Revista Ed. 49

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Revista de Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal ANO XIII • Nº 49 • julho / setembro de 2012

ARTIGOS Diálogo para a coesão social e governança: o caso do Brasil Angela Cotta Ferreira Gomes Rosa Maria Nader O Economista e memória de um tempo singular Joanilio Rodolpho Teixeira Aspectos gerais do PLOA 2013 (Projeto de Lei Orçamentária Anual) Max Leno de Almeida A relação entre desigualdade de renda e crescimento econômico no Brasil Paulo Henrique M. L. Beserra Intervenção do Governo na Economia X Crescimento Econômico Joaquim Ramalho de Albuquerque Tito Belchior Silva Moreira

ISSN 1677-0668

ENTREVISTA

Júlio Miragaya, presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal, fala sobre as expectativas à frente da instituição, e sobre o quadro econômico e social de Brasília e do Entorno.

“Desenvolvimento do Centro-Oeste: perspectivas e desafios do século XXI” Este foi o tema do VIII Encontro dos Economistas da Região CentroOeste - ENEOESTE, realizado entre os dias 22 e 24 de agosto, e que foi marcante para a categoria em 2012. O evento foi promovido pelo Conselho Regional de Economia do Distrito Federal em parceria com o Conselho Federal de Economia e os Corecons de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.


Aluno e aluna de

CiĂŞncias EconĂ´micas de qualquer perĂ­odo ou sĂŠrie

COMECE A FAZER PARTE DESDE Jà DA SUA COMUNIDADE PROFISSIONAL! Compareça ao Conselho Regional de Economia do Distrito Federal e obtenha sua Carteira de Estudante de Ciências Econômicas. O estudante credenciado terå os mesmos benefícios oferecidos aos economistas registrados, em igualdade de condiçþes, exceto aqueles diretamente relacionados ao exercício profissional que sejam privativos dos profissionais registrados por determinação da lei. Ao apresentar a credencial em qualquer Conselho Regional de Economia, o portador poderå consultar a legislação regulamentadora da profissão do economista, extrair cópias de artigos sobre temas de economia e ter acesso às publicaçþes do Sistema COFECON/CORECONs, videotecas e bibliotecas, alÊm de conseguir descontos nos eventos do Sistema COFECON/CORECONs.

DOCUMENTOS NECESSà RIOS: ‡ 'HFODUDomR GH PDWUtFXOD H IUHTXrQFLD GD Faculdade, mencionando data prevista de conclusão do curso (original e cópia); ‡ 'RFXPHQWR GH LGHQWLGDGH RULJLQDO H FySLD ‡ &3) ‡ IRWRV [ FRORULGDV ‡ FRPSURYDQWH GH UHVLGrQFLD RULJLQDO H FySLD ‡ SUHHQFKLPHQWR GR UHTXHULPHQWR GD FUHGHQFLDO

CORECON CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA

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Nesta edição 10 Diálogo para a coesão social e governança: o caso do Brasil Angela Cotta Ferreira Gomes Rosa Maria Nader

15 O Economista e memória de um tempo singular

Índice Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XII • Nº 49 • julho / setembro de 2012

2 editorial

Joanilio Rodolpho Teixeira

20 Aspectos gerais do PLOA 2013 (Projeto de Lei Orçamentária Anual) Max Leno de Almeida

3 entrevista Júlio Miragaya

26 capa VIII ENEOESTE

37 A relação entre desigualdade de renda e crescimento econômico no Brasil Paulo Henrique M. L. Beserra

46 Intervenção do Governo na Economia X Crescimento Econômico Joaquim Ramalho de Albuquerque Tito Belchior Silva Moreira

A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contatando o Corecon-DF. O valor da assinatura é de R$ 40,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.

Tãmnia


Conjuntura

Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Editor responsável José Luiz Pagnussat Conselho Editorial Carlos Eduardo de Freitas Elder Linton Alves de Ataújo José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Humberto Vendelino Richter Maurício Barata de Paula Pinto Newton Ferreira da Silva Marques Mario Sérgio Fernandez Sallorenzo Jusçanio Umbelino de Souza Carlito Roberto Zanetti Jornalista responsável Camila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851) Redação e editoração eletrônica Camila Fiorese Revisão Letícia Sallorenzo Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente Jusçanio Umbelino de Souza Vice-presidente Maria Cristina de Araújo Conselheiros efetivos Carlos Eduardo de Freitas Elder Linton Alves de Araujo Gilson Duarte Ferreira dos Santos Carlito Roberto Zanetti Paulo Roberto Amorim Loureriro Jusçanio Umbelino de Souza Maria Cristina de Araújo Evilasio da Silva Salvador Conselheiros suplentes Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Miguel Rendy Bento de Matos Félix Jucemar José Imperatori César Augusto Moreira Bergo Roberto Bocaccio Piscitelli Mônica Beraldo Fabrício da Silva Humberto Vendelino Richter Delegado eleitor efetivo Mario Sérgio Fernandez Sallorenzo Delegado eleitor suplente Jusçanio Umbelino de Souza Conselheiro federal efetivo pelo DF Roberto Bocaccio Piscitelli Conselheiros federais suplentes pelo DF Júlio Miragaya Max Leno de Almeida Equipe do Corecon-DF Gerente executivo Ronaldo Galloti Schroeder Angeilton Francisco Lima Faleiro Camila Fiorese Hélio Matheus Silva de Oliveira Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Michele Cantuária Soares Estagiárias Layane Martins Rocha – Jornalismo Vanessa Navarros Guerra da Silva – Direito End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

lairotidE

Editorial

A economia brasileira não reagiu neste segundo semestre como era esperado. Deve fechar o ano com crescimento do PIB próximo de 1%. O discurso oficial atribui o baixo desempenho da economia brasileira à crise da economia internacional, mas a realidade é que as principais razões são internas. O Brasil se transformou no país do controle, da regulação, dos fiscais, sem falar dos juros altos que são o freio da locomotiva da economia. O ambiente de negócios vem piorando no Brasil. O último estudo do Banco Mundial revela que o Brasil caiu para a posição 126, de 183 países avaliados, no ranking de ambiente de negócios 2012. Estamos atrás de Chile, Argentina, Peru, Colômbia, Nicarágua, Costa Rica. Ou ainda, atrás de Quênia, Etiópia, Bangladesh e Uganda, entre outros. A burocracia é um dos principais entraves para a aceleração sustentada do crescimento econômico. As boas iniciativas de novos empreendedores são tolhidas pelo excesso de exigências a serem atendidas (regras ambientais, trabalhistas, de defesa civil, tributárias, sanitárias, etc), na maioria das vezes com diversidade de interpretações entre os diferentes agentes públicos. O setor produtivo como um todo enfrenta os custos elevados da burocracia e os pequenos empresários sofrem, ainda, com a dificuldade de acesso aos mercados. Esta última ceifa a expansão e melhoramento de bons produtos nacionais. O melhor queijo do Brasil, produzido em municípios interioranos de Minas Gerais, não tem acesso aos mercados por não ter as certificações burocráticas, dentre elas o famoso CIF (Certificado de Inspeção Federal). Enquanto isso, o queijo produzido pelos pequenos produtores europeus é importado sem a exigência equivalente imposta aos produtores brasileiros. O “queijo do Marajó”, queijo bubalino de reconhecida qualidade produzido pelos pequenos produtores rurais da Ilha de Marajó desde o final de século XIX, não tem acesso aos principais mercados do continente, justamente pela falta de certificação. A justificativa é que as condições de infraestrutura e ambientais das atuais instalações são consideradas inadequadas. Os produtores de leite e queijo do entorno do Distrito Federal não podem colocar seus produtos no mercado do DF, porque o certificado de inspeção municipal e estadual não é aceito. Se o produto entrar no DF é apreendido e os pequenos empresários são multados. Os fiscais da agricultura que atuam no DF são “eficientes”. Enfim, são exemplos para ilustrar o ambiente de negócios no Brasil. O fato é que o País precisa de mais extensionistas e menos fiscais, mais planejadores e menos reguladores, mais empreendedores e menos controladores. Em síntese, o Brasil precisa de menos burocracia e da mudança da cultura fiscalizadora das nossas instituições públicas em favor de uma atitude desenvolvimentista para que o País deixe de ser lanterna no crescimento econômico dos Brics e da América Latina.


ENTREVISTA julho / setembro de 2012

Presidente da Codeplan, Júlio Miragaya fala sobre os desafios e as expectativas à frente da instituição Foto: Ascom/Codeplan

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O carioca Júlio Miragaya é economista formado pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro da Universidade Cândido Mendes (1984). Especialista em Planejamento Urbano e Regional (UFRJ), Mestre em Gestão Territorial (UnB) e Doutorando em Desenvolvimento Econômico Sustentável (UnB). Antes de assumir, em agosto deste ano, o cargo de presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), foi diretor de Estudos e Pesquisas Socioeconômicas da instituição. Anteriormente, atuou como coordenador-geral de Planejamento e Gestão Territorial na Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional no período 2004 a 2010. Conselheiro do Conselho Federal de Economia eleito para o triênio 2011/13, é o atual coordenador da Comissão de Política Econômica e de Desenvolvimento Regional. É ainda vice-presidente do Sindicato dos Economistas-DF e atuou até abril deste ano como presidente do Instituto Brasiliense de Estudos de Economia Regional (Ibrase). Foi ainda presidente do Corecon-DF em 1999 e seu conselheiro entre 2006 e 2008.

Conjuntura - Quais são suas expectativas à frente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan)? Júlio Miragaya - Nossa expectativa é simplesmente que a Codeplan cumpra com a missão estabelecida desde sua fundação, em 1966, que é a de produzir e disseminar informações de natureza socioeconômica de forma a subsidiar o planejamento governamental e não-governamental. Fazendo isso com competência e qualidade, estaremos todos satisfeitos. Conjuntura - Ao longo de muitos governos, a Codeplan foi esvaziada e/ou utilizada como cabide de empregos para apadrinhados. O que o senhor, já na sua gestão, tem feito para melhorar a imagem da empresa e resgatar a credibilidade de uma empresa de produção técnica de pesquisa e planejamento governamental? Júlio Miragaya - Como todos sabem, quando o atual governo assumiu o GDF, a situação da cidade era crítica. A situação da Codeplan era ainda pior. E não poderia ser diferente, após a gestão criminosa de Durval Barbosa e a gestão letárgica de Rogério Rosso. Em janeiro de 2011 formulamos o objetivo “Retirar a Codeplan das páginas policiais e recolocá-la nos cadernos de economia” e, felizmente, alcançamos nossa meta. Conjuntura - O que já foi feito para alcançar este objetivo? Júlio Miragaya - Em janeiro de 2011, ao assumir a Diretoria de Estudos Pesquisas Socioeconômicas (Dieps), sabia exatamente que o processo de recuperação da Codeplan passava pelas ações da Dieps. Em reunião com os gerentes e coordenadores de núcleos, toma-


Conjuntura - A Codeplan tem se dedicado a estudar a economia do DF. Como o Senhor vê a forte dependência da economia do DF em relação ao setor público? Júlio Miragaya - De acordo com os dados do Núcleo de Contas Regionais da Codeplan, o setor público, compreendendo a administração e o serviço público federal e distrital, já responde por mais de 56% do PIB do Distrito Federal. Mesmo sendo a Capital da República, trata-se de uma participação excessiva, decorrente da relativa fragilidade das demais atividades econômicas, ou em outras palavras, da pouco diversificada estrutura econômica do DF. Outras capitais mundiais não apresentam tamanha dependência, em razão de serem importantes polos econômicos em seus países, com relevante base industrial. Tal situação comprova que não há qualquer incompatibilidade entre o desempenho de funções político-ad-

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De acordo com os dados do Núcleo de Contas Regionais da Codeplan, o setor público, compreendendo a administração e o serviço público federal e distrital, já responde por mais de 56% do PIB do Distrito Federal.

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mos decisões importantes: a) promover o retorno da Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED/DF para a Codeplan, onde ela havia surgido em 1992 e saído em 2000; b) implementar a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios - PDAD/DF, realizando a pesquisa de campo e divulgando seus resultados a cada 15 dias; recuperar o Núcleo de Estudos da População – NEP, que voltou a produzir diversos estudos; d) consolidar o Núcleo de Contas Regionais, que passou a divulgar o PIB preliminar do DF e o Índice de Desempenho Econômico do DF – Idecon/DF; e e) retomar a atuação na Região Geoeconômica de Brasília, com a proposição do Plano Estratégico de Desenvolvimento da Região Geoeconômica de Brasília.

Conjuntura - E qual o quadro econômico e social no chamado Entorno Metropolitano?

Júlio Miragaya - Inicialmente, é preciso conceituar Entorno Metropolitano. Denominamos assim a um grupo de dez municípios goianos que formam a periferia metropolitana da virtual área metropolitana de Brasília, que tem o DF como seu núcleo, e que formam um único mercado de trabalho e de consumo. Observa-se que a área metropolitana tem uma configuração diferente da chamada Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) do Distrito Federal e Entorno, pois exclui outros nove municípios goianos e os três mineiros, que não possuem relações de natureza metropolitana com Brasília.

ministrativas e o exercício de outras funções, inclusive de polo industrial ou de logística, como muitos brasi-

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lienses ainda alegam, que é um dos mitos que se cristalizaram em Brasília (“Brasília não deve ter indústria”), base do pensamento médio da elite local que eu reputo como “deitada eternamente em berço esplêndido”. Deve-se lembrar, ainda, que a baixa diversificação de nossa estrutura produtiva gera uma excessiva concentração do trabalho na Região Administrativa I, conhecida como Plano Piloto, onde estão nada menos que 48% dos postos de trabalho do DF.

O Entorno Metropolitano apresenta um dos mais elevados graus de pobreza do País. Trata-se de uma região que apresentou acelerado processo de crescimento populacional, tendo passado de 180 mil moradores em 1980 para quase um milhão atualmente, sem o necessário desenvolvimento econômico e social. Como a região é vizinha ao DF, uma das cidades mais ricas do Brasil, o contraste é enorme. O reduzido PIB per capita, a baixa renda domiciliar, assim como o diminuto IDH são expressão da precária estrutura econômica existente na região. Desde a década de 1960, quando se deu a


Conjuntura - E a Ride do DF e Entorno tem funcionado? Júlio Miragaya - Com toda certeza, não. Deve-se lembrar que sua composição em 1998 (Lei Complementar nº 94 de 19/02/1998) se deu por critérios fisiológicos, promovidos pelo seu propositor e então senador José Roberto Arruda. Um ano antes, em 1997, a Codeplan havia promovido um seminário, juntamente com a UnB e o Ipea, no qual sugeria a formação da Ride com oito a dez municípios goianos, ou seja, somente aqueles que tinham relações de natureza metropolitana com o DF. Infelizmente prevaleceu a vontade do senador. Dessa forma, a Ride trata-se de uma excrescência geográfica, pois agrupa numa mesma região de planejamento municípios que guardam com o DF relações absolutamente distintas, isto é, mistura alhos com bugalhos. Em recente seminário na Fecomércio, sugeri ao superintendente da Sudeco que pelo menos efetue sua divisão em duas escalas: metropolitana e não-metropolitana.

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Conjuntura - O que fazer quanto à pouca expressão do segmento industrial? Júlio Miragaya - Estou absolutamente convencido de que a melhor alternativa para a diversificação de nossa estrutura econômica é a indústria de transformação. Um dos mitos que se consolidou no DF, ao qual já me referi, é de que aqui não pode haver indústria, associado a outro, de que a indústria já não tem tanta importância no mundo atual, já não gera tantos empregos. Outra bobagem. A atividade industrial gera 12 milhões de empregos no Brasil e, nas regiões industrializadas, dezenas de milhões de empregos são gerados no setor

Conjuntura - A região do Entorno Metropolitano tem uma elevada taxa de desemprego. Que políticas públicas melhor se ajustam à região que possibilitem minimizar essas elevadas taxas de desemprego e exclusão produtiva? Júlio Miragaya - Enquanto a taxa de desemprego no DF oscila entre 12 e 13%, já elevada para os atuais padrões brasileiros, no Entorno Metropolitano podemos estimá-la entre 18% e 20%. E tanto no DF como no Entorno Metropolitano a taxa é alta em função de uma estrutura econômica distorcida que temos. Já me referi a isto, ao citar que a participação do setor público no PIB do DF caminha para 60%. Credito esta distorção à incipiência da indústria de transformação na área metropolitana. No DF, ela representa apernas 1,7% do PIB, dez vezes menos que a média nacional. No Entorno Metropolitano, é ainda menor.

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Foto: Ascom/Codeplan

fundação de Brasília, praticamente todas as demais regiões metropolitanas do País passaram por um intenso processo de industrialização, inicialmente seus núcleos, as capitais estaduais e, em seguida, suas periferias, anteriormente conhecidas como cidades-dormitório. Pois aqui este processo não ocorreu e, a meu ver, abdicamos de um setor de grande importância para o desenvolvimento.

terciário nos chamados serviços de apoio à indústria. Não por acaso, no DF prevalecem os serviços às pessoas, às famílias, como serviços domésticos, jardineiros e piscineiros, cabeleireiros, que exigem baixa qualificação e, consequentemente, remuneram menos. Dessa forma, defendo um programa específico para atração de investimentos industriais para a área metropolitana de Brasília, buscando empreendimentos intensivos em tecnologia e capital para o DF e os intensivos em mão-de-obra para o Entorno Metropolitano. Naturalmente que devem ser realizados estudos de identificação das potencialidades setoriais; realizados os investimentos na qualificação de mão-de-obra especializada e os investimentos na ampliação e melhoria da infraestrutura econômica, notadamente nas áreas de transportes e energia, sabidamente conhecidos.


Conjuntura - E quais seriam? Júlio Miragaya - No Programa de Governo do Governador Agnelo Queiroz, elaborado em 2010, cuja equielaboração do PAC do DF e Entorno, com projetos es-

municípios apresenta precária estrutura econômi-

truturantes capazes de, a médio e longo prazos, mo-

ca e baixos índices de desenvolvimento social. Uma

dificar a estrutura econômica da região, consolidar a

das causas dessa situação é a existência de uma das

área metropolitana de Brasília e, de forma mais ampla,

mais pobres redes de cidades do país. Sendo assim, a Codeplan vem sugerindo desde 2011 a elaboração e implementação de um plano de desenvolvimento regional para toda esta área polarizada por Brasília, que

Entre os projetos propostos estavam: a) a duplicação da

chamamos de Plano de Desenvolvimento Integrado da

BR-040 no trecho Luziânia-Cristalina; b) a implantação

Região Geoeconômica de Brasília, com a sigla Pergeb II,

do ramal ferroviário Brasília-Anápolis, para possibilitar

em alusão ao plano elaborado em 1980 com a mesma

a conexão com a Ferrovia Norte-Sul e, por meio desta,

inspiração, o Pergeb, mas que naufragou antes de sua

com o porto de Itaqui (MA), localizado próximo ao he-

implementação.

misfério norte; c) a implantação da Ferrovia Luziânia-

Conjuntura - Muito se tem falado no Eixo Brasília-

Unaí-Pirapora (antigo projeto da Vale), para possibilitar

Anápolis-Goiânia. O que ele representa?

a conexão ferroviária com os principais mercados consumidores do Sudeste e com os portos de Tubarão (ES) e Sepetiba (RJ); d) a implantação do anel viário do DF; e e) a extensão do gasoduto Paulínia-Ribeirão Preto (SP), que está sendo ampliado até Uberaba, Goiânia, Anápolis e Brasília, oque vai aumentar a oferta de energia na

Conjuntura

nicípios polarizados por Brasília nesses quatro estados. Trata-se de uma região onde a quase totalidade dos

industrial e de logística na região Centro-Oeste.

Revista de

das Cidades, realizado pelo IBGE em 2007, são 107 mu-

pe econômica tive a honra de integrar, foi sugerida a

o Eixo Brasília-Anápolis-Goiânia, como importante polo

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mica de Brasília. Segundo o estudo Região de Influência

Júlio Miragaya - O termo Eixo Brasília-AnápolisGoiânia foi um termo por mim cunhado em estudo apresentado em 1998 pelo Corecon-DF. O estudo destacava o já expressivo PIB e a enorme renda disponível para consumo na região que englobava as duas grandes metrópoles do Centro-Oeste, separadas

região. Além desses projetos, devem ser ainda destaca-

por apenas 200 km, tendo uma grande aglomeração

dos o do complexo aeroportuário-industrial de Planal-

urbana entre ambas, com todas as condições para se

tina (DF) e o do polo de logística de Samambaia.

constituir num importante eixo de desenvolvimento.

Conjuntura - Há como planejar o DF sem considerar o Entorno Metropolitano?

De lá para cá, essas condições se aprofundaram e hoje

Júlio Miragaya - Creio que não. As duas áreas estão extremamente integradas. Ações nas áreas de saúde, educação, transporte, saneamento, meio ambiente e segurança pública terão muitos problemas caso não sejam minimamente articuladas com as que se fizerem na periferia metropolitana. Conjuntura - Qual modelo de desenvolvimento deve ser adotado para o DF na condição de polo de uma ampla região polarizada? Júlio Miragaya - Além da periferia metropolitana, Brasília exerce influência sobre uma vasta porção do Planalto Central, compreendendo o nordeste goiano, o noroeste mineiro, o sudeste do Tocantins e o sudoeste e oeste baiano, formando a chamada região geoeconô-

o “Eixo Bra-Ana-Goi” constitui-se no terceiro maior mercado consumidor do país, abaixo apenas das duas grandes metrópoles nacionais, São Paulo e Rio de Janeiro. Penso que o planejamento econômico do Distrito Federal deva também considerar essa dimensão territorial. Em suma, temos quatro escalas dadas: o DF, a área metropolitana, a região geoeconômica e o “Eixo Bra-Ana-Goi”. Conjuntura - O DF tem o maior PIB per capita, a maior renda domiciliar, o maior IDH entre as Unidades Federativas. Isso ajuda ou atrapalha as políticas públicas voltadas à redução das desigualdades sociais no DF, na área metropolitana e na região geoeconômica?


na distribuição social e espacial da renda. É óbvio que ele se tornou essencial para a sustentabilidade orçamentária do DF, mas creio que deveríamos criar as condições objetivas para dele prescindirmos no médio prazo. É como o programa Bolsa Família para os pobres, é importante recebê-la, mas construindo a porta de saída.

A renda elevada no DF é expressão direta dos altos níveis de rendimento (para padrões brasileiros, obviamente) encontrados no setor público. O rendimento médio de um assalariado do setor público é quase 4,5 vezes superior à média do restante do pessoal ocupado.

Conjuntura - O estado deveria escolher as prioridades, isto é, onde investir e o que produzir, ou isto ficaria a cargo dos empreendedores?

Vou exemplificar. A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD/DF - 2011), recentemente concluída pela Codeplan, revela que nas regiões administrativas de mais alta renda o percentual do pessoal empregado no setor público era em média superior a 40%, chegando a 54% no Sudoeste/Octogonal, enquanto em RAs pobres, como Estrutural, Itapoã e Varjão, não alcançavam 5%. Pois a diferença de renda domiciliar per capita entre o Lago Sul (RA de renda mais alta) e a Estrutural (mais baixa) era de nada menos que 19 vezes. Observese que estamos falando de desigualdade social intraDF, não estamos aqui falando de Entorno Metropolitrano, onde os níveis de renda são ainda inferiores. Conjuntura - Como tem sido analisada a importância do Fundo Constitucional do DF na garantia dos recursos para o desenvolvimento distrital? Júlio Miragaya - Aqui se aplica bem aquele conceito da elite brasiliense “deitada eternamente em berço esplêndido”. Como o Fundo Constitucional garante mais de R$ 10 bilhões anuais vindos do Governo Federal e, que somados às demais transferências da União (FPE, FPM, Fundef, SUS, transferências voluntárias etc) representam mais de metade do orçamento do GDF, por que se preocupar em atrair investimentos produtivos, em diversificar a estrutura econômica, em atrair empreendimentos industriais, já que “tá tudo dominado”? Ledo engano. O FCDF é uma das principais causas da enorme letargia que acomete a sociedade brasiliense e que é responsável por tão elevada taxa de desemprego, tantas distorções salariais, tamanha desigualdade

Júlio Miragaya - Penso que o Estado deva atuar sempre no direcionamento dos investimentos privados, tanto do ponto de vista locacional quanto setorial. Minhas formação e concepção marxista sugerem que uma sociedade saudável deve se pautar por um mínimo de planificação de suas atividades econômicas, entendendo que o mercado é anárquico por natureza. A chamada “mão invisível do mercado” acentua não só a desigualdade na distribuição da renda em termos sociais, mas também na distribuição dos fatores de produção em termos locacionais e setoriais, gerando as chamadas deseconomias de aglomeração e graves crises de superprodução, com dramáticas consequências para toda a sociedade, em particular para a população mais pobre. A atual crise econômica mundial é um claro reflexo da ação nefasta desta mão não tão invisível do mercado, a partir da completa desregulação existente no sistema financeiro, notadamente o norte-americano e o europeu. Creio que mais Estado e menos mercado seja o melhor caminho para a construção de uma sociedade mais justa e livre. Conjuntura - O senhor acha que o setor privado poderia firmar parcerias com a Codeplan,oferecendo contrapartidas no sentido de viabilizar estudos e pesquisa de interesses bilaterais subsidiárias à promoção do desenvolvimento econômico e social da região? O que poderia ser feito nesse sentido? Júlio Miragaya - Creio que não. Acredito que a elaboração de estudos e pesquisas da natureza dos elaborados pela Codeplan devam ser efetuados pelo poder público. Se o setor privado quiser elaborá-los também, que os façam, mas não devemos abdicar de nossa obrigação em fazê-los. A realização pelo poder

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Júlio Miragaya - Dialeticamente falando, ajuda e atrapalha. Evidentemente que o fato de ter uma renda elevada é uma das razões da alta qualidade de vida no DF, considerando os padrões brasileiros. Mas por outro lado, é a responsável pelo maior Ìndice de Gini entre as unidades federativas e, o mais grave, a única em que esse índice aumentou a partir de 2004.

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público é a garantia, inclusive, de impermeabilizá-los quanto a possíveis ingerências de interesses privados de toda espécie. Conjuntura - A Codeplan dispõe ou está trabalhando na produção de projetos para geração de emprego e renda no DF e Entorno, na lógica de integração de Brasília e municípios da Ride, em especial na perspectivada realização da Copa do Mundo de 2014 em Brasília?

a Pesquisa Metropolitana por Amostra de Domicílios (PMAD), que será realizada nos dez municípios goianos de nossa área metropolitana. Quanto à PED/DF, trata-se de uma pesquisa permanente, nascida na Codeplan e aplicada desde 1992, mas apenas no território do Distrito Federal. Mas já iniciamos entendimentos com o Ministério do Trabalho para obtenção de recursos, de forma a ampliar sua aplicação para além do Quadrilátero, envolvendo toda a periferia metropolitana.

Júlio Miragaya - Não. A Codeplan tem como atribuição a elaboração de estudos e pesquisas que subsidiem o planejamento governamental (e também o empresarial, estudos da academia etc). A elaboração de políticas públicas é atribuição das diversas Secretarias de Estado, ou seja, apoiamos a elaboração de políticas públicas com a disponibilização de informações e análises específicas. No exemplo dado, a atribuição é da Secretaria de Estado de Trabalho do DF.

Ainda no âmbito desta Diretoria, no Núcleo de Contas Regionais, responsável desde 1983, em parceria com o IBGE, pelo cálculo do PIB do DF, iniciamos em 2011 o cálculo do PIB preliminar, reduzindo a defasagem de tempo na disponibilização dos dados e, em setembro de 2012, iniciamos a divulgação do índice de Desempenho Econômico do Distrito Federal, o Idecon/DF, com o desempenho observado no trimestres, na prática, o nosso PIB trimestral.

Conjuntura - Quais são os principais projetos à frente da Codeplan?

No Núcleo de Estudos Populacionais, além dos vários estudos específicos (Cadernos de Demografia), estamos planejando para 2013, em parceria com o IBGE, a divulgação das projeções demográficas do DF, de suas regiões administrativas e dos municípios metropolitanos.

Júlio Miragaya - A Codeplan tem como seus carroschefe as duas grandes pesquisas realizadas pela Diretoria de Estudos e Pesquisas Socioeconômicas, a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios do Distrito Federal (PDAD/DF) e a Pesquisa de Emprego e Desemprego do Distrito Federal (PED/DF). A primeira apresenta uma radiografia dos domicílios e da população de todas as regiões administrativas do DF. Estamos apresentando agora os resultados gerais da PDAD/DF – 2011 e nosso compromisso é realizá-la a cada dois anos, portanto, já estamos trabalhando na PDAD/DF – 2013. E estamos firmando acordo de cooperação técnica com a Secretaria de Entorno de Goiás para iniciarmos, ainda em 2013,

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No Núcleo de Desenvolvimento Regional, pretendemos iniciar em 2013 a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Geoeconômica de Brasília (Pergeb II) e estudos relacionados à implantação dos projetos previstos no PAC do DF e Entorno. Nos Núcleos de Geoprocessamento e de Estatística, a meta para 2013 é de georreferenciar a totalidade das pesquisas e estudos elaborados na Codeplan, condição fundamental para a melhor interpretação dos dados estatísticos.

A atual crise econômica mundial é um claro reflexo da ação nefasta desta mão não tão invisível do mercado, a partir da completa desregulação existente no sistema financeiro, notadamente o norte-americano e o europeu. Creio que mais Estado e menos mercado seja o melhor caminho para a construção de uma sociedade mais justa e livre.

Júlio Miragaya


ambientes como as entidades empresariais, as

ampliarmos o escopo de informações que constam

organizações diversas da sociedade civil e mesmo na

do projeto Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

mídia. Esta baixa capacidade se reflete na ausência de

(ODM), em particular os dados referentes aos municí-

debate sobre as perspectivas para o Distrito Federal,

pios metropolitanos, e elaborar estudos específicos

projeto de sociedade local etc. Não há, por exemplo,

que permitam subsidiar as áreas governamentais que

uma revista que aborde temas econômicos locais, mas

têm a questão social como objeto de suas ações.

várias dedicadas à fofoca política e à vida social da elite

Para a recém-constituída Diretoria de Estudos Urbanos

local. Quero com isso dizer que gostaríamos muito

e Ambientais, a meta para 2013 é efetivamente estru-

de termos nossas análises e estudos submetidos ao

turá-la, inserindo-a nos estudos finais do Zoneamento

crivo crítico e creio ser uma boa ideia a criação de um

Ecológico-Econômico (ZEE) do DF e na implementação

conselho independente para avaliá-los.

do PDOT.

Conjuntura - Quais são os principais desafios para

Temos ainda como metas para 2013, entre outras, a

Brasília e sua região?

consolidação do Serviço de Atendimento ao Cidadão

Júlio Miragaya - Diria que são seis: a) elaborar e

(Seaci, ou seja, a famosa linha telefônica 156); a refor-

implementar o planejamento integrado da Região

mulação do Sistema de Informações Estatísticas do DF

Geoeconômica de Brasília, mediante o Pergeb II, de

(SIE/DF); a elaboração do “DF em Síntese”; e a publica-

forma a, no longo prazo, estruturar a rede de cidades

ção da revista trimestral “Brasília em Debate”.

em toda a região; b) efetuar o planejamento do

Conjuntura - Para que a Codeplan cumpra efetiva-

DF de forma articulada com o planejamento dos

mente seu papel, quais iniciativas de governo es-

municípios metropolitanos; c) diversificar a estrutura

tão sendo pensadas e implementadas para dotar

produtiva no DF, na periferia metropolitana e em toda

a agência dos recursos necessários e fundamentais

a região geoeconômica; d) desconcentrar a atividade

para sua manutenção e operacionalização?

econômica, excessivamente concentrada na RA I; e)

Júlio Miragaya - Quando o Governador Agnelo me

implementar o PAC do DF e Entorno, pressuposto para

fez o convite para assumir a presidência da Codeplan,

se alcançar as duas metas anteriores e f ) consolidar o

aceitei o convite, destacando o papel insubstituível da

Eixo Brasília-Anápolis-Goiânia como polo industrial e

agência para a maior qualificação na elaboração das

de logística da região Centro-Oeste.

políticas públicas, mas lembrando-o das necessidades

Conjuntura - Como o Corecon-DF e o Cofecon

da agência em termos de investimentos em novos

podem ajudar nesse processo de reconstrução da

equipamentos e programas e em ampliação da

Codeplan e na sua produção de trabalhos?

capacidade técnica. A realização de um concurso público, nunca realizado, é vital para oxigená-la e possibilitar que ela seja, em sua devida dimensão, uma espécie de IBGE + IPEA do Planalto Central.

Júlio Miragaya - Fui conselheiro do Corecon-DF durante muitos anos e seu presidente em 1999. Atualmente sou conselheiro do Cofecon e coordenador de sua Comissão de Política Econômica e de Estudos

Conjuntura - As hipóteses adjacentes às análises

Regionais, vice-presidente do Sindecon-DF e, até mês

da Codeplan não são claras muitas vezes. Não

passado, presidente do Instituto Brasiliense de Estudos

seria melhor criar um Conselho independente para avaliar as hipóteses técnicas da Codeplan?

da Economia Regional (Ibrase). Tenho enorme apreço pela participação nas nossas entidades representativas

Júlio Miragaya - A sociedade brasiliense, talvez em

da categoria e creio que todas essas entidades possam

função de sua juventude, tem revelado em geral

colaborar no processo de reconstrução da Codeplan

uma baixa capacidade crítica, maior no ambiente

mediante a realização de parcerias na elaboração de

da universidade, certamente, mas baixíssima em

estudos e pesquisas.

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Na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais, a meta é

9


Diálogo para a coesão social e governança: o caso do Brasil Angela Cotta Ferreira Gomes e Rosa Maria Nader

A importância do diálogo social para a coesão social no Brasil Todas as sociedades, em todas as civilizações, adotaram, de diferentes maneiras, mecanismos de governança para a regulação da ordem, do poder e da gestão de recursos, para impulsionar processos sociais e decisórios sobre o presente e o futuro.

Revista de

Conjuntura

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O momento histórico atual caracteriza-se pela complexidade das questões que afetam as sociedades e o planeta e pelo nível de incertezas quanto ao futuro, o que provoca a obsolescência de conceitos e práticas tradicionais em quase todas as dimensões da vida humana. Para além das questões relacionadas às mudanças ambientais, novos desafios colocam em risco o modo de vida hegemônico na atualidade, por atingir dimensões essenciais à sobrevivência com dignidade: o acesso equitativo aos direitos universalmente acordados pelos países; o desafio de garantir educação de qualidade para todos; a importância de garantir segurança energética e alimentar as sociedades em um contexto de desequilíbrio entre demandas e acesso aos recursos. A encruzilhada civilizatória que estamos vivendo traz a necessidade de reconstruir os mecanismos de regulação que influenciam os processos sociais de governança das sociedades e da humanidade em todos os níveis e configurações dos Estados e entre eles. O modelo de governança que se fortaleceu no Brasil, na última década, teve na demanda social pela participação na reconstrução do Estado Democrático de Direito um de seus principais componentes. A

participação da sociedade brasileira foi intensa no diálogo que conduziu à promulgação da Constituição Federal de 1988, que direciona um modo de governar que busca equilibrar as forças provenientes do Estado, do mercado e da sociedade civil. Múltiplos mecanismos e instâncias de participação da sociedade em estruturas governamentais são adotados como ação estratégica para empreender o desenvolvimento nacional, configurado sobre princípios de equidade e justiça social. É notória a diversidade de mecanismos de participação e instâncias de diálogo, seu alcance e papel no avanço do processo social em direção a uma concepção de democracia deliberativa, cuja influência mostra-se no alargamento dos direitos da população brasileira; na distribuição mais equitativa dos recursos públicos para as políticas sociais; na inclusão na agenda política nacional de temas transversais de atenção às minorias – essenciais para o combate às desigualdades e na abertura à participação social em áreas da administração pública, tradicionalmente resistentes ao diálogo com a sociedade. A observação do funcionamento atual das instâncias de diálogo social mostra alguns efeitos no aperfeiçoamento de sistemas de gestão pública, como os de planejamento e orçamento, de fiscalização e controle de políticas sociais. Experiências como as do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, dos Conselhos de Políticas Públicas, das Conferências Nacionais de Políticas Públicas, Fóruns, audiências públicas, mesas de diálogo, ouvidorias, dentre outras, apontam para um aperfeiçoamento na


A título de exemplo, entre 2003 e 2012 foram realizadas 86 Conferências Nacionais abordando 40 temas de políticas públicas, como saúde, educação, ciência e tecnologia, cultura, assistência social, meio ambiente, reforma urbana e segurança pública dentre outros assuntos relacionados a minorias. Este processo participativo mobilizou mais de cinco milhões de delegados nas instâncias municipais, estaduais e nacional (informação da Secretaria Geral da Presidência da República, 2012) e gerou milhares de deliberações públicas, grande parte delas incorporadas no desenho de políticas públicas setoriais. Há atualmente no Brasil cerca de 100 instâncias de articulação e diálogo Estado-sociedade com diversas finalidades – normativa, técnico-científica, de direitos, de políticas públicas – com participação de atores sociais em diferentes intensidades. Algumas delas têm caráter deliberativo, inclusive sobre o orçamento, como o Conselho Nacional de Saúde. Destas, 30% destinam assentos a praticamente todos os movimentos sociais de defesa de direitos, de minorias, de empresários e de trabalhadores para participar no acompanhamento e controle social de políticas públicas. Nos últimos anos, o diálogo social tem sido adotado em espaços governamentais de participação como uma importante ferramenta de produção de conhecimento e de alternativas, que, ao potencializar as capacidades de grupos e pessoas, favorece a convergência de ideias e sugestões em questões estruturais e na remoção de entraves para a construção de um projeto nacional de desenvolvimento. É elemento essencial para a formação da vontade coletiva, imprescindível para o comprometimento com um contrato social que acorde sobre o futuro desejável para a sociedade. A ênfase no diálogo e troca de informações entre os participantes permite a transformação de pontos de vista e a exigência de argumentar em defesa de suas posições favorece o entendimento e a geração de consensos mais amplos. O objetivo primordial do processo decisório não está tanto na escolha entre alternativas como na geração de novas alternativas, o que possibilita maior inovação social. Finalmente, espera-se que as decisões assim

tomadas propiciem maior justiça redistributiva, maior coesão social e que sejam mais sustentáveis. A prática do diálogo, interlocução e cooperação desafia a capacidade de escutar e aprender com o outro, sem escamotear conflitos e divergências. Isso se aplica ao conjunto dos atores, especialmente a burocracia governamental, que nem sempre reconhece a importância desse instrumento do processo democrático de governar. Porém, mais do que ouvir e falar ao governo, os espaços de diálogo social têm a riqueza de esclarecer diferenças, construir novas sínteses, desencadear transformações, apontar os rumos e desenhar o futuro. Ao dar maior legitimidade e sustentação às políticas estatais, a sinergia dos esforços e a vontade dos atores sociais e políticos, construídas no diálogo social, dão ao processo de desenvolvimento um caráter duradouro e sustentado.

O papel do CDES na promoção do diálogo social O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil (CDES) apresenta-se como um espaço privilegiado para situar o diálogo sobre o desenvolvimento nacional, articulando atores sociais e políticos e buscando convergências e acordos. O Conselho é caracterizado como uma experiência de educação para a igualdade política e aprendizagem da pactuação, e visa um tipo de desenvolvimento inclusivo caracterizado pela busca da equidade e de uma nova configuração do perfil da estrutura social brasileira, marcada pela desigualdade. Dentre os diferentes espaços de participação criados ou fortalecidos no governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social representa uma inovação na arquitetura da democracia brasileira. No CDES, a experiência é, ao mesmo tempo, de educação para a igualdade política – por permitir a circulação de diferentes discursos políticos em igualdade de condições – e de aprendizagem da pactuação – por favorecer o reagrupamento dos atores sociais em novos arranjos e coalizões políticas (Avritzer, 2003; Ciconello, 2008; Doctor, 2007; Costa, 2008). Instalado em 2003, o CDES institui-se como um espaço de formulação de alternativas para promover

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capacidade dos atores sociais e governamentais de compartilhar a definição e a governança dos rumos do desenvolvimento do País.

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o desenvolvimento, com potencial para conformar e liberar uma vontade coletiva que facilita o rompimento com as condições vigentes no país à época. O Brasil vivia um momento de instabilidade econômica, estagnação, endividamento, fragilidades da máquina estatal, entre outras. A chamada aos atores sociais e governamentais para o diálogo visou debater o futuro e impulsionar o desenvolvimento nacional como uma responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade. Desta forma, o CDES vem contribuindo para a construção de governabilidade e formação de uma rede de governança que contribui para dar viabilidade a projetos importantes para o desenvolvimento.

Revista de

Conjuntura

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Em momentos de crise, o CDES tem-se mostrado um espaço de diálogo qualificado para informar, aferir posições e angariar apoios a medidas governamentais que se mostrem necessárias. No exercício do diálogo diante da crise econômica que atingiu os países em 2008, os conselheiros e conselheiras apontaram para um conjunto de mudanças econômicas e sociais que contribuíram para que o Brasil não fosse fortemente atingido e desfrutasse de condições bem mais favoráveis do que a grande maioria dos países para a retomada do crescimento econômico, no contexto de condições internacionais ainda bastante adversas. Iniciou-se, ali, o entendimento sobre um novo padrão de desenvolvimento a ser construído por meio de decisões democraticamente negociadas. Esse entendimento buscou responder aos desafios de uma sociedade moderna e complexa, que exige novas articulações entre as políticas econômica, social e ambiental. O modelo adotado pelo país produziu rupturas históricas na redução da pobreza e distribuição da renda nacional, no aumento do emprego formal, na disponibilidade de crédito, na busca de soluções para a questão ambiental. Um modelo que tem se mostrado capaz de resistir à crise global e que deve ser fortalecido e disseminado. O funcionamento do CDES em diferentes espaços de diálogo em nível nacional e internacional (sessões plenárias, grupos temáticos, colóquios, seminários, workshops) agregam conselheiros, administradores públicos e técnicos governamentais, acadêmicos, especialistas, organizações não governamentais, movimentos sociais que ampliam o acesso ao diálogo e resultam efetivamente na disseminação de informações

e produção de conhecimentos e alternativas para políticas públicas. Isso qualifica o debate no governo e na sociedade. Focado nos temas estratégicos para o desenvolvimento nacional, nos quase dez anos de funcionamento, o CDES produziu importantes contribuições que partem de um acordo básico sobre o tipo de sociedade desejada e os rumos do desenvolvimento, manifestos em seis Cartas de Concertação e em duas Agendas: a Agenda Nacional de Desenvolvimento (AND), e a Agenda para um Novo Ciclo de Desenvolvimento (ANC), encaminhadas ao Presidente Lula e à sociedade brasileira em 2005 e 2010, respectivamente. Entre os produtos do diálogo, situam-se grandes linhas e acordos estratégicos, que contribuem com o planejamento de longo prazo e orientam proposições específicas para políticas públicas apresentadas pelo Conselho. Como fundamentos desses acordos, os critérios de equidade e justiça social foram estabelecidos como parâmetros de avaliação das políticas públicas e do processo de desenvolvimento. Cartas de Concertação, Moções, Pareceres, Relatórios, entre tantos outros documentos foram produzidos sob uma ampla gama de questões e apresentados ao Presidente, aos Ministros e gestores públicos e, em muitos momentos, as análises realizadas pelos membros do Conselho subsidiaram a ação do Governo e dos atores sociais. A cooperação internacional foi promovida de forma a ampliar a troca de experiências e posições entre instâncias de diálogo social de diferentes países. Foram criadas formas inovadoras de examinar problemas e novas maneiras de apresentar os resultados dos estudos, com vistas ao diálogo social. O Observatório da Equidade atuou nessa perspectiva com dois trabalhos de análise das desigualdades promovidas pelas características da política pública, um sobre educação e outro sobre a questão tributária. É possível afirmar que o Conselho posicionou-se sobre grande parte dos temas que estiveram presentes no debate nacional, sempre com proposições construídas no espaço das diversidades e do diálogo, com efetividade em muitas das suas proposições presentes hoje nas políticas públicas.


‘‘

Como resultado intangível e não menos importante, uma cultura de diálogo foi gestada entre os membros

do Conselho e entre estes e os agentes governamentais.

Os desafios para o fortalecimento institucional do CDES A formulação de grandes acordos em torno dos rumos do desenvolvimento tem a ver com a formação da vontade coletiva, motor fundamental da mudança. Formar a vontade coletiva acontece em ambientes onde inúmeros fatores sociais, pedagógicos, políticos, econômicos, éticos etc. interagem. São ambientes complexos, onde devem estar presentes atores que representam – formalmente ou não – os diferentes setores e segmentos sociais, em que informações e conhecimentos estejam disponíveis e os atores prontos a produzirem alternativas; em que os conflitos possam se manifestar respeitando as diferenças; em que as relações de poder sejam horizontalizadas. Tais ambientes são propícios para o diálogo para o desenvolvimento social, econômico e ambientalmente sustentável.

No esforço por uma compreensão geral e sistêmica das questões que afetam o desenvolvimento e nos embates das posições corporativas, abriu-se possibilidades de outro olhar. Isso criou um campo de proposições e convergências e um espaço inédito para o acordo social. Os impactos das contribuições apresentadas pelo CDES são acompanhados a partir de um cuidadoso diálogo com a administração pública, uma vez que a relação não é de demanda, mas de entendimento e construção de perspectivas comuns entre atores sociais e governamentais. Dessa maneira, é possível considerar o processo de trabalho do Conselho – o diálogo franco e aberto – como uma contribuição fundamental ao desenvolvimento e à democracia brasileira. O CDES tem realizado um esforço para construir interlocução com atores políticos dos três poderes, de forma a impulsionar um diálogo interinstitucional que abre perspectivas para o desenvolvimento institucional nas diferentes áreas de governo e para a construção de espaços de diálogo sobre questões transversais, que enfrentam o desafio de desconstruir as fronteiras

Os principais resultados da participação social no governo federal brasileiro estão voltados para o alargamento dos direitos da população brasileira; para uma distribuição mais equitativa dos recursos para as políticas públicas; para a inclusão na agenda política nacional de temas transversais, essenciais para o combate às desigualdades, e para a abertura de áreas da administração pública tradicionalmente resistentes à participação social. Dessa forma o país vai construindo processos de governança que incluem a participação da sociedade e a formação da vontade coletiva de empreender o desenvolvimento nacional. Apesar dos avanços, muitos desafios ainda se impõem, como: A grande distância entre resultados formais e reais da participação, As resistências de setores do poder público em efetivamente partilhar, A restrição à extensão da participação ao campo da política econômica, Fragilidades políticas e organizações da sociedade civil,

financeiras

das

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‘‘

Entre os produtos do diálogo, situamse grandes linhas e acordos estratégicos, que contribuem com o planejamento de longo prazo e orientam proposições específicas para políticas públicas apresentadas pelo Conselho.

da setorialidade na administração pública. Com este esforço, pretende enriquecer e dar maior consistência ao debate sobre questões cada vez mais complexas que o Brasil e outros países estão enfrentando.

13


Ao lado dos mecanismos e instâncias de articulação com multiatores, há movimentos intra e intergovernamentais, embora nem sempre no ritmo desejado, para adequação da administração pública e dos governantes ao exercício de governar o País com participação social mais ampliada. Isto porque o fortalecimento da democracia passa por desafios que não se reduzem à questão do funcionamento adequado das instituições políticas, mas se ligam também às práticas do aparelho de Estado e a suas relações com os atores sociais (Avritzer, 2003). Estados como o Brasileiro, constituídos historicamente sobre modalidades autocráticas de exercício do poder, têm um longo caminho a percorrer para que suas instâncias e corpo de servidores públicos desenvolvam capacidades de dialogar com a sociedade baseadas em escutas efetivas das diversas expressões de interesses e valores, e de atuar em processos de negociação de acordos sobre demandas presentes e perspectivas de futuro. Por outro lado, as sociedades enfrentam o desafio de aprender a participar no ciclo das políticas públicas, desde a formulação de demandas ao controle social. No cenário mundial, experiências como as dos conselhos econômicos e sociais e de diálogo entre eles, apontam para a possibilidade de articulação e coordenação da multiplicidade de expressões sociais, de aspirações, demandas, projetos, utopias – fios a tecer o futuro, ainda que tenha o seu tempo de construção.

Revista de

Conjuntura

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O esforço, portanto, deve ser no sentido de redirecionar o processo de governança para que se coloque a serviço da democracia com inclusão social e redistribuição da riqueza e do poder. Ao se fortalecer em instâncias participativas da governança, desenvolver e produzir sinergia entre as múltiplas capacidades dos participantes governamentais e não governamentais, as sociedades estarão se preparando para dar conta do desafio crítico para a humanidade, que é redesenhar a capacidade para governar e pré-requisitos para lidar, de modo inovador, com os problemas e oportunidades do século XXI.

Referências Bibliográficas Avritzer, Leonardo (2003), “Governo Lula e o desafio da participação”, Teoria e Debate nº 54 (jun/jul/ago 2003). BRASIL, Presidência da República, Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social (2004), Cartas de Concertação, http://www.cdes.gov.br . BRASIL, Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2005) Agenda Nacional de Desenvolvimento. http://www.cdes.gov.br BRASIL, Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2006) Enunciados Estratégicos para o Desenvolvimento. http://www.cdes.gov.br . BRASIL, Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2011) Agenda para o Novo Ciclo de Desenvolvimento. http://www. cdes.gov.br . Ciconello, Alexandre (2008),“A Participação Social como processo de consolidação da democracia no Brasil”. From Poverty to Power: How Active Citizens and Effective States Can Change the World, Oxfam International. Cohen, Joshua. Democracy and Liberty. In Ester, John, editor (1998) Deliberative Democracy, Cambridge University Press, USA. Doctor, Mahrukh (2007), “Lula’s Development Council: Neo-Corporatism and Policy Reform in Brazil”, Latin American Perspectives 34; 131, http://lap.sagepub.com/ cgi/content/abstract/34/6/131, 13.05.2008.

Angela Cotta Ferreira Gomes

angela.gomes@presidencia.gov.br Pedagoga e Secretária da Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República / Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Formação em Planejamento Estratégico Situacional– UNESCO / Unicamp / MEC, 1991; em Alta Direção do Estado – Unidad de Estudios Políticos de la Pontifícia Universidad Javeriana / Instituto Latino Americano de Investigaciones Sociales, Bogotá, 1993; e em Teoria e Técnicas de Governo –Fundação Altadir / Cendec - IPEA, 1998.

Rosa Maria Nader

rosa.nader@presidencia.gov.br Gerente de Projeto na Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República / Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Docente de graduação e pós-graduação nas áreas de Psicologia, Serviço Social, Educação e Administração na Universidade de Brasília, Universidade Federal da Paraíba, ICAT/AEUDF/Brasília, Universidade Católica de Brasília, e Universidade Federal Fluminense. Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP.


(discurso de agradecimento: Professor Emérito da UnB)¹ Joanilio Rodolpho Teixeira Magnífico Reitor, excelentíssimos participantes da mesa, ilustríssimos membros da comitiva que me acompanha na cerimônia de outorga do título de Professor Emérito, demais autoridades, colegas professores, caros funcionários, prezados alunos, exalunos, amigos e queridos familiares. Saudações a todos! É com prazer que lhes saúdo e agradeço a presença. É grande minha alegria em receber o título de professor emérito de nossa UnB. Estou nesta querida instituição desde 1977. A ela sou vinculado como professor e pesquisador por mais da metade da minha vida. Como servidor público, vinculado à UnB, ofereci meu esforço de aperfeiçoamento, fiz amizades e a esta universidade dedico os meus melhores sentimentos. 2012 é um ano todo especial, pois nossa UnB completa 50 anos. Sou o segundo membro do Departamento de Economia a receber, nesse meio século de atividades, o título de Professor Emérito. Considero a UnB minha casa materna e, pensando nela, busquei colaborar em sua consolidação numa posição acadêmica de padrão internacional. Ela tem história, origem e tradições. Muito foi feito e muito devemos fazer para aprimorá-la. Penso que distinções e homenagens a um servidor público implicam, na maioria das vezes, mais deveres do que privilégios. Quando alguém recebe o título de professor emérito se vê compelido a ser possuído pela excelência que a condecoração representa. Minha 1

Foto: Emília Silberstein/UnB Agência

emoção é grande e certamente fará tropeçar em certas palavras e brigar com frases. Lembro-me quando iniciei minha atividade como professor de matemática para curso científico do Instituto Granbery, em Juiz de Fora, nas Minas Gerais, onde eu havia cursado o ginasial. Essa é uma instituição da qual guardo profundas recordações. Minha iniciação como professor no Granbery foi uma guinada improvável de uma figura humana, muito jovem, algo tímida, com dificuldade de se expressar publicamente, amante da literatura, das artes, da história, da filosofia e do jogo de xadrez. Eu era ainda estudante da Universidade Federal de Juiz de Fora, na Manchester Mineira, cursando, simultaneamente, a Faculdade de Economia e a de Filosofia e Letras, quando comecei a lecionar.

A presente versão desse trabalho beneficiou-se das valiosas sugestões da Assessoria de Comunicação do Corecon-DF. Os erros e omissões são de inteira responsibilidade do autor.

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O Economista e memória de um tempo singular

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Naturalmente tinha paixão pela matemática e pelas Ciências Humanas e Sociais, então percebi que minha vida profissional poderia ser dedicada ao ensino. Foi também naquela distante época, em busca do tempo perdido, como diria Proust, que fiz meu encontro com três cientistas que muito influenciaram meu modo heterodoxo de pensar: Marx, Freud e Bertrand Russell. Também percebi que os cursos de graduação eram inadequados para construir uma carreira promissora. Felizmente, houve progresso no ensino de economia, mas há muito a caminhar, pois nossa formação é excessivamente tecnocrática. Meu primeiro curso de Pós-Graduação foi no Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, em São Paulo, onde pela primeira vez tive contato com PhD’s, todos estrangeiros. Fiquei desapontado com o desempenho da maioria deles. Sonhei então que um dia poderia fazer algo melhor. Percebi que é preciso sonhar com a condição de crer em nosso sonho. De examinar com atenção a vida real, de confrontar nossas observações com nossos sonhos, de realizar escrupulosamente nossa fantasia”. Também compreendi que, em geral, os economistas nos explicam o processo de produção e distribuição sob dadas condições. Porém, o que eles tendem a não explicar é como se produziram essas condições, ou seja, os movimentos históricos e dialéticos que lhes deram origem.

Revista de

Conjuntura

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Em 1968 me integrei, como professor de Economia, ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o meu querido ITA. Lá também fiz o mestrado em Matemática Aplicada e comecei a entender, efetivamente, o que era uma carreira acadêmica. O ITA foi um sonho e uma realidade que passou em minha vida. A instituição onde aprendi o que é desenvolver pesquisa de qualidade e, também, que ensino sem pesquisa é um ato falho. É contentarse com pouco, não ter mentalidade propriamente científica. Além disso, ficou evidente para mim que, embora a matemática e os métodos quantitativos sejam fundamentais na formação de um moderno economista, a Economia como ciência não consiste apenas, e ingenuamente, em decidir sobre escolhas ótimas. A visão econômica é, por definição, não

neutra. A ideologia está sempre presente na análise e construção de modelos. Estes são abstrações da realidade. Devemos fazê-los passar pela crítica rigorosa de seus fundamentos teóricos e empíricos (quase sempre dados estilizados). Como forma de expressão, a matemática deve ser utilizada como um verdadeiro cientista o faria; em manifesto contraste ao uso formalista e ornamental encontrado frequentemente na Teoria Econômica dominante. No início da década de 1970, passei a ser professor e pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), então CNAE. Lá, pela primeira vez, lecionei na pós-graduação e orientei dissertações. Foi uma experiência ímpar, que me estimulou a partir para a London School of Economics (LSE), onde fui research student. Conheci famosos economistas, entre eles Michio Morishima, com o qual muito aprendi.Em 1975, com bolsa de estudo da Fapesp e estimulante apoio da Universidade de Kent em Canterbury, Inglaterra, defendi minha tese de doutoramento (PhD). Na velha Albion muito aprendi, e comecei a me destacar internacionalmente. Tive também a possibilidade de continuar minha carreira acadêmica naquele país, mas retornei ao Brasil, ao Inpe, como professor associado. Afinal, foram recursos públicos que financiaram a maior parte do meu processo de aprendizado. O retorno ao Brasil era, acima de tudo, uma questão ética. Não apenas sentimental. No ano seguinte percebi que, embora mantivesse excelentes contatos e relações de amizades no Inpe e ITA, o espaço existente para um economista político e macroeconomista naqueles centros tecnológicos de excelência era excessivamente limitado. Estava na hora de buscar novos horizontes. No início de 1977, vim para Brasília e ingressei no Departamento de Economia da UnB, onde encontrei um ambiente estimulante, apesar da repressão política então existente em todo o país. Penso que o grande mérito do nosso departamento era, assim como é, permitir visões plurais, e o respeito por diferentes modos de pensar a economia e a sociedade. Até o início de 1980 fui também coordenador do curso de mestrado em Política Fiscal na Escola de Administração Fazendária (Esaf ). No entanto, meus laços fundamentais eram e permanecem com nossa UnB.


do livro Candide de Voltaire. Parafraseando: “Deixai

1980, colaborei intensamente na organização e criação

fazer, deixar ir, deixar passar” é expressão-símbolo do

da Sociedade Brasileira de Econometria (SBE), da qual fui o primeiro responsável (Secretário-Executivo) e, posteriormente, editor da Revista Brasileira de Econometria. Procurei fazer da SBE uma instituição que não poderia ser acusada de mensageira de uma visão atrofiada. Concordo com Kalecki que, frequentemente, “estão sendo criadas teorias que podem levantar problemas de grande interesse, mas que não conduzem a um entendimento do que realmente aconteceu, está acontecendo ou provavelmente ocorrerá”.

liberalismo econômico. Uma visão peculiar, envolvendo aquilo que é conhecido na filosofia como “otimismo cósmico”. Este não é meu posicionamento.

Também concordo com Marx que “toda ciência seria supérflua se a aparência e a essência das coisas se confundissem”. Certamente, as teorias e conhecimentos devem ser criticamente escrutinizados. Métodos quantitativos, se bem utilizados, são instrumentos que colaboram na iluminação de melhores caminhos. Para isso, no entanto, é necessário evitar tanto a Síndrome de Procusto como a ideologia de Pangloss. Segundo a mitologia grega, Procusto era um salteador de estradas. Ele capturava os viajantes e fazia o julgamento de quem podia fazer a travessia. Para tanto utilizava uma cama na qual dispunha o capturado. Se a vítima não coubesse na medida exata do leito, o bandido esticava a pessoa ou cortava-lhe as pernas (ou cabeça) para que o prisioneiro tivesse o tamanho ideal. A mutilação ou suplício era o castigo por ser diferente. A modelagem em economia, muitas vezes funciona como um leito de Procusto. Frequentemente, são incluídas ou excluídas do modelo hipóteses e/ou informações (torturadas até confessar) que facilitem o fechamento desse modelo, adaptando-o àquilo que interessa ao pesquisador, mas que deformam ou obscurecem a realidade. Nesse caso, é um processo efetivo de alienação. A metáfora indica como são atropeladas as diferenças existentes, desrespeitando as circunstâncias e aprisionando a realidade a padrões preestabelecidos. No entanto, também devemos rejeitar a visão radicalmente alternativa que nada procura modificar. Ela postula que a economia deve funcionar livremente, sem interferências. A doutrina de que esse é o melhor mundo possível, como o personagem Doutor Pangloss,

De certa forma, Procusto pode ser compreendido como parte da metáfora para caracterizar o déspota que dita a planificação exacerbada. Por outro lado, os óculos do Doutor Pangloss personificam a violência do mercado puro, uma caricatura, como farsa, que precede e anuncia a tragédia. Não procede ficar “esperando por Godot” como no texto de Samuel Beckett. Penso que uma característica dos grandes economistas é a combinação do interesse científico com uma clara insatisfação com aspectos relevantes da natureza, da condição humana e da realidade social. Notáveis economistas, acredito, devem unir grandeza de visão e vitalidade para construir um mundo que busque o bem estar, priorize a justiça, a fraternidade sem populismo, a democracia e a responsabilidade. Estou seguro de que a Universidade de Brasília me estimulou e permitiu caminhar nessa busca. Aqui tanto ensinei quanto aprendi. Há, no entanto, muito a caminhar. Em 1981 tive o prazer de ser pesquisador visitante no Departamento de Economia da Universidade de Cambridge, Inglaterra, fato que influenciou profundamente minha agenda de pesquisa. Tive como referências teóricas Michal Kalecki, Nicolas Kaldor, Joan Robinson, Pierro Sraffa, Luigi Pasinetti e outros notáveis economistas heterodoxos. Em 1982, fui pesquisador visitante na Universidade de Harvard (EUA), o que também possibilitou contatos com o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Navegar era preciso e contei com expressivo apoio do CNPq, Capes e de nossa UnB para realizar esse percurso acadêmico por renomadas instituições. Passei o inverno de 1985 como professor titular visitante no Instituto Superior de Economia e Gestão (Iseg) em Lisboa, Portugal. Em seguida, fui Visiting Scholar na Universidade de Oxford, da qual guardo agradáveis recordações. Posteriormente, me tornei Visiting Fellow no Departamento de Economia na Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA. Em maio

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No final da década de 1970 e até meados dos anos

17


do mesmo ano fui professor visitante no Departamento de Economia da Universidade Católica de Milão, Itália, onde consolidei atividades de pesquisa em colaboração com o professor Luigi Pasinetti e outros companheiros de jornada. Entre 1988 e 1990 fui chefe do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, dando continuidade ao processo de internacionalização do programa de Pós-Graduação. Considero que uma de minhas mais importantes contribuições para o departamento foi estimular atividades que o projetassem no exterior. Isso tem sido uma longa batalha, que envolve, às vezes, ironias e paradoxos. Como é bem conhecido: “Do rio que tudo arrasta, dizse que é violento. Mas não se consideram violentas as margens que o comprimem”. Prefiro usar a sensibilidade e agradáveis tentativas de persuasão, mas não penso que alguns problemas fundamentais sejam passíveis de solução apenas com o diálogo socrático. Ao término do meu mandato, fui para a London School of Economics (LSE), como visiting scholar, onde permaneci durante o ano acadêmico de 1990-1991. Foi um retorno à instituição onde iniciei minhas atividades internacionais. No período de 1991-1992 obtive Fulbright Fellowship para desenvolver pesquisas de pós-doutoramento em economia na Universidade de Stanford, Califórnia, (EUA). Também participei intensamente de atividades no Centre for Latin America Studies da instituição. Ao regressar ao Brasil, tornei-me imediatamente professor titular da UnB e pesquisador 1A do CNPq.

Revista de

Conjuntura

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No ano acadêmico 1995-1996 me associei como pesquisador sênior ao Instituto de Desenvolvimento Econômico (Iedes), na Universidade de Paris 1 (França), onde fui co-coordenador dos seminários, em colaboração com o Dr. Jean-Marc Fontaine. Esse foi um dos períodos mais produtivos de minha atividade acadêmica, pois publiquei inúmeros artigos, participei de diversos encontros internacionais e cooperei na orientação de muitos trabalhos de mestrado e doutoramento de alunos da Universidade Paris 1, Panthéon-Sorbonne. Em abril de 1997 presidi o comitê organizador do International Colloquium, realizado em Brasília

como parte do processo de criação do programa de doutorado em economia da UnB. O evento contou com a colaboração de scholars de projeção internacional. Esse colóquio foi pioneiro na realização continuada de encontros científicos associados ao Departamento de Economia da UnB. Nos anos seguintes organizamos um expressivo número de atividades em colaboração com diversas instituições nacionais e internacionais e fui editor da maioria dos proceedings. Entre janeiro e março de 1998 fui professor titular visitante da Universidade de Lugano, Suíça, onde desenvolvi estimulante programa de ensino e pesquisa que me levou a um conjunto significativo de publicações internacionais. No ano de 2000, obtive a posição de pesquisador visitante sênior no excelente Centro de Estudos Prospectivos de Economia Matemática Aplicada ao Planejamento (CepremapParis). Em 2002 também fui professor titular visitante nas universidades de Bologna e de Verona, na Itália. Nos anos seguintes participei intensamente de encontros internacionais. A partir de abril de 2007 me desloquei para o Iedes, Universidade de Paris 1, Panthéon-Sorbonne, onde fui senior researcher até dezembro. Desenvolvi pesquisas e ministrei seminários. Nesse período recebi diversas homenagens e condecorações, inclusive a Comenda Milton Santos em solenidade na Maison du Brésil em Paris. Como economista heterodoxo e cidadão do mundo, penso que o sucesso do desenvolvimento econômico deve ser julgado, essencialmente, do ponto de vista daqueles que menos têm na sociedade, ou seja, os mais carentes. Concordo com a visão de Terêncio, filósofo medieval, quando afirmava que “a nada do que é humano podemos ser indiferentes”. Também concordo com Bertold Brecht, em passagem da obra A Vida de Galileu, quando afirma: “Frequentemente a causa principal da pobreza da ciência é a riqueza presumida. A finalidade da ciência não é abrir a porta ao saber infinito, mas colocar um limite à infinitude de erros”. Desde 1982 lidero o grupo de “Crescimento e Distribuição” do CNPq que conta com a participação de excelentes economistas brasileiros e estrangeiros. Tem


da Universidade de Brasília (ADunB) me premiou por

realizamos nove colóquios, dos quais cinco em Brasília

estou profundamente envolvido com a realização do

e os outros na Itália, França, Irlanda e Áustria. Todos

X International Colloquium, evento que ocorrerá em

esses eventos copatrocinados pela UnB trataram de

Lisboa, Portugal, em maio de 2013, para o qual fui eleito

temas relevantes para a compreensão de problemas

Honorary Member of the Organizing Committee. Ainda

sócioeconômicos contemporâneos. Para isso contamos

no primeiro semestre de 2013 devo aceitar convites

com o apoio de diversas instituições nacionais e

para ministrar um conjunto de seminários na França,

internacionais.

Suíça, Itália e Portugal.

notável trajetória de excelência acadêmica. Também

Em julho e agosto de 2011 lecionei na condição de

Na verdade, ando tão ocupado quanto no

professor visitante no Summer Program da Portland

passado próximo. Às vezes a vida traz surpresas

State University (EUA). Em outubro fui titular da

bem gratificantes! Venho recebendo homenagens e distinções nacionais e internacionais. Contudo, nenhuma das premiações se compara com o significado de receber o título de Professor Emérito de nossa UnB.

Universidade de Fribourg, Suíça, da qual guardo expressivas lembranças. Então passei para o quadro de professores colaboradores voluntários (pro bono publico) da UnB. Considero um privilégio fazer parte desse grupo e tenho planos de continuar servindo nossa universidade. Afinal, essa é uma pequena retribuição pelo tanto que dela recebi. Gostaria de salientar que em 2011 passei por dilemas que certamente atormentam profissionais, principalmente no inverno da carreira acadêmica. Cheguei a conjecturar que seria excelente ter tempo para ler os livros que sempre quis ler e não tive oportunidade; passar horas ouvindo música de qualidade; viajar sem maiores comprometimentos; despender

algum

tempo

jogando

xadrez

ou

conversando com amigos e familiares. Afinal, publiquei mais de uma centena de artigos acadêmicos, editei mais de uma dezena de livros, orientei inúmeras teses,

Tenho imensa gratidão aos meus parentes, colegas, funcionários, alunos e companheiros dessa longa jornada. Eles apoiaram significativamente para que minha vida acadêmica tenha sido e seja produtiva, comemorada agora com o título de Professor Emérito. Eu gostaria de prestar meu agradecimento a todos pela amizade e compreensão. Diria também, recordando Bertrand Russel, quando afirma, no prólogo de sua autobiografia, que: “Isto tem sido minha vida e creio que ela tem sido digna de ser vivida. Vivê-la-ia de novo, com a maior alegria, se a oportunidade me fosse oferecida”. A essas palavras eu acrescentaria, naturalmente, que buscaria fazer as correções necessárias.

dissertações e monografias. Na verdade continuo lecionando na UnB, orientando teses, dissertações e monografias; produzindo meus papers e desenvolvendo atividades de professor e

Sei que “tudo que é solido desmancha no ar”, mas espero continuar compartilhando, por mais algum tempo, com nossa comunidade, minha experiência acumulada.

pesquisador, como há mais de três décadas e meia. Continuo participando intensamente de eventos acadêmicos no Brasil e exterior. Assim, em agosto deste ano, recebi homenagem do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF) por honrada dedicação às Ciências Econômicas. No início de setembro, um de meus artigos foi apresentado em prestigiado evento acadêmico na Universidade de Cambridge, Inglaterra. Em outubro, a Associação dos Docentes

Agradeço novamente aos professores, funcionários, alunos, amigos e a nossa UnB por todas as oportunidades oferecidas. Agradeço em particular à minha família, com carinho e gratidão. * O professor Joanilio Rodolpho Teixeira foi homenageado pelo Corecon-DF no VIII Encontro dos Economistas do Centro-Oeste, realizado em agosto, pela dedicação às ciências econômicas e pelo recebimento do título de professor emérito da UnB.

julho / setembro de 2012

sido um prazer e um estímulo compartilhar o esforço com essa equipe de colaboradores. Entre 1986 e 2011,

19


Aspectos gerais do PLOA 2013 (Projeto de Lei Orçamentária Anual) Max Leno de Almeida A Constituição de 1988 determina que o Orçamento Público do ano seguinte seja anualmente elaborado pelos Municípios, Estados e pela União. Ele deve prever as quantias de recursos que, em um período determinado, devem entrar e sair dos cofres públicos. No âmbito federal, tudo começa nos diversos Ministérios que elaboram seus orçamentos individuais para o exercício seguinte e os encaminham para a Secretaria de Orçamento Federal (SOF) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que se encarrega de consolidar as propostas enviadas pelos vários órgãos e posteriormente submetê-las, na forma de projeto de lei orçamentário, à Presidência da República. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) federal é enviado à Comissão Mista de Orçamentos e Planos do Congresso Nacional para a apreciação dos deputados e senadores. Posteriormente, o Orçamento deve ser

PLOA 2013 – Cenário macroeconômico

Depois de aprovado, na hipótese de não haver grandes

Para efetuar os cálculos da previsão de arrecadação para o ano seguinte, a SOF leva em conta um conjunto de indicadores, como as estimativas relativas ao Produto Interno Bruto (PIB) e a previsão de inflação. A partir dessa receita é que são definidos os gastos. Nesse caso, os parâmetros macroeconômicos considerados para 2013 foram:

é sancionado pelo Presidente da República e se transforma em Lei.

Conjuntura Revista de

Assim, o presente artigo tem por objetivo apresentar os principais aspectos relativos ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2013 enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional no final de agosto deste ano. Destacam-se, principalmente, questões relativas ao cenário macroeconômico previsto, as Despesas de Pessoal, a relação entre o PLOA e o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e, por fim, as previsões de receitas, despesas e superávit primário para o ano de 2013.

votado e aprovado até o final de cada legislatura. divergências em relação à proposta original, o projeto

20

Cabe lembrar que os parlamentares e órgãos do Poder Legislativo atuam sobre o Projeto de Lei Orçamentária anual acrescendo, suprimindo ou modificando itens na programação proposta pelo Poder Executivo a partir da apresentação de emendas ao PLOA e que são debatidas na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional.

Essa Lei estima a receita e fixa a despesa que a administração pública federal está autorizada a realizar num determinado exercício (gestão). Como instrumento de execução do planejamento do governo, a LOA deve ser compatível com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e com o PPA (Plano Plurianual) aprovado para o período. A Constituição determina que o Orçamento deve ser votado e aprovado até o final de cada Sessão Legislativa (que, geralmente, é encerrada em 22 de dezembro).

• Crescimento de 4,5% do PIB real; • PIB nominal de R$ 4,9 trilhões; • Inflação segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) de 4,5%; • Elevação estimada do valor do salário mínimo para R$ 670,95 (variação de 7,9%)


Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o investimento será a mola mestra do crescimento em 2013 e, por isso, está fortemente presente nas ações do Orçamento, tanto no caso dos investimentos públicos, inscritos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como nos estímulos aos investimentos privados, com os financiamentos do BNDES. Porém, não se pode esquecer que as taxas de juros, nesse caso, são subsidiadas pelo governo, vindo assim a se constituírem mais baixas, mas às custas dos cofres públicos. Para se ter uma ideia, o montante previsto para a União conceder subvenções aos empréstimos do BNDES corresponde a R$ 150 bilhões para 2013. Ademais, a partir do cenário macroeconômico que acompanha a previsão do orçamento para o ano que vem, é possível também verificar que o governo persistirá com uma política fiscal relativamente voltada para os investimentos públicos, porém persistindo com a meta de redução da relação da dívida pública com o PIB, fortalecida pela geração de superávit primário, que, em linhas gerais, pode ser caracterizado como a economia que o governo efetua para o pagamento dos juros da dívida interna do governo federal.

O PLOA 2013 e as Despesas de Pessoal Além do Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2013, que chegou ao Congresso no dia 30 de agosto, o governo também encaminhou ao Legislativo no dia 31 de agosto, data limite prevista em lei, os projetos¹ que tratam dos reajustes salariais dos servidores públicos que fecharam acordos com o Governo Federal. Segundo afirmações do governo, aproximadamente 1,7 milhão de servidores do Poder Executivo serão beneficiados, o que representa 93% do total. 1

Outro detalhe importante é que o PLOA contém vários anexos. O de número 5 trata, justamente, das autorizações específicas de que cuida o artigo 169, § 1º, inciso II, da Constituição e o artigo 76 da LDO-2013, relativas às Despesas de Pessoal e Encargos Sociais para 2013. Tal anexo contempla, assim, a previsão quanto à criação e/ou provimentos de cargos, empregos e funções, bem como admissão ou contratação de pessoal, como também as alterações de estrutura de carreiras e aumento de remuneração dos servidores dos três Poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo). Sendo assim, cabe lembrar que o Orçamento para 2013 prevê para Legislativo, Judiciário e Ministério Público a primeira parcela de reajuste que o governo negociou com a maior parte dos servidores públicos federais. O anexo 5 ainda contém a previsão de R$ 2,6 bilhões correspondentes a novos servidores que entrarão na administração pública federal, nos diversos Poderes, e a substituição de terceirizados a partir dos acordos feitos entre o governo federal e o Ministério Público (ver tabela 01).

Tabela 1 - PLOA 2013 Despesa de pessoal – Anexo V Impacto (em R$ milhões) Reestruturações Ingressos PODER e aumentos de e substiTotal remuneração tuição de terceirizados EXECUTIVO 8.918,1 2.082,9 11.001,0 JUDICIÁRIO 964,0 339,5 1.303,5 LEGISLATIVO 284,7 94,2 379,0 MPU 122,9 105,8 228,7 TOTAL 10.289,7 2.622,4 12.912,1 Fonte: Anexo V do PLOA 2013.

A ministra do Planejamento, Míriam Belchior, revelou ainda que serão abertas cerca de 49 mil vagas no Executivo. Ainda não há um cronograma de concursos, mas esses ingressos deverão ocorrer no ano que vem. No caso das negociações entre as entidades representativas dos servidores públicos federais

No total, o governo editou três Projetos de Lei que tratam da questão remuneratória dos servidores federais: PL 4.371/2012 (referente às carreiras que recebem subsídios), PL 4.369/2012 (Projeto relativo às várias carreiras do Poder Executivo; cargos e funções comissionadas – DAS, por exemplo – e soldos dos militares das forças armadas) e PL 4.368/2012 (carreiras da área de educação).

julho / setembro de 2012

Dos números acima apresentados, o parâmetro principal é o crescimento do PIB, estimado em 4,5% para o ano que vem. Segundo o Ministro da Fazenda, essa informação não se constitui apenas numa previsão econômica, mas, sobretudo, numa meta a ser perseguida com as ações e programas que estão contidos no Orçamento e que vão promover esse crescimento.

21


e o Governo Federal, os resultados foram na linha de se estabelecer reajustes escalonados de aproximadamente15,8% com impactos previstos para o período de 3 anos (2013 a 2015). Quanto ao ano de 2013, o volume total estimado, de acordo com fontes do Governo Federal, corresponde a aproximadamente R$ 10,3 bilhões. Em relação aos militares, também está previsto um aumento em seus vencimentos no período de três anos.

Orçamento público, PAC e a desoneração da folha de pagamentos O Governo ampliou, no Orçamento de 2013, os recursos destinados às áreas de saúde e educação, e aos programas de Aceleração do Crescimento (PAC) e Brasil sem Miséria. A proposta orçamentária também destina quase R$ 2 bilhões para grandes eventos, como Copa do Mundo, Copa das Confederações, Jogos Olímpicos e a Jornada Mundial da Juventude.

Resultado das negociações do Governo Federal com os servidores públicos federais PODER EXECUTIVO

PODER LEGISLATIVO

PODER JUDICIÁRIO

MPU (Ministério Público da União)

- Proposta de reajustes escalonados em 3 anos; - Impacto em 2013 – R$ 8,96 bilhões.

Conjuntura Revista de

aumento de quase 9% na previsão dos investimentos, passando de R$ 171,7 bilhões em 2012 para R$ 186,9 bilhões no próximo ano. Ela enfatizou, ainda, os aumentos previstos no PAC + Minha Casa Minha

- Acordo de 15,8% em 3 anos com Senado, Câmara e TCU;

Vida (22,8%), na saúde (10,7%), na educação (14,4%)

- Impacto em 2013 – R$ 285 milhões - Proposta de 15,8% em 3 anos com Magistrados e Servidores; - Impacto em 2013 – R$ 964 milhões. - Proposta de 15,8% em 3 anos com Membros e Servidores;

e no Brasil sem Miséria (16,3%). O Orçamento de

- Impacto em 2013 – R$ 123 milhões.

A proposta reserva, ainda, na parte relativa às

Fonte: Apresentação do Projeto de Lei Orçamentária Anual 2013 – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – Ministério da Fazenda, 30 de agosto de 2012.

22

A ministra Miriam Belchior destacou, ainda, o

investimento das estatais federais em 2013 está estimado em R$ 110,6 bilhões, dos quais a maior parte (R$ 78,8 bilhões), será destinada à Petrobrás.

Despesas Primárias, mais de R$ 15 bilhões para a desoneração de novos setores da economia. De acordo com o ministro Guido Mantega, esse valor não

Cabe reforçar que somente após a publicação das

inclui a redução de IPI prorrogada para automóveis,

tabelas salariais por parte do Governo foi possível

eletrodomésticos da linha branca, móveis e material de

calcular os reajustes efetivos nos três anos para cada

construção.

uma das carreiras que negociaram com o Governo, já

E foi justamente em setembro deste ano que o

que, não necessariamente, o impacto final dos reajustes

Governo Federal anunciou o projeto de redução de

dos servidores será de 15,8%, pois, em muitos casos,

tributos sobre a folha de pagamentos, a partir da

trabalhou-se com o impacto final da folha distribuindo-

eliminação da contribuição previdenciária patronal de

se os valores no Vencimento Básico, nas gratificações

20% sobre a folha de pagamentos, de forma a ampliar

ou, ainda, definindo-se valores fixos para cada um dos

a lista dos setores beneficiados e contemplar parte da

níveis (Superior, Intermediário e Auxiliar).

indústria, alimentos e serviços.

Vale destacar, adicionalmente, que o Orçamento

Em lugar da contribuição sobre a folha, os setores

previsto para 2013, conforme visto no cenário

pagarão alíquota de 1% a 2% sobre o faturamento, o

macroeconômico

prevê

que ocasionará redução de tributos no total de R$ 12,8

aumento do salário mínimo para R$ 670,95 a partir de

bilhões, que corresponde a 0,26% do PIB estimado em

primeiro de janeiro, o que representa reajuste de 7,9%.

R$ 4,9 trilhões em 20133.

tratado

anteriormente, 2

2

Quanto ao valor do salário mínimo de 2013, cabe observar que poderá sofrer alterações já que a Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê como mecanismo de reajuste a variação da inflação de 2012, segundo o INPC-IBGE, acrescida do comportamento do PIB de 2011. Assim, caso a inflação venha a apresentar modificações até o final do ano, o valor final do salário mínimo também terá alterações.


Cabe observar que, com vistas ao cumprimento do § 4º do art. 9º da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, o Poder Executivo deve demonstrar e avaliar o cumprimento das metas fiscais quadrimestrais, em audiência pública, até o final dos meses de maio, setembro e fevereiro, na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional. Além disso, de acordo com o art. 124 da Lei nº 12.465, de 12 de agosto de 2011, Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2012, que orientou a elaboração da proposta orçamentária para 2012, o Poder Executivo deverá encaminhar ao Congresso Nacional, no prazo de até três dias antes da referida audiência, ou até o último dia dos meses de maio, setembro e fevereiro, o que ocorrer primeiro, relatórios de avaliação do cumprimento da meta de superávit primário, com as justificativas de eventuais desvios e indicação de medidas corretivas adotadas. Deste modo, o governo federal divulga, a cada quadrimestre, o relatório de avaliação do cumprimento das metas fiscais. Neste relatório são apresentadas a demonstração e a avaliação do cumprimento da meta de resultado primário do conjunto dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social e do Programa de Dispêndios Globais das Empresas Estatais Federais não

‘‘

‘‘

A receita primária do Governo Federal decorrente da previsão do PIB de 4,5% para 2013 está estimada em R$ 1,229 trilhão (o correspondente a 24,7% do PIB previsto contra 24,2% de 2012), dos quais R$ 762,9 bilhões relativos a receitas administradas, R$ 314,1 bilhões em receitas previdenciárias e R$ 152,6 bilhões de outras receitas (royalties, dividendos, participações especiais). O ministro ressaltou ainda o valor estimado de transferências constitucionais, no total de R$ 203 bilhões.

... o Orçamento previsto para 2013, conforme visto no cenário macroeconômico tratado anteriormente, prevê aumento do salário mínimo para R$ 670,95...

financeiras, fixada para o 2º quadrimestre do exercício de 20124, conforme disposição dos normativos já citados.

Por isso, um dos itens que vem causando preocupações ao Governo Federal é o desempenho das receitas totais do Tesouro Nacional, já que as receitas acumuladas até o 2º quadrimestre de 2012 atingiram R$ 520,1 bilhões, montante inferior em R$ 2,8 bilhões à estimativa para o período (desvio de 0,54%). Destas, as receitas administradas pela RFB/MF (Receita Federal do Brasil – Ministério da Fazenda)5 contribuíram com R$ 430,9 bilhões, montante R$ 10,3 bilhões abaixo da estimativa para o período (desvio de 2,33%). Essa diferença nas receitas administradas deveu-se principalmente ao resultado da atividade econômica, que foi aquém do esperado no período. De acordo com o relatório já mencionado, os principais tributos que contribuíram negativamente para o desvio verificado, assim como suas justificativas, estão a seguir: x IRPJ, desvio de R$ 2,2 bilhões (3,04%): parte da explicação pode ser atribuída ao crescimento do montante de compensações e balancetes de redução ou suspensão (menor lucratividade das empresas);

3 Para maiores detalhes relativos à Desoneração da Folha de Pagamentos, é possível acessar a página do Ministério da Fazenda: http://www. fazenda.gov.br/portugues/documentos/2012/cartilhadesoneracao.pdf 4 Para informações mais detalhadas a respeito do relatório elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional, é possível acessar: http://www.tesouro. fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/relatorio_cumprimento_metas.asp 5 Os principais tributos que compõem a arrecadação das receitas administradas pela RFB são: IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), Receita Previdenciária, Imposto de Importação, IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados), IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física), COFINS, PIS-PASEP, IOF, CIDE – Combustíveis e demais Receitas Administradas.

julho / setembro de 2012

PLOA 2013 – Receitas, Despesas e Superávit Primário

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x IOF, desvio de R$ 682 milhões (3,15%): principalmente, pela queda na arrecadação do IOF, nas operações de entrada de moedas; x IRRF – Rendimento do Trabalho, desvio de R$ 608,5 milhões (1,41%): principalmente, por menores recolhimentos nos setores de administração pública e financeiro; x IPI – Vinculado à Importação, desvio de R$ 560 milhões (4,93%): principalmente por menor crescimento do valor em dólar das importações tributáveis; x II (Imposto de Importação), desvio de R$ 509,2 milhões (2,47%): principalmente em razão do menor crescimento do valor em dólar das importações tributáveis. Ainda assim, mesmo que o comportamento atual das receitas não esteja compatível ao de outros momentos, as sinalizações são de que a previsão de expansão da arrecadação federal para o ano de 2012 será de 4% a 4,5% e, evidentemente, quanto aos resultados relativos ao ano de 2013 estarão condicionados não apenas ao cenário macroeconômico externo e interno da economia brasileira, mas, sobretudo, ao próprio comportamento das receitas públicas federais. Já as despesas primárias previstas para 2013 totalizam R$ 943,4 bilhões. Além dos R$ 15,2 bilhões estimados para as novas desonerações, o valor contempla R$ 684,6 bilhões de despesas obrigatórias, R$ 348,3 bilhões de benefícios previdenciários e R$ 258,8 bilhões de despesas discricionárias.

Revista de

Conjuntura

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Com relação ao desempenho das despesas do Tesouro Nacional em 2012, constata-se que atingiram o montante de R$ 323,9 bilhões, contas do Banco Central inclusive. Esse valor ficou abaixo do previsto no Decreto em R$ 8,1 bilhões (desvio de 2,43%). As principais despesas realizadas a menor foram: 6

‘‘

...mesmo que o comportamento atual das receitas não esteja compatível ao de outros momentos, as sinalizações são de que a previsão de expansão da arrecadação federal para o ano de 2012 será de 4% a 4,5% ...

‘‘

x CSLL, desvio de R$ 1,6 bilhão (3,97%): parte da explicação pode ser atribuída ao crescimento do montante de compensações e balancetes de redução ou suspensão (menor lucratividade das empresas);

x Pessoal e Encargos Sociais, desvio de R$ 413,7 milhões (0,33%); x Despesas de Custeio e Capital, desvio de R$ 7,7 bilhões (3,68%):

Despesas Discricionárias - Todos os Poderes, desvio de R$ 3,6 bilhões (2,62%): incluem-se, nesse total, as despesas no âmbito do PAC, cuja realização ficou abaixo do previsto em R$ 4,1 bilhões (desvio de 15,37%), e as despesas relacionadas aos limites autorizados pelo Decreto nº 7.781/20126 para o Poder Executivo, cuja realização ficou acima do programado em R$ 1,9 bilhão (desvio de 1,80%); Despesas Não Discricionárias de Custeio e Capital, desvio de R$ 4,1 bilhões (5,72%): Abono e Seguro-Desemprego e Fundeb7 – Complementação, respectivamente, com desvios de R$ 3,5 bilhões (11,82%) e R$ 755,2 milhões (10,27%), devido à reprogramação dos fluxos financeiros no ano corrente; e Sentenças Judiciais, desvio de R$ 640,9 milhões (17,55%), pela reprogramação de despesas de precatórios previstas no Decreto. Quanto à meta de Superávit Primário do Governo Central para 2013 prevista no PLOA, o valor é de R$ 108,1 bilhões. Isso equivale a 3,1% do PIB, com

O Decreto 7.781, de 1º de agosto de 2012 altera os Anexos VII, VIII e X do Decreto no 7.680, de 17 de fevereiro de 2012, que dispõe sobre a programação orçamentária e financeira e estabelece o cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo para o exercício de 2012. 7 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.


O Ministro da Fazenda acrescentou ainda que o Projeto Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), em 2013, permite ao Governo Central abater mais de R$ 40 bilhões, e destacou que o valor de R$ 25 bilhões de abatimento representa a soma do aumento do PAC, R$ 10 bilhões, e os R$ 15 bilhões das desonerações. Em relação ao setor público consolidado, que inclui os governos estaduais e suas estatais, a meta de resultado primário é de R$ 155,9 bilhões, o que corresponde a aproximadamente 3,1% do PIB previsto para 2013. O governo, com isso, enfatizou também que o Orçamento para 2013 continuará em sintonia com a solidez fiscal que vem sendo perseguida desde 2003, sinalizando-se, inclusive, para novos contingenciamentos orçamentários para os próximos anos.

quadrimestre de 2012, na qual, conforme já salientado, constitui-se em um dos pilares da política fiscal do atual governo.

Considerações finais A partir do artigo lido reforça-se, assim, a importância de se acompanhar os orçamentos públicos (Federal, Estaduais e Municipais), desde sua origem (Projetos de Leis enviados pelo Poder Executivo), como também suas respectivas reavaliações já que, além de apontarem o comportamento das receitas e despesas públicas, indicam, adicionalmente, quais são as pretensões do governo com relação às políticas macroeconômicas, sobretudo as políticas Fiscal, Monetária e Cambial.

Uma questão importante relativa ao trâmite do Projeto no Congresso comentada pelo relator do Orçamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), foi quanto à preocupação com o calendário de discussões e votações da proposta, em função do recesso branco no Congresso. Mas o presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), assegurou que haverá tempo hábil para votar o projeto até o fim do ano. Outro detalhe importante diz respeito ao já mencionado relatório de avaliação do cumprimento das Metas Fiscais referentes ao 2º quadrimestre de 2012, já que, a partir dessa divulgação, constatou-se que, encerrado o mês de agosto, o Governo Federal atingiu superávit primário de R$ 53,3 bilhões, superando em R$ 7,4 bilhões a meta do período. O superávit primário do Governo Central ficou acima de sua meta prevista em R$ 7,1 bilhões, enquanto que as Empresas Estatais Federais registraram um resultado superior ao previsto no montante de R$ 318,3 milhões. Desta forma, fica comprovado o cumprimento da meta de superávit primário do Governo Federal no 2º

Max Leno de Almeida max@dieese.org.br Economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e Professor Universitário. Foi Conselheiro do Corecon-DF, atualmente é Conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon).

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possibilidade de abatimento de R$ 25 bilhões, podendo chegar, então, a R$ 83,1 bilhões. Tal artifício, que eventualmente, será utilizado a depender das variáveis econômicas, do comportamento da receita e da despesa. Porém, o Governo deixa claro que vai tentar não fazer o abatimento e perseguir a meta cheia.

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VIII ENEOESTE

VIII Encontro dos Economistas da Região Centro-Oeste O VIII Encontro dos Economistas da Região CentroOeste - ENEOESTE, realizado entre os dias 22 e 24 de agosto, foi marcante para a categoria em 2012. O evento foi promovido pelo Conselho Regional de Economia do Distrito Federal em parceria com o Conselho Federal de Economia e os Corecon’s de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A cerimônia de abertura do VIII Eneoeste, no dia 22, ocorreu juntamente com a abertura do seminário com o tema “Políticas Públicas de Estímulo ao Consumo e seus Efeitos na Economia do Brasil”, na Câmara dos Deputados, com a presença inúmeras autoridades. Com o tema central “Desenvolvimento do CentroOeste: perspectivas e desafios do século XXI”, o segundo dia, 23, no Hotel Nacional, ocorreram debates sobre as perspectivas da economia brasileira frente à crise internacional,benefícios fiscais como fatores de promoção do desenvolvimento, políticas e programas de desenvolvimento regional e as ações da Sudeco para promovê-lo.

Breves resumos das falas dos palestrantes A economia do Distrito Federal e da Área Metropolitana Integrada de Brasília (Amib) Aldo Paviani Inicialmente, é interessante contextualizar geograficamente a Área Metropolitana Integrada de Brasília, tal como aparece em um mapa em que o Distrito Federal (DF) ocupa a área central, circundado pelos dez municípios goianos contíguos.1

Revista de

Conjuntura

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O Corecon-DF aproveitou o evento para homenagear alguns nomes de grande importância para o Conselho. Foram os economistas: José Luiz Pagnussat, Carlos Eduardo de Freitas, Jucemar José Imperatori, Carlito Roberto Zanetti, Maria Cristina de Araújo, Mônica Beraldo Fabrício da Silva e Maurício Barata de Paula Pinto. Todos receberam as homenagens pela dedicada contribuição ao Conselho através das Comissões de Trabalho. O Corecon-DF também homenageou o economista JoaniIlio Rodolpho Teixeira, pela honrada dedicação às Ciências Econômicas e o recebimento do título de Professor Emérito. Por fim, foi homenageado o jornalista Diego Martins de Amorim (Correio Braziliense), pelo mérito jornalístico de economia do DF e Região Metropolitana. No último dia, os debates englobaram a economia do DF e sua região metropolitana, o papel do FCO no desenvolvimento da região Centro-Oeste, bem como a importância dos recursos minerais, e também o papel do emprego e os gargalos da economia brasileira.

Igualmente, a geografia do DF tem características de toponímia merecedora de explicitação: do ponto de vista administrativo, o DF possui status de estado federado (com 5.801 km2) e de município, que possui área rural e urbana. O DF urbano coincide com Brasília, composta por um centro, o Plano Piloto e 30 núcleos (as “cidades-satélites”) – com sede de Região Administrativa (RA). É sempre interessante ressaltar que os núcleos no passado recebiam a denominação de “cidades-satélite”, considerados adequados pelo

1 O mapa da área metropolitana é de autoria do professor Rafael Sanzio Araújo dos Anjos e pode ser encontrado na coletânea Brasília 50 anos: da capital à metrópole. Brasília: Editora UnB, 2010, p. 15.


A urbanização da Área Metropolitana submetida a uma tríplice caracterização:

está

= crescimento populacional, que foi de 2,67%, entre 2000 e 2010, de acordo com os Censos do IBGE. O DF cresceu 2,28%, nesse período; = expansão física/estrutural, o que significa que a Amib está submetida ao mesmo processo de expansão polinucleada, tal como ocorreu no DF, no qual os núcleos urbanos foram disseminados no território, com grandes espaços em aberto entre uma cidade e outra. Esclareça-se que há vetores imobiliários tendendo ao preenchimento dos espaços intercalares, no rumo da conurbação, com o que toda a Amib se tornaria área compacta, assemelhando-se a metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras. = mudanças e transformações sociais, econômicas e territoriais ao longo do processo de urbanização. Esse processo está sendo submetido a atores como os agentes do estado, da iniciativa privada – especialmente do setor imobiliário – e pelos cidadãos – que buscam as melhores condições de moradia e de locais de trabalho. A urbanização, que se efetiva mais intensamente em âmbito metropolitano, foi mostrada com dados do incremento populacional, entre os censos dos anos de 2000 e 2010 - com os exemplos do gigantismo de algumas metrópoles - a seguir: = São Paulo: apresentou um incremento de 810.117 habitantes, no intervalo censitário, e totalizou, em 2

Cidades-satélite foram definidas no Vocabulário de Geografia Urbana do Instituto Panamericano de Geografia e História. Rio de Janeiro, 1971, p. 138.

2010, 11.244.369 habitantes – uma das maiores metrópoles mundiais; = Rio de Janeiro: incremento de 465.133 habitantes e total de 6.323.037 habitantes, em 2010; = Salvador: crescimento de 233.499 habitantes e total de 2.676.606 habitantes, em 2010; = Brasília: crescimento de 511.817 habitantes e total de 2.562.963 habitantes, em 2010. Isso demonstra que a capital foi a segunda metrópole em termos de aumento populacional na década passada. Ao examinar a Ride (Região Integrada de Desenvolvimento Econômico), ficou demonstrado que: = trata-se de um território de 56.400 km2, que engloba a Amib e 22 municípios (o município de Brasília, 18 municípios goianos e 3 mineiros), com uma população total de 3.716.996 habitantes no censo de 2010; = a região possui desigualdades socioeconômicas reveladas, por exemplo, pelo IDH médio de 0,748. O de menor expressão é o IDH de Mimoso de Goiás, com 0,664 e o mais elevado o do próprio DF, 0,874; = apresenta problemas como baixo dinamismo industrial, pois a região possui base econômica no agronegócio (que pode ser afetado pela crise internacional e por mudanças climáticas em grande evidência nos últimos anos). = falta integração, e a região necessita explicitar metas para o desenvolvimento, o que demonstraria empenho para reduzir as desigualdades sociais na Ride. Os problemas de gestão urbana podem ser consubstanciados em: = atraso em enfrentar os desafios da gestão metropolitana, sobretudo na questão do alargamento da periferia metropolitana, que implica aumento das distâncias casa-trabalho;

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Instituto Panamericano de Geografia História, que as define como “centros possuidores de relativa autonomia em relação à dominância metropolitana”.2

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= demandas da população não atendidas em termos de:

6,5% de desemprego ou a metade da média do DF. A

a) falta de recursos, sobretudo para suprir as deficiências do transporte de massa e para a implantação de infraestruturas, como abastecimento de água e saneamento básico na Ride;

a explicação para o deslocamento diário rumo ao Plano

b) acesso à moradia e ao trabalho remunerado dignamente;

da área metropolitana conhecida como entorno em direção ao DF, principalmente para o Plano Piloto. Feitas

essas

análises,

apontamos

alguns

Ultimamente, é notável a expansão da periferia isso, os lugares para trabalhar não coincidem com os

1 – A necessidade de descentralizar as atividades econômicas para que se possa igualmente aproximar os postos de trabalho dos lugares de residência;

de moradia, o que provoca pesados deslocamentos

2 – a importância de dotar a Amib de infraestruturas;

em direção ao centro, com sobrecarga do sistema

3 – investir em educação e atividades que gerem inovações;

ineficiente). Isso o que estimula o uso do automóvel e causa congestionamentos das principais vias do DF. Com relação à questão da segregação socioespacial, destaca-se a elevada concentração dos postos de trabalho, pois o Plano Piloto detém – segundo a Codeplan – 47,7% dos postos de trabalho e apenas 8,17% da população do DF. Por sua vez, as cidadessatélites, com 91,83% da população, detêm 52,3% dos postos de trabalho, o que caracteriza esses núcleos como lugares dormitórios. Além disto, os desempregados do DF somavam, em agosto de 2012, 183.000 (segundo a Codeplan), ou 12,6% da PEA. Acrescente-se que, na classificação do Dieese, o grupo de núcleos de menor status socioeconômico, o G-3 apresentou em junho 15,1% de sua PEA, mostrandose superior à média do DF; o grupo G-2 - cidades com melhores condições – apresentou 11,1% de desemprego, muito próximo à média do DF. Por fim,

Conjuntura

se que cerca de 100 mil trabalhadores se desloquem

encaminhamentos com o olhar nos “rumos futuros”.

de transporte, que se mantém deficitário (portanto,

Revista de

Piloto de cerca de 700 mil pessoas. Desse total, estima-

c) falta de segurança pública e enfrentamento da criminalidade crescente na região. metropolitana, em termos de habitação. Enquanto

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questão da moradia afastada dos lugares de trabalho é

na mesma PED de junho, o Plano Piloto apresentou

Resumidamente indicamos:

4 – criar condições para o desenvolvimento tecnológico; 5 – elaborar um elenco de medidas que sejam atrativas ao turista; 6 – incentivar o uso de matérias-primas da região sem depredar a natureza; 7 – propiciar condições para a sustentabilidade (durabilidade) dos recursos hídricos; 8 – estimular a criação de um ente metropolitano para a integração dos municípios da Amib, que se beneficiariam com uma gestão racional dos serviços de uso comum, elevando o patamar de atendimento às respectivas populações. Em conclusão, resta ter o pensamento voltado para os cruciais próximos dez anos, quando estiverem consolidadas as medidas propostas, tanto em termos regionais como no âmbito da Amib – o desenvolvimento urbano e regional. Irá depender de vontade política e de visão de futuro por parte dos governantes das três esferas republicanas de decisão e gestão.


Amanda Giordani Pereira, Carlos Augusto Ramos Neves, Thiago Henrique Cardoso da Silva e Thiers Muniz Lima A frágil recuperação da economia mundial, devido principalmente à instabilidade financeira associada à crise da dívida soberana na área do euro, tem afetado a produção industrial mundial e, consequentemente, o consumo de metais. Em 2011, o crescimento da demanda global por metais foi menor (+4%) quando comparado a 2010 (+11%). Além disso, os preços caíram 25% (Figura 1).

Nos últimos anos, a China tem mostrado o maior crescimento da demanda por metais no mercado de commodities minerais, sendo responsável por cerca de 40% da demanda mundial em 2011. O Brasil tem uma produção mineral bastante diversificada e destaca-se, no contexto mundial, como o maior exportador de minério de ferro e ligas de ferronióbio. Situa-se entre os grandes produtores de nióbio, ferro, caulim, tantalita, bauxita, grafita, amianto, vermiculita, rochas ornamentais e ouro. O produto da indústria extrativa mineral teve, em 2011, expansão de 3,2%, com destaque para o aumento da extração de minério de ferro. Em valores correntes,

Figura 1: Índice de preços de commodities do Banco Mundial

Fonte: Banco Mundial * excluindo o minério de ferro

a soma do produto da mineração brasileiro atingiu R$ 144,8 bilhões (US$ 86,5 bilhões) em 2011, correspondendo a 4,1% do PIB (Figura 2). Em 2011, as matérias-primas e produtos intermediários representaram a maior parte das exportações brasileiras (63%). Nessa categoria estão os produtos minerais, que foram os principais bens exportados. A China destaca-se como o principal destino de exportações de bens minerais primários, com 43,3% de participação. Nas importações, as matérias-primas e produtos inter-

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Contribuição da mineração ao desenvolvimento da região Centro-Oeste

mediários também representam o grupo mais relevante na pauta transacionada, com 45%. Ao analisar a evolução da participação dos produtos minerais na pauta de comércio exterior brasileira, verifica-se que houve crescimento durante os últimos anos. Nas exportações, a participação dos produtos minerais saiu de 17,8% em 2005 para 25,3% em 2011. Dos bens minerais primários, o minério de ferro foi responsável por 16,3% das exportações totais do Brasil no período (Figura 3).

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Figura 2: Influência dos bens minerais na economia nacional – 2011

Fonte: DNPM / DIPLAN, IBGE, BACEN. * Informações incluem petróleo = gás natural. (1) Valor adicionado estimado a preços básicos

Figura 3: Evolução (em %) da participação das exportações brasileiras por categoria de uso

Figura 4: Número de empregados no setor mineral brasileiro (2007-2011)

Fonte: MTE / CAGED Fonte: MDIC / SECEX, DNPM / DIPLAN

Revista de

Conjuntura

30

Já nas importações, os produtos mineirais corresponderam a 9% da pauta transacionada em 2011. O carvão mineral representou 2,3% das importações totais do período, e o potássio totalizou 1,6%. No ano de 2011, a geração de empregos formais no Brasil gerou um crescimento relativo do estoque de mão-de-obra de 5,4%. A indústria extrativa mineral teve um desempenho acima da média brasileira, uma vez que apresentou um crescimento da mão-de-obra de 10,9%, resultando em um estoque de 177.827 postos de trabalho. Ela foi, inclusive, a atividade econômica que apresentou melhor desempenho para o mercado de trabalho (Figura 4). No contexto brasileiro, seja pela qualidade e

quantidade de minério, o Centro-Oeste tem um papel relevante na produção mineral, com destaque para o amianto, rochas fosfáticas, níquel, nióbio, cobre, ouro e calcário. A região possui 294 minas em atividade, ou 8,4% das minas do Brasil. Só em Goiás estão mais de 40% das minas da região, um total de 123. Em 2011, a região respondeu por 7% do valor da produção mineral do país. Suas exportações minerais atingiram US$ 1,92 bilhão. Os produtos mais relevantes da pauta foram cobre, ferro, nióbio, ouro e amianto. Com relação à mão-de-obra da mineração na região, a extração e a transformação mineral empregaram 45.651 pessoas, com destaque para mineração de nãometálicos utilizados na construção civil.


O Centro-Oeste recebeu R$ 98 milhões em investimentos em pesquisa mineral, o que representou 10% do total investido no Brasil. Os estados mais beneficiados foram Goiás (57,5%) e Mato Grosso (40,4%). Projeções indicam que no período de 20122014 serão investidos R$ 1,42 bilhão em minas e usinas em operação, com destaque para as substâncias nióbio, níquel e ouro.

FCO – A necessidade de um “choque de gestão” César Augusto Moreira Bergo As peculiaridades regionais e estaduais não permitem mais a definição de políticas regionais de desenvolvimento calcadas em diagnósticos com índices nacionais. Primeiramente é necessário estabelecer o mapeamento da gama de questões e particularidades do Centro-Oeste que estão freando o desenvolvimento ou mesmo aprofundando as desigualdades sociais, a pobreza e a miséria. O Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste foi criado com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Região, mediante a execução de programas de financiamento aos setores produtivos. Por exemplo,a programação do FCO é elaborada pelo Banco do Brasil e aprovada pelo Conselho Deliberativo do Fundo em consonância com as diretrizes gerais estabelecidas pelo Ministério da Integração Nacional, seguindo a Política Nacional de Desenvolvimento Regional, o Plano de Desenvolvimento do Centro-Oeste e as contribuições dos Conselhos de Desenvolvimento dos Estados e do Distrito Federal. Fica claro que a falta de “diagnósticos” precisos, que poderiam ser efetuados por entidade de abrangência exclusivamente regional, como ocorre no caso dos dois outros fundos constitucionais (Finam e FNDE), determina uma completa falta de massa critica ao modelo de desenvolvimento patrocinado pelo governo central, que trata o Centro-Oeste como algo homogêneo do ponto de vista de distribuição dos recursos. Mesmo que a Sudeco utilizasse outros instrumentos para sanar suas dificuldades de planejamento, falta-lhe uma assessoria regional de peso no campo financeiro,

razão pela qual sua atuação não tem se fundado em diagnósticos precisos e a eficiência das medidas implementadas torna-se discutível. Os números estatísticos mostram com invejável precisão o que foi aplicado e o que restou de anos anteriores que engordam o orçamento para o ano seguinte. Mas não há uma avaliação precisa dos projetos que não obtiveram aprovação e as razões que motivaram os indeferimentos. O desenvolvimento do Centro-Oeste, desta forma, fica refém da burocracia creditícia, que muitas vezes é inibidora do salutar empreendedorismo. Outro ponto que merece atenção é a necessidade de haver definição de outros instrumentos do mercado financeiro e de capitais para o atendimento das prioridades do desenvolvimento do CentroOeste, que muitas vezes sofrem adiamentos em razão das inquestionáveis limitações orçamentárias. Neste particular, vale mencionar, a título de exemplo, os Fundos de Investimentos em Participação que possuem os atributos necessários para atender essa demanda, sobretudo pelas premissas de governança e transparência estabelecidas em cada um dos empreendimentos. Hoje a capacidade do poder central em dar soluções para os problemas regionais é questionável, sobretudo no que se refere ao desenvolvimento de políticas de crédito, de assistência técnica e de cadeias comerciais. Nota-se que, embora alguns esforços nesse sentido sejam dispendidos pela atual Sudeco, as ações do poder central mostram-se dissociadas da ação dos governos estaduais, quando não contrapostas. Há uma nítida separação entre os interesses regionais e as necessidades nacionais, o que de certa forma proporciona privilégios ao chamado setor dinâmico e modernizado da nação (os grandes grupos empresariais), que dá direção e rumo ao desenvolvimento, em detrimento do setor a “reformar” (pequenos e médios empreendedores). Isso favorece a concentração de renda da região. Em resumo, por várias razões, inclusive pela pressão da demanda social existente, o governo não tem conseguido pensar nas reformas necessárias para a região, muito menos planejá-las. Correr atrás de metas e satisfazer as pautas dos governos estaduais


são tarefas que exigem muito mais do que recursos orçamentários. Essa é uma reflexão que poderá elevar o nosso nível de consciência se nos dispusermos a fazê-la sem “ficar na defensiva” – com a mente e o coração vazios – despoluídos de receitas e premissas do passado. E apoiados por nossos melhores valores e intenções.

commodities: ferro, soja e petróleo; enquanto importam daquele país basicamente produtos manufaturados. No mercado internacional, a China é o país que mais exporta produtos de tecnologia de ponta em todo o mundo, ultrapassando os EUA, Alemanha e Japão. Atualmente, o saldo na balança comercial tem favorecido ao Brasil em mais de US$ 20 bilhões - e esse

A desaceleração econômica da China e seus possíveis impactos sobre a economia brasileira

número vem crescendo a cada ano. Isto representa uma soma substancial, principalmente em uma época de crise, e com o país sobretaxando produtos

George Henrique de Moura Cunha

chineses. A literatura econômica mostra que medidas

Nos últimos anos a economia internacional tem

protecionistas provocam externalidades negativas ao

apresentado uma forte crise. As raízes deste problema

transferir para toda a sociedade o custo de manter uma

passam

indústria não competitiva.

pela

desregulamentação

dos

mercados

financeiros e pela forte interdependência dos mercados internacionais. A China nos últimos anos tem se destacado pelo seu forte crescimento econômico, e vem transformando sua economia no “chão de fábrica” mundial. Em consequência, torna-se importadora de commodities para alimentar seu parque industrial. Embora nas duas últimas décadas a economia chinesa tenha se destacado por seu crescimento, ela não está imune aos efeitos negativos das crises econômicas internacionais. Assim, frente a uma desaceleração econômica em seus principais mercados consumidores,

Historicamente, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tem criticado a abertura econômica, pois a ela não interessa um mercado mais competitivo. Visto que historicamente, a indústria paulista sempre esteve protegida, além de dispor de um amplo mercado cativo para seus produtos. Um bom exemplo disso é o fato de que, que desde a metade do século passado, a região Nordeste tornouse fornecedora de mão-de-obra barata e consumidora de seus produtos.

que se traduziu em desaceleração nas suas exportações,

Que o Governo brasileiro mudou sua política em

a economia chinesa tem redirecionado desde 2011 seus

direção ao protecionismo nos últimos anos, isto é um

esforços comerciais para os mercados asiáticos e latino-

fato inegável. A argumentação da proteção ao emprego

americanos, para compensar suas perdas.

é a justificativa para tal política. Todavia, aqueles que

A invasão de produtos chineses pode ter repercussões tanto positivas como negativas para a

não investem em mercados cativos. Um bom exemplo disso é a Argentina. Queremos algo parecido com isto? O acesso da população a produtos chineses, em

controlasse o ritmo de exportação de seus produtos

mercados não estratégicos, vai diretamente contra os

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para o Brasil para não gerar prejuízos à indústria local. A

interesses de um setor não competitivo. Uma reforma

China exporta para o Brasil mercadorias de baixo custo,

tributária que desonerasse a produção seria o caminho

como têxtil e calçados, e prejudica com isso setores

mais lógico a ser seguido. Todavia, este parece não ser

intensivos em mão-de-obra que não podem arcar com

um interesse da classe política nacional, pois nenhum

salários nacionais mais elevados e uma insana carga

dos atores envolvidos deseja perder posições. Porém,

tributária. Por outro lado, os produtos chineses também

o superávit comercial que o Brasil tem acumulado nos

aumentam a concorrência local e incentivam os

últimos anos em relação à China é suficientemente

empresários a investir nas suas linhas de produção. Em

grande para que as autoridades de Brasília estejam

linhas gerais, o país exporta para a China basicamente

preocupadas com uma possível retaliação chinesa.

Revista de

fevereiro de 2012, o governo brasileiro exigiu que a China

Conjuntura

economia nacional. Com relação ao primeiro ponto, em

advogam estas práticas esquecem que os empresários


Maristela França Com a ciência de que a dinâmica de crescimento econômico dificulta a inserção das áreas periféricas e que seriam necessárias medidas que contribuíssem para a diminuição das desigualdades sociais, capazes de impulsionar o potencial regional, foi construída no ano de 2007, pelo Ministério da Integração, a Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Os instrumentos previstos na Política são os Fundos de Desenvolvimento Regional, os Programas Governamentais e os Planos Regionais e Mesorregionais de Desenvolvimento. O Planejamento Estratégico de Desenvolvimento do Centro-Oeste (2007-2020), elaborado pelo Ministério da Integração, está alicerçado no conceito de desenvolvimento regional sustentável, e tem como vetores a Democratização e Melhoria da Gestão Pública, a Ampliação da Infraestrutura Social e Econômica, a Gestão Ambiental, a Melhoria da Educação e a Diversificação e Adensamento das Cadeias Produtivas. Esses vetores deverão guiar as políticas de desenvolvimento da região. O estado do Mato Grosso do Sul possui extensa faixa de fronteira. O Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, também de autoria do Ministério da Integração, prevê atuação nessas regiões, para que se tornem capazes de estimular o desenvolvimento regional integrado. O Programa prioriza estratégias para o desenvolvimento das Cidades-Gêmeas, articulação para que essas regiões estejam alinhadas com os planos e programas de desenvolvimento regional, e melhoria das condições econômicas e sociais dessa faixa. O Plano de Desenvolvimento Regional do Estado de Mato Grosso do Sul 2010-2030, elaborado pela Semac (Secretaria de Estado, do Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul) tem como foco a sustentabilidade ambiental e econômica, a melhoria na qualidade de vida e o fortalecimento institucional. Mais do que uma expansão quantitativa da economia, a inclusão social, o maior comprometimento das instituições e o aperfeiçoamento das estruturas

produtivas, sem comprometer a disponibilidade de recursos para gerações seguintes, devem ser considerados quando o desejo é de que ocorram mudanças transformadoras da realidade local. Como os pequenos negócios são responsáveis pela dinâmica econômica da maior parte dos municípios brasileiros, é com apoio ao aumento da competitividade dos empreendimentos de pequeno porte que o Sebrae, em sua missão, fomenta o crescimento econômico municipal a partir da articulação com o poder público, para que tenham um ambiente favorável ao seu progresso, assistência técnica e gerencial, e valorização da vocação e identidade regional. A grande aliada nesta missão é Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, Lei Nº 123/2006, que prevê os dispositivos legais que podem ser utilizados nos municípios para alavancar o crescimento dos pequenos negócios. Entre eles estão previstos a facilitação nos procedimentos de abertura de empresas que contribui para redução da informalidade, o acesso à inovação e crédito, e a possibilidade de inserção no mercado com as compras públicas governamentais. No Mato Grosso do Sul, o Sebrae atua com os projetos Territórios da Cidadania, PROLOCAL e MS sem Fronteiras. A ideia promover o desenvolvimento territorial com a implantação da Lei Geral e do estímulo ao empreendedorismo urbano e rural, O PROLOCAL - Projeto de Apoio ao Desenvolvimento Econômico dos Municípios Fundamentado na Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas trabalha para estimular o progresso a partir da promoção de um ambiente legal favorável ao surgimento e sustentabilidade das empresas. Os projetos Territórios da Cidadania chegam aos municípios que estão inseridos na estratégia nacional do programa, com o objetivo de promover a implementação da Lei Geral e o atendimento empresarial. E o Projeto MS Sem Fronteiras promove a integração produtiva dos dois lados da faixa de fronteira. O Sebrae atua assim em 63 municípios, com uma abrangência de 80% do Estado, e proporciona aos empreendimentos de pequeno porte as condições necessárias para atuarem como indutores do desenvolvimento econômico sustentável de Mato Grosso do Sul.

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Políticas e Programas de Desenvolvimento Regional e Faixa de Fronteira

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Estado e desenvolvimento econômico: incorporando o pilar da participação Moisés Balestro O Brasil experimenta, ainda que de forma sinuosa e hesitante, uma retomada do papel do Estado no processo de desenvolvimento econômico. Para além da manutenção das regras estáveis que garantem a reprodução da ordem econômica e social e das funções sociais desempenhadas pelo Estado, há uma discussão controversa quanto ao papel de indução e de liderança que cabe ao Estado em uma estratégia de desenvolvimento. Muitas vezes associada à ideia de distorções políticas do mercado, a relação de Estado e desenvolvimento econômico enfrenta desafios para os quais não há resposta no repertório de soluções construídas no período do nacionaldesenvolvimentismo. Primeiro, a retomada do papel do Estado não está ligada à noção de um Estado empresário ou intervencionista, mas de um Estado capaz de facilitar a coordenação de atores estratégicos em grandes projetos de investimento e na criação e fortalecimento de setores que sejam essenciais para a competitividade do país. Segundo, e como decorrência do primeiro, essa retomada implica uma passagem do governo com uma estrutura de comando exclusivamente estatal para a governança com a inclusão dos demais atores, especialmente empresários e trabalhadores nos instrumentos da política industrial: financiamento, tributação, compras públicas, comércio e regulação.

Revista de

Conjuntura

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No caso específico da governança das políticas industriais, há dois aspectos para os quais deve se atentar: a) a participação dos agentes privados no desenho, implementação e avaliação das políticas; b) a consulta e a coordenação em torno de instituições públicas e privadas são mecanismos necessários para evitar a captura do Estado por interesses privados. A ideia de governança envolve intenso diálogo e parceria em torno das políticas, algo muito complexo em um país com uma dependência de trajetória autoritária e patrimonialista como o Brasil. Uma questão-chave na relação entre Estado e desenvolvimento é garantir a participação da sociedade civil para assegurar que os objetivos perseguidos pelo

Estado possam refletir as necessidades e desejos dos cidadãos comuns. A governança entre Estado e atores estratégicos constitui também uma resposta ao déficit da democracia representativa. Ambos os tipos de democracia, a representativa e a deliberativa, podem ser complementares e também revelam inúmeras experiências. No entanto, é preciso entender os interesses, os incentivos e a motivação dos atores em participar. Isso tem custo e a relação entre os custos e os benefícios da participação precisa estar muito clara para estes. Os espaços deliberativos, a exemplo dos inúmeros conselhos tripartites e conselhos específicos dos interesses do empresariado e dos trabalhadores, permitem exercitar uma escolha social dos objetivos de desenvolvimento, tirando o econômico do inexorável em que a própria ideia de escolha não é vista como desejável ou possível. Neste sentido, em que pese todas as suas limitações, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) contribui para institucionalizar o diálogo e o estilo consensual da política, de forma a melhorar a governança e impulsionar a democratização. Uma institucionalização lenta e cheia de idas e vindas quando se considera que a lógica de governança e participação estão fora dos quadros de referência das elites brasileiras desde a formação da nossa república. A participação também permite o reconhecimento da pluralidade, da diferença e das tensões como legítimas. Isso é especialmente relevante quando se considera que os interesses do empresariado desempenham papel-chave para moldar o desenvolvimento das sociedades de mercado. Ademais, o fortalecimento dos espaços de concertação pode limitar o controle privado do Estado, deixando mais transparentes e eficientes as relações entre Estado e empresariado. O avanço da governança dos espaços de concertação é uma forma de politizar a economia. A politização da economia, de forma a trazê-la para a esfera pública e para o espaço das escolhas e das ações humanas não tem a ver com a visão hayekiana de um controle político estatal da economia que viola a liberdade, mas com a ideia básica de que a economia é parte da sociedade e se constitui de ações e relações sociais.


Geovana Lorena Bertussi O ano de 2011 fechou com uma taxa de crescimento do PIB de 2,7% e uma taxa de inflação anual de 6,5%, ou seja, crescimento baixo e inflação elevada. A essa altura, eu diria que pra esse ano de 2012 o prognóstico é ainda pior: a taxa de crescimento do PIB já foi revisada para algo em torno de 1,6%, enquanto que as expectativas com relação à taxa anual de inflação estão em 5,36% (ainda acima da meta estabelecida). Além disso, há alguns elementos agravantes para esse ano, como o enfraquecimento do chamado “tripé macroeconômico” – regime de metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. O governo parece estar satisfeito com uma inflação consistentemente acima da meta e tem agido de forma tolerante com isso. A taxa de câmbio está cada vez mais administrada, com intervenções recorrentes. Por fim, as contas públicas estão sofrendo com a perda de dinamismo na arrecadação e o aumento nos gastos públicos. Até maio desse ano, talvez um dos grandes vilões apontados para o desempenho ruim da economia brasileira tenha sido a taxa de câmbio, que estava num patamar considerado bastante valorizado. Isso – dizia-se em coro – prejudicava nossas exportações e provocava perda de competitividade, o que por sua vez geraria um crescimento mais tímido da economia. Entretanto, desde então, a moeda nacional sofreu forte desvalorização e somente pequenas mudanças foram observadas, o que evidenciou a existência de gargalos mais profundos que precisam ser urgentemente atacados e corrigidos. O governo tem dado uma série de estímulos: larga redução na taxa Selic, aumento na oferta de crédito dos bancos, ampliação dos empréstimos do BNDES, alívios tributários. E nada de a economia reagir a contento. É preciso promover mudanças estruturais intensas, ao invés de medidas paliativas que parecem improvisadas e, em sua grande parte, imediatistas. Uma tarefa é clara: precisa-se aumentar a produtividade dos nossos trabalhadores, da indústria, da economia como um todo. Mas como alcançar tal objetivo? Quais os principais pontos de estrangulamento? Como diminuir o chamado “Custo

Brasil”? Hoje, acredito que as principais brechas estão em três aspectos: educação (quantidade e qualidade), infraestrutura (em especial a de transportes) e aspectos institucionais (elevada burocracia, alta carga tributária). Comecemos pelo primeiro ponto, a educação. O governo brasileiro gasta com educação o equivalente a 5,1% do PIB. Comparando esse percentual com outros ao redor do globo, percebe-se que o Brasil apresenta um gasto relativamente superior ao de alguns países importantes, como o Canadá, a Coreia do Sul, o Japão. Contudo, fica clara a ineficiência desse gasto quando analisamos mais de perto alguns indicadores. Apenas 41% da população entre 25 e 64 anos possui educação secundária no país. Para os que possuem diploma universitário, esse número é de exasperantes 11%. Nossa população economicamente ativa possui, em média, somente 7,5 anos de escolaridade, ficando abaixo da média da América Latina. Além disso, há uma absurda desigualdade quanto à média de escolaridade dos mais pobres (os 20% mais pobres possuem em média 4,5 anos de estudo) e dos mais ricos (os 20% mais ricos possuem em média 10,4 anos). Em relação à qualidade da educação brasileira, os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostram que ainda há um longo caminho a ser percorrido, com uma enorme diferença de desempenho entre escolas públicas e particulares no país. No Programa Internacional de Avaliação Estudantil (Pisa), principal medida internacional de qualidade da educação, o Brasil ocupa a 54ª posição num ranking de 65 países avaliados. No Relatório de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial em 2011, num total de 142 países avaliados, obtivemos a 115ª posição na qualidade do sistema educacional, a 124ª na qualidade da educação primária, e a 127ª no quesito qualidade da educação em matemática e ciências. Ainda considerando informações desse relatório, o Brasil ficou em 104º lugar em relação à qualidade da infraestrutura, com destaques negativos para a qualidade da infraestrutura rodoviária (118ª posição), transporte aéreo (122ª posição) e portos (130º lugar). O investimento brasileiro em infraestrutura vem caindo desde a década de 1970 (quando era de 5,42% do PIB), e atualmente está próximo de 2,3% do PIB, um valor muito baixo quando comparado a outros países como Chile, Colômbia, China, Índia, Tailândia, Filipinas, Vietnã.

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Uma breve análise de alguns gargalos fundamentais da economia brasileira contemporânea

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Em relação aos aspectos institucionais, os sete obstáculos apontados como mais importantes (num total de 15) para a realização de negócios no Brasil (de acordo com pesquisa do Fórum Econômico Mundial realizada no ano passado) foram, em ordem decrescente: alíquotas de imposto, regulação tributária, oferta inadequada de infraestrutura, regulação trabalhista restritiva, burocracia pública ineficiente, força de trabalho inadequadamente instruída, corrupção. Os demais itens obtiveram uma parcela bem menor de votos. Para exemplificar melhor a questão institucional, atualmente são necessários, em média, 119 dias para se abrir um negócio no país. Nesse quesito, ocupamos a 138ª posição num total de 142 países. Quanto à burocracia para começar um negócio (número de procedimentos envolvidos) ficamos na 134ª posição. Considerando-se a extensão e impacto da tributação na economia, fomos agraciados com o alarmante último lugar. O país passa por uma boa fase demográfica, obteve melhora recente significativa na distribuição de renda, houve aumento no número de empregos formais, o consumo interno está aquecido. Além disso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas a serem disputadas aqui nos obrigarão a realizar uma série de investimentos em infraestrutura. Todavia, o governo precisa lançar as bases para um ciclo de crescimento sustentado no médio e longo prazos, pois o modelo atual já mostra suas limitações. É preciso retomar e fortalecer o tripé macroeconômico, orientar a economia a mover-se por meio de aumentos no investimento (público e privado) e ganhos de produtividade, e promover as reformas estruturais necessárias.

Diretor-superintendente da Sudeco Marcelo Dourado

Revista de

Conjuntura

36

A Sudeco (Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste) voltou a existir em maio de 2011, 21 anos após sua extinção. A nova autarquia é vinculada ao Ministério da Integração Nacional. O processo legal de sua recriação foi iniciado em 2009, quando o então presidente Luis Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Complementar n° 129. Já a sua regulamentação aconteceu em 2011, quando a presidenta Dilma Roussef assinou o decreto presidencial nº 7.471, de 4 de maio de 2011. A nova Sudeco está voltada, sobretudo, para a erradicação da miséria nos Estados do Centro-Oeste e

Distrito Federal, com um viés específico para a inclusão econômica e social de gênero. Isso se deve ao fato de que hoje as mulheres chefiam cerca de 65% das famílias mais pobres da região. Cada dia mais as mulheres vêm conquistando espaço em áreas antes dominadas pelos homens. Nos casos de separação do casal, são as mulheres que assumem os filhos e tornam-se referência econômica dentro de suas famílias. Assim, oferecer a elas a oportunidade de obter uma formação profissional e um trabalho é contribuir para que a sociedade em que vivemos seja mais equilibrada social e economicamente. O Programa Mulheres na Construção visa à capacitação técnica de 440 pessoas na construção civil, na Ride/DF (Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno). Para realizá-lo estão sendo investidos pela Sudeco R$ 1,1 milhão. Os cursos são ministrados pelo IFB (Instituto Federal de Brasília), nos campus de Samambaia/DF e Taguatinga, e numa carreta especialmente adaptada que funcionará em Águas Lindas de Goiás. A primeira turma do Mulheres na Construção recebeu certificado de conclusão no mês de setembro. Das duzentas inscritas, 170 terminaram o curso e estão aptas a iniciar uma nova carreira. O Sinduscon-DF (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal), que também é parceiro da Sudeco, irá buscar a inserção das alunas formadas no mercado de trabalho por contrato temporário e em caráter experimental. O Programa conta com o apoio da Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal. Há espaço no mercado de trabalho da construção civil para a entrada das mulheres. Hoje, dos 90 mil empregados do setor no Distrito Federal, apenas 3% são mulheres. O mesmo se dá em outras áreas como a mecânica de automóveis, de motocicletas e condução de máquinas agrícolas. Assim, a Sudeco está investindo num programa mais amplo, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social, para formar mulheres para o trabalho em áreas predominante masculinas. A partir desse ano começam as aulas para formar 5 mil mulheres em toda a região Centro-Oeste nas mais diversas áreas. Depois de 21 anos dormindo, a Sudeco acordou e está com muita disposição de construir junto com a população da região Centro-Oeste um futuro sustentável e bem melhor para todos.


Paulo Henrique Mendes Leandro Beserra 1 - Introdução O debate sobre a distribuição de renda no Brasil voltou a ser foco dos noticiários e do meio acadêmico nos últimos 5 anos, depois de longos anos no ostracismo. Com a melhora dos indicadores nos anos recentes, houve uma retomada do interesse pelo tema. Muitos economistas argumentam que essa queda é resultado de um processo natural de desenvolvimento econômico, e citam que a desigualdade tende a aumentar nos estágios iniciais do desenvolvimento e diminuir posteriormente, como mostrou Kuznets em artigo publicado em 1955, com dados dos EUA, Inglaterra e Alemanha. Outros dizem que não há relação clara entre desigualdade e crescimento, pois em diversos outros estudos posteriores ficou comprovado que houve aumento no crescimento sem afetar a desigualdade. Afinal, os dados brasileiros corroboram ou não a teoria de Kuznets? Quais são as causas para que esses dados comprovem ou não essa teoria? E quais as conseqüências? Essas questões são o foco deste trabalho.

2 - Kuznets e a Teoria do U-Invertido A ideia de que a desigualdade aumentaria nos primeiros estágios do desenvolvimento, seguida de uma queda, formando assim uma curva similar à letra “U”, porém invertida, foi elaborada pelo economista Simon Kuznets em seu artigo seminal “Economic Growth and Income Inequality”, de 1955. O artigo encontrou respaldo empírico em dados dos EUA, da Inglaterra e 1

da Alemanha. Contudo, como o próprio autor define, essa relação surgiu de um estudo que contém 5% de informações empíricas e 95% de especulações. Com a utilização de um modelo com dois setores, elaborou uma análise que supunha que a migração de pessoas do setor agrícola para o setor industrial geraria um aumento na concentração de renda, pois este setor é mais dinâmico e, consequentemente, mais rico que o primeiro. Assim, a concentração inicial se daria devido à acumulação de ativos pelos mais ricos, que possuem uma capacidade de poupar superior à dos demais. Posteriormente, com o aumento dos níveis educacionais médios, a tendência de alta nos salários dos profissionais qualificados seria revertida, pois haveria um aumento na oferta de mão-de-obra qualificada, o que geraria uma desconcentração. É importante frisar que a análise é feita para o longo prazo, pois mesmo as economias hoje desenvolvidas enfrentaram uma queda na renda per capita nos anos de crise do capitalismo, como a quebra da bolsa de Nova Iorque e as duas Grandes Guerras. Portanto, o processo de crescimento e os efeitos na desigualdade não podem ser analisados no curto prazo, pois para esses períodos citados, poderia não ser encontrada a correlação. Apesar da falta de dados mais precisos para uma análise mais robusta, Kuznets acredita que havia indícios de que a desigualdade aumentou nos estágios iniciais e diminuiu posteriormente, apesar de não ser fácil

Resumo da monografia premiada no XVIII Prêmio Corecon-DF de Economia e no Prêmio Brasil de Economia do Cofecon.

julho / setembro de 2012

A relação entre desigualdade de renda e crescimento econômico no Brasil

37


datar esses períodos. Como dados para países pobres

oficiais sobre a desigualdade, diversos outros autores

são escassos, e eram ainda mais à época, foi difícil ten-

criticaram o trabalho, apresentando as mais diversas

tar traçar uma regra geral para todos os países. A única

possíveis causas para o ocorrido, como Albert Fishlow,

conclusão a que ele chegou sobre isso foi a de que a

Paul Singer, Edmar Bacha, Rodolfo Hoffmann e José

desigualdade nos países subdesenvolvidos, como Ín-

Serra. Outros ainda defenderam a posição dos militares,

dia, Ceilão (atual Sri Lanka) e Porto Rico é maior do que

como Antônio Delfim Neto e Mario Henrique Simonsen.

a apresentada por países desenvolvidos no período pós-Segunda Guerra. A pergunta que o próprio autor fez em seu artigo foi se esse padrão se repetiria nos países que ainda não haviam se desenvolvido. Ficou sem resposta.

3 - A evolução histórica da distribuição de renda no Brasil Os primeiros dados sobre a desigualdade de renda no Brasil apareceram com o censo de 1960, mas só com o censo de 1970 surgiram os primeiros dados comparáveis. Junto com eles, vieram os primeiros debates, bastante acirrados e com viés político-ideológico acentuados. Estes debates ficaram conhecidos como “a controvérsia dos anos 1970”, que será exposta com mais detalhes a seguir.

3.1 A década de 1960 e a controvérsia dos anos 1970

A obra de Langoni pode ser considerada como o marco inicial do debate sobre a distribuição de renda no Brasil. Apesar de alguns artigos serem anteriores a este trabalho, foi com sua publicação que a questão tornou-se central. Introduz a Teoria do Capital Humano como explicação para o diferencial de salários entre indivíduos. Vale ressaltar que o autor utiliza o mercado de trabalho para explicar a desigualdade na distribuição de renda, e deixa em segundo plano outros fatores, como propriedade de terras, riqueza dos antepassados, entre outros. O autor ainda deixa claro que explica os diferenciais de rendas individuais e que teve acesso a dados que nenhum outro pesquisador teve (o que acaba o tornando alvo de críticas, pois seu trabalho não pode ser replicado para testar sua validade empírica). A tese central da obra é que o aumento da desigualdade advém das profundas mudanças no

na concentração se deveu a mudanças no nível de

década de 1960. A comparação dos dados dos censos

educação e na migração para o setor urbano (moderno)

de 1960 e 1970 mostrava um aumento significativo da

dos trabalhadores que antes estavam no setor rural

participação dos mais ricos no total da renda. Mesmo

(tradicional), abordagem importada de Kuznets.

apresentando dados divergentes, todas as pesquisas

O fato de a força de trabalho do setor primário, de

apontaram para esse aumento. Langoni (1973), que

baixa produtividade e com renda pouco concentrada,

divulgou o trabalho em que a desigualdade cresceu

migrar para os setores secundário e terciário, de alta

em menor intensidade, mostrou um aumento na

produtividade e renda mais concentrada, aumentaria a

participação dos 5% mais ricos no período de 27,69%

concentração de renda como um todo. Em seu modelo,

para 34,86% e uma queda de 11,57% para 10,00%

38

a educação seria a variável com maior impacto sobre

entre os 40% mais pobres da renda total no período.

os diferencias de salários, seguida pela idade, que é

Na mesma obra, aponta que o índice de Gini era de

tratada como uma proxy de experiência, portanto

0,4999 em 1960 e 0,5684 em 1970. Portanto, a questão

relacionada também ao capital humano. Mais adiante,

não era discutir se houve ou não uma piora no perfil

chega à conclusão de que a desigualdade aumenta

distributivo, mas sim quais foram as causas para que ela

devido à possibilidade de exploração de ganhos extras

tivesse ocorrido.

de renda durante o processo de desenvolvimento, mas

Revista de

A ideia é mostrar que grande parcela desse aumento

a desigualdade de renda no Brasil havia aumentado na

Conjuntura

processo de desenvolvimento econômico no período. O censo de 1970 trouxe uma constatação inequívoca:

O debate tinha cunho nitidamente ideológico. Após

que esse problema é autocorrigível no longo prazo,

a publicação do livro de Langoni ter sido escolhida

o que confirma mais uma vez que sua teoria está de

pelo governo militar como a que apresentava os dados

acordo com a de Kuznets.


Se muito da desigualdade é explicada pela educação, também muito pouco o é, na medida em que a idade e a educação juntas não correspondiam a um terço da variação nas rendas individuais (...) a conclusão de que a desigualdade é influenciada pela taxa de retorno e pelo número de anos de escolaridade é em parte um ato de fé. Neste artigo, aparece também a tese da compressão salarial, na qual o autor transfere a responsabilidade pelo aumento da concentração de renda nos efeitos que Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) exerceu sobre o salário mínimo. Argumenta que as políticas de tal programa, que restringiram os salários nominais e simultaneamente aplicaram uma inflação corretiva, fizeram o salário mínimo cair 20%, ao passo que a renda per capita cresceu 22%. Desse modo, uma parcela da população havia se beneficiado não apenas absolutamente, mas relativamente também. Fishlow crê que esse ganho tenha se concentrado no setor urbano principalmente. Ainda em consonância com o argumento anterior, o autor aponta como principal responsável pela perda no poder de compra dos salários – e consequentemente pela perda na participação dos trabalhadores na renda total – a subestimação da inflação prevista pela regra de reajustes salariais, que corroíam a remuneração dos trabalhadores ao longo do tempo. Por não repassar integralmente os ganhos de produtividade aos salários, as classes mais ricas elevavam sua participação relativa na renda total. Fica claro que o único consenso de toda a controvérsia dos anos 1970 é o de que a desigualdade aumentou consideravelmente na década de 1960. As causas e as consequências desse aumento têm inúmeras explicações diferentes e, quase sempre, divergentes.

3.2 A década de 1970 e o “Milagre Econômico” Em 1967, foram feitos os primeiros levantamentos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Nos três primeiros anos, os levantamentos eram feitos semestralmente e só abrangiam as regiões

Nordeste, Sudeste e Sul (além do Distrito Federal). Em 1971, passaram a ser realizadas anualmente (em 1970 não houve PNAD, pois era ano de recenseamento). São incorporados dados referentes ao rendimento mensal normalmente recebido do trabalho principal e dos outros trabalhos, aposentadoria, pensão, abono de permanência, aluguel e outros rendimentos. Esses dados mudaram o panorama das análises sobre desigualdade de renda, pois passaram a ser apresentados num intervalo muito mais curto, o que deixou o processo mais dinâmico. Se observarmos dos extremos, a década de 1970 mostra um pequeno aumento na desigualdade, com o coeficiente de Gini passando de 0,565 em 1970 para 0,592 em 1980, considerados os censos dos dois anos e apenas para dados sobre o rendimento da população economicamente ativa com rendimento. Este aumento na desigualdade pode estar subestimado, dado que o censo de 1980 considera rendimentos em espécie – que são mais importantes nas classes mais baixas – e o de 1970 não. Portanto, é bastante provável que a distribuição de 1980 seja significativamente mais concentrada do que a de 1970. Ao compararmos com a década de 1960, podemos notar uma diferença significativa no perfil da concentração. Segundo Bonelli e Sedlacek: Nos anos 1960 o processo de concentração de renda caracterizou-se por aumentos do rendimento médio dos estratos mais ricos mais rápido do que os demais (...) nos anos 1970 notou-se um abrandamento deste processo de concentração na distribuição de renda, processo que se definiu claramente em 1976 quando as classes de renda baixa e média conseguiram obter ganhos reais enquanto as de renda mais alta sofreram perdas reais”.

3.3 Os anos 1980: a “Década Perdida” A chagada dos anos 1980 marca o abandono definitivo do debate sobre distribuição de renda nos moldes dos anos anteriores. O começo da grande crise brasileira deu início ao período que ficou conhecido na literatura econômica como “a década perdida”, devido ao baixo crescimento econômico e à crescente inflação. Quando se trata de distribuição de renda, não é diferente: o período apresenta um aumento na concentração, seguindo o que já havia sido apresentado nas duas décadas anteriores.

julho / setembro de 2012

A crítica mais contundente ao trabalho de Langoni foi apresentada por Fishlow (1975). Ao analisar o modelo econométrico apresentado por Langoni, afirma:

39


década de 1980, fica claro o motivo da troca de foco do debate. O crescimento médio da economia foi de 2,9% ao ano entre 1980 e 1989, segundo Pinheiro et al. (1999), e a renda per capita se manteve constante durante toda a década. Apenas em 1980 o PIB cresceu acima da média dos anos 1970, e chegou a decrescer em 1981, 1983 e 1988. Desse modo, a queda na renda per capita no início da década, associado com as altas taxas de inflação e o aumento do desemprego, geraram o aumento na concentração da renda. Os anos 1980 apresentam uma novidade em relação às duas décadas anteriores: um nível de crescimento mais baixo. Isso caracteriza o período como uma fase de desaceleração do ritmo de desenvolvimento do país, que deveria mostrar uma queda na desigualdade de renda caso fosse seguido o padrão definido por Kuznets. Todavia, pode-se verificar um aumento do

‘‘

A ideia é mostrar que grande parcela desse aumento na concentração se deveu a mudanças no nível de educação e na migração para o setor urbano (moderno) dos trabalhadores que antes estavam no setor rural (tradicional), abordagem importada de Kuznets.

índice de Gini de 5% na década de 1970 e de 8% na década de 1980. Como este foi um período bastante

‘‘

Quando tratamos do desempenho econômico da

turbulento, a análise fica um pouco comprometida.

3.4 Os anos 1990 e a estabilização econômica

Não é possível afirmar com segurança, apenas com

Os anos 1990 foram marcados pela adequação da economia brasileira ao modelo neoliberal, trazido pelo Consenso de Washington. Esse processo foi iniciado no governo Collor e mantido nos governos seguintes. Ganhou seu mais alto grau de intensidade no governo Fernando Henrique Cardoso. As principais medidas adotadas foram: a privatização de empresas estatais, a desregulamentação dos mercados e a abertura comercial.

esses dados, se o Brasil segue um padrão encontrado no trabalho de Kuznets ou não. A variação da desigualdade nas décadas de 1970 e 1980 foi praticamente da mesma ordem de grandeza, porém de magnitude muito inferior da que ocorreu na década de 1960. Todavia, essa tendência de longo prazo de aumento da desigualdade não parece ter sido afetada pelo desempenho econômico nas três décadas, dado que a concentração continuou a aumentar nos anos 1980, mesmo quando a renda per capita se manteve estagnada, ao passo que nas demais décadas

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Conjuntura

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a concentração deu-se pari passu com um crescimento econômico. Se falarmos de ganho absoluto de renda, o cenário é diferente: nas décadas de 1960 e 1970 houve aumento absoluto em todos os extratos da renda, mesmo que os ganhos dos mais ricos tenham sido sensivelmente superiores aos dos demais, enquanto na década seguinte houve piora absoluta e relativa. O decil superior foi o único a ganhar em termos absolutos.

No campo teórico, os anos 1990 não repetiram a controvérsia dos anos 1970, pois havia um modelo básico para a explicação da desigualdade, e deixou de haver grandes conflitos entre os economistas. O modelo formulado por Ricardo Paes de Barros busca a compreensão da desigualdade pessoal da renda. Tem, portanto, influência do trabalho de Langoni. A educação continua com papel crucial sobre a desigualdade de renda. As principais críticas são a ineficiência e a má focalização do gasto público em educação, geralmente viesados em favor dos mais ricos. Há ainda alguns elementos conjunturais que servem de base para explicar a parte da desigualdade


3.5 Os anos 2000 e a queda da desigualdade De acordo com os dados do IBGE, o crescimento econômico no período iniciado em 2001 foi superior aos atingidos nas décadas de 1980 e 1990. Porém, esse crescimento não foi uniforme. Entre 2001 e 2003, o PIB cresceu 1,3%, 2,7% e 1,1% ao ano. Já no período de 2004 a 2008, a média de crescimento foi próxima a 5% ao ano, com o máximo de 6,1% atingido em 2007. Em 2009, após a crise financeira, o PIB decresceu em 0,6%. Ainda sim, essas taxas foram inferiores às apresentadas pelos principais países latinoamericanos. Em 2010, entretanto, a taxa de crescimento do PIB brasileiro foi de 7,5%, bastante elevada. O período traz uma novidade em relação aos anteriores: a desigualdade apresenta queda contínua e acentuada. Os dados do IPEA apontam que o coeficiente de Gini variou de 0,596 para 0,543, o menor valor da série histórica, entre 2001 e 2009. Diversos autores tentaram explicar essa queda. A principal explicação continua sendo a educação, mas agora associada a políticas de transferência de renda. Cabem, portanto, algumas perguntas. Quais as causas dessa melhora no perfil distributivo? Qual o papel do aumento na renda do trabalho? E o das transferências governamentais? Em que magnitude esses fatores contribuíram para a queda da desigualdade?

Ao analisar essa queda na desigualdade, constatase que entre 2001 e 2003, quando o crescimento foi baixo, ela deu-se principalmente como resultado da transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres. Após esse período, com o PIB voltando a crescer a taxas mais altas, todos os grupos socioeconômicos tiveram ganhos, mas os mais pobres tiveram ganhos superiores aos demais. Barros, Carvalho, Franco & Mendonça (2010) analisam a renda familiar per capita e mostram a queda ocorrida entre 2001 e 2007. Destacam três fatores: demografia, renda proveniente do trabalho e renda não derivada do trabalho. Mais adiante, com simulações, mostram ainda que 52% da queda não teria ocorrido caso a renda do trabalho tivesse permanecido constante, contra 40% no caso da renda não derivada do trabalho. O fator demográfico não teve importância nesse quesito. Além disso, constatam: Ao se tomar o Gini como a medida de desigualdade, a renda do trabalho por trabalhador é sempre mais importante. Mas quando utilizamos a medida mais sensível à renda dos mais pobres, a renda não derivada do trabalho desponta sempre como o fator mais relevante. Dessa afirmação, fica claro que quanto mais pobre a família, mais ela depende da renda não derivada do trabalho, mais precisamente de transferências do governo. Quando se trata de pobreza e extrema pobreza, o fator demográfico, ou seja, a proporção de adultos nas famílias, passa a ter contribuição maior. Chega a explicar cerca de 20% da queda nesses indicadores entre 2001 e 2003. A renda não derivada do trabalho e a renda do trabalho continuam relevantes, com importâncias explicativas situando-se entre 30% e 40%. Para justificar a queda da pobreza no período de 2003 a 2007, a renda do trabalho passa a 50% e a não derivada do trabalho cai para 28%. Já para a extrema pobreza, a renda do trabalho perde um pouco da sua importância, chegando a 43%, mas ainda é mais elevada do que a renda não derivada do trabalho, com 35%. Esses aumentos da renda do trabalho de um período para o outro mostram claramente o efeito do crescimento econômico na queda da desigualdade e da pobreza.

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de renda que não pode ser explicada pelos fatores estruturais (como já ocorreu durante a controvérsia dos anos 1970). A inflação, por exemplo, corroeu o poder de compra de uma parcela da sociedade que não conseguia proteger suas riquezas. Esse imposto inflacionário atingiu principalmente as camadas mais pobres da sociedade, pois estas não tinham acesso a contas correntes e nem a títulos públicos indexados. O salário mínimo também tem impacto significativo sobre a desigualdade de renda. Neri (2008) afirma que, a despeito de ser um raciocínio contraintuitivo, a legislação do salário mínimo tem impacto maior no setor informal da economia do que no segmento legal: 15% contra 8%, respectivamente, recebiam exatamente o mínimo em 1997. Essas variáveis são praticamente consenso entre os economistas, apesar de discordarem da magnitude de seu impacto.

41


‘‘

Dessa afirmação, fica claro que quanto mais pobre a família, mais ela depende da renda não derivada do trabalho, mais precisamente de transferências do governo.

‘‘

Mercadante (2006) enfatiza que a ampliação das transferências constitucionais, o programa BolsaFamília, a redução do desemprego e o aumento do emprego formal, juntamente com a recuperação do valor do salário mínimo, contribuíram para a redução da pobreza e da desigualdade de renda no início do governo Lula. Apesar de ser membro do governo, portanto ter opinião ideologicamente viesada, outros autores comprovaram o argumento de Mercadante, como Sergei Soares, do IPEA, e Marcelo Neri, da FGV.

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Conjuntura

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Sergei Soares mostra que programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que assiste idosos e pessoas com deficiência que tenham rendimento per capita inferior a 25% de um salário mínimo, e o Bolsa-Família, que beneficia famílias com renda mensal per capita inferior a R$140,00, são ambos bem focalizados: 74% da renda declarada do primeiro e 80% do segundo destinam-se a famílias abaixo da linha da pobreza, considerando esta equivalente a metade de um salário mínimo per capita. Em conjunto, estes programas foram responsáveis por 28% da redução do coeficiente de Gini entre 1995 e 2004 (7% BPC e 21% Bolsa-Família). Em conjunto, esses programas somavam apenas 0,82% da renda total das famílias em 2004. Além disso, a contribuição das pensões e aposentadorias, no valor de um salário mínimo, foi responsável pela queda de 32% no índice, sendo esta fonte de renda equivalente a 4,6% da renda declarada pelos domicílios na PNAD. Vê-se que esses benefícios não representam gastos públicos excessivos e obtêm

resultados significativos na redução da desigualdade, o que contraria os argumentos dos críticos de que esses recursos poderiam ser investidos de forma mais eficiente no combate à pobreza. Ao tratar do Bolsa-Família, o autor argumenta que, apesar de bem focado, o programa precisa ser aprimorado no sentido de buscar “portas de saída” para que não seja gerada uma dependência dessa fonte de renda. Mostra ainda que as famílias que recebem o benefício são as que possuem uma menor participação da renda do trabalho em sua renda total. Cita ainda que embora este programa não seja a única e permanente solução para os problemas sociais do país, não há dúvida de que faz parte de qualquer proposta por uma sociedade mais justa. Neri (2008) argumenta que educação e trabalho são, nessa ordem, os determinantes mais importantes do nível de desigualdade futura de renda de um país. Afirma que a desigualdade tem impactos em várias áreas de nossas vidas, como criminalidade, saúde, mercados consumidores, entre outras. O autor traz uma análise dos dados da PNAD desde sua alteração, em 1992, até 2007. Mostra que a renda aumentou no período, e a renda do trabalho foi a que mais contribuiu para esse aumento, com 71,16% desse crescimento explicado por esse fator. Por ser a fonte de renda de maior magnitude, esse resultado já era esperado, mas mostra que está no mercado de trabalho a maior oportunidade de melhorar a renda absoluta das pessoas. A previdência, com benefícios acima de um salário mínimo, aparece como responsável por 18,85% desse aumento. Outros dados trazidos por Neri para justificar a queda: o salário mínimo cresceu 75% em termos reais de 1995 a 2004 e, se considerado o período de 1995 a 2006, o crescimento foi de 100%. Como o salário mínimo influencia os rendimentos dos trabalhadores formais e informais de baixa renda, além de ser base para os benefícios previdenciários, ele tem importância fundamental nesse processo; a criação, em 2002, do Fundo para a Erradicação da Pobreza, responsável pela transferência de dinheiro do governo central para municípios de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); e a expansão de programas de transferência condicionada, como o Bolsa-Família.


Fica demonstrado, dessa forma, que a renda do trabalho e a renda não proveniente do trabalho são complementares, e não concorrentes, no que diz respeito à importância na melhora do perfil distributivo do Brasil. Sem melhorar o mercado de trabalho, com geração de emprego, valorização do salário mínimo, qualificação da força de trabalho e redução das desigualdades educacionais, a desigualdade de renda não deve apresentar melhora no longo prazo. Entretanto, sem os programas de transferência de renda como Bolsa-Família, Programa Universidade para Todos (Prouni) e Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ), e os benefícios constitucionais, como a previdência pública, a seguridade social e a assistência social, as famílias mais pobres ficam desamparadas e não conseguem romper a barreira da pobreza. Esses programas são, portanto, medidas de extrema importância para se tratar o problema no curto prazo.

4 - Causas do aumento e da queda na desigualdade Os dados apresentados no gráfico 1 sugerem que o Brasil segue o padrão definido por Kuznets e Langoni em seus trabalhos, apesar da escassez de dados para uma análise mais aprofundada. O que os dados não mostram, nem poderiam mostrar, são as causas desse fato. Neste capítulo, será apresentada uma análise mais detalhada de cada um dos pontos que influenciam nessa distribuição da renda. Langoni tratou a educação como fator principal para o aumento na desigualdade de renda. Ninguém discorda que a educação seja realmente fator preponderante para aumentar a renda recebida

Gráfico 1 – Curva de Kuznets entre 1960 e 2009

Fonte: GINI - http://www.ipeadata.gov.br/ e LANGONI (1973) Censo IBGE - 1970. PIB Per Capita - http://www.ipeadata.gov.br/. PIB Per Capita encontra-se expresso em milhares de reais (R$) de julho de 2009.

é sim um gerador de desigualdade, mas é, antes de tudo, um revelador desta. Não se pode ignorar o fato de que as pessoas com rendas mais elevadas têm acesso privilegiado ao sistema educacional, com a possibilidade de estudar em escolas melhores. Com isso, a desigualdade de renda impede as pessoas de frequentarem a escola ou as coloca em escolas de menor qualidade, e acaba por torna-las menos aptas a uma melhor remuneração no futuro. Isso faz com que seus filhos também não tenham condições de superar a pobreza, o que leva a um círculo vicioso. Como argumentou Fishlow: O próprio sistema educacional brasileiro, é lógico, constitui na prática um importante mecanismo para assegurar a manutenção da estrutura existente, racionando a diplomação não apenas em favor dos já afluentes, mas também, predominantemente, em favor daqueles com pais já educados. É também importante frisar que a impossibilidade de conciliação entre crescimento econômico e distribuição de renda, encontrada por Langoni, não analisa um fator importante: a melhoria do sistema educacional público atingiria os dois resultados simultaneamente, com a elevação da renda dos futuros integrantes do mercado de trabalho e o crescimento econômico fruto do aumento da produtividade resultante da melhoria dos recursos humanos potenciais que são desperdiçados devido à pobreza.

pelos indivíduos, mas concluir que a diferença no

Langoni também deixou de lado outros itens em

nível educacional é geradora de desigualdade é

sua explicação sobre a piora distributiva na década de

contar apenas metade da verdade. O nível de ensino

1960 (que se estende também à década posterior). Ao

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Há ainda, segundo Neri, uma forte correlação entre crescimento e redução da pobreza no Brasil. Todavia, essa redução depende de outros fatores, como inflação, choques externos, desemprego, salário mínimo e programas sociais. Ele argumenta ainda que a pobreza responde mais ao crescimento quando a distribuição é mais igualitária, e crê que a alta desigualdade pode estar segurando o crescimento mais rápido da economia.

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período, o autor deixou de mostrar o impacto deste fato na diminuição da parcela da renda apropriada pelas camadas mais pobres. A queda no ano de 1964 ocorreu devido a uma inflação corretiva aplicada com o intuito de restabelecer a “verdade dos preços”, segundo argumentação do governo militar que tomou posse no referido ano. Sendo esse argumento convincente ou não, o fato é que o salário mínimo serve de base para a remuneração da população de mais baixa renda. Uma diminuição no salário mínimo fatalmente acarreta numa queda na proporção da renda recebida por quem tem sua remuneração atrelada a este. Apesar de faltar dados para calcular o tamanho deste impacto, numa população cuja parcela significativa recebe salário mínimo, este impacto dificilmente foi desprezível, sendo muito provavelmente grande.

‘‘

A migração do setor rural para o setor urbano, como apontada por Langoni (e, anteriormente, por Kuznets), certamente tem também impacto nessa mudança do perfil distributivo da economia brasileira observada nas décadas de 1960 e 1970.

‘‘

não tratar da queda real no salário mínimo ocorrida no

A migração do setor rural para o setor urbano, como apontada por Langoni (e, anteriormente, por Kuznets),

contra os efeitos da inflação, por meio de aplicações

certamente tem também impacto nessa mudança do

em caderneta de poupança, títulos do tesouro, ou

perfil distributivo da economia brasileira observada nas

outros produtos bancários. Dessa forma, um aumento

décadas de 1960 e 1970. Essa migração foi praticamente

nos preços é menos danoso para os mais ricos do que

constante durante o tempo. Entre 1955 e 1985 ela

para os mais pobres, que não têm acesso sequer a uma

ocorreu a um ritmo ligeiramente superior a 10% da

conta corrente num banco, e não podem proteger seus

população a cada 10 anos. O aumento de produtividade

recursos contra a corrosão causada pela alta dos preços.

das pessoas no setor urbano em relação ao setor rural

Os anos 1990 apresentaram maior estabilidade nos indicadores de desigualdade. O coeficiente de Gini variou muito pouco entre os extremos da

devido à maior produtividade do setor industrial

década. Apresentou leve alta no início, provavelmente

urbano. Há também o efeito da marginalização de

decorrente ainda do aumento do nível de preços, e

parte dos imigrantes provenientes do setor rural,

baixa na mesma proporção no final, já com a inflação

considerados como mão-de-obra não qualificada e, por

controlada. Como no início da década o maior

isso, com remuneração muito baixa – principalmente

problema era a inflação, os esforços de todos estavam

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aqueles que estão no setor informal da economia – e

centralizados na estabilização dos preços. Houve

maior probabilidade de demissão em caso de crises.

também uma queda no salário mínimo real com o

Já na década de 1980, outro fator aparece para impactar no aumento da desigualdade: a inflação. Dificilmente algum economista, não importando sua orientação ideológica, irá discordar de que a inflação

Plano Real, mas ao final da década, com a economia

afeta os pobres de forma mais intensa. Pessoas mais

Os anos 2000 apresentam uma grande novidade em relação aos anos anteriores: com a economia estabilizada, é possível se pensar em melhorar o perfil

Revista de

Essa migração tem impacto não apenas no salário,

Conjuntura

foi importante nesse incremento da desigualdade.

ricas, que têm acesso ao sistema financeiro, têm formas mais eficientes de proteger seus recursos

estabilizada, esse indicador começou a recuperarse, e foi o provável responsável pela ligeira queda na desigualdade apresentada no final da década.


Juntos, o Benefício de Prestação Continuada e o Bolsa Família atingem hoje cerca de 16 milhões de beneficiários e afetam diretamente algo em torno de 50 milhões de pessoas (se considerarmos uma média de quatro pessoas por família). Indiretamente, esses benefícios ainda apresentam outras vantagens, como a elevação no nível de emprego causado pelo aumento na demanda advindo desse aumento de renda (pessoas de baixíssima renda tendem a consumir 100% de seus rendimentos em produtos de primeira necessidade, como alimentos, higiene pessoal e vestuário, o que aumenta a demanda por esses produtos) e a melhora nos indicadores educacionais e de saúde, pois os beneficiários do Bolsa-Família são condicionados a matricularem seus filhos na escola e a frequentarem os postos de saúde públicos mais próximos para manter o benefício. Sem dúvida, seguindo a linha de pensamento de Kuznets,os fatores educacionais continuam a influenciar a distribuição da renda, só que agora estão induzindo um movimento para baixo na desigualdade. Com a melhora dos indicadores educacionais, as pessoas de baixa renda têm empregos mais qualificados e recebem maior remuneração. É importante também destacar o impacto da valorização do salário mínimo real nos anos 2000. O aumento sistemático do valor real desse indicador acarretou numa valorização da ordem de 92% entre 2000 e 2010. Apesar dessa melhora recente mostrada acima, o Brasil ainda é um país que apresenta altíssimo grau de desigualdade de renda, e, embora estejamos no caminho certo, temos ainda um longo caminho a percorrer. Já mostramos que temos capacidade de apresentar um crescimento mais robusto do que o apresentado nas décadas de 1980 e 1990 e com uma distribuição de renda muito melhor do que a apresentada naqueles anos, com um aumento na renda dos mais pobres conduzindo a um crescimento maior da demanda por bens que, por sua vez irá acarretar em aumento da produção que, por sua vez, levará a

um aumento da demanda por trabalhadores, o que vai melhorar ainda mais a renda. Esse círculo virtuoso de aumento da produção e da renda, um alimentando ao outro, favorece tanto as camadas mais baixas quanto as mais altas, mas sem dúvida são os mais pobres que vivem um ganho mais significativo, o que reflete na melhora do perfil distributivo. A expectativa é que esse crescimento continue ocorrendo no longo prazo, para que possamos ter uma sociedade mais equitativa e que a pobreza continue em queda.

5 - Conclusões O presente trabalho não busca refutar a tese de que a desigualdade aumentou nos estágios iniciais do desenvolvimento econômico e posteriormente diminuiu, mas espera trazer à luz um debate sobre as verdadeiras causas para que tal padrão tenha ocorrido. Como resultado, é apresentado um argumento de que o crescimento econômico é responsável por explicar boa parte da variação no coeficiente de Gini, mas deixa ainda por ser explicada uma parcela significativa, sendo necessária a elaboração de uma teoria mais completa do que apenas dizer que a desigualdade é um resultado natural do crescimento.

Paulo Henrique Mendes Leandro Beserra paulohmlbeserra@gmail.com Economista formado pela Universidade de Brasília. Foi premiado com o 1º lugar no XVIII Prêmio Corecon-DF de Economia (2011) e em 2º lugar no Prêmio Brasil de Economia realizado pelo Cofecon.

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distributivo da economia. Alguns programas sociais tiveram início e intensificaram-se nesse período, e o impacto deles na queda da desigualdade foi bastante acentuado.

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Intervenção do Governo na Economia X Crescimento Econômico Joaquim Ramalho de Albuquerque e Tito Belchior Silva Moreira Este artigo objetiva avaliar como a intervenção do Estado na atividade econômica afeta o crescimento econômico. Nesse contexto, pretende-se investigar como variáveis de política econômica afetam a taxa de crescimento do produto. O estudo utiliza variáveis como a despesa da União, a dívida consolidada líquida, a participação societária direta da União em setores– chave da economia, o estoque de investimento dos fundos privados de previdência fechada e o volume de crédito liberado pelo BNDES, todas como percentual do Produto Interno Bruto (PIB). Além dessas, utiliza-se a carga tributária bruta, a taxa de juros real, a taxa de subsídios, a taxa implícita da dívida do setor público e a variação percentual do estoque de reservas internacionais.

Revista de

Conjuntura

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Economistas e analistas econômicos têm atribuído o fraco desempenho da evolução do produto da economia brasileira ao excesso de intervenção do governo na economia. A crise financeira internacional deflagrada em 2008 exigiu a ação do Governo para diminuir seu impacto sobre o nível da atividade econômica. A mais visível foi a autorização da diminuição dos recolhimentos compulsórios dos bancos comerciais ao caixa do Banco Central do Brasil (BC) pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para atenuar a preferência pela liquidez do sistema financeiro, com impacto sobre bancos pequenos e de porte médio, essa diminuição dos recolhimentos compulsórios foi atrelada à compra de carteiras dos bancos mais vulneráveis pelos mais sólidos, de forma a evitar o contágio do descasamento de prazos das carteiras de bancos sobre o sistema financeiro nacional. A diminuição dos recolhimentos compulsórios amenizou o problema sistêmico, mas não impediu uma retração significativa do crédito dos bancos privados domésticos e estrangeiros para o financiamento do

consumo e da produção. Com o propósito de manter o ritmo de crescimento da economia brasileira, o Governo emitiu títulos públicos para aumentar a capacidade de fomento das instituições financeiras oficiais, aumentou a participação do Estado nas empresas estatais operacionais (Petrobras, por exemplo), estimulou a consolidação de empresas privadas nacionais nos setores em que o país desfruta de vantagens comparativas (papel e celulose e carnes, por exemplo), reduziu a taxa de juros e aumentou o crédito dos bancos públicos destinado ao consumo e à produção. A fuga de capitais decorrente da crise levou o BC a vender reservas internacionais para evitar uma forte desvalorização cambial. Os recursos direcionados pelo ministério da Fazenda às instituições financeiras oficiais de fomento e às empresas estatais e privadas chamam atenção pela materialidade dos recursos envolvidos, pelos subsídios concedidos e pelos procedimentos ortodoxos de transferência empregados. Houve clara opção de política econômica anticíclica para contrarrestar os efeitos da crise sobre o ritmo de atividade. Ao aprovar a lei orçamentária anual, a União escolhe o montante de consumo do governo e a carga tributária necessária ao financiamento da despesa, inclusive a trajetória da dívida consolidada bruta e líquida. É também escolha do Estado adquirir ou aumentar sua participação em empresas privadas. Já a taxa implícita da dívida líquida do setor público decorre da escolha de ativos e passivos, que geram e demandam pagamento de juros, pelo setor público. Por último, ao contribuir majoritária ou paritariamente com os aportes dos fundos privados de previdência privada, reserva a União recursos para aplicações de longo prazo, ao tempo em que a indicação de membros do Conselho de Administração desses fundos garante ao Governo participação ativa na alocação desses recursos.


Interação entre os agentes econômicos e o governo A literatura sobre a estratégia de substituição de importações como mecanismo de industrialização de países de desenvolvimento tardio é extensa e se aplica a toda a América Latina1. No caso do Brasil, convencionou-se ressaltar o embasamento da produção industrial em um tripé composto por empresas de capital doméstico e estrangeiro e pelas empresas estatais. No início dos anos 1990 essa estratégia de substituição foi abandonada em prol de uma chamada integração competitiva, cuja ideia básica era suplantar o predomínio de preço exercido pelos oligopólios estatais e privados com a competição natural decorrente da abertura comercial, retirando do Estado a despesa de investimentos, medida necessária para uma nova fase de consolidação e avanço industrial que ele já não tinha condições de financiar via empresas estatais. O esgotamento da capacidade de investimento da União seria corrigido pela venda de ativos por ela controlados. Esse processo de privatização gerou uma preocupação com a desnacionalização da indústria, em vista de uma potencial invasão de empresas estrangeiras com maior porte econômico e menores 1

Veja Castro e Souza (2004) e Melo (2009).

custos de capital competindo em situação vantajosa com as empresas domésticas. Passadas duas décadas, essas preocupações não se confirmaram, em virtude da configuração que tomou a participação estrangeira. Os grupos estrangeiros que se instalaram no Brasil buscaram se associar às empresas de capital doméstico, tanto privadas como estatais, como forma de se protegerem de um ambiente de negócios complexo e arriscado. Essa é uma estratégia de continuidade e adaptação para o empresariado doméstico, privado e estatal, e estrangeiro, que diminui riscos e permite acesso à informação do ambiente político e de negócios, aí incluídos a tecnologia. Essas relações, com “laços, aglomerações e atores de conexão”, como têm sido definidas na literatura (Lazzarini, 2011), podem ser vistas nos conselhos de administração dos conglomerados com estrutura de controle piramidal. Cabe aqui uma pequena digressão sobre a locução controle piramidal. De acordo com a legislação societária, as ações de empresas de capital aberto podem ser ordinárias, preferenciais ou de fruição, conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram a seus titulares. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da Assembleia-Geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia. E também usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Diante da possibilidade de distribuição do número de ações ordinárias e preferenciais, é possível a um sócio ou grupo de pessoas controlarem as decisões da companhia mediante a posse de até menos que 1/6 do total de ações da companhia. O conceito de controle piramidal está relacionado à configuração em que uma empresa A controla uma empresa B que por sua vez controla a empresa C e assim sucessivamente. Ao adquirir participação societária em setores distintos da economia, os conglomerados criam proteção contra choques adversos sobre atividades específicas,

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As formas de intervenção mencionadas acarretam despesa para o Tesouro Nacional em montante significativo que, em vista do procedimento de financiamento, nem sempre está muito bem evidenciada na lei orçamentária, uma vez que se trata de operações de prazo médio e longo. Adicionalmente, grande parte das decisões de investimento é tomada nas empresas estatais operacionais e nas instituições financeiras oficiais de fomento. Assim, há pelo menos quatro questões relacionadas ao intervencionismo estatal. A primeira delas é o volume de subsídios implícitos diretos ou indiretos associados à ingerência do Estado. A segunda está relacionada ao custo de oportunidade de alocação desses recursos. A terceira é o problema da eficiência e da competitividade que essa ação governamental causa à economia brasileira e, por fim, a quarta trata do efeito do intervencionismo sobre a taxa de crescimento do produto.

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têm acesso ao conhecimento técnico e estabelecem contato com atores relevantes do Estado que integram os conselhos de administração ou fiscal de empresas públicas. É possível afirmar, pois, que o Estado manteve seu poder de ingerência em determinados setores por meio do controle piramidal. Outra forma de manutenção do poder de ingerência do Estado nas empresas privadas foi a manutenção de um tipo de participação denominada golden share, que permite o veto sobre determinadas decisões que não interessem ao seu detentor. Assim, ainda que tenha havido um aumento da participação do capital estrangeiro no país e uma diminuição da participação direta do governo com as empresas estatais, não diminuiu a capacidade de intervenção, seja via BNDES ou fundos de pensão, em associação com alguns grupos privados de maior porte, seja com a utilização do poder de veto das golden share, ações de classe especial que conferem ao detentor poderes especiais. O empresariado nacional apoiou-se nas instituições financeiras oficiais de fomento para expandir sua participação em distintos setores da economia como forma de se proteger tanto da competição estrangeira quanto da insegurança jurídica do ambiente de negócios doméstico. A principal instituição financeira oficial de fomento envolvida no processo de privatização, o BNDES, também expandiu suas operações no período do auge da crise financeira internacional em 2008-2009 e se tornou uma prática corriqueira do governo federal desde então. As suas características se assemelhavam à estratégia do Governo Geisel, denominada na literatura como “marcha forçada”, em que as fontes de recursos são as instituições financeiras oficiais de fomento.

Revista de

Conjuntura

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De acordo com o Relatório de Administração de 2010, “desde sua criação, o BNDES vem atuando como o principal instrumento financeiro do Governo Federal para execução de políticas de investimento, sendo a principal fonte de financiamento de longo prazo da economia brasileira”. Suas linhas de apoio contemplam financiamentos de longo prazo a custos competitivos para o desenvolvimento de projetos de investimentos e para a comercialização de máquinas e equipamentos novos, fabricados no Brasil, bem como para o incremento das exportações brasileiras. A atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social Participações S.A. (BNDESPAR), sua subsidiária integral, contribui, ainda, para o fortalecimento da estrutura de capital de empresas privadas e para o desenvolvimento do mercado de capitais. Com a intermediação do BNDESPAR, a União aumentou, entre 2009 e 2010, em 18,8% o saldo das participações em não-coligadas, de R$ 75,1 para R$ 89,3 bilhões. É importante salientar que houve aquisição de ativos em um período em que seus preços estavam fortemente diminuídos pela crise financeira que se abateu sobre a economia mundial, com impacto nos preços de ativos tanto dentro como fora do país.

Indicadores da intervenção do governo federal De acordo com os textos de finanças públicas, a ação governamental compreende as funções estabilizadora, distributiva e alocativa. A função estabilizadora é recomendada como remédio anticíclico, de forma a diminuir as oscilações nos níveis gerais de produto, emprego, renda e preços da economia e por consequência, do consumo. Utiliza os instrumentos clássicos de política fiscal e monetária. A função distributiva, por sua vez, busca diminuir os efeitos da desigualdade de renda para atender a critérios considerados socialmente justos. Caracterizase pelo atendimento a grupos sociais mais vulneráveis, oferecendo um nível mínimo de consumo e acesso aos bens e serviços básicos que criem os pressupostos para a ascensão social, além do atendimento emergencial nos casos de calamidades públicas. A função alocativa primordial do Estado é contribuir para a provisão de bens e serviços para os quais o mercado privado não é sensibilizado pelos incentivos necessários à sua produção, seja em virtude do sistema de preços, da distribuição de renda ou de problemas de coordenação e apropriação dos benefícios decorrentes do consumo desses bens e serviços, tais como saneamento básico, transportes, energia e comunicações. No período mais recente, que se inicia em 2003, o movimento pendular que acompanha a história econômica do país de aumento e diminuição da intervenção, viu recrudescer a produção direta e indireta de bens e serviços por parte do Estado, principalmente no período que se seguiu à crise financeira internacional de 2008. A produção indireta decorre do fato de que o Estado, por


Em países de desenvolvimento tardio, como é o caso do Brasil, a carga tributária como proporção do Produto Interno Bruto é um indicador limitado da interferência do Estado na economia. Em primeiro lugar, porque parte das despesas da União é financiada junto ao setor privado com a geração de déficits nominais, que vão determinar a trajetória de crescimento da dívida. Quando o superávit primário gerado em cada exercício e/ou o crescimento do PIB não compensam o aumento da dívida, surge o risco de uma trajetória crescente não sustentável. Em segundo lugar, pela distribuição contínua e disseminada de benefícios de natureza tributária, creditícia e financeira às empresas nacionais e estrangeiras. Com esse procedimento, a União estimula as taxas de investimento pelo setor privado e torna-se determinante na alocação setorial, espacial e temporal da formação bruta de capital fixo. Em terceiro, pela atuação das empresas estatais em setores-chave da economia, tais como o financeiro e o energético. Como esses setores estão presentes nas cestas de insumo dos demais setores, há maior possibilidade de subsídios cruzados e de influência no nível geral de preços da economia. Em quarto, pelo grande percentual do investimento total da economia que é levado a cabo pelos fundos fechados de previdência privada, nos quais a União participa ativamente pela indicação de integrantes do Conselho de Administração, onde as decisões de investimento são tomadas. Por último, pela participação societária da União disseminada em diversos setores da economia. A seguir, fazem-se alguns comentários sobre cada um dos indicadores de intervenção do governo federal na economia ora utilizados.

Carga Tributária Federal É uma medida do esforço da sociedade para o financiamento das políticas públicas e é calculada dividindo a arrecadação de tributos e contribuições

pelo Produto Interno Bruto de cada exercício fiscal. Quando a imposição de alíquotas sobre o valor da propriedade, da renda e do consumo não gera o volume de recursos necessário para liquidar a despesa pública, cria-se um déficit que vai ser adicionado ao estoque da dívida. Outras medidas menos ortodoxas de financiamento do gasto são a senhoriagem, o imposto inflacionário, as receitas provenientes de dividendos de empresas controladas direta ou indiretamente pelo Estado, e a depreciação dos bens de uso geral, tais como a infraestrutura viária e outros bens públicos. Nesse caso, a diminuição ou eliminação das despesas de manutenção permite a utilização das receitas que seriam ali empregadas em outros gastos do Governo. Em nações com carga tributária elevada, perguntase sobre as distorções que essa imposição pode causar à atividade econômica. Tributo eficiente é aquele que não gera distorções no comportamento dos agentes econômicos quanto à alocação de recursos. Portanto, ser eficiente é ser neutro em relação à alocação de recursos em termos espaciais, setoriais e temporais. Um tributo que incide sobre todos os produtos, bens e serviços à mesma alíquota não altera os preços relativos e, portanto, é um tributo neutro. Longe desse mundo ideal, o que se espera da tributação aplicada pelo Estado é que não retire os incentivos à expansão da produção e da renda de um setor ou indivíduo em detrimento de outros. E, quando isso for feito, que haja justificativas de natureza da eficiência ou eficácia das medidas.

Dívida Pública Consolidada ou Fundada Bruta e Líquida É o montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras da União, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados, e da realização de operações de crédito com amortização em prazo superior a doze meses. Também integram a dívida pública consolidada as operações de crédito de prazo inferior a doze meses cujas receitas tenham constado do orçamento. Entre os itens mais importantes do ativo, encontram-se os depósitos do Tesouro Nacional no Banco Central do Brasil (BC), as disponibilidades do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), as aplicações de fundos diversos junto ao setor privado, as dívidas de

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meio de participações societárias, acaba produzindo indiretamente como acionista de outras empresas. Para o financiamento das funções mencionadas, o Estado aplica uma carga de tributos sobre o setor privado, que é o parâmetro mais usado do peso da intervenção estatal.

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entes da Federação com a União e os haveres externos. Do lado dos passivos, citam-se a dívida mobiliária, as operações de equalização cambial, a dívida contratual e outras dívidas. A dívida consolidada líquida é o resultado da subtração dos ativos da União da dívida pública consolidada ou fundada.

Desembolsos do BNDES De acordo com a publicação Boletim de Desempenho do BNDES (2011), o montante de desembolso acumulado nos doze meses de 2010 foi de R$ 166,5 bilhões. Esses empréstimos do Banco constituem a principal fonte interna de financiamento de longo prazo da economia brasileira, uma vez que são remunerados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e têm prazo de longa maturação. No entanto, os aspectos positivos das atividades da instituição financeira são contra-arrestados pelos subsídios presentes em suas operações. Ao mesmo tempo em que permitem que a União influencie a localização dos empreendimentos, o momento de sua realização e os setores nos quais serão aplicados os recursos, a aprovação das operações pode dar origem a benefícios direcionados pelos mesmos três critérios mencionados e a pessoas jurídicas que têm seus planos de investimento ou de expansão aceitos.

Conjuntura Revista de

Taxa Selic e taxa de juros de longo prazo (TJLP) É a taxa apurada no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Taxa Selic), obtida mediante o cálculo da taxa média ponderada e ajustada das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulos públicos federais e cursadas no referido sistema ou em câmaras de compensação e liquidação de ativos, na forma de operações compromissadas. O cálculo é feito diretamente pelo sistema Selic, após o encerramento das operações, em processo noturno.

Participação Societária da União em Empresas

Para o cálculo da taxa de juros real, pode-se utilizar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é calculado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se do índice oficial do Governo Federal para medição das metas inflacionárias. Ele mede a variação dos custos dos gastos no período do primeiro ao último dia de cada mês de referência. A população-objetivo do IPCA abrange as famílias com rendimentos mensais compreendidos entre um e quarenta salários-mínimos, qualquer que seja a fonte de rendimentos, e residentes nas áreas urbanas das regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, Brasília e município de Goiânia. A taxa Selic real (ex-post) é calculada pela diferença entre a taxa Selic e a taxa do IPCA.

Equivale à participação societária direta do Tesouro Nacional nas empresas investidas multiplicada pelo patrimônio líquido de cada uma delas demonstrado no último balanço patrimonial. De acordo com o Balanço Geral da União (BGU), ao final de 2010, a

Já a taxa de juros de longo prazo (TJLP), fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e divulgada até o último dia útil do trimestre imediatamente anterior ao de sua vigência, é calculada a partir de dois componentes básicos:

Investimentos dos Fundos de Pensão

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União possuía participação societária majoritária em 44 empresas (23 sociedades de economia mista e 21 empresas públicas), e minoritária em 57 empresas, além de participação na empresa binacional Itaipu. Os dados relativos à participação acionária da União podem ser coletados na conta contábil 14.1.1.1.01.00 Participação em Empresas – Método da Equivalência Patrimonial, no Sistema de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Alguns dados sobre a participação societária direta do Tesouro Nacional nas empresas investidas podem ser extraídos de outras contas contábeis do Siafi, de acordo com o exercício da consulta.

Os fundos de pensão e de previdência constituem importante veículo de poupança da população participante, secundada pela complementação de aporte das empresas patrocinadoras. Esses recursos de poupança vinculada são aplicados em seis categorias de investimentos: renda fixa, renda variável, imóveis, em operações com participantes, investimentos estruturados e investimentos no exterior. Juntamente com os investimentos do BNDES, são duas das mais importantes aplicações de longo prazo disponíveis para financiamento de investimentos da economia brasileira. De acordo com a publicação eletrônica Consolidado Estatístico (2010), o montante de investimentos em dezembro alcançou R$ 538,4 bilhões.


II - prêmio de risco, que incorpora uma taxa de juro real internacional e um componente de risco Brasil numa perspectiva de médio e longo prazo. O cálculo da TJLP é obtido a partir da seguinte ponderação: TJLP = R + [I (cor) x M (cor) + I (seg) x M (seg)] / 12, em que: I (cor) é a meta de inflação fixada pelo CMN para o exercício corrente; M (cor) é o número de meses desde a vigência da taxa até o fim do ano corrente; I (seg) é a meta de inflação fixada pelo CMN para o exercício seguinte; M (seg) o número de meses desde o fim do ano anterior até a vigência da taxa; e, R é o prêmio de risco.

Subsídios (Taxa Selic menos TJLP) A taxa de subsídio creditício decorrente de programas oficiais de crédito, operacionalizados por meio de fundos ou programas, é dada pela diferença entre a taxa básica de juros (Selic) e a taxa de juros de longo prazo (TJLP). Como o Tesouro se financia de acordo com a taxa Selic, a diferença entre essa taxa Selic e a TJLP é o subsídio do Tesouro aos empréstimos do BNDES. Ou seja, a taxa de juros oferecida pelos programas é inferior ao custo de captação do Governo Federal. Para o cálculo do subsídio real (ex post) podese fazer a diferença entre a taxa de subsídio e a taxa do IPCA. Um exemplo de subsídio creditício é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cujas disponibilidades no BNDES e sistema bancário foram de R$ 147,7 bilhões em 2010. Esse montante faz parte dos ativos da União, ou seja, quanto maior o seu valor, menor é a dívida líquida do governo. O fundo serve de funding para os empréstimos do BNDES e demais bancos federais. O BNDES empresta esses recursos à taxa de juros de longo prazo mais as taxas de administração e risco dos empréstimos, enquanto remunera o FAT pela TJLP.

Taxa de Juros Implícita da Dívida Líquida do Setor Público A taxa de juros implícita corresponde a uma média de todas as taxas de juros nominais incidentes sobre

os ativos e passivos do setor público. Ela pode ser encontrada no site do Banco Central. Quando escolhe uma combinação de ativos e passivos com diferentes taxas de juros, os agentes aceitam que a diferença entre essas taxas dará origem a uma taxa implícita. No caso em tela, os indexadores são a variação cambial, a taxa Selic, o IGP-M, o IGP-DI, o IPCA, a TR, a TJLP, juros prefixados, sem remuneração de juros e outras indexações. De acordo com Gobetti (2010), “a taxa depende não só da evolução das distintas taxas que remuneram ativos e passivos do Governo como também das modificações na composição patrimonial.” Ou seja, ao escolher determinada composição patrimonial está o Governo fazendo opção pela remuneração dos ativos e passivos. Como elas são distintas, e os passivos acumulados pelo setor público remuneram, em regra, mais que os ativos, surge um diferencial que, se não for pago, se incorpora ao passivo, aumentando-o. Ainda conforme o mesmo autor: “A continuidade da atual estratégia de administração patrimonial (e as restrições à expansão da base monetária) possivelmente produzirá uma taxa implícita crescente nos próximos anos, a menos que a taxa de juros básica caia substancialmente.”

Despesas da União A lei orçamentária de cada exercício estabelece um limite de gastos autorizado pelo Congresso Nacional com vários critérios de classificação. Quanto à categoria econômica, dividem-se em despesas correntes e despesas de capital. Esses dois conjuntos são divididos em grupos natureza de despesa, com o seguinte desdobramento: 1, “pessoal e encargos sociais”; 2, “juros e encargos da dívida”; 3, “outras despesas correntes”; 4, “investimento”; 5, “inversões financeiras”; 6, “amortização da dívida”.

Reservas Internacionais Com o abandono do sistema de bandas cambiais, o Brasil passa a adotar um sistema de câmbio flutuante em janeiro de 1999. Um regime cambial em que o Banco Central realiza intervenções esporádicas no mercado de câmbio caracteriza o denominado “regime de flutuação suja”, que é o regime adotado no Brasil desde então. Nesse caso o BC pode atuar no mercado cambial comprando e vendendo divisas para evitar uma excessiva volatilidade da taxa de câmbio.

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I - Meta de inflação calculada pro rata para os doze meses seguintes ao primeiro mês de vigência da taxa, inclusive, baseada nas metas anuais fixadas pelo Conselho Monetário Nacional;

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Na prática, a instituição compra divisas para evitar uma excessiva valorização do Real frente às moedas estrangeiras, pois poderia prejudicar a competitividade do setor exportador e gerar déficit na balança comercial. Por outro lado, o BC vende divisas para evitar uma excessiva desvalorização cambial e, dessa forma, busca, entre outros efeitos, evitar uma elevação das taxas de inflação. Mais recentemente o Banco Central pratica informalmente um regime de banda cambial de forma a evitar uma excessiva volatilidade da cotação das moedas estrangeiras.

Considerações finais Vários indicadores atestam o aumento da intervenção do estado na economia brasileira entre 2003 e 2011. O mais usualmente citado, a carga tributária da União, aumentou de 31,9% para 35,9%. Em caminho inverso, o esforço fiscal traduzido pelo resultado primário do setor público reduziu-se de 3,27% do PIB em 2003 para 3,11% em 2011. Por outro lado, a estimativa de subsídios mensurada pelo Demonstrativo de Benefícios Tributários divulgada pela Receita Federal, aumentou de 3,89% do PIB em 2003 para 5% em 2011. Ou seja, aumentaram as despesas primárias mais do que as receitas primárias e ao mesmo tempo a renúncia de receitas, que beneficia grupos de interesse, cresceu significativamente.

Revista de

Conjuntura

52

Houve aumento considerável da participação das instituições financeiras oficiais de fomento no aumento do crédito no período. Somente as transferências da União para o BNDES alcançaram mais de R$ 230 bilhões, sem computar as transferências para o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Como resultado dessa escolha a evolução da dívida líquida do setor público foi controlada, mas a acumulação de ativos e passivos da União impediu que a redução da taxa implícita da dívida líquida do setor público acompanhasse com o mesmo ímpeto a redução verificada na taxa de juros básica da econômica. De fato, enquanto a taxa Selic diminuiu 11,7% (de 23,3% para 11,6%) no período 2003-2011, aquela caiu apenas 0,6% (de 17,5% para 16,9%), conforme divulgado nas notas de política fiscal do Banco Central do Brasil. Portanto, os números atestam a elevação do intervencionismo estatal na economia, que interfere na alocação espacial, setorial e temporal do gasto de

capital e do gasto corrente, com prevalência desse último. Esse ativismo acirrou o comportamento errático do PIB e da inflação, e diminuiu consideravelmente as possibilidades de crescimento sustentável da economia brasileira, caso as escolhas fossem feitas de acordo com o critério de eficiência alocativa.

Referências Bibliográficas GOBETTI, Sérgio Wulff, (2010). Dívida líquida e dívida bruta: O efeito da estrutura patrimonial sobre a taxa de juros implícita e a trajetória do endividamento. Finanças Públicas: XV Prêmio Tesouro Nacional – 2010. Coletânea de monografias. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2010. CASTRO, Antonio B. de e SOUZA, Francisco E. P. de (2004). A Economia Brasileira em Marcha Forçada. São Paulo: Editora Paz e Terra, 4ª Edição. LAZZARINI, Sérgio G. (2011), Capitalismo de Laços: Os donos do Brasil e suas conexões. Editora Campus, ELSEVIER, R.J. MELO, João Manoel C. (2009). O Capitalismo Tardio. São Paulo: Editora Unesp, 11ª edição, S.P.

Tito Belchior Silva Moreira tito@pos.ucb.br Economista formado pela Universidade Católica de Salvador, mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia e doutor pela Universidade de Brasília. Professor e pesquisador do Departamento de Economia da UCB.

Joaquim Ramalho de Albuquerque joaquim.ra@hotmail.com Engenheiro pela Universidade Federal Rural de Pernambuco e mestre em Economia pela Universidade de Brasília.


INFORMES DOS CURSOS DE ECONOMIA DO DF

Curso de Ciências Econômicas da Upis Antes de falar sobre o nosso Curso, cabem algumas considerações. É fundamental ser bem sucedido na área empresarial, mas para isso é necessário ter bons conhecimentos no ramo de negócios relativos às atividades econômicas das empresas. Criação de empresas, associações econômicas, fusões, incorporações, transformações, emissões, reduções, reinversões de capital, capitalização de recursos e análise de resultados são requisitos básicos para qualquer empreendedor. Há de se destacar que, para quem já está ou quer entrar no mercado, é necessário ser exímio conhecedor das estratégias de vendas, dos canais de distribuição e divulgação do portfólio da empresa, das políticas de estoque, e também de como é importante e o que significa a manutenção do capital de giro próprio. Deve ser observado ainda que de nada adianta o investidor aplicar seus recursos financeiros se não contar com um sólido conhecimento do mercado em que está inserido, ou no qual pretende se inserir. Aliás, todo cuidado é pouco. Ganhar dinheiro é trabalhoso e difícil, porém perdê-lo, para quem não está devidamente preparado, é rápido e fácil, dadas as artimanhas e “raposas” existentes na economia. Como é bom ser zeloso com o patrimônio! Acresce-se, ainda, que os gestores de política econômico-financeira externa, ou seja, da área de importação e exportação, precisam ser bons conhecedores da política cambial, da balança comercial e estar devidamente inseridos no contexto das negociações internacionais. Se considerarmos os gestores governamentais, esses controlam todo o país na área econômica. Cuidam de expulsar a inflação, criar condições de consumo para

a população, gerar produção, que interfere diretamente no crescimento do PIB, e empregos, enfim, cuidam da saúde financeira do Brasil. Só se obtém a competência técnica necessária para exercer essa função em um curso muito bem feito, com acompanhamento de professores gabaritados, considerados expoentes da economia. É o caso da UPIS, onde todos trabalham em postos estratégicos, como o Banco Central do Brasil, o Ministério do Planejamento e Orçamento, a Escola Superior de Administração Fazendária do Ministério da Fazenda, a Secretaria de Orçamento Federal, o Ministério da Educação e outros Ministérios e Órgãos do Executivo. A empregabilidade para os formandos em Economia na UPIS é quase certa, seja em concursos públicos ou na iniciativa privada. O que mais se discute nesse país é a carência de mão-de-obra especializada de boa qualidade, e nesse quesito atendemos plenamente o mercado. Fala-se muito em buscar no exterior profissionais de experiência internacional, mas os nossos alunos carregam em seu Diploma o carimbo da ISO 9001:2008, que atesta uma formação dentro dos padrões internacionais de qualidade.

Bento de Matos Félix Economista e bacharel em Administração de Empresas. Pós Graduado em Magistério de Ensino Superior. Mestre em Administração Pública. Professor e Chefe do Departamento de Economia das Faculdades Integradas UPIS. É Conselheiro Suplente em 2º mandato do Corecon-DF. É Vogal Titular do MDIC/ DNRC/JCDF com mandato de 2012 a 2016.

Desde a edição 47, a Revista de Conjuntura abrirá este espaço para que os coordenadores, professores e alunos dos cursos de economia do Distrito Federal possam divulgar informações dos cursos sobre assuntos de interesse dos economistas. As notas e informes, com a identificação dos autores, devem ser encaminhadas para o e-mail: imprensa@corecondf.org.br.


Não quebre a corrente!

O Corecon-DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas. Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

Participe! A conquista é de todos.

Acesse o site do Corecon-DF Acesse: www.corecondf.org.br, conheça e fique por dentro das ações do Conselho. No espaço “Leia e Opine”, o economista poderá enviar pequena nota expondo sua opinião sobre algum fato marcante do dia ou da semana, que considere importante.

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br


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