de lado as tradicionais batinas. Houve um dia especial, em janeiro de 1924, que você me apresentou um novo amigo: Nanetto Pipetta, nascido na Itália e vindo para a Amé-

Aldo Colombo: no dia 10 de outubro de 1979 estreou a coluna Olhar Diferente rica “par catar la cucagna”. Ingênuo e esperto, ele imortalizou a saga da imigração italiana. Já naquele tempo, a miopia estava a postos e, num belo dia, um superior determinou: “L’è ora de finirla con sto Nanetto”. E o pobre morreu - sem extrema-unção - nas águas do rio das Antas. Depois, voltou por obra de Pedro Parenti, mas não era mais o Nanetto original. Ao longo de todo este tempo, Staffetta, quanto bem você semeou! Muitos dos teus textos corriam pelo Brasil, eram copiados, “xerocados”, multiplicados. Artigos viraram livros e muitos universitários utilizaram teus temas e tuas páginas para trabalho de conclusão do curso. Quantos fatos pitorescos em tua história. Numa capela do interior, no domingo à tarde, um menino de dez

anos lia para os adultos, muitos deles analfabetos, as últimas notícias. Um assinante, depois de um dia de trabalho, ao clarão da lua folheava tuas páginas. Outro “sócio” - assim se chamavam os assinantes - guardava os exemplares sobre uma mesa, por ordem de chegada e, nos dias de chuva, lia os primeiros, isto é, os mais antigos. Nada como o jornal de ontem! Você foi cartilha, catecismo, Bíblia, igreja e escola para muitas gerações. Algumas vezes você

também se enganou. Isto faz parte da finitude humana. Mas como dizia o primeiro Editorial: “se um dia tiver de morrer, morrerá católico”. Você parte, Staffetta, mas não será esquecido. Em tuas páginas, um dia, eu contei a história do sino. Numa aldeia de pescadores, numa rocha, bem perto do mar, existia uma pequena igreja, com seu tradicional sino. Ele anunciava os acontecimentos importantes: naufrágios, nascimentos, guerras etc. Numa noite de tempestade, uma onda descomunal levou a igreja e o sino para o fundo do mar. A aldeia ficou órfã e silenciosa. Um dia, um homem, desiludido, resolveu se afogar. Quando as ondas geladas estavam prestes a levá-lo para a morte, ele ouviu o sino tocar. E isto o fez mudar a decisão. Depois, de tempos em tempos, sobretudo nas horas de crise, algumas pessoas escutavam a voz do sino. Ouçam, o sino está tocando. Você parte, Staffetta Staffetta, mas de vez em quando voltará a falar. Quando os Capuchinhos festejam 120 anos de presença no Rio Grande do Sul - com Gratidão, Paixão e Esperança - você silencia. Frei Bruno pensou no jornal como uma página semanal do evangelho às famílias. Esta página - lamentavelmente - rasgada. Guimarães Rosa afirmou: “Os bons não morrem, se encantam”. Você ficará como lembrança, encantamento, de um tempo que não volta mais. E todos nós ficamos mais pobres e silenciosos. Meu abraço comovido à equipe que, em clima de velório, levou o jornal até o fim. Com dignidade. Meu abraço aos assinantes que resistiram até o fim. Choramos juntos. Foi uma herança que passou de pai para filho. Era orgulho da família ser “sócio” do jornal. Valeu a pena a luta de tantos durante tanto tempo? Quem responde é Fernando Pessoa: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena!” Obrigado, velho Staffetta, tua luta não foi em vão. Muitas sementes foram lançadas na terra. Certamente, muitas delas germinaram. Outras irão germinar.


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CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

Talian 9

1909 - 2017

Vita, stòria e fròtole

El ritorno de Nanetto Pipetta (903)

Capirse Cláudio Chiaradia Passo Fundo - RS

P

araria tanto fàssile poder capirse fra gente comune, fra òmini e done normale. Sì, pararia, ma invesse se fa na fadiga granda par inténdarse uno con l´altro e no digo con chi parla na léngoa diversa dela nostra, ndove le létare del alfabeto le ghe ze tute e anca de più dele nostre, ma messe in modo diverso, che par noantri de léngoa latina ze tuto un indovinare. Passiensa! Ghe ze i vocabulari fati aposta par sbroiarli. Ma el difìssile ze quando parlemo fra da noantri, spessialmente se parlemo de polìtica, de schei, de malatie, de religion, insuma, de argomenti che deventa difìssile par la poca disposission che gavemo de ndar d’acordo, de scoltare i altri, de volere e avere sempre rason a costo de lassarghe anca la pel. El difìssile ze quando se parla fra ómini che i fa finta de èssere sordi! Nela Bìblia se parla dela famosa Tore de Babele, che tuti parlava al medèsimo tempo e nessun se capiva; cominsiava la era dele léngoe nove che dopo se gavaria imparà a scola dai pòpoli moderni. Parlar tuti la stessa léngoa no bastaria: no se capiréssimo lo stesso par le tante teste difarente. Ghe saria un linguagio comune a tuti, quel del amore, ma anca quelo ze ndà in disuso; quelo dela comprension, dela pietà umana, dela carità, ma ghenè tanto poca in sti tempi moderni. Adesso se capimo solo col euro, el sporco soldo che verse tute le porte e ne rende mìseri e schiavi del più bel sentimento che dovarìssimo avere: lealtà, sincerità, amore in senso largo, sensa rumore o crìtiche, ne egoismi. Tornando al discorso de no capirse, me desmentegavo de nominare le bèstie che sicuramente le ze manco sorde de noantri umani! Vardemo i can de tute le rasse, spessialmente quei che ga sempre in brasso le signore e che li porta a spasso come se fussi i so fioleti, i barbonsini, i bastardini o le tante rasse esistente che no cognosso, ma anca el caro can domèstico che fa la guardia ai paroni e ala casa: quando more uno dei paroni, dele volte more anca el cagneto dal dolore. Co sti can, i umani ga un diàlogo contìnuo, i se sente capìi, ascoltai, amai, protegesti mèio che dai pròpi amighi e quando fa tanta teneressa e se dise: “Pecà che a sto can ghe manca sol la parola”. Mi, son sicuro che al mondo de là, ghe ze el reparto par ste creature, creade anca lore dal Paron del universo par la felissità dei òmini, sordi al ben e al dolor. Parlemo, dialoghemo tra noantri umani, spessialmente quando restemo soli nela tardia età, non pensemo ai s-chei, ma a tuto quelo che ne ispira la natura che dele volte la ze tanto bela. E femo de tuto par... capirse.

Ilustração Derli Dutra, São José do Ouro (RS)

Maledeta curiosità

N

a roba bela de veder ze el rispeto che tante persone ga per i animai. I ze fioi de Dio anca lori e se i ze a sto mondo ze perché i fa parte del piano del Signor. Ténderghe con passion, no farli tribular, darghe el conforto e el giusto magnar ze robe che no podemo desmentegarse mai se volemo mantegner sia qual sia la bèstia o l’osel. Tuto ntela giusta mesura! Perché ghe ze de quei che ghe tende mèio a na bèstia che a na persona. Anca così no dà! Me vien fastidi quando sento serte persone, più che sia done, che ghe ciama a can e gati “mio fiol”, “mio putel”, “vien qua cola mama...”. Per altra banda, vien su la ràbia quando se vede gente ghe fa le creature de Dio patir tuta la sorte de malegràssie. Le trata con crudeltà. Par mi, i ze pedo che le bèstie!. E no adianta dir che i ze “irassionai”. I sente, i patisse, i ga paùra, i se stressa; e anca i ga passion, i ringràssia, i difente (i can), i obedisse, i manifesta contentessa... Nanetto ze d’acordo co mi. Lu ga tante bèstie e le tende con rispeto. Ghe manca mai de magnar, da bever, de un posto par risgoardarse del fredo, dela piova, dela note... E quando se parla de bèstie, Nanetto ghe piase contarla de na volta che’l

Marcelino Dezen Caxias do Sul - RS

ze ndato te na casa che no’l cognossea, el bate ntel portel, ma nissun lo atende. Alora el verse e portel e el se fa avanti, piampianeto. Co’l riva ntela varanda, el vede un papagal nte na gàbia picada ntela parede e, pena sora, el scrito: “Tento col papagal”. Òspia, ga pensà Nanetto, “gavaralo cossa de spessial che toca ténderse?”. El va pi arente, i se varda e dopo de un tempo, el papagal ghe domanda: “Pàrlitu?”. Nanetto se spaventa cola domanda e el

ghe responde: “Securo che parlo!”. “No stà inrabiarme”, ghe dise el osel. “E cossa sucede se te inràbio?”, ghe domanda Nanetto. “Proa!”, retruca el papagal. Corioso par saver come quela stòria fenia, Nanetto cava el capel e ghe bate su par la gàbia na volta, due, trè... El papagal indrissa su le pene, el da na cifolada e el osa forte: “Pega, pega, Serife!”. Cari da Dio! Nanetto ga savesto suito el perché del “Tento col papagal”. No’l sa de ndove ze vegnesto fora quel cagnasso che parea un vedel, de grando. El ghe ga mostrà na boca piena de denti che parea fin un segot de tanti chel ghinavea. Piampianeto, indrio cul verso la saìda e parlando cola serenità che a quela ora zera possìbile mantegner “calma, Serife, calma”, Nanetto ze rivà arente el portel ma quando’l se ga voltà par vèrserlo el can lo brinca pal tafanàrio e ghe cava un toco dele braghe e anca dele mudande. Sorte che le zera folgade perché senò ndea via anca un bel toco de culata. Nanetto se ga fermà banda de fora a mostrarghe i pugni a quela strània dópia. - Papagal del inferno! Se te ciapo, te cavo le pene e te l’impianto ntel... e te fao de spassadora!”. El papagal ghe fea gnanca caso. “Brao, Serife”, el seitava dirghe al can che, parà via l’intruso, ze ndà butarse zo a l’ombria. A Nanetto ghe ga sobrà ragionar che quei due i zera stati trenai polito par difender la casa e i lo fea ben. Stùpido lu che no ga resistio ala curiosità. La conclusion de Nanetto: “I dise sempre de ténderse dela boca dei can, dei corni del toro e dele peade del mul... e nte sto caso, anca del bec del papagal”.

La mission de Nanetto ze continoar fando le so braùre fora pal mondo Co sta stòria, Nanetto Pipetta finisse la so caminada ntel Correio Riograndense, dopo tanti ani che’l se ga fato presente ntela pàgina del Ritorno. Ga mancà poco che se rivasse ale mila stòrie. Quante de bone, de bele, de fantàstiche; de far rìder e anca piander; de gaver passion, amirassion e anca pecà de sto toso dele volte metesto in imbroiade e vérghene fato arquante a sto mondo. A sto punto dele mila stòrie, me ricordo de Eduardo Grigolo, maestro là a Jundiaí (SP), uno dei scritori del Nanetto, che’l ga dito nte na intrevista fata ntel Correio Riograndense de 20 de genaio del ano passà, che’l ga deciso no leser le stòrie dei altri autori del Ritorno par no far “plàgio” de qualcheduna, ma che le ga meteste via tute par lèserle quando se rivava al nùmero

1.000. Eduardo, caro, adesso te si liberà e te podi lèserle sensa paùra. E adesso? Nanetto morto nantra volta? Nanetto che dise adio par sempre? No se sà! Ma credo che gnanca una dele due opsion, par un sémplice detàlio – Nanetto ze imortal! Un ícone del mondo. Sto personàgio nassesto ntele pàgine del Correio Riograndense a più de novanta ani, se ghe toca morir, sarà sempre provisoriamente, perché el suo destino sarà ndar par el mondo fando le so braùre. “Par Nanetto, cosa saria la vita se no la fusse per far braùre? Risponder, lu no savaria, perché el ga portà vanti tuta la so vita fando braùre. E se pol dir che la pi grande braùra ze far dela vita na braùra”, me ga scrito el saudoso frate Rovìlio Costa quando mi go scominsià a scriver par el Ritorno a diese ani indrio.

Eco la mission de Nanetto: continoar fando le so braùre fora pal mondo e piantar radise nela memòria de tuti quei che ghe piase de sto personàgio, fin perché, come disea frate Rovìlio, ghe ze un Nanetto rento de cada un de noantri. Eco, alora! Mi, Marcelino Dezen, come el autore dela ùltima stòria de Nanetto del Correio Riograndense e editore dele 903 stòrie, vui far un omàgio a tuti quei che se ga fato presenti te questo spàssio, tanto prestigià e privilegià. No mensono tuti, ma no posso assar fora Pedro Parenti, che ga tacà questa longa saga; frate Moacir Molon, el visionàrio insentivador; e el Derli Dutra, el omo dele sempre bele ilustrassion (lesi ala pàgina 12). Gràssie a tuti! Riverdersi!


CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias d

CR

Retrospe

10

1909 - 2017

# 108 ANOS

Trajetória marcada po

E

m 108 anos, o Correio Riograndense experimentou de tudo: conflitos e calmaria, rivalidades políticas e clericais, aceitação e rejeição, troca de proprietários e de sedes, carência e pujança tecnológica, adaptação de conteúdos. Enfrentou todas as grandes crises do século XX e adentrou neste tentando encontrar seu

1909

lugar e definir seu perfil no ambiente das novas mídias digitais, diante das quais agora o impresso sai de cena. Na longa trajetória, o jornal jamais perdeu o sentido da caminhada, traçado em seu primeiro editorial. Para gerações inteiras foi cartilha e evangelho, concretizando, por mais de um século, o sonho de frei Bruno de Gillonnay.

- 13/02/1909: fundação do jornal, batizado de La Libertá. Impresso em uma impressora do tipo Marioni, utilizada até 1934

1965 1921 - 07/04/21: muda a grafia do nome do jornal, Stafetta Riograndense

1910 - 12/03/10: periódico passa a ser chamado de Il Colono Italiano

1927 - 07/09/27: novo logotipo do agora La Staffetta Riograndense

1964 - 26/02/64: mais uma vez, muda o logotipo e a grafia do nome do jornal. Nesta época, era impresso em uma Rotoplana (1946 a 1970)

- 10/02/65: jornal altera novamente o logotipo, assemelhando-se ao das décadas de 40 e 50

1970

1941

1946

1917 1917 - 19/07/17: o nome do jornal passa a ser impresso todo em letras maiúsculas

- 05/07/17: o nome do jornal muda novamente, Staffetta Rio-Grandense

DIRETORES

1904

1909 - 1917 - 13/02/1909: padre Carmine Fasulo, então pároco de Caxias do Sul, fundou o La Libertá - 05/05 a 30/11/09: padre Francisco Baldassarre

1904: frei Bruno de Gillonay, chefe da missão capuchinha no RS, foi o idealizador do jornal

- 04/12/09: padre Carmine Fasulo - 27/12/09 a 12/04/17: padre Giovanni Fronchetti

- 10/09/41: jornal assume o nome Correio Riograndense. Impresso em uma Planeta, desde meados de 1934 até 1946

1917 - 1929

- 24/07/46: muda a grafia de Correio Rio-Grandense

1929 - 1933

- 20/04 a 21/06/17: Agostinho Mazzini

1933 - 1942

1943 - 1950

- 11/01/33 a 05/07/33: José Lorenzi

- 13/01/43 a 26/12/4 Antonio Francisco Bianchi

- 12/07/33 a 09/01/35: João Batista Francio

- 05/07/17 a 21/09/21: capuchinhos assumem oficialmente o jornal, que circula sem o nome de um diretor - 28/09/21 a 24/04/29: José Lorenzi

- 30/05/70: primeira edição em formato tabloide e impressa numa Rotativa Offset Goss Community. Nova tecnologia oferece diagramação mais elaborada e possibilidade de uso de uma segunda cor em algumas páginas. Muda novamente o logotipo, que ganha formato “box”. A nova impressora foi usada até 14 de dezembro de 1994, quando a impressão do jornal foi terceirizada

- 16/01/35 a 01/06/38: Julio Bampi

01/05/29 a 04/01/33: Julio Bampi (Dom Cândido)

- 02/01/46 a 09/01/4 Luís Marin

- 08/06/38 a 11/02/42: Humberto Cherubini

- 16/01/46 a 27/03/ Antonio Francisco Bianchi

- 18/02/42 a 30/12/42: João Batista Francio

- 03/04/46 a 14/06/ Luís Marin


axias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

spectiva

11

CR

1909 - 2017

por mudanças e adaptações SEDES

13/02/09 - 14/01/10

15/01/1910 a 28/05/1952

04/06/1952 a 12/1998

12/1998 a 08/02/2017

GARIBALDI

CAXIAS DO SUL: Bairro Rio Branco

CAXIAS DO SUL: Desvio Rizzo

1995

2014

CAXIAS DO SUL

1994 - 20/04/94: aos 85 anos, reformulação gráfica apoiada pela atualização da pauta editorial e pela editoração eletrônica. Logotipo volta a ter formato horizontal

- 22/02/95: jornal passou a usar policromia (fotos coloridas)

2015

- 12/02/14: ao completar 105 anos, o jornal muda o logotipo, acrescentando a abreviação CR

- 11/02/15: edição número 5.432 apresenta novo projeto gráfico e atualização editorial

2017 - 08/02/17: última edição do Correio Riograndense

2008 1984 - 25/04/84: edição comemorativa dos 75 anos do jornal

1950

1950 - 1953

26/12/45: ancisco hi

1953 - 1965

2015

2009 - 24/06/09: edição comemorativa ao centenário do jornal, com 100 páginas

1965 - 1980

- 25/11/15: jornal passa a ser impresso totalmente em cores

1980 - 2004

2004 - 2012

2012 - 2017

02/04/80 a 20/10/2004: Moacir Pedro Molon

27/10/04 a 14/03/12: Aldo Colombo

21/03/12 a 08/02/17: João Carlos Romanini

- 25/03/53 a 19/06/57: - 27/01/65 a 07/02/68: Adelar Santos Vicenzi Luiz A. Lucchese - 14/02/68 a 19/03/69: Raymundo Simoneto - 26/03/69 a 20/05/70: - 26/02/64 a 29/07/64: Olimpio Santin Hélvio Remussi - 30/05/70 a 06/02/80: - 05/08/64 a 20/01/65: Décio Osmar Bombassaro - 13/02/80 a 26/03/80: Décio Dutra (redator-chefe) Aldo Colombo - 26/06/57 a 19/02/64: Gaudêncio Veronese

09/01/46: arin

27/03/46: ancisco hi

14/06/50: arin

- 29/10/2008: antecipando a celebração pelos 100 anos de circulação, o Correio Riograndense muda seu projeto gráfico, o que inclui novo logotipo e mais páginas coloridas

21/06/50 a 18/03/53: Herminio Tondello (Frei Ambrósio)


CR

CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

Cultura 12

1909 - 2017

# ÍCONE DA IMIGRAÇÃO

Nanetto Pipetta, cidadão do mundo Personagem nascido nas páginas do Correio Riograndense em 23 de janeiro de 1924 torna-se imortal

uma expressiva tiragem – ao que consta, 15 mil exemplares. A procura foi intensa. Os textos agora vinham acompanhados de ilustrações, feitas a canivete sobre chumbo por frei Gentil de Caravaggio (Fortunato Giacomel, 1885-1953). Nas edições posteriores, foram acrescentados desenhos de frei Osvaldo de Passo Fundo (Paulo Jacques). Foram exatas dez edições, a última delas histórica, em seis línguas (italiano, talian, português, espanhol, francês e hunrück-alemão), lançada em 2009, comemorativa aos 100 anos do Correio Riograndense.

El ritorno – Na edição comemorativa, de 2009, no prefácio, frei Aldo Colombo destaca que, por ter nascido duas vezes (uma na Itália e outra nas páginas do CR em 1924), Nanetto ganhou o privilégio da imortalidade. Isso não apenas é verdade como,

para garantir sua eternidade no panteão da história, Nanetto nasceu uma terceira vez. Foi no dia 19 de fevereiro de 1999, 74 anos depois de sua “morte provisória”, quando o jornal iniciou a publicação do seriado El Ritorno de Nanetto Pipetta. A coluna foi uma feliz iniciativa do ator, escritor e advogado Pedro Parenti (1951-2000) que, inconformado com o final do seriado, “ressuscitou” o personagem trazendo-o de volta às páginas do Correio Riograndense. Frei Moacir Molon, então diretor do jornal e artífice do retorno do Nanetto ao CR, conta como tudo começou. “Durante um coquetel com o grupo Mìseri Coloni, que retornara da Itália onde realizara diversas apresentações da peça Nanetto Pipetta, Pedro Parenti, que encarnava o personagem, me falou que num programa da Rádio Diplomata, de São Marcos, ele contava his-

Redenção: Pedro Parenti, responsável pelo “ritorno” e Henrique Iotti

tórias do Nanetto, mantendo suas características, mas vivendo cenas novas. “E pò, lo go fato viver ncora’, me disse o ator”. Vislumbrando o potencial para uma grande retomada no CR, Molon propôs a Parenti: “Então, vamos ressuscitá-lo!”, e pediu que escrevesse alguns capítulos e os enviasse. Frei Moacir ficou impressionado com a qualidade dos textos, das tramas e da verossimilidade das histórias que logo criou o seriado El Ritorno de Nanetto Pipetta. Por quase dois anos, Nanetto continuou em busca da cucagna, com histórias inéditas, no mesmo formato e linguagem iniciais – em capítulos semanais e no dialeto vêneto. E o mais importante: com o personagem sem perder sua espontaneidade, sua simplicidade, sua franqueza e sua honesta ignorância, protagonizando situações próprias do final do século XX e com as ilustrações sempre irreverentes de Carlos Henrique Iotti, criador do personagem Radicci e outros tantos. Porém, depois de 90 capítulos, Pedro Parenti faleceu prematuramente no dia 3 de novembro de 2000, aos 49 anos, interrompendo mais uma vez a saga do simpático anti-herói. Rovílio Costa - Desta vez, porém, Nanetto não permaneceria tanto tempo longe de seus admiradores. Em 14 de fevereiro de 2001, para marcar os 92 anos do CR, a coluna El ritorno voltou às páginas do jornal, desta vez aberta à participação de voluntários, convidados por frei Rovílio Costa a escrever novas histórias para o personagem. A coluna passou a ser sustentada pela contribuição de diversos autores, iniciando por Silvino Santin, de Santa Maria; depois Antônio Martelini (Porto Alegre), Valter Baggio (Vila Maria), Eduardo Grígolo (Jundiaí-SP), Rafael Baldissera (Curitiba-PR), Antônio Baggio (Porto Alegre), Sérgio Ângelo Grando (Porto Alegre), Ivo Dal Moro (Foz do Iguaçu-PR), Mário Gardelin (Caxias do Sul), Luiz Bavaresco (Nova Prata) e Marcelino Carlos Dezen (Caxias do Sul). E contou até com uma contribuição de um italiano de Rovereto, Trento, Itália – Maurízio Perottoni. Desta forma, pelas mãos de diversos escritores, o personagem se manteve vivo no Correio Riograndense até o dia de hoje (através de Eduardo Grígolo e Marcelino Dezen), com a publicação

de uma série de cinco capítulos cada autor e com ilustrações, desde 2005, de Derli Dutra, de São José do Ouro. Imortal - No dia 19 deste mês a coluna completaria 17 anos de publicações, praticamente ininterruptas. Quiçá, a ambição de chegar à história de número 1.000 da coluna El ritorno de Nanetto Pipetta no Correio Riograndense jamais se concretize, mas chegou muito perto – foram 903. Alguns dos autores agruparam os textos em livros, como ocorreu com os de Pedro Parenti, Eduardo Grígolo, Rafael Baldissera, Antônio Baggio e Mário Gardelin. E outros o farão. E agora, com o fim do Correio Riograndense, Nanetto Pipetta volta a morrer, não mais Ilustração Derli Dutra/CR

Terra estranha: Nanetto junto a uma “planta de salames” (bananeira)

Luiz Chaves/Div./CR

Simpatia - Desgostoso com a decisão, frei Aquiles encerrou o seriado na edição de 18 de fevereiro de 1925, com o Nanetto se afogando no rio das Antas. Mas apesar da curta vida do personagem, ele havia conquistado tamanha simpatia que os leitores não o esqueceram e pediam para que o jornal continuasse sua história. A solução encontrada foi agrupar os textos no livro “Vita e stòria de Nanetto Pipetta – nassuo in Itàlia e vegnudo in Mèrica per catare la cucagna”. Em 1937 saiu a primeira edição, com

Ilustração Osvlaldo Jacques/CR

O

personagem que virou ícone da imigração italiana no Sul do país completou, na segunda-feira 23 de janeiro, 93 anos. Nanetto Pipetta nasceu no dia 23 de janeiro de 1924, pelas mãos do frei capuchinho Aquiles Bernardi, o frei Paulino de Caxias. O seriado foi lançado no Correio Riograndense às vésperas da comemoração dos 50 anos da chegada dos primeiros imigrantes italianos no Rio Grande do Sul, em 1875. Nanetto, um jovem que saiu da Itália em busca da cucagna na América, personifica os sonhos de todos os imigrantes que deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor. As histórias do Nanetto, contadas por frei Aquiles, retratavam com fidelidade a adaptação dos imigrantes à nova terra, uma região desconhecida, selvagem, mas que foi desbravada pela coragem e vontade dos colonizadores de iniciar, longe de sua pátria, uma nova vida, uma nova epopeia, uma nova história, livre, independente e mais promissora do que aquela que a Itália lhes oferecia. Ou como dizia o bem-aventurado João Batista Scalabrini (18391905), o apóstolo dos milhões de italianos forçados a deixar sua terra natal para não morrerem de fome, “para o migrante, a pátria é a terra que lhe dá o pão”. Contadas com simplicidade e humor, as histórias, aventuras e infortúnios do Nanetto logo conquistaram os leitores, que se identificavam nos sonhos e esperanças daquele ingênuo anti-herói. Publicadas semanalmente no CR, sempre em Talian, as histórias de Nanetto Pipetta duraram apenas um ano. Frei Bernardo de Puygros, capuchinho francês então diretor do jornal, apesar do sucesso do personagem, preferia publicar, em italiano, as aventuras de Robinson Crusoé no lugar do Nanetto.

Nanetto: ícone da imigração provisoriamente, mas em definitivo? Certamente, não! Por uma simples razão – Nanetto já é IMORTAL, ou como afirma a historiadora e pesquisadora Cleodes Piazza, é o “eterno” anti-herói. Ele estará sempre presente nas comunidades do interior, nas empresas, nas associações italianas e entidades que valorizam o Talian, nos diversos livros publicados; nos trabalhados acadêmicos sobre o CR que, necessariamente, farão menção a este personagem que já é marca do jornal; nas peças teatrais, no linguajar coloquial dos descendentes de italianos que utilizam cotidianamente a expressão “te si pròpio un Nanetto” (Tu és mesmo um Nanetto), mas principalmente porque, como dizia frei Rovílio Costa “in ogniuno de noantri ghe ze sconto un Nanetto” (Dentro de cada um de nós há escondido um Nanetto).


CR

CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

Cultura 13

1909 - 2017

Moacir Pedro Molon/Correio Riograndense

Nanetto Pipetta, ícone que encarna a história de um povo Texto de Cleodes Piazza* Caxias do Sul - RS

N

o dia 23 de janeiro de 1924, na Tipografia Staffeta Riograndense de Garibaldi, tem início a publicação da saga VITA E STÓRIA DE NANETTO PIPETTA, nassuo in Italia e vegnudo in Mèrica per catare la cuccagna (Vida e história de Nanetto Pipetta que nasceu na Itália e veio para a América em busca da cocanha). Na primeira página daquela publicação, o autor, Aquiles Bernardi, informa: “Duas palavras pra gente se entender”. Faz, então, uma espécie de conversa com o leitor onde, além de afiançar que a história é genuína, o narrador ainda diz que os que a lerem ficarão contentes e os outros nada saberão de tudo o que será dito. Diz mais, que a ele, narrador, não lhe desagrada que alguém ache graça e, se alguém se comover, que fique à vontade. Está definido, pois, o tom que deverá predominar em toda a narrativa: um permanente estado de humor que justifica uma das suas principais funções: o entretenimento. Na base de cada episódio está um elemento que provoca o riso. A popularidade de Nanetto se deu, em grande parte, pela presença desse elemento de comédia que serviu para satisfazer a vontade de rir do povo. Em que pese a primitiva forma impressa, a oralidade é que incorporou a persona em Nanetto Pipetta à tradição das stórie dell’Amèrica e della cucagna. Com isso podemos dizer que o ciclo da Vita e Stória de Nanetto Pipetta foi cumprido num processo inverso ao que se dá com a literatura de inspiração popular que, recolhida da tradição oral, ganha foro de obra impressa. É, pois, oportuno considerar que se a presença do jornal cria as condições materiais para a divulgação das histórias, os ouvintes oferecem as condições necessárias para que ele se torne um texto oral. Aliás, o próprio narrador, desde logo, anuncia aos seus leitores que a história será contada numa sucessão de quadros: la storia la spartimo in tocchi che ciamaremo Capítoli, e quando un Capítolo ze finio ghin cápita nantro, e sempre cosi (partimos a história em pedaços, que vamos chamar de capítulos e, quando um capítulo termina, começa outro, e assim por diante). Além do que foi dito, é importante conhecermos também os dados essenciais da própria história e do nosso personagem. Nanetto Pipetta é um jovem camponês, um contadino. Vive numa comunidade rural do Vê-

ça, não os entendo eles). Após alguns percalços cômicos entra clandestinamente no navio que o transportará para a América. Aqui chegando, continuará incansavelmente à procura da cuccagna. Será sempre um itinerante à procura do eldorado. Essa busca contínua, no desdobrar das caminhadas do personagem, forma uma correlação com o próprio texto: o tema-base é a procura da cuccagna, procura essa que não se encerra jamais. Os episódios narrando as aventuras de Nanetto Pipetta, escritos numa mescla de dialetos do tipo vêneto, com arremedos do cremonês, lombardo e, ainda, de expressões aportuguesadas, se converteram em stórie, ou seja, se transformaram em fábulas que foram transmitidas oralmente ao universo das antigas colônias e alcançado, hoje, por apreciadas expressões da cultura popular.

Um patrimônio cultural

Tributo: Cleodes Piazza e Nanetto Pipetta, homenageados no desfile da Festa da Uva de 2016 neto onde a imagem da América já atrai levas de italianos. Pelas suas traquinagens é ameaçado de ser enviado para a América na esperança que fassi un poco de giudíssio (crie um pouco de juízo). A imagem da América passa

então a inquietá-lo: La Mèrica, cossa sarala sta Mèrica, che la sípia na gran cuccagna... Mi digo de sí ... La Mèrica, mi digo, che la gà da essere un brolo pien de grassie del Signore (a Amé-

rica que coisa será essa Amé- ção é logo paradigmático — já rica… Talvez seja uma grande lhe parece ser a América: os cocanha… Eu acho que sim!... A América eu acho que deve ser

um pomar cheio das graças do Senhor). E decide partir. Faz a caminhada até Veneza de onde saem os trens que transportam os imigrantes até o porto de Gênova. Gênova — e o cômico da situa-

genoveses falam a língua italiana, ao contrário de Nanetto que só se expressa no dialeto de sua aldeia. Eles não o entendem, nem ele entende os genoveses: “Se sti mericani dell´osteria i me capisse almanco!... Ma che speransa!... I parla ne la lengua, che no li capisso gnanca mi, no li capisso” (Se esses americanos da hospedaria ao menos me entendessem!... Mas, que esperan-

No dia 23 de janeiro de 2017, o Correio Riograndense e seus leitores celebraram os 93 anos da primeira edição do então Staffeta Riograndense, no qual foi publicado o primeiro capítulo de “Vita e Stória de Nanetto Pipetta nassuo in Itália e vegnudo in Mèrica per catare la cuccagna” (Vida e história de Nanetto Pipetta que nasceu na Itália e veio para a América em busca da cocanha). A seu modo, as histórias de Nanetto Pipetta contaram quem somos, descobriram nossas raízes, nossos usos e costumes, nos divertiram e nos emocionaram. Em síntese, nos fizeram companhia ao longo dos anos atualizando histórias com novas versões - na série El Ritorno de Nanetto Pippetta, já no capítulo de número 903 - e ocupando seu espaço, como sempre, na página que lhe coube no Correio Riograndense, que com esta edição de número (5.532) encerra sua trajetória e deixa de circular como jornal impresso após 108 anos. Continuaremos leitores e logo, logo, faremos a grande festa do centenário de “Vita e Stória de Nanetto Pipetta que nasceu na Itália e veio para a América em busca da cocanha!” Até breve. * Cleodes Maria Piazza Julio Ribeiro Historiadora, antropóloga, professora, escritora e pesquisadora


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CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

Cultura 14

1909 - 2017

Leitores do CR perdem uma janela para o mundo Rosângela Longui/Div/CR

Texto de Giorgia Miazzo*

Carmignano di Brenta, Pádua, Itália

O

Cucagna - Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e até Espírito Santo e Minas Gerais são os lugares que propiciaram um futuro e a esperança a muitos que acreditaram ter encontrado a Mèrica e a cucagna em terras acidentadas e desconhecidas. Saíam do porto de Gênova, com destino à Mèrica. Em poucas semanas as pessoas pisavam no novo mundo e eram destinadas a terras virgens e desconhecidas e, então, sozinhas e receosas, muitas vezes perdiam as palavras e a esperança. Neste contexto, o Correio Riograndense adquiria um valor único e inestimável, escrevendo crônicas da Itália, histórias e informações úteis para aqueles que tinham chegado ao Brasil. Muitas vezes, publicava a lista de casamentos, os batizados e os funerais, informações que não havia como fazer chegar às pessoas a não ser pelo jornal, devido às grandes distâncias. Essas eram lidas e compartilhadas em torno de um fogon, em alguma remota linha ou colônia. Eram informações lentas e sofridas, que carregavam o peso de cada passo, nos caminhos da floresta ou das corridas feitas para relatar à família que aquele pa-

Arquivo Pessoal/CR

Preservação: jornal ajudou a manter a história viva e forte, depois de 140 anos da imigração italiana ao RS

Gastronomia: Giorgia fazendo polenta, num evento em Concórdia Divulgação/CR

fenômeno da língua taliana o conheci quando vivi no Brasil, chegando da Itália, cerca de 10 anos para estudar e fazer pesquisas, que tiveram como resultado o projeto Cantando em Talian, uma pesquisa realizada na Itália e no Brasil, em relação ao fenômeno da imigração do Norte da Itália e do patrimônio cultural do povo oriundo em novas terras brasileiras. Meus livros Cantando in Talian e Descobrindo o Talian relatam a tradição, os usos, os costumes, a música, as canções e especialmente a língua, que ainda constituem o fio condutor entre as migrações do século XIX e as novas gerações de descendentes. Esta pesquisa propõe-se a valorizar e promover a cultura e a história talianas, que nunca tiveram espaço nas escolas e nos livros didáticos. Senti a necessidade de recolher os testemunhos e as experiências das pessoas que tive a sorte de conhecer na Itália e no Brasil, com o objetivo de criar uma ponte entre os dois mundos. É incrível ver ainda hoje, após todos esses anos, o amor que bate nas comunidades ítalo-brasileiras pela terra natal dos antepassados. As palavras, as músicas, as canções e as emissões radiofônicas são veículos extraordinários para a transmissão de valores, riquezas culturais que construíram o sul do Brasil.

Carteado: descendentes de italianos herdaram o gosto pelo jogo rente distante, do qual ninguém sabia nada, estava ainda vivo. Palavras que enchiam o coração e a alma, linhas que alegravam aos sortudos que dominavam a leitura, letras que as pessoas tentavam capturar dos lábios de quem as liam, com o desejo de saber e poder, por um momento, sair da roça, do vale, dos locais de duro trabalho e cotidiano esforço. O Correio Riograndense sempre uniu as comunidades italianas distantes, integrando-as

num território muito amplo e oferecendo-lhes uma identidade comum, unindo-as, amarrandoas às suas raízes. A linguagem utilizada era frequentemente o Talian, idioma formado graças à herança que os imigrantes trouxeram com suas bagagens, tesouro único e profundo. Em casa - Um jornal que descobri com alegria, surpresa e íntima emoção nos anos em que estava hospedada na casa de uma senhora que me mostrava

com orgulho as páginas dedicadas ao Talian. Um fenômeno que não conhecia ainda plenamente, mas que capturou meu coração e me fez sentir em casa, depois de vários meses ouvindo e falando unicamente o português. Adorava ler as histórias contadas no jornal, tanto que toda semana recortava as páginas para preservá-las e trazê-las para a Itália e torná-las conhecidas às pessoas mais queridas; mostrá-las aos meus conterrâneos e informá-los de uma realidade conhecida só nas famílias que tinham enfrentado diretamente o fenômeno da emigração. O CR apresentava notícias sobre a comunidade, a religião, os costumes e as tradições, escritas de forma clara e, muitas vezes, com termos já esquecidos ou em desuso na Itália. Essas palavras tocavam minha alma, porque me lembravam dos dias passados no colo de minha avó, a ouvir histórias e rimas que abriam os olhos ao mundo de uma criança curiosa. Acompanhavam-me as músicas de Mamma Mia e Vecchio Scarpone que minha avó cantarolava continuamente e enchiam os silêncios da vida cotidiana e de meu coração terno. Encantavam-me os refrões daquelas músicas populares, que ecoavam na sala onde ela costurava todos os dias e me apaixonava daquele mundo doce e sincero, que depois encontrei nas famílias no Brasil. História viva - O Correio Riograndense fala de famílias e comunidades, dando voz ao emigrante, a sua história e à bagagem cultural e imaterial que trouxe com ele durante as viagens e a estabilização no Brasil. Para o imigrante que só ouvia a língua local, ler o CR significava viver um momento de grande liberdade, e por um tempo se sentia perto da terra natal. O jornal, além de um belo trabalho sobre a identidade e a cultura da imigra-

ção, conseguiu comover muitos italianos do velho continente, mostrando-lhes como nossa história consegue permanecer ainda viva e forte depois de 140 anos e 12 mil quilômetros de distância, derrubando o muro do tempo e do espaço com a força do amor pelas raízes e origens. Um jornal local pioneiro no acompanhar muitas pessoas dispersas, revolucionário em oferecer informações na língua de quem chegava de fora, engraçado em aliviar os espíritos (e aqui se insere a figura do Nanetto Pipetta, ícone da imigração) e se necessário capaz de tomar suas defesas, ao informá-los sobre os direitos e, no período da guerra, conclamar muitos imigrantes para ajudar sua terra natal. Demonstrou grande sensibilidade pelo leitor, que muitas vezes era também um escritor e protagonista de sua história, tornando-se hábil em expressar seu pensamento através das ciàcole da vida cotidiana. Representou liberdade de expressão, contando ao nosso povo a vida, a história, a força e a fragilidade da epopeia das grandes migrações. Voz que cala - Hoje o Correio Riograndense deixa de emocionar nosso coração e os leitores perdem uma janela para o mundo, sua voz apaga-se para sempre e, por conseguinte, encerra também o contato com a sua comunidade. É um momento doloroso e é difícil aceitar o seu encerramento. Abandonar o que se ama profundamente e ao que muitos dedicaram uma vida inteira, abre uma ferida profunda difícil de curar, consciente de perder uma voz sincera e um grande presente que acompanhou a identidade, a dignidade, o sofrimento e as alegrias de uma imensa comunidade imigrante. Fica a esperança de que todos os talianos, conscientes do valor deste jornal, possam evitar o vazio que ameaça deixar um silêncio ensurdecedor e remover uma voz tão significativa. * Giorgia Miazzo Nasceu em Pádua, Itália, é professora, intérprete, escritora e jornalista. Além de vários artigos em jornais e revistas na Itália e no exterior, escreveu os seguintes livros: Cantando in talian. Imparar el talian co la mùsica, 2014; Descobrindo o talian. Viagem só de ida para Mèrica (em italiano e português), 2014, 2015; I miei occhi hanno visto. Storie di sguardi ed emozioni di viaggiatori e migranti, 2015; Le grandi migrazioni. Dal nord Italia al Brasile, 2016. Contatos com a pesquisadora italiana pelo e-mail: giorgiamiazzo@gmail.com; site: www.giorgiamiazzo.com; facebook: Giorgia Miazzo Cavinato; whatsapp: +39 3936511212


CR

CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

Cultura 15

1909 - 2017

Fim da saga do Correio Riograndense em papel Fotos CR

Texto de Loraine Slomp* Caxias do Sul - RS

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ão há nada mais triste do que um necrológio. É como jogar uma pá de terra sobre o caixão de um ente querido, um gesto que marca o fim de uma vida. O encerramento do Correio Riograndense em sua versão em papel é precisamente isto: o fim de uma época. O Correio Riograndense é um dos mais antigos e respeitados jornais em circulação no Rio Grande do Sul e no Brasil. Foi o segundo jornal a circular em Caxias do Sul, tendo completado seu centenário em 2009. Com 108 anos de fundação, sua história é tão longa quanto sua importância regional. Ele foi fundado com o nome de La Libertá, em 13 de fevereiro de 1909, no município, por Dom Carmine Fasulo. Transferido para Garibaldi, tomou o nome de Il Colono Italiano, alterado depois para Stafetta Riograndense. Em 1921, passou à direção dos padres capuchinhos. Com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os jornais foram obrigados a se adaptar à exigência governamental de que circulassem em língua portuguesa. Em 10 de setembro de 1941 seu nome foi traduzido para Correio Riograndense. Durante a guerra, o jornal não teve cortada sua cota de papel, o que aconteceu com outros jornais brasileiros, já que o papel destinado à sua publicação era importado. No período da guerra, o jornal chegou até a aumentar sua circulação. Em 1952, sua redação e gráfica foram transferidas para Caxias do Sul, onde funciona até hoje. Desde o início, o Correio Riograndense destinava-se aos agricultores de origem italiana que viviam na zona rural dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. Seu conteúdo e distribuição de seções se mantiveram inalterados nos últimos 50 anos, sendo fundamentalmente ligados à cultura dos imigrantes italianos que povoaram esses estados. De minha infância, guardo a lembrança da presença do Correio Riograndense nas casas de meus avós e de meus tios. Segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e o Mídia Dados, no Brasil circulam cerca de 4.000 jornais. Destes, apenas 27 têm 100 anos de atividades ininterruptas. O Correio Riograndense é o 26º mais antigo do Brasil e o quinto do estado do Rio Grande do Sul. Sempre foi um semanário. Nos últimos anos, contou com uma

Laços: as mãos que fizeram o jornal e aquelas que o seguraram para lê-lo estabelecem profunda convivência

Expedição: com o fim da edição impressa do Correio Riograndense morre também um tempo e um modo de vida tiragem de 12 mil exemplares. Sua linha editorial tem sido a mesma no decorrer do tempo, apenas modernizando sua forma. Ela se se baseia nos seguintes termos: “[...] seu compromisso de manter-se irredutível na defesa dos valores éticos e morais; de seguir estimulando a construção de relações comunitárias; de continuar apoiando quem produz na luta por uma recompensa justa e por uma merecida qualidade de vida; de contribuir para sedimentar com a generosidade, a tolerância, a fraternidade, a fé e o amor ao próximo as bases da família cristã e de uma sociedade sadia”. O semanário, ao longo de sua história, tem servido como fonte de pesquisa. Uma dessas

pesquisas revelou que pelo tipo de reportagem apresentado seu interesse estava voltado à população rural, já que grande parte de suas informações referiam-se às condições climáticas, organização e orientação das atividades da agricultura e pecuária. Desde sua criação, mantém seções como informações, abordando de forma cosmopolita temas mundiais, nacionais e regionais; artigos de opinião, voltados a assuntos mundiais, nacionais e regionais; saúde, com dicas de tratamentos naturais; agronegócio e agroeconomia; imigração; catolicismo, Igreja e a visão franciscana do mundo e da fé. O CR trazia informações úteis, como cuidar da horta e como garantir uma alimentação

saudável e variada para a família. Também indicava remédios caseiros para doenças comuns. Até a década de 1960, manteve sua impressão em quatro páginas. Nas ocasiões festivas, era excepcionalmente publicado com páginas adicionais. Apesar da constante mudança no layout, observada a cada cinco anos, manteve até a década de 1960 uma página inteira para assuntos mundiais e outra para assuntos religiosos. Minha tese de doutorado, que resultou na obra "As sombras do Littorio - o fascismo no RS", baseou-se entre outras fontes nas edições da Stafetta Riograndense e do Correio Riograndense no período compreendido entre 1922 e 1942, fontes que estão preservadas

no riquíssimo e bem organizado arquivo do semanário. Sem o auxílio do jornal, não teria sido possível reconstruir aqueles tempos e eventos que marcaram toda uma época. Naqueles tempos, o jornal era pequeno e seu papel, seco e quebradiço. Até hoje me lembro do ruído quando virava as páginas dos jornais muito bem encadernados quando realizei minhas pesquisas. O fato de deixar de circular em papel significa uma mudança mais profunda do que se pode supor. A internet pode garantir a redução de custos e até um aumento de leitores, mas quebra o laço que liga o leitor com o objeto que é o jornal. Nenhum pesquisador do futuro poderá saber a cor dos jornais, o cheiro da tinta de impressão e a certeza que ele havia passado por outras mãos. Esta comunhão deixa de existir com os jornais virtuais. As mãos que fizeram o jornal e aquelas que o seguraram para lê-lo estabelecem laços profundos de convivência. Laços que se estabelecem entre os jornalistas e leitores, entre os leitores e os futuros leitores. Ora, isso nenhum jornal virtual poderá proporcionar. Num tempo em que a grande imprensa tem-se vendido abertamente aos interesses do grande capital, como observou o pensador americano Noam Chomsky, ela “pode causar mais danos que a bomba atômica. E deixar cicatrizes no cérebro.” Foi essa situação incômoda que os leitores vivenciaram na grande imprensa durante o annus horribilis de 2016 – que marca a história da imprensa brasileira com o adeus ao papel do Correio Riograndense. É pena que permaneça viva e circulando em papel “uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta que forma um público tão vil como ela mesma”, no dizer do jornalista americano Joseph Pulitzer. E que deixe de circular de mão em mão, de lar em lar, um jornal como o Correio Riograndense, que traz análises, informações verificadas e úteis. Com ele, morre um tempo e um modo de vida. Resta a esperança de que seus valores, sua reputação e seu jornalismo de alta qualidade migrem intactos para o mundo digital. * Loraine Slomp

Giron

Professora, historiadora, pesquisadora e escritora


CR

CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

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Agricultura 16

1909 - 2017

COLONIZAÇÃO

Correio Riograndense conduz trajetória da agricultura familiar

Centenário, o jornal, como meio de comunicação, ligou entre si as velhas e as novas colônias Divulgação/CR

Texto de Dinarte Belato* Ijuí - RS

O

Paraná: novo ciclo da agricultura é a produção orgânica, aproveitando recursos da própria propriedade Uruguai até Buenos Aires e, de lá, para os mercados dos Estados Unidos e Europa. Para melhor entendermos como o jornal organizava o “aconselhamento” dos colonos, tomamos como exemplo a produção de uvas e vinhos, cultura importante para um grande número de colonos nas colônias velhas e novas. Os “conselhos” diziam respeito ao solo adequado para o cultivo da parreira, que deveria ser seco, pedregoso e com inclinação de colina, jamais na planície (7.1.1911); os parreirais devem ser implantados com orientação solar norteleste, jamais sul (4.2.11); ao uso dos insumos químicos (sulfato de rame e cal) para o tratamento das doenças das parreiras (poronospora) e também das batateiras e tomateiros (7.1.1911). A coluna “Conhecimentos Úteis” indicava aos colonos como deveriam acondicionar o vinho em recipientes adequados e devidamente higienizados. Orientava-os também nos procedimentos para fazer “i secondi vini ou vineto” e controlar a doença chamada “la fioretta” (11.03.1911). Na coluna “Interessi dei Coloni”, de 2.02.11, o jornal denuncia a prática de falsificação do vinho: “... dentro (das cantinas), ao longo do ano, se manipula e se fabrica por inteiro (sem uvas) o vinho” e isto prejudica profundamente os viticultores e os consumidores. O jornal apela ao governo para que puna severamente os falsificadores (25.02.11). Esse tipo de denúncia repetir-se-á, periodicamente, até a década de 1970,

quando os mecanismos de controle tornaram-se mais eficazes. Em Garibaldi, de 23 a 25 de março de 1913, foi promovida a primeira exposição de uva do município. O que chama a atenção é que foram expostas 34 variedades de uvas então cultivadas em Garibaldi. Além da isabel e quatro variedades de moscatel (moscatello bianco, moscatellone, moscatello piccolo, moscatello di Gesù), projetavam-se a trebiana, corvina, barbera piccolo, riesling reno, nebiolo e malvasia. Manuelle Peterlongo expôs 20 variedades de uva e foi premiado com medalha de ouro. Seu vinho também foi premiado com medalha de ouro (1.3.1913). Em 1949, na tabela do preço mínimo das uvas, apareceram novos varietais na já longa lista existente desde o início do século: hebermont, merlot, cabernet e peverella. De 1910 até inícios da década de 50, todos os temas, questões e problemas do cultivo das uvas, sua industrialização, mercado, até a mesa do consumidor, no jornal, eram objeto de investigação, análise, aconselhamento e debate. O mesmo ocorre, em menor

medida, com as demais culturas e criação de animais praticadas pelos colonos. A partir de 1917 até o fim da década de 50, o jornal dedicou especial atenção aos ataques e devastações causadas por ataques de “nuvens de gafanhotos” (6.9.17). Essa praga, de conotações bíblicas, só foi extinta quando o pó de gafanhoto (BHC), distribuído pelo governo, passou a ser utilizado em ampla escala pelos colonos. O jornal nos dá também um claro quadro sobre a evolução e o aperfeiçoamento gradativo dos meios de produção e insumos utilizados pelos colonos, seu sistema de fabricação, em particular das ferramentas, do transporte de carga e das trilhadeiras. O Correio Riograndense acompanhou os colonos em sua contínua expansão em direção ao noroeste, norte e leste do estado e, depois, ao oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná, repetindo os mesmos problemas enfrentados por seus antepassados quando chegaram em Caxias do Sul, Garibaldi e Bento Gonçalves. O Correio Riograndense era, por isso, um meio de comunicaPedro Revillion/PP/Divulgação/CR

s missionários e os párocos das regiões de colonização italiana entendiam que seria imprescindível para sua ação missionária e paroquial dispor de um jornal para dar aos colonos assistência religiosa, transmitir os ensinamentos da Igreja, conselhos e orientação agrícola e comercial. Era preciso defender os colonos dos inimigos da Igreja e dos especuladores e exploradores comerciais. Em 1909, mediante um acordo entre os capuchinhos e o vigário da paróquia de Garibaldi, Giovanni Fronchetti, que adquirira o jornal caxiense La Libertá, surgia o jornal Il Colono Italiano, que manteve essa denominação até 1917, quando passou a denominar-se Staffetta Riograndense e, em 1941, Correio Riograndense. Em março de 1910, o padre Fronchetti, diretor do jornal, afirmou que “o escopo do jornal deve ser o colono italiano e sua função atender suas necessidades... A direção de Il Colono Italiano esforçar-se-á para que o jornal seja o amigo, o conselheiro e o defensor dos Filhos da Bela Pátria”. O jornal, sempre atento às conjunturas religiosas, sociais, econômicas e especificamente agrícolas, por três vezes mudou seu foco e o modo de tratar as questões que mais afetavam os colonos. A primeira, que vai de 1910 ao término da década de 50, tem como preocupação o contínuo movimento migratório dos colonos para as frentes de colonização, em busca de “terras novas” para os numerosos filhos que cada família possuía. Repetia-se, portanto, o que ocorrera nas colônias velhas, em particular, dar-lhe assistência em relação aos produtos mais demandados pela população urbana, que crescia continuamente. O Rio Grande do Sul, que fora um mero exportador de charque para o mercado consumidor do Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco, com a chegada dos imigrantes, já tinha consolidado, em 1917, a produção e a exportação para os centros consumidores do Brasil de uma ampla lista de alimentos: banha, trigo, arroz, feijão, milho, batata, farinha de mandioca, erva-mate, vinho, aguardente e matérias-primas industriais: casulos do bicho da seda, linho e madeira de lei exportada em barcaças pelo rio

Sertão Santana: junta de bois ara solo em propriedade familiar

ção que ligava entre si as velhas e novas colônias, levava aos colonos os dados básicos da conjuntura agrícola: produção, demandas e preços, assim como das políticas públicas relacionadas com a agricultura. Para os colonos, que não dispunham de outro meio de comunicação, o jornal era seu mensageiro e fonte de informação indispensável. Na década de 50, ficou claro para o jornal que o modelo de agricultura e pecuária praticado pelos colonos não mais poderia ser sustentado, pois se fundava historicamente na exploração intensiva da fertilidade natural dos solos, acarretando uma contínua queda da produtividade e um crescente empobrecimento dos colonos, fenômeno visto pelo clero como um grave problema social, com sérios efeitos sobre a cultura e a vida das comunidades rurais, base social da Igreja. Era preciso, portanto, apostar num novo modelo, que já emergia nas políticas públicas do estado e em muitas propriedades e contava com a atuação de um corpo técnico de agrônomos e veterinários. A essa tendência em curso, denominaremos de primeira modernização da agricultura. Os artigos do novo sistema de produção eram publicados, a partir de 1950, numa coluna intitulada “Vademecum dos Agricultores” com textos copiados da revista Chácaras e Quintais (12.02.1950). É interessante observar que o tema dos solos, cuja conservação e melhoramento passaram a ter um tratamento sistemático, veio acompanhado do incentivo à diversificação da produção mediante a introdução de novas culturas, como as do tungue (29.03.50), das oliveiras, das novas variedades de trigo desenvolvidas nos centros de pesquisa do estado, denominadas Frontana, Cincasa, Lajeadinho e Montanhêz (22.03.50). A produção pecuária modernizava-se para atender à crescente demanda de carne suína e seus derivados. Foi viabilizada com o surgimento dos frigoríficos de suínos, a introdução de novas raças importadas dos Estados Unidos e da Europa: Doroc, Landrace, Large White; o mesmo aconteceu com a produção de leite através da importação de vacas leiteiras Holandesa e Jersey e de galinhas das raças Plimouth Rock Barrada, Orpington, Leghorne e Rhode Island Red. ►►►


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Agricultura 17

1909 - 2017

Alice Pavanello/Divulgação/CR

modernização agrícola só seria viável se os solos fossem recuperados. Em artigo publicado pelo padre Benjamim Busato na coluna “Política e Colônia”, afirma que é “... pouco atraente a vida do colono, carece de conforto”. Para mudar essa realidade, diz que “... é preciso começar por corrigir a terra” (9.04.52). O cuidado demandado por um solo esgotado e improdutivo das colônias era, portanto, o ponto de partida para a introdução de novas raças e variedades de vegetais. Quem irá encarregar-se dessa tarefa será o agrônomo, botânico e extensionista Dr. José Zugno, cujos textos foram publicados na Coluna “Vida Agrícola” a partir de 29 de abril de 1953 até sua morte no dia 9 de março de 2008, aos 83 anos. Sua colaboração durou 55 anos ininterruptos. Podemos, então, considerar José Zugno como a referência do novo modelo de agricultura, fundado na diversificação da produção, no cuidado permanente do solo e na busca de formas coletivas e organizadas dos produtores para terem acesso aos consumidores através de cooperativas, associações, feiras urbanas com vistas a uma produção quantitativa, qualitativa e diversificada. O tema do solo estará sempre presente em seus textos com esclarecimentos sobre seus componentes, as causas que o tornaram improdutivo, em particular a erosão e a queima da matéria orgânica. Os meios de recuperá-lo estão ao alcance do colono: curvas de nível, terraços, preservação das restevas, adubação verde, compostagem, uso racional de resíduos animais adequadamente processados em estrumeiras, juntamente com a adoção de sementes e plantas melhoradas disponíveis nas estações experimentais, assim como aves, suínos e vacas leiteiras de novas raças. Recomendava especial cuidado com os mananciais de água da propriedade; com o conhecimento cada vez mais preciso dos micro-organismos existentes no solo, com os vegetais e sua importância no melhoramento do solo. Esse é o quadro por onde se movia José Zugno na sequência de artigos iniciada no dia 6 de maio de 1953. É importante salientar a metodologia por ele adotada, a partir do terceiro artigo por ele publicado, quando introduz um espaço para as “consultas” dirigidas a ele pelos leitores do jornal. Esse método, justifica Zugno, traz à tona os problemas que afetam não apenas o autor da consulta, mas a maioria dos colonos, além de reforçar seu papel estratégico no processo de modernização do sistema vigente de produção. É o colono o protagonista do processo que deverá revolucionar suas práticas de produção.

Santa Rosa: John Murdock (e), autor da Operação Tatu, que revitalizou o solo gaúcho, e Arni Heimerdinger Arnaldo Alves/Divulgação/CR

A

Vida Agrícola, referência do novo modelo de agropecuária

Paraná: jornal acompanhou atividade agropecuária rumo a SC e ao PR Se, por um lado, o avanço da modernização caminhava de forma sustentada e criava condições para a sobrevivência dos agricultores, a conjuntura política, marcada por uma intensa guerra contra o comunismo, um reflexo da guerra fria, travava qualquer possibilidade de resolver o problema de acesso à terra que afetava a maioria dos filhos dos agricultores. A reforma agrária era inadmissível porque “... é coisa de comunista e, por expropriar a terra de seus proprietários viola o direito sagrado da propriedade”, afirmavam os bispos Geraldo Sigaud e Castro Mayer, tese adotada pelo clero do Rio Grande do Sul, que intensificou sua ação junto aos colonos mediante congressos, encontros e conferências para tratar da questão agrária e fazer frente à ação das esquerdas. Essas iniciativas culminaram, em 18 de outubro de 1961, com a criação da Frente Agrária Gaúcha, cujo objetivo consistia em reforçar a organização sindical dos colonos sob a orientação direta da Igreja. Admitia-se a reforma agrária, primeiro em terras do governo, depois em terras que seriam vendidas aos agricultores do mesmo modo como se procedera até então com todos projetos de colonização. Essa tese, entretanto, não levava em consideração que a fronteira agrícola estava esgotada e que as novas terras possíveis de

colonização estavam sendo rapidamente apropriadas por grandes empresários e agricultores, fortemente capitalizados, nas antigas áreas de campo do Planalto do Rio Grande do Sul e nas vastas terras do Mato Grosso, Goiás e Amazônia. O padre Benjamim Busato, que vivia em Passo Fundo, centro difusor da segunda modernização da agricultura sob o comando do grande capital industrial e financeiro, advertia que “as terras vermelhas ficam cada vez mais preciosas e que os agricultores que as arrendam dos fazendeiros, antigos criadores de gado, rapidamente são por eles compradas” (16.2.55). Nasceu, assim, a segunda modernização da agricultura. Os debates sobre a questão agrária, a busca de alternativas para os colonos sem terra e a guerra contra as ameaças do comunismo, silenciaram com o golpe militar de 1964, amplamente apoiado pela Igreja. O regime militar adotou uma estratégia para resolver o problema da terra, que consistiu na erradicação do minifúndio e do latifúndio improdutivo e sua transformação em propriedades produtivas de grande porte, tanto para a produção de grãos quanto de gado. Os projetos de colonização que o governo implementou na Amazônia para os pequenos agricultores pereceram pelos obstáculos

impostos pela natureza e pela imensa dificuldade de integrar a produção no mercado nacional. Esses agricultores converteramse em mão de obra disponível para as grandes propriedades, que devastavam o meio ambiente a uma velocidade jamais vista ou regressaram para seus estados de origem. Aos poucos, a Igreja começou a entender que o modelo imposto pelo capital não atendia os interesses da maioria dos trabalhadores do campo. O Correio Riograndense, agora sob a direção dos jornalistas freis Aldo Colombo e Moacir P. Molon, abriu o jornal para um amplo debate sobre a questão da terra, da reforma agrária, dos emergentes movimentos sociais do campo, assim como uma crescente crítica ao modelo da segunda modernização, imposto pelo grande capital, cujos resultados refletem-se na ampliação do desastre ambiental, na concentração da terra num diminuto número de proprietários e reduzindo o mundo agrário a um mero negócio, melhor, a um agronegócio. A manchete da edição de 11 de janeiro de 2017 marca essa realidade: “Desigualdade marca o Brasil rural. Menos de 1% das propriedades agrícolas detém quase metade da área produtiva do país”. Voltemos um pouco no tempo. A luta dos movimentos sociais e ecológicos pela terra, por um novo projeto de desenvolvimento agrário fundado na preservação da natureza e por um projeto de reforma agrária renascem com vigor à medida que se debilita e extingue a ditadura militar, ganhando crescente apoio da Igreja. O modelo de agricultura que emergia dos movimentos sociais do campo rejeitava o domínio absoluto do capital que controlava todas as instâncias dos meios de produção e do mercado e propunha um novo protagonismo para

os trabalhadores. Esse modelo consistia em voltar à terra não simplesmente como um lugar de exploração e negócio, ou agronegócio, mas o lugar onde todos os seres vivos encontram sua casa e que é preciso preservar sob pena de ameaça de extinção da vida. Nasce, gradativamente, a agricultura ecológica, que vai buscar subsídios nos avanços da ciência e nas experiências acumuladas da primeira modernização, voltada para a conservação do solo, com suas curvas de nível, adubação verde, uso racional dos dejetos animais, recuperação de sementes e de animais ameaçados de extinção. Os ensinamentos de José Zugno ganharam novo sentido e passaram a fazer parte daquilo que podemos denominar a terceira modernização da agricultura, que o Correio Riograndense, sob a direção dos já citados editores capuchinhos freis Aldo Colombo e Moacir Molon, reservou espaços cada vez mais amplos destinados a tematizar os múltiplos aspectos da agricultura, seus problemas; da educação para uma visão ecológica do mundo, da emergência das mulheres trabalhadoras reivindicando e conquistando o reconhecimento de sua cidadania, sobretudo, de uma alta politização da questão agrária e agrícola e do destino da humanidade profundamente ligado ao modo como cuidaremos do nosso planeta Terra, nossa casa e de todos os seres vivos que nela habitam. Os debates ganharam novos impulsos com a colaboração de pessoas altamente comprometidas com a nova visão de mundo: Leonardo Boff, um dos autores da Carta da Terra, frei Betto e Maria Clara Luchetti Bingemer, dirigindo um olhar político e crítico sobre a questão ecológica, sobre a desigual sociedade brasileira, assim como uma dimensão teológica sobre os emergentes novos modos de viver. O Correio Riograndense converteu-se, assim, no único jornal em circulação que divulgou uma visão de mundo com profunda e ampla visão ecológica e humanista. É por isso que o Correio Riograndense, com sua consagrada capacidade de auscultar tendências e de produzir e distribuir conteúdos qualificados, atualizados e até proféticos, merece continuar sua missão de disponibilizar pensamento inovador e análises significativas, daqui para frente – conforme prometido –, numa moderna e ágil plataforma digital. * Dinarte Belato Graduado em Filosofia, mestre em História e autor de livros.


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Igreja 18

1909 - 2017

# EVANGELIZAÇÃO

Desde a fundação, impresso se manteve como meio de comunicação católico

No curto lapso de tempo entre 1880 e 1920 aconteceu a mais radical transformação na história da Igreja Católica no Brasil. Impulsionada pelos bispos, no seu conjunto, ela pode ser descrita como a “reforma romanizante” da Igreja Católica no Brasil. “Reforma” por pretender substituir elementos considerados deficientes ou sem vitalidade por novas formas que permitissem à fé católica apresentar-se com nova face. “Romanizante”, pois tratava-se de subtrair a Igreja do domínio do Estado e, ao mesmo tempo, purificá-la dos elementos do catolicismo popular não acordes ao modo romano de ser católico. É no contexto desta reforma que surge no Brasil uma imprensa católica. No Rio Grande do Sul, na década de 1870, apareceram os jornais “Estrella do Sul” e “O Thabor”. Na década de 1890, sob a tutela dos jesuítas, foi a vez do “Deutsches Volksblatt” levantar a bandeira dos interesses da Igreja Católica no Estado. Na Região de Colonização Italiana (RCI), foram os confrontos entre a maçonaria e o clero que fizeram surgir uma imprensa católica. Na região, o primeiro jornal com identidade católica foi o “Il Colono Italiano” fundado em 1898 pelo padre Piero Nosadini. Pároco de Caxias do Sul desde 1896, padre Nosadini procurava fazer contrapeso, através da imprensa, ao “O Caxiense”, jornal ligado ao governista Partido Republicano Riograndense. Depois de vários conflitos com as autoridades caxienses, o “Il Colono Italiano” deixou de circular em agosto de 1898 e, em dezembro do mesmo ano, padre Nosadini regressou à Itália. Em 1909, foi a vez do padre Cármine Fasulo fundar um jornal católico que levou o nome de “La Libertá”. De circulação semanal, o jornal logo teve dificuldades para manter-se. No fim de 1909, padre Fasulo regressou à Itália e a continuidade do jornal se viu ameaçada. Com o objetivo de mantê-lo em circulação, padre João Fronchetti, pároco de Garibaldi, com a ajuda de Adolfo Moreau e João Carlotto e o apoio dos freis capuchinhos franceses, adquiriu o jornal e a tipografia e os transladou a Garibaldi. Para esquecer as polêmicas de Caxias ou, quem sabe, homenagear ao padre Nosadini, o nome foi alterado na edição de 12 de março de 1910 para “Il Colono Italiano”.

Texto de Vanildo Zugno* Porto Alegre - RS

D

esde as suas origens, no início do século XX, até as últimas edições que encaminham o encerramento de sua vida enquanto jornal impresso, o Correio Riograndense, através de todas as transformações, seja de nome como de projeto gráfico ou conteúdo abordado, manteve-se sempre como um meio de comunicação assumidamente eclesial e católico. Dada a impossibilidade material de refazer o percurso de todo o longo período, nos deteremos nesta breve análise apenas nos dois momentos de maior crise e reconstrução eclesial que marcaram a vida do jornal e nos quais ele demonstrou seu senso eclesial. O primeiro, na primeira década de sua existência, quando a Igreja Católica, recém emancipada da tutela do Estado, buscava reconstruir-se na fidelidade ao modo romano de ser católico. O segundo, já na segunda metade do século XX, quando, em consequência do movimento de renovação capitalizado e impulsionado pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, a Igreja do Brasil e do continente tomou o rumo da proximidade com a realidade do povo sofrido no continente e reconfigurou-se nas culturas latino-americanas e brasileiras e aproximou-se dos movimentos sociais e populares que buscaram construir uma sociedade justa e democrática.

AFP/Correio Riograndense

O legado eclesial do jornal CR

A Imprensa e a reforma

Papa Francisco: primeiro editorial afirmava que jornal seria “papal no mais estrito sentido da palavra”

Da análise das edições do “Il Colono Italiano” na sua primeira década de existência podemos identificar três temáticas que são representativas do espírito da reforma romanizante: a construção da identidade católica como submissão à autoridade eclesiástica; o combate aos inimigos da Igreja Católica e a busca da afirmação da hegemonia cultural da Igreja sobre a sociedade através do discurso da submissão da ordem social aos mandamentos divinos transmitidos pela Igreja. Em seu primeiro número sob a direção do padre Fronchetti, o jornal afirma, em editorial, seu programa originário: “La Libertá’ será assumidamente católico; não somente atenderá religiosamente os comandos da autoridade eclesiástica; mas fará todo o esforço para antecipar-se aos seus desejos”. A identidade católica construída a partir da identificação com a autoridade eclesiástica transparece nas reportagens em que são apresentadas as atividades do Papa Pio X, especialmente as caritativas. A exaltação do Papa chega ao ponto de, no editorial da edição de 2 de novembro de 1912, serem noticiadas várias curas realizadas pelo Papa ainda em vida.

A identidade católica também era cultivada na dimensão de entretenimento que o jornal levava a seus leitores. Através de pequenas histórias edificantes, eram apresentados os ideais e valores do bom católico. Em cada edição, nas páginas 3 e 4, havia uma seção dedicada a uma novela edificante. Do número 45 ao 52, por exemplo, foi publicada a novela “Dalle spine a la Rosa” em que se narrava a história de uma amizade entre um rapaz e uma moça que era capaz de transcender o amor humano e alcançar a oblação da vida a Deus. Imelda e Rômulo, dois jovens apaixonados e prometidos em casamento, após a realização de exercícios espirituais e da orientação de um capuchinho, deixaram o mundo, ela para tornar-se freira, e ele para tornar-se frade. Como toda a identidade, a afirmação da catolicidade do jornal também foi construída a partir da identificação e desconstrução dos seus inimigos. Dentro do pensamento da restauração expresso no “Syllabus Errorum” de Pio IX, o primeiro e maior inimigo da fé católica é aquela forma de pensar que prega a não existência de Deus. No editorial da edição de 4 de maio de 1910, após apresentar as figuras de Diderot,

Arquivo CR

“La Libertá - Il Colono Italiano” e a reforma romanizante

Pio X: jornal exaltava suas curas Voltaire, Rousseau, D’Alembert e Spinoza, o jornal afirmava que as concepções filosóficas por eles apresentadas vão contra os sentimentos do coração humano. Para desqualificar as ideias dos filósofos, o texto não apresentava argumentos filosóficos antagônicos, mas afirmava que os próprios livres-pensadores não acreditavam naquilo que eles ensinavam. A maçonaria aparece como a outra grande inimiga. Ela é apresentada como a mais intolerante das instituições na medida em que não admite, em seu interior, qualquer divergência de pensa-

mento. Na seção “Per il mondo” da edição de 15 de janeiro de 1910, o jornal compara as excomunhões da Igreja Católica com as intolerâncias da maçonaria italiana que expulsou de seus quadros três deputados que votaram a favor do ensino religioso nas escolas públicas. O protestantismo, tradicional inimigo da identidade católica, poucas vezes aparece nas páginas do “Il Colono Italiano”. Na edição de 5 de fevereiro de 1910 é anunciada a conversão de um professor da Universidade de Halle, na Alemanha, e, nos Estados Unidos, a conversão de todos os membros da “Sociedade da Reconciliação”, da Igreja Anglicana para a Igreja Católica Romana. O espiritismo também é apresentado como inimigo. A partir de abril de 1911, o jornal apresenta uma coluna intitulada “Dialogo tra Virginio e Geronimo” onde se refutam as teses espíritas. O espiritismo é definido como “uma fraude inventada pelo diabo contra o homem, a religião pela qual os diabos, fingindo-se de anjos bons ou almas de mortos, para obter os seus intentos, dão respostas aos homens que os interrogam através de mesas, tripés ou outros objetos materiais.”

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CORREIO RIOGRANDENSE • Caxias do Sul, 8 de fevereiro de 2017

Igreja 19

1909 - 2017

Reprodução/Correio Riograndense

Concílio: mais do que reformas estéticas e litúrgicas, uma tentativa de colocar a Igreja no século XX res e, citando o programa de rádio “A Voz do Pastor” de Dom Vicente Scherer, afirma que o desafio agora cabe a cada um dos católicos e se resume na palavra “atualização” pois “as resoluções do Concílio permaneceriam estéreis e infecundas se sacerdotes e leigos não as recebessem com docilidade e amor”. Na edição seguinte, de 22 de dezembro, a temática do Concílio é retomada e, citando novamente o Papa Paulo VI, afirma que a renovação proposta pelo Concílio “não é coisa passageira como muitas outras coisas o são, mas algo que prolonga seus efeitos além do período de celebração atual”. O desejo de renovação do Concílio Vaticano II se concretizou, na América Latina, nas Assembleias das Conferências Episcopais de Medellín (1968), Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007). Elas marcaram com a palavra dos bispos Edilia S. C. Menin/Div/CR

ais do que as reformas externas em termos estéticos e litúrgicos, o Concílio Vaticano II foi uma tentativa de colocar a Igreja no século XX. Com efeito, em virtude do trauma da Reforma Protestante e das determinações canônicas do Concílio de Trento, a Igreja Católica, durante quatro séculos, permaneceu alheia e inimiga da modernidade. Para João XXIII, o Papa que convocou o Concílio, o desafio era tanto o de “abrir a janela da Igreja para que possamos ver o que acontece do lado de fora e para que o mundo possa ver o que acontece na nossa casa” como o de manter as portas e janelas da Igreja abertas para que o Espírito Santo pudesse orientar a Igreja no seu processo de “aggiornamento”. Acolhendo as decisões do Concílio, na edição de 15 de dezembro de 1965 – a primeira após a conclusão da Assembleia Conciliar – o jornal, em editorial, assim se expressa em relação ao evento que consolidou e impulsionou a maior reforma da Igreja Católica nos últimos 500 anos: “O Concílio Ecumênico terminou. Agora começa nossa tarefa. A tarefa de cada um de nós, os cristãos”. Numa clara referência à “Lumen Gentiun” que, a partir da noção de Sacerdócio Universal dos Fiéis propunha uma nova eclesiologia, o editorial prossegue: “E isso em face do santo batismo que nos elevou à dignidade de filhos de Deus. Ou cada um de nós cuida, deveras, valorizar o seu batismo, ou nada feito do Concílio, continuando o mundo como dantes: trôpego, anêmico, ilhado, coxo, mudo, surdo, cego.” Na mesma edição, o jornal destaca como manchete principal o Ano Santo proclamado pelo Papa Paulo VI para acolher as decisões conciliares. Na mesma página de capa, fazendo outra matéria, elenca os documentos concilia-

Romaria da Terra: defesa do colono sempre foi uma das bandeiras do CR

Arquivo CR

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O jornal e as mudanças do Concílio Vaticano II

João XXIII: convocou o Concílio do Continente Latino-americano e do Caribe as mudanças impulsionadas pelo Concílio. Atento ao caminhar da Igreja, o Correio Riograndense acompanhou os novos processos eclesiais em curso na região. A edição de 6 de março de 1985 é representativa desta nova postura do jornal em sintonia com a vida da Igreja. Com chamada de capa e reportagem na página 8, o jornal celebra a diminuição das ditaduras no continente e festeja os novos ventos democráticos que se ampliam a cada ano. Também com foco na realidade social e na perspectiva dos pobres tão cara à Igreja latino-americana e caribenha, na página central, é destacada a realidade de fome que ainda persiste no mundo e a necessidade de um projeto global para a superação de tal situação. A mesma problemática é tratada em nível local quando, com chamada na capa e matéria na página 3, é apresentada a dramática situação dos pequenos agricultores e cantinas da região serrana do Rio Grande do Sul ante o baixo preço da uva e do vinho. Ainda na mesma edição, com chamada de capa e reportagem na página 18, é feito

um relato da 8ª Romaria da Terra que acabara de acontecer em Tenente Portela. Ao lado das reportagens que focam a realidade social e as iniciativas da Igreja para a elas dar resposta, as colunas de autores tornaram-se cada vez mais um espaço privilegiado para a reflexão da realidade à luz da fé cristã. Impossível não lembrar do saudoso frei Wilson Sperandio e sua leve e profunda coluna semanal “Novo Jeito de Viver”. Ao lado dele, já na década de 1990, estava frei Aldo Colombo e seu “Um Olhar Diferente”. Já no novo milênio, a eles somaramse a teóloga Maria Clara Bingemer, Frei Betto, Leonardo Boff, Padre Zezinho e, sempre com o cariz capuchinho, os freis Jaime Bettega com a coluna “Olhar a Vida” e Luiz Turra sempre falando “No Coração da Vida”. Cada um deles, com seus temas preferidos e sua abordagem pessoal, ajudavam o leitor a pensar-se como cristão no mundo em que vivemos, em sua dimensão pessoal, eclesial e social. Para contribuir no propósito do Concílio Vaticano II e do caminhar da Igreja brasileira e latino-americana que deseja o protagonismo dos leigos e leigas no assumir e implementar a fé no âmbito social e eclesial, a partir de 2005, o Correio Riograndense, em parceria com a Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Estef), ofereceu, anualmente, o Curso de Teologia à Distância. Orientados por módulos semanais produzidos pelos professores da Faculdade de Teologia mantida pelos capuchinhos em Porto Alegre, os leitores e leitoras tiveram a oportunidade de aprofundar temáticas ligadas à fé cristã, à vivência eclesial e ao compromisso social.

Atuação em defesa do colono A identidade católica, adverte o jornal em seu editorial de apresentação, não o impede de falar sobre temas não especificamente religiosos. Na edição de 15 de janeiro de 1910, o jornal, além de católico, se apresenta como “o amigo, o conselheiro, a defesa do colono, para o qual, além de assuntos religiosos e leituras úteis, prazerosas e amenas, fornecerá também todos aqueles conhecimentos que a ele puderem ser úteis, como: noções de agricultura, e neste assunto se dará preferência a coisas feitas no Rio Grande do Sul; o modo de confeccionar, melhorar e conservar o vinho e seus respectivos recipientes; higiene; quando for o caso, um pouco de medicina; também, sob a forma de diálogo entre o colono Pedro e o advogado doutor Pomieri, serão oferecidas algumas informações sobre as leis do belo país que os hospeda, que são indispensáveis a todos.” Com este objetivo, desde a sua primeira edição, o jornal apresenta a “Sezione dell’Agricultore” em que são dadas informações sobre os cultivos da região e a melhor forma de incrementar a produção. A partir da edição de 11 de março de 1911, a coluna ganha o nome de “Cognizioni utili”. Notícias e estímulos a cooperativas e associações também são frequentes nas páginas do jornal. As principais iniciativas do governo federal e estadual em favor da agricultura são noticiadas com destaque a cada edição. Tanto num período como no outro, podemos dizer, com toda tranquilidade, que o jornal, em suas diversas nomenclaturas – La Libertà, Il Colono Italiano, Stafetta Riograndense e Correio Riograndense – e nas muitas mudanças que viveu no decorrer destes longos 108 anos, manteve-se fiel ao propósito de frei Bruno de Gillonnay que, em 1904, ao gestionar junto aos superiores da França a compra de uma impressora para poder produzir um jornal nas colônias italianas, pretendia “estabelecer com simplicidade, no centro da colônia italiana, uma pequena impressora, que levará, periodicamente, no seio das famílias, em sua língua materna, uma página do santo Evangelho, explicada e comentada, uma história edificante, alguns conselhos de agricultura, a indicação de algumas brochuras adaptadas às necessidades dos colonos.”

*Vanildo Luis Zugno frei capuchinho, graduado em Filosofia e Teologia, doutor em Teologia


CR Correio Riograndense 1909 - 2017

Caxias do Sul 8 de fevereiro de 2017

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# NANETTO PIPETTA

Os mitos não morrem Se vederemo s e No ve digo mpre. a d i o Solo riveders . i

Páginas 9, 12 e 13

PARA USO DOS CORREIOS ■ MUDOU-SE ■ CEP ■ DESCONHECIDO ■ NÃO EXISTE Nº INDICADO ■ RECUSADO ■ FALECIDO ■ INFORMAÇÃO ESCRITA PELO ■ AUSENTE PORTEIRO OU ■ NÃO PROCURADO SÍNDICO ■ END. INSUFICIENTE REINTEGRADO AO SERVIÇO POSTAL EM ___/___/___

___/___/___

_________________ RESPONSÁVEL

Ilustração: Derli Dutra/São José do Ouro/CR


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