Revista de Conjuntura n. 47

Page 1

Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XII • Nº 47 • outubro de 2011 / março de 2012

artigos

O aperfeiçoamento da função reguladora do Estado Rodrigo Augusto Rodrigues Os desafios democráticos na governança da política monetária brasileira e o ponto Nairu Ricardo Wahrendorff Caldas e James Batista Vieira Commodities: estruturalismo às avessas Antônio Elias Silva e José Nelson Bessa Maia Ainda sobre a DRU José Fernando Cosentino Tavares e Márcia Rodrigues Moura Endividamento: educação, treinamento, comportamento ou terapia? José Eustáquio Moreira de Carvalho A hora e a vez da retomada do planejamento estratégico governamental no Brasil José Celso Cardoso Jr. Análise histórica - Reflexos de uma crise anunciada: o Brasil e a América Latina frente aos desafios dos anos 1930 Günther Richter Mros

ISSN 1677-0668

ENTREVISTA Antônio Rocha, presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), fala sobre as principais ações que a entidade a qual representa tem realizado, como também as perspectivas de crescimento da indústria no Distrito Federal.

O Distrito Federal, mesmo com crise política e atraso de obras públicas, manteve ritmo de crescimento elevado, com destaque para o segmento industrial.


Aluno e aluna de

Ciências Econômicas de qualquer período ou série

COMECE A FAZER PARTE DESDE JÁ DA SUA COMUNIDADE PROFISSIONAL! Compareça ao Conselho Regional de Economia do Distrito Federal e obtenha sua Carteira de Estudante de Ciências Econômicas. O estudante credenciado terá os mesmos benefícios oferecidos aos economistas registrados, em igualdade de condições, exceto aqueles diretamente relacionados ao exercício profissional que sejam privativos dos profissionais registrados por determinação da lei. Ao apresentar a credencial em qualquer Conselho Regional de Economia, o portador poderá consultar a legislação regulamentadora da profissão do economista, extrair cópias de artigos sobre temas de economia e ter acesso às publicações do Sistema COFECON/CORECONs, videotecas e bibliotecas, além de conseguir descontos nos eventos do Sistema COFECON/CORECONs.

Documentos necessários: • Declaração de matrícula e frequência da Faculdade, mencionando data prevista de conclusão do curso (original e cópia); • Documento de identidade (original e cópia); • CPF; • 2 fotos 3x4 coloridas; • comprovante de residência (original e cópia); • preenchimento do requerimento da credencial.

End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 / 3964-8366 / 3964-8368 Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo) E-mail: corecondf@corecondf.org.br www.corecondf.org.br


Nesta edição 06

O aperfeiçoamento da função reguladora do Estado Rodrigo Augusto Rodrigues

11

Os desafios democráticos na governança da política monetária brasileira e o ponto Nairu Ricardo Wahrendorff Caldas e James Batista Vieira

15

Commodities: estruturalismo às avessas Antônio Elias Silva e José Nelson Bessa Maia

Índice Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XII • Nº 47 • outubro de 2011/março de 2012

2 Editorial 3 Entrevista Antônio Rocha

22

Ainda sobre a DRU José Fernando Cosentino Tavares e Márcia Rodrigues Moura

31

Endividamento: educação, treinamento, comportamento ou terapia? José Eustáquio Moreira de Carvalho

36

A hora e a vez da retomada do planejamento estratégico governamental no Brasil José Celso Cardoso Jr.

42

28 Matéria Finanças pessoais: há problemas à frente?

Análise histórica -Reflexos de uma crise anunciada: o Brasil e a América Latina frente aos desafios dos anos 1930

ArtigoS

A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contatando o Corecon-DF. O valor da assinatura é de R$ 40,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.

Tãmnia

Günther Richter Mros


Conjuntura

lairotidE

Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Editor responsável José Luiz Pagnussat Conselho editorial Carlos Eduardo de Freitas Elder Linton Alves de Ataújo José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Humberto Vendelino Richter Maurício Barata de Paula Pinto Newton Ferreira da Silva Marques Oscar Henrinque Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Júlio Miragaya Jornalista responsável Camila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851) Redação e editoração eletrônica Camila Fiorese Revisão Letícia Sallorenzo Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente Jusçanio Umbelino de Souza Vice-presidente Maria Cristina de Araújo Conselheiros efetivos Carlos Eduardo de Freitas Oscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Gilson Duarte Ferreira dos Santos Carlito Roberto Zanetti Paulo Roberto Amorim Loureriro Jusçanio Umbelino de Souza Maria Cristina de Araújo Evilasio da Silva Salvador Conselheiros suplentes Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Miguel Rendy Elder Linton Alves de Araujo Bento de Matos Félix Jucemar José Imperatori César Augusto Moreira Bergo Roberto Bocaccio Piscitelli Mônica Beraldo Fabrício da Silva Humberto Vendelino Richter Delegado eleitor efetivo Mario Sergio Fernandez Sallorenzo Delegado eleitor suplente Jusçanio Umbelino de Souza Conselheiros federais efetivos pelo DF Roberto Bocaccio Piscitelli Conselheiros federais suplentes pelo DF Júlio Miragaya Max Leno de Almeida Equipe do Corecon-DF Gerente executivo Ronaldo Galloti Schroeder Angeilton Francisco Lima Faleiro Camila Fiorese Hélio Matheus Silva de Oliveira Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Michele Cantuária Soares End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

Editorial

Esta edição da Revista de Conjuntura traz a entrevista concedida pelo Presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), com uma excelente análise da economia do DF. Aparentemente, a continuidade do bom desempenho econômico do Distrito Federal, observado nos últimos anos, está garantida. A crise política e a paralisação de boa parte das obras iniciadas no governo anterior já estão sendo superadas. O impacto na economia foi pequeno, mas o transtorno e mal-estar para a população foram elevados. Os dados de crescimento do PIB do DF para o ano de 2011 ainda não estão disponíveis, mas o bom desempenho da economia é confirmado pelos indicadores de emprego. A taxa média de desemprego registrada no DF em 2011 é a menor dos últimos 20 anos. Foi de 12,4%, de acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) elaborada pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e a Secretaria de Trabalho do DF em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O dinamismo da economia do DF se deve a vários fatores, com destaque para o crescimento do emprego público, dado o grande número de concursos realizados, e principalmente pelo elevado crescimento dos salários dos servidores nos últimos anos. A reestruturação das carreiras e a política de recuperação salarial, implementada desde 2005, proporcionaram substancial elevação do consumo das famílias dos servidores. O crescimento da demanda garantiu a expansão da economia local e a elevação do emprego em outros setores, em especial no comércio e serviços relacionados ao lazer, além de ter aquecido o emprego no setor de serviços domésticos. O impacto da política salarial do setor público na economia do DF se deve à elevada participação desse setor no PIB. Em 2009, o Setor Público representava 55% do PIB do DF, enquanto os demais setores de serviços contribuíam com 37,6%, a indústria com 6,5% e a agricultura com 0,5% do PIB. O início das obras de infraestrutura e o estímulo aos investimentos nos setores de serviços relacionados com os diversos megaeventos esportivos que ocorrerão em Brasília nos próximos anos estão contribuindo também para o crescimento da economia do Distrito Federal. Tais investimentos são altamente dinamizadores da economia, tanto pelas verbas necessárias à realização dos eventos como pelo crescimento do turismo e do comércio durante os jogos. O primeiro campeonato esportivo a ocorrer em Brasília será a Copa das Confederações, em 2013, seguida da Copa do Mundo em 2014 e a Copa América em 2015. A expectativa é de que os eventos esportivos compensem o desaquecimento da economia do DF causado pelo congelamento dos salários dos servidores e pela redução do crescimento do emprego público, adotados pelo governo federal em 2012. Entretanto, o risco maior para a manutenção do dinamismo da economia do DF é a política cambial. A baixa taxa de câmbio, com a valorização do real frente ao dólar, está tornando as compras no exterior uma opção altamente compensadora do ponto de vista financeiro. A defasagem cambial representa um forte subsídio para os comerciantes do exterior em relação ao comércio local. Em 2011, as viagens internacionais dos moradores do DF cresceram mais de 90% - e já estavam elevadas em 2010. O alto poder de compra das famílias do DF vem aquecendo as compras no exterior – mas as vantagens econômicas dessas compras ficam lá fora, não no DF.


entrevista

Presidente da Fibra fala sobre as perspectivas e os desafios da economia no Distrito Federal Foto: Cristiano Costa

Conjuntura - Como está o andamento das obras públicas no DF no atual governo? Tem algum segmento que o senhor acredita que não esteja recebendo a atenção devida por parte do governo? Antônio Rocha - O ano de 2011 não foi dos melhores para a construção civil.Muitas obras paradas e promessas de retomada após a arrumação da casa por parte do governo. No final do ano, enfim, houve o anúncio de que o setor terá, a partir de 2012, um montante de R$ 778 milhões para executar obras no Distrito Federal. Em princípio, serão 149 obras. O governador Agnelo Queiroz assinou também um decreto de criação de um comitê emergencial para avaliação de mais de 500 projetos parados nas administrações do DF. Goiano da cidade de Luziânia, nascido em 1956, Antônio Rocha da Silva, trabalhou toda a sua vida como empresário. Filiado ao Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF, Rocha se elegeu, em 2002, presidente da Fibra, cargo que ocupa até hoje. Está em seu terceiro mandato. À frente da entidade, ajudou a promover a ampliação do parque industrial da cidade, elevando os índices de geração de emprego e renda em Brasília. Em entrevista à Revista de Conjuntura do Corecon-DF, o presidente da Fibra falou sobre as principais ações que

Conjuntura - Quais os principais projetos de interesse do setor industrial que estão na Câmara Legislativa do DF? Antônio Rocha - Do total de 538 projetos de interesse da indústria que tramitaram no ano legislativo de 2011, 268 apresentaram movimentação processual ou de mérito. Vários destes foram motivo de análise e intervenção por parte de representantes da indústria, valendo destacar, entre eles, projeto que dispõe sobre o Plano da Gestão Integrada de Resíduos da Construção Civil e Resíduos

a entidade a qual representa têm realizado, como tam-

Volumosos, que se tornou lei; proposta que trata sobre

bém as perspectivas de crescimento da indústria no

a instalação e o funcionamento de feiras itinerantes no

Distrito Federal.

DF, aprovado no final do ano e aguardando apreciação

abril / junho / 2011

Antônio Rocha

3


Foto: Cristiano Costa

do governador; assim como a proposição que obriga

Conjuntura - Que políticas ou medidas a Fibra tem adotado e defendido para fortalecer a indústria no DF? Antônio Rocha - Estudo feito pela Fibra, o Programa Estratégico de Desenvolvimento Industrial, buscou identificar os desafios e objetivos para a retenção de indústrias e atração de novas plantas para o Distrito Federal para fortalecer a indústria e aumentar sua competitividade. A projeção do estudo é de que a participação industrial no PIB subiria para 15% até 2015. É um objetivo que nós estamos buscando, principalmente por meio de parcerias com o governo. É importante o setor privado e o Governo agirem de forma conjunta para que possamos promover esse crescimento.

a reserva mínima de 5% das vagas de emprego para e iniciativa que determina a instalação de aparelhos climatizadores e umidificadores evaporativos nos estabelecimentos comerciais e industriais, ambos vetados pelo governador, aguardando apreciação do veto pela Câmara Legislativa.

Conjuntura - Diante do bom desempenho da economia brasileira no cenário internacional, quais as perspectivas da indústria no DF e quais as principais dificuldades em relação aos estados vizinhos? Antônio Rocha - Estamos em fase de criatividade em tempos de crise. O primeiro desafio é justamente manter a competitividade do Distrito Federal. Para isso são necessárias medidas em parceria com o Governo, principalmente na questão tributária. O segundo é

4

a qualificação profissional. Eu creio que a mão-deobra qualificada faz grande diferença na produção

Revista de

Conjuntura

do Distrito Federal. Os marcos regulatórios são outro desafio, para que os investidores tenham segurança nos investimentos feitos, mediante regras muito claras. Essas são as preocupações sobre as quais nós trabalhamos, para estimular os investimentos. Porque nós queremos que os americanos, os chineses, os coreanos invistam aqui, inclusive comprando nossos produtos.

Conjuntura - Quais os setores com maior potencial de crescimento no DF? E qual a vocação industrial do DF? Antonio Rocha - O Distrito Federal possui indústria da construção civil, de alimentação, da metalurgia, da tecnologia da informação, do vestuário, de grãos. O

‘‘

A projeção do estudo é de que a participação industrial no PIB subiria para 15% até 2015. É um objetivo que nós estamos buscando, principalmente por meio de parcerias com o governo. É importante o setor privado e o Governo agirem de forma conjunta para que possamos promover esse crescimento.

‘‘

mulheres na área de construção de obras públicas;


qual Brasília sediará sete jogos. Portanto, nós teremos investimentos em construção de estádio, mobilidade urbana, ampliação da rede hoteleira. Enfim, são grandes oportunidades que se abrem para que o mundo faça investimentos numa cidade com alta renda per capita, uma formação profissional semelhante à de países desenvolvidos, uma cidade cujo IDH é o melhor do país e se compara ao de grandes metrópoles superdesenvolvidas.

outubro de 2011 / março de 2012

setor da construção civil abriga algumas das maiores empresas do Brasil, inclusive empresas que participam de obras em outros países. E no setor da tecnologia da informação, temos empresas com representação em 23 países. A tendência é de maior incremento, porque em breve teremos o Parque Tecnológico Capital Digital, o que demonstra nossa vocação para a chamada indústria limpa, o que também inclui fármacos e semicondutores.

5 Conjuntura - Como está a competitividade da indústria do DF no comércio internacional e quais as perspectivas de crescimento das exportações do DF? Antônio Rocha - Hoje nós temos uma limitação. Basicamente nossas exportações são decorrentes da área de alimentação, especialmente de carnes de frango e miudezas de frango. Mas, com o fortalecimento de outros segmentos, como a tecnologia da informação e a biotecnologia, a expectativa é melhorar a nossa participação no mercado internacional. Para isso, temos um Centro Internacional de Negócios que presta assessoria às empresas no sentido de colocar o produto no mercado exterior.

Conjuntura - Como está o desempenho da indústria do DF no contexto de crise internacional e qual o impacto da crise internacional na Indústria do DF? Antônio Rocha - A crise está aí e, em um mundo globalizado, ela afeta todas as esferas internacionais. Mas nós apostamos em grandes investimentos no Distrito Federal em decorrência da Copa do Mundo, da

‘‘

Conjuntura - O senhor considera que o entorno poderia ser solução para a ampliação do parque industrial do DF? Antônio Rocha - Considerando-se a relação econômica existente hoje entre o Distrito Federal e seu entorno, eu diria que sim. O DF se consolidou como uma das principais áreas metropolitanas do país. E por sua condição única de “cidade-estado”, possui uma peculiaridade que a diferencia das demais áreas metropolitanas, visto que a sua periferia metropolitana situa-se em outra unidade da federação, ou seja, o chamado entorno metropolitano, localizado em Goiás, e que constitui com o DF um único mercado de trabalho e de consumo, segundo estudos prospectivos elaborados pela Federação das Indústrias do DF. Além desse vínculo entre o DF e seu entorno, cabe destacar ainda outros dois pontos favoráveis a essa questão: a limitação de recursos naturais da Capital Federal e a possibilidade de redução do enorme desequilíbrio econômico existente hoje entre o DF e seu entorno metropolitano. Nesse sentido, as perspectivas de desenvolvimento para o setor industrial no DF deve necessariamente levar em conta essa região.

Enfim, são grandes oportunidades que se abrem para que o mundo faça investimentos numa cidade com alta renda per capita, uma formação profissional semelhante à de países desenvolvidos, uma cidade cujo IDH é o melhor do país e se compara ao de grandes metrópoles superdesenvolvidas. Antônio Rocha


Artigo O aperfeiçoamento da função reguladora do Estado com o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (Pro-Reg) Rodrigo Augusto Rodrigues Estado

Executivo e aprovadas pelo Congresso em 1995

contemporâneo - prover bens públicos, redistribuir

Dentre

as

funções

básicas

do

(Emendas Constitucionais nºs 6, 8 e 9). Também em 1995 foi sancionada a lei sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, que regulamentou o art. 175 da Constituição Federal (Lei nº 8.987, de 1995).

renda, induzir a atividade econômica e regular mercados, - podemos considerar que, no Brasil, a função reguladora é que tem experimentado desenvolvimento mais recente. Numa

perspectiva

da

economia

brasileira

contemporânea, considerando o período do início da expansão industrial, com o modelo substituidor de importações implementado a partir da era Vargas (com forte indução da atividade econômica pelo Estado e pesados investimentos estatais na montagem da infraestrutura, em especial energia, petróleo e derivados, transportes e telecomunicações), a função reguladora foi ofuscada pela forte atuação direta do Estado, de forma a induzir a atividade econômica privada e prestar diretamente bens e serviços públicos. Obviamente, em uma república com democracia incipiente, na qual predominaram períodos de

Revista de

Conjuntura

6

autoritarismo, não cabia o Estado regular a si mesmo. Com o esgotamento do modelo substituidor de importações e da capacidade de expansão do Estado e de manutenção dos investimentos necessários à expansão e modernização da infraestrutura, foram as denominadas “reformas neoliberais” em meados dos anos 1990. Essas reformas promoveram a flexibilização dos monopólios do Estado nos setores de energia, gás, petróleo e derivados e telecomunicações, com as emendas constitucionais submetidas pelo Poder

Esses dispositivos constitucionais e legais, acrescidos das legislações específicas que regulavam a prestação de serviços e as concessões nos setores de energia, petróleo e telecomunicações, permitiram a desestatização da infraestrutura, a criação das respectivas agências reguladoras, a instituição de marcos regulatórios nesses setores e o desenvolvimento da função reguladora do Estado brasileiro. Desde então, dez agências reguladoras foram criadas e instituídas no Poder Executivo Federal, para regular as diversas imperfeições de mercado, como os monopólios naturais (no caso de serviços de redes de infraestrutura), assimetrias de informações (no caso de vigilância sanitária e saúde suplementar), e externalidades negativas e bens públicos (no caso do uso da água e dos recursos hídricos). As peculiaridades da regulação da concessão e prestação dos serviços de infraestrutura (como a necessidade de estabelecer marcos regulatórios perenes e a autonomia dos reguladores, como forma de atrair capital privado para o investimento em setores que exigem grande volume de investimentos e retorno a longo prazo), estabeleceram um paradigma


‘‘

Quando criadas, as agências reguladoras não contavam com quadro próprio de pessoal. A partir do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, implementado e vigente no governo do expresidente Fernando Henrique Cardoso, elas não foram consideradas como típicas de Estado. Seus quadros iniciais foram constituídos por empregados das empresas estatais que passaram a ser reguladas, por funcionários terceirizados e por ocupantes de cargos comissionados. O governo pretendia também preenchê-las com ocupantes de empregos públicos, regidos pela CLT – portanto passíveis de demissão e sem estabilidade no emprego, característica reservada aos servidores públicos. Considerando a função reguladora como típica de Estado, partidos então de oposição ingressaram com ação direta de inconstitucionalidade e questionaram o regime do emprego público para os quadros próprios de pessoal das agências reguladoras, tese a princípio endossada pelo Supremo Tribunal Federal, mas ainda pendente de decisão final.

‘‘

Essas reformas promoveram a flexibilização dos monopólios do Estado nos setores de energia, gás, petróleo e derivados e telecomunicações, com as emendas constitucionais submetidas pelo Poder Executivo e aprovadas pelo Congresso em 1995 (Emendas Constitucionais nºs 6, 8 e 9).

transparência das agências, a dotação de seus quadros

próprios de pessoal e a delimitação e separação do

papel regulador e fiscalizador, atribuído às agências, do papel de outorga de serviços públicos, reservado à

Quando assumiu o seu primeiro mandato como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em decorrência da polêmica ensejada pelo papel e a autonomia das agências reguladoras e o questionamento dessas entidades no modelo de Estado desenvolvimentista então pretendido, atribuiu a existências dessas agências ao anterior

União como poder concedente.

modelo “neoliberal” e determinou a criação de um grupo de trabalho que fizesse a análise da avaliação do papel delas no arranjo institucional brasileiro. O resultado final desse trabalho, contendo diagnóstico, análise, conclusões e recomendações, foi aprovado e divulgado no final de 2003. Em resumo, o grupo de trabalho concluiu que o modelo das agências para o exercício da função reguladora é o que permite os melhores resultados em termos de promoção do bemestar social. Por outro lado identificou que o modelo brasileiro carecia de aperfeiçoamentos, como os mecanismos de controle social, prestação de contas e

converteu-se na Lei nº 10.871, de 2004. A partir de então,

Ao endossar o relatório desse grupo de trabalho, o ex-presidente Lula determinou a implementação das suas recomendações. Dentre elas, a criação das carreiras e cargos efetivos das agências reguladoras, regidos pela Lei 8.112, de 1990, por meio da edição de medida provisória que, referendada pelo Congresso, decorridos sete anos de criação das primeiras agências reguladoras, foi possível realizar os concursos públicos para a seleção e estabelecimento de seus quadros próprios. Considero essa dotação dos quadros próprios um marco na evolução e consolidação institucional das agências reguladoras no país. Também em 2004 o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei, que recebeu o nº 3.337/2004 na Câmara dos Deputados, que dispõe sobre as agências reguladoras, institui e uniformiza

outubro de 2011 / março de 2012

para o modelo regulador brasileiro, baseado na pretensa autonomia ou independência das agências reguladoras. Essa autonomia ficou expressa no mandato de seus dirigentes e na existência de fontes de recursos próprios, visando às autonomias orçamentária, financeira e administrativa.

7


e prestação de contas das agências reguladoras, o papel das ouvidorias, as consultas e audiências públicas, condições e mandato de seus dirigentes e transferência do poder de outorga de serviços públicos para os ministérios. A discussão sobre esse projeto de lei foi distorcida pelo embate ideológico entre governo e oposição, com esta utilizando o argumento da interferência do governo para limitar a autonomia das agências reguladoras. Até a presente data, o projeto de lei está pendente de deliberação na comissão especial instituída para a sua análise pela Câmara dos Deputados. Em 2007, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizou uma revisão interpares (peer review), por solicitação do governo brasileiro, sobre o modelo regulatório e as agências reguladoras no Brasil. O estudo foi concluído e publicado em maio de 2008. Envolveu a análise dos setores e respectivas agências de energia, telecomunicações, transportes terrestres e saúde suplementar. O estudo comparou a regulação brasileira com as melhores práticas regulatórias adotadas nos países-membros da OCDE. O estudo reconhece o mérito da instituição das agências reguladoras no Brasil e seu histórico ainda incipiente, e faz algumas recomendações. Dentre elas, o aperfeiçoamento dos mecanismos de prestação de contas, consulta pública e transparência (accountability), a introdução sistemática da análise de impacto regulatório e a criação de uma instância de coordenação e supervisão da qualidade da regulação. Ainda em 2007, em busca do aperfeiçoamento instituiu o Programa de Fortalecimento da Capacidade finalidade é contribuir para a melhoria do sistema

Revista de

8

Conjuntura

da função regulatória do Poder Executivo, o governo Institucional para Gestão em Regulação - Pro-Reg. Sua regulatório, da coordenação entre as instituições que participam do processo regulatório exercido

pelo

governo federal, dos mecanismos de prestação de contas e de participação e monitoramento por parte da sociedade civil da qualidade da regulação dos mercados.

O Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação – PRO-REG Instituído pelo Decreto nº 6.062, de 16 de março de 2007, o Pro-Reg conta com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). É coordenado por um comitê gestor composto por representantes da Casa Civil da Presidência da República e dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão. Está estruturado em quatro eixos de atuação, cujas funções são: (i) fortalecer a capacidade de formulação e análise de políticas públicas nos setores regulados; (ii) melhorar a coordenação e o alinhamento estratégico entre as políticas setoriais e o processo regulatório; (iii) fortalecer a autonomia e melhorar o desempenho das agências reguladoras; e (iv) desenvolver e aperfeiçoar os mecanismos para o exercício do controle social e transparência. Para atingir esses propósitos, foram contratados estudos de consultores para a análise e formulação de subsídios para questões específicas, como: (i) uma estratégia de implantação e institucionalização da análise de impacto regulatório como instrumento de apoio à melhoria da qualidade da regulação; (ii) a estruturação de uma unidade de coordenação, acompanhamento e avaliação da qualidade

‘‘

Ainda em 2007, em busca do aperfeiçoamento da função regulatória do Poder Executivo, o governo instituiu o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação - Pro-Reg.

‘‘

os mecanismos de controle social, transparência


internacionais; (iii) o desenvolvimento e implementação de um sistema de seleção de diretores das agências reguladoras; (iv) a organização e aperfeiçoamento das ouvidorias das agências; e (v) a conformação do modelo de dados do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec). Esses estudos, suas conclusões e recomendações foram editados em dois volumes em 2010. Também

constituem

ações

do

Pro-Reg

‘‘

O esforço de capacitação de pessoal das agências reguladoras e ministérios promovido pelo Pro-Reg já envolveu 1.544 servidores. A meta para 2012 é capacitar outros 1.500, como informado na Mensagem Presidencial ao Congresso Nacional de 2012.

a

sensibilização e a capacitação de servidores públicos federais para questões regulatórias específicas, cujo objetivo principal é a capacitação dos quadros próprios de pessoal das agências reguladoras, dos ministérios

‘‘

e órgãos responsáveis pela formulação de políticas públicas em setores regulados, dos órgãos e entidades envolvidos com a defesa do consumidor, mas que também tem permitido a capacitação de pessoal de agências reguladoras estaduais e municipais. O esforço de capacitação de pessoal das agências reguladoras e ministérios promovido pelo Pro-Reg já envolveu 1.544 servidores. A meta para 2012 é capacitar outros 1.500, como informado na Mensagem

federais. Em 2011, foram trabalhados 16 projetos-

Presidencial ao Congresso Nacional de 2012. Entre

pilotos em AIR em seis agências: Ancine, Aneel, ANP,

os cursos realizados, merecem destaque a realização

ANS, Antaq e Anvisa. O aproveitamento foi excelente e o

de sete edições do Curso Avançado em Regulação,

esforço foi reconhecido internacionalmente como um

ministrado pelo Institute of Brazilian Business and Public

grande avanço na melhoria da qualidade da regulação

Management Issues vinculado à George Washington

no Brasil. Importante mencionar também a atuação e o

University, que contou com 182 participantes; o

intercâmbio para troca de experiências entre o Pro-Reg

Programa

Competências

e organismos internacionais como o Better Regulation

em Gestão e Regulação, em parceria com a Escola

Executive (BRE), do Reino Unido, o Office of Information

Nacional de Administração Pública (Enap) e o Fórum

and Regulatory Affairs (Oira), dos EUA e a Comisión

de Recursos Humanos das Agências Reguladoras,

Federal de Mejora Regulatória (Comfer), do México, para

com 560 participantes; o curso Regulação: Teoria e

o aperfeiçoamento da regulação no Brasil.

de

Fortalecimento

de

Prática, ministrado por professores da London School of Economics and Political Science e da Hertie Berlin School of Governance; e o curso Regulação e Defesa do

Conclusão Transcorrida uma década e meia da criação

Consumidor, em parceria com o Instituto Brasileiro de

das

Defesa do Consumidor e o Departamento de Proteção

constatar significativos avanços institucionais e o

e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça.

amadurecimento do debate em torno do papel, das

Entre as atividades desenvolvidas pelo Programa,

agências

reguladoras

no

Brasil, podemos

funções e do desempenho dessas agências.

ressalta-se a implantação de projetos-piloto de Análise

O Estado brasileiro atuou deliberadamente no

do Impacto Regulatório (AIR) em agências reguladoras

aperfeiçoamento da função reguladora, instituiu

outubro de 2011 / março de 2012

da regulação, com base nas melhores práticas

9


as agências e seus quadros de pessoal, propôs ao Congresso Nacional medidas para o controle social, prestação de contas e transparência das ações das agências reguladoras e criou um programa específico para a capacitação de pessoal e o aperfeiçoamento do exercício da regulação no Brasil. Os dirigentes das agências reguladoras têm percebido a necessidade de alinhamento com o governo e a sociedade para se chegar ao aperfeiçoamento institucional das entidades que dirigem. Para isso, têm introduzido instrumentos e ferramentas internacionalmente reconhecidos como válidos para a melhoria da regulação, como a análise de impacto regulatório. Tem sido possível aprender e assimilar as melhores práticas internacionais e adaptá-las às peculiaridades brasileiras. Juntamente com a estabilidade monetária e a política fiscal equilibrada, o aperfeiçoamento da regulação tem contribuído para os fundamentos macroeconômicos necessários ao desenvolvimento sustentável.

Referências bibliográficas BRASIL. Presidente (2012: D. V. Rousseff ). Mensagem ao Congresso Nacional 2012: 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 54ª legislatura. Brasília: Presidência da República, 2012 (PP.384-386). BRASIL. Presidência da República. Pro-Reg: contribuições para a melhoria da qualidade da regulação no Brasil. Jadir Dias Proença (org.). Brasília: Semear Editora, 2010. Volumes 1 e 2.

Revista de

Conjuntura

10

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Análise e avaliação do papel das agências reguladoras no atual arranjo institucional brasileiro: Relatório do Grupo de Trabalho Interministerial. Brasília, 2003. OECD. Reviews of Regulatory Reform. Brazil: Strengthening Governance for Growth. Paris, 2008 (www.oecd.org/publishing). www.regulacao.gov.br

Rodrigo Augusto Rodrigues rrodrigues@presidencia.gov.br Economista (UFRGS), mestre em Economia da Regulação e Defesa da Concorrência pela Universidade de Brasília, especialista em Economia Quantitativa (UFRGS), professor do UDF e IDP, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, subchefe adjunto da Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República.


Os desafios democráticos na governança da política monetária brasileira e o ponto Nairu Ricardo Wahrendorff Caldas e James Batista Vieira

A estrutura de governança da política monetária envolve o conjunto de instituições necessárias à sua operação, incluindo os agentes responsáveis por sua elaboração e execução. Seus mecanismos são responsáveis por definir: a. os objetivos da política; b. os responsáveis pela formulação dos objetivos; c. o controle sobre os processos de elaboração e implementação da política. No Brasil, durante os anos 90, a política econômica sofreu diversas transformações que culminaram na instituição do regime de metas para a inflação. Desde então, com as mudanças do regime cambial que encerraram o sistema de bandas cambiais, a condução da política monetária assumiu um papel de destaque na economia brasileira e com ela, as suas duas principais instituições: o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom).1 A atual estrutura de governança, legitimada por manter uma taxa média de inflação efetiva em 6,78% (IPCA% a.a) nos últimos 11 anos, tornou-se alvo de constantes críticas, pois:

a. não distingue claramente as instituições responsáveis pelo estabelecimento das metas inflacionárias e o seu alcance – tendo em vista a acentuada capacidade do Banco Central em influenciar a fixação das metas; b. o processo de fixação das metas para inflação não representa as preferências sociais por inflação e desemprego – nem as metas, nem a velocidade de convergência a elas, refletem um consenso social;2 c. a autoridade monetária utiliza o índice cheio do IPCA, havendo pouco espaço para acomodar choques de oferta – ou seja, o BC não deveria ignorar a estabilização do nível de produção e emprego;3 d. a expectativa de inflação que influencia a fixação da taxa de juros reflete a opinião de analistas do mercado financeiro – elevando o risco de captura da agência pelos bancos.4 Estas características do modelo de governança da política monetária impõem múltiplos riscos à integridade da política econômica brasileira, pois: a. a referida autonomia do BC em influenciar a meta para inflação e não apenas a utilização de seus instrumentos não é condizente com um regime

Ao primeiro, órgão deliberativo máximo do Sistema Financeiro Nacional, compete estabelecer as metas de inflação. Ao segundo, fixar o valor da taxa básica de juros – a Selic – num patamar compatível com a meta do CMN. 2 Tinbergen, J. (1952). On the Theory of Economic Policy. North Holland: Amsterdam. 3 Bernanke, B. et. al. (1999). Inflation Targeting: lessons from the international experience. Princeton University Press: Princeton. 4 Belaisch, A. (2003). “Does Brazilian Banks Compete?” IMF Working Paper 03/113. 1

outubro de 2011 / março de 2012

Artigo

11


democrático no qual cabe aos representantes do povo assumirem as responsabilidades pelas decisões políticas (há uma enorme fragilidade dos mecanismos de governança democrática); b. as metas não refletem o grau de aversão social a inflação e ao desemprego – um trade-off que gera constantes embates políticos entre o sistema financeiro (que dá sustentabilidade política e ideológica às taxas atuais) e os representantes dos trabalhadores e empresários (que pedem políticas de metas mais realistas e defendem a prioridade ao crescimento econômico em oposição à luta contra inflação); c. a taxa de juros real permanece num patamar elevado, seja comparado a outros países ou baseado em qualquer estimativa do valor de equilíbrio da referida taxa, alentando especulações bastante plausíveis sobre a influência do setor financeiro nas expectativas de inflação.5 No que tange ao impacto fiscal, a dívida pública interna mobiliária, de aproximadamente R$ 1,8 trilhão, na qual 3/5 estão indexadas à taxa básica de juros, obrigou o país a destinar, em 2011, aproximadamente R$ 165 bilhões somente ao pagamento de juros da dívida pública interna. Nesse contexto, agravado pelo objetivo macroeconômico de redução da relação dívida/PIB que força o aumento do superávit primário, previsto em 3,1% do PIB para 2011, parte significativa da execução das prioridades de investimento, previstas no Orçamento Plurianual democraticamente aprovado pelo Congresso, é sistematicamente negligenciada por meio das medidas de contingenciamento.6

Revista de

Conjuntura

12

Assim, ao mesmo tempo em que uma série de políticas governamentais deixam de ser executadas por escassez de recursos, bilhões são transferidos aos detentores dos títulos públicos – em sua grande

maioria instituições financeiras privadas - e o instituto do orçamento, instrumento democrático essencial à transparência e ao controle político e social dos recursos públicos, perde relevância frente os imperativos da meta para inflação. A política monetária interfere nas decisões de consumo e investimento, produzindo efeitos sobre o crescimento econômico e o bem-estar social (com repercussões no emprego, na renda e demais condições sociais). Por esta razão, o impacto social dessas medidas não deveria permitir que suas decisões fossem alijadas do controle social e político exercido pelas instituições democráticas. As várias propostas de mudança sobre a política monetária e seu controle, constantemente em pauta, tendem a ser criticadas pelo pensamento econômico ortodoxo com base no argumento de que o estabelecimento da meta de inflação e da correspondente taxa de juros são questões técnicas.7 No entanto, são exatamente os países mais desenvolvidos, dentre os quais os Estados Unidos e o Reino Unido, onde os objetivos de crescimento econômico, redução do desemprego e a supervisão política são marcas de destaque, que promovem a estabilidade econômica com o mínimo de desemprego. Dito de outra forma, nos EUA e no Reino Unido o objetivo é atingir o mínimo de desemprego possível (ou o ponto mais próximo possível do pleno emprego) sem gerar inflação. Buscase, portanto, gerar um ambiente que estimule o pleno emprego, sem pressões inflacionárias.8 Com efeito, nos Estados Unidos, as ações do Federal Reserve System (FED) devem estar alinhadas com os objetivos da política econômica do governo, pois sua missão, definida em lei, compreende, dentre outros aspectos, o dever de: “conduzir a política monetária do

5 Oreiro, J.; Passos, M. A Governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 157-168, jun. 2005. * 6 Tinbergen, J. (1952). On the Theory of Economic Policy. North Holland: Amsterdam. 6 A título de comparação, destacamos que, até outubro deste ano, o governo federal havia executado R$ 143 bilhões, 15% do montante previsto para o período (2011-2014), do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2). 7 Castanhar, J. Política Econômica, Democracia e Governança: A Composição do CMN e a Independência do Banco Central. Notas para discussão no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. s/d. 8 Cabe lembrar que no contexto contemporâneo, pleno emprego não significa desemprego zero, mas o ponto onde o nível de emprego e utilização dos demais fatores de produção não pressiona os preços. Vide a esse respeito, Lucia Maria Nunes Matos. Política Orçamental: A utilização das variáveis orçamentais portuguesas com intuito de estabilização. Minho, Universidade do Minho, 2007 (Dissertação de Mestrado em Política Econômica).


Unido o objetivo é atingir o mínimo de desemprego possível (ou o ponto mais próximo possível do pleno emprego) sem gerar inflação.

‘‘

país, pela administração de oferta de moeda e crédito, com o objetivo de alcançar o pleno emprego e preços estáveis”. 9 Os objetivos da política econômica norteamericana, previstos no Employment Act de 1946 e no Full Employment and Balanced Act de 1978, preveem explicitamente “o crescimento econômico consistente com o potencial de expansão da economia; um alto nível de emprego; preços estáveis (manter o poder aquisitivo da moeda); e taxas de juros moderadas no longo prazo”. Ou seja, a formulação da política econômica está legitimada em regras estabelecidas pelas instâncias políticas da sociedade e busca assegurar o compromisso dos formuladores da política com o crescimento do país.

No Reino Unido, a reforma do Banco da Inglaterra, promoveu a independência operacional do banco em 1998, criando um comitê de política monetária autônomo para tomar as medidas de política monetária necessárias para alcançar a meta para inflação definida pelo governo – que poderá em “circunstâncias extremas e quando o interesse nacional exigir” dar instruções ao Banco da Inglaterra sobre as taxas de juros, por um período limitado. O referido comitê presta contas ao governo pelo cumprimento das metas estabelecidas (accountable) e tem seu desempenho e procedimentos

É nesse contexto que se desenvolveu a teoria de Edmund Phelps que cunhou a inovadora expressão Nairu (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment). Para Phelps, os presidentes dos Bancos Centrais tendem a seguir a Nairu, que é o nível de ocupação dos fatores produtivos que não estimula as pressões inflacionárias.10 No Brasil, em consonância com as experiências internacionais e considerando que as controvérsias sobre a meta para a inflação apropriada e a taxa de juros real compatível com essa meta são inevitáveis, e o seu debate saudável é necessário, considerase indispensável uma reforma dos mecanismos de governança da política monetária que promova mudanças: a. na composição do Conselho Monetário Nacional – com o objetivo de elevar a sua representatividade e legitimidade; b. nos objetivos do CMN, perseguidos pelo Banco Central, ampliando-os para além da meta de inflação – abarcando objetivos de crescimento, geração de emprego e outras metas sociais; c. em favor da recuperação das condições de supervisão do Congresso Nacional sobre a definição dos objetivos da política econômica; d. na forma de apuração das expectativas inflacionárias – aproximando-as da percepção de um conjunto mais amplo de agentes, especialmente aqueles com poder de formação de preços;

Today, the Federal Reserve’s duties fall into four general areas: conducting the nation’s monetary policy by influencing the monetary and credit conditions in the economy in pursuit of maximum employment, stable prices, and moderate long-term interest rates; [..] 10 Edmund Phelps, natural dos EUA, é Professor na Universidade de Columbia. Recebeu o Prêmio Nobel de 2006, por seu trabalho com política econômica defende justamente a teoria da taxa de desemprego que não acelera a inflação. 9

outubro de 2011 / março de 2012

‘‘

...nos EUA e no Reino

acompanhados (reviewed) pelo corpo diretor do banco (the court), composto por representantes de vários segmentos da sociedade, incluindo um dirigente sindical. Além disso, o banco é responsável por prestar contas ao Parlamento, por meio de relatórios e a prestação periódica de informações ao Comitê do Tesouro, e a legislação prevê medidas de transparência que tornam o banco responsável perante a sociedade como um todo (publicação das atas, bem como dos relatórios de inflação).

13


e. em favor da concessão de plena autonomia operacional do Banco Central – o que não deve ser confundido com a autonomia na formulação das metas da política econômica.

Considerações finais A questão da política e do lócus ideal da formulação e proposição de políticas de combate à inflação está longe de ter sido resolvida. Nota-se, no entanto, que ao contrário do que ocorre em países desenvolvidos, no Brasil, o objetivo maior do combate à inflação ainda não é atingir o ponto Nairu, onde haveria o mínimo de desemprego com o máximo de utilização dos fatores produtivos. Observa-se que o combate à inflação está fortemente concentrado na elevação da taxa de juros. Nesse sentido, a fixação da taxa básica (a Selic) pelo Banco Central é aguardada pelos principais agentes econômicos. Dessa forma, o Brasil utiliza pouco, ou de forma inadequada, outros poderosos instrumentos de combate à inflação tais como: i. os ajustes fiscais (aumento/redução dos impostos, redução dos gastos governamentais, e elevação/ redução dos depósitos compulsórios no Banco Central);

assalariados, pela facilidade de imposição do desconto do Imposto de Renda Pessoa Física na fonte e indireta sobre os grupos de baixa renda, via IPI e demais impostos indiretos. Como, no Brasil, não se distingue entre salário e renda, a atual política de combate à inflação se transformou em um instrumento de transferência líquida de renda para o setor financeiro e de concentração de renda da sociedade como um todo. Muito embora o sistema de metas tenha tido êxito desde que foi adotado em 1999, portanto, há cerca de 12 anos, ele não permite o controle social sobre a política econômica, defendido neste artigo, nem considera a reforma dos mecanismos de governança da política monetária aqui mencionados. Além disso, a atual política de combate à inflação também não leva em consideração as recentes de contribuições de Edmund Phelps em torno do Nairu (Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment). Os atuais discursos de economistas oficiais de que já teríamos atingido o ponto ‘Nairu’ apenas encobrem a necessidade de reforma no nosso modelo de combate à inflação, sem demonstrarem cientificamente que já teríamos atingido esse ponto.

ii. os redescontos bancários (empréstimos do Banco Central aos Bancos privados); iii. os depósitos compulsórios (conhecidos como ‘encaixe’ ou recolhimentos obrigatórios); iv. as operações de open-market para enxugar a oferta excessiva de moeda. Naturalmente, muito embora todos esses instrumentos sejam utilizados no Brasil, eles não visam a auxiliar prioritariamente à política monetária, mas antes se incluem na geração de um quadro macroeconômico de estabilidade.

Revista de

Conjuntura

14

Ricardo Wahrendorff Caldas ricardocaldas@uol.com.br Economista (UnB), mestre em Ciência Política (UnB), doutor em Relações Internacionais (Kent University). Diretor do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília.

O ponto principal deste argumento é que, no Brasil, isoladamente, a política da fixação da taxa de juros é o principal instrumento e variável de combate à inflação ao qual todos os demais instrumentos se inserem. Dessa forma, o ajuste fiscal é adiado pela incapacidade (ou falta de interesse) em estabelecer um novo equilíbrio onde as classes de renda média e alta são mais sobretaxadas diretamente. Ao invés disso, estabelece-se uma maior taxação direta sobre os

James Batista Vieira

jamesvieira@unb.br Cientista Político (UnB), mestre em Ciência Política (UFRGS), doutorando em Ciência Política (UERJ).


Commodities: estruturalismo às avessas Antônio Elias Silva e José Nelson Bessa Maia

O recente surto de consumo das principais commodities no início do século XXI revelou-nos que o mundo é finito. A incorporação de centenas de milhões de pessoas à classe média nos países emergentes e em desenvolvimento elevou vertiginosamente a demanda por produtos básicos: alimentos, minerais e fontes de energia. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o planeta esteja sobreutilizado em mais de 30%. A situação já é insustentável em muitos setores.

anos. A disponibilidade de muitos dos metais usados

Gráfico 1: Classe média na Ásia, 2010-2030 Determinates estruturais

de industrialização. Assim, conforme observou Peter

nas mais diversas tecnologias (telefones, computadores etc.) está gravemente ameaçada. Por tudo isso, lembra o professor Waldman, da Unicamp, a frase do filósofo Paulo Valéry: “Começa a era do mundo finito”.1 Mesmo assim, a demanda da nova classe média mundial irá aumentar cada vez mais, haja vista que a Índia, cuja população deverá superar a da China nas próximas décadas, está apenas iniciando seu processo Drucker, a maior mudança no início do século XXI está na demografia, e as maiores oportunidades a serem aproveitadas estão nas mudanças.

Fonte: “The Rise of Asia’s Middle Class”, in Key Indicators for Asia and the Pacific 2010, Asian Development Bank, Aug. 2010.

No século XX, a população multiplicou-se por quatro; o consumo de carvão, por seis; o de cobre, por 25. Em geral, o consumo de metais chegou, em 2008, a 1,4 bilhão de toneladas – o dobro dos anos 1970, sete vezes mais que em 1950; o consumo de alumínio aumentou, entre 1950 e 2008, de 2 para 40 milhões de toneladas; o de plásticos multiplicou-se por 18 em 34

1 2

Pecuária, Itapaci-GO Com efeito, em face dessa revolução no consumo mundial, em que mais pessoas estão podendo consumir

Cf. Novaes, Washington. Começou a era do mundo finito. O Estado de S. Paulo, 18 nov. 2011. Cf. Heller, Robert. Entenda e Ponha em Prática as Ideias de Peter Drucker. Tradução Publifolha, DK, 2001, p.90.

outubro de 2011 / março de 2012

Artigo

15


bens superiores, como carne, leite, moradia, automóvel etc, os países exportadores de commodities têm melhorado seus termos de troca a olhos vistos. O Chile, por exemplo, obteve melhora de mais de 100% em seus termos de troca na última década; o Brasil, em mais de 40%. Destarte, dado o aspecto finito das commodities, a sua insubstituibilidade na maioria dos casos, países que mais exportam tais matérias-primas têm logrado êxito, na última década, na arena internacional, mesmo apresentando gargalos, como infraestrutura precária, baixa qualificação de sua mão-de-obra, legislação trabalhista rígida, ambiente de negócio inóspito, alta corrupção, dentre outros.

Gráfico 2: Evolução dos termos de troca do Brasil, 1991-2011 Evolução dos termos de troca do Brasil

Fonte: Funcex/ Elaboração: O autor

Revista de

Conjuntura

16

A grande questão com que o mundo se depara é se será este um superciclo de alta dos preços, um ciclo de médio ou de curto prazo. As commodities minerais recentemente atingiram os preços reais mais altos da história; o petróleo o fez em 2008, e os alimentos só não superaram, em 2011, os picos das décadas de 1910 e 1970. Dessas categorias, aquela que tem maior elasticidade-preço da oferta é a de alimentos, pois dado um intervalo de seis meses, a reposta à demanda pode ser imensa. No entanto, vários fatores limitantes contribuem para que essa reação não assuma a intensidade que normalmente deveria. Destacam-se dois: i) a baixa rentabilidade da atividade ao produtor (conforme mostrado em estudo pela Unidade para Sustentabilidade Internacional (ISU, sigla em inglês, entidade ligada à Instituição de Caridade do Príncipe

de Gales³), e ii) a crescente escassez de mão-de-obra no campo, principalmente nos países que poderiam responder mais rapidamente. Nos EUA, por exemplo, mesmo em período de forte desemprego, os fazendeiros estão recorrendo à mãode-obra de presidiários. No Brasil, cafeicultores no Espírito Santo estão destruindo suas plantações por não encontrarem mão-de-obra para efetivar a colheita. Na Austrália, o setor agropecuário necessita contratar 100 mil trabalhadores. Aliado a esses limitadores, há ainda exigências ambientais cada vez mais restritivas; subsídios nos países ricos, que deprimem os preços aos produtores nos demais países; existência de oligopólios e/ou oligopsônios mundiais na cadeia produtiva do agronegócio mundial que tomam para si lucros crescentes às custas de imensa perda de renda pelos fazendeiros; limitação de áreas para expansão nos países desenvolvidos e nos emergentes asiáticos; escassez de água para irrigação; estagnação da produtividade nos países avançados nos últimos 15 anos; produção mais dependente da América do Sul e região do Mar Negro, cuja volatilidade climática é superior à de áreas agrícolas tradicionais dos EUA e Europa, e infraestrutura e ambiente de negócio deficientes em países emergentes e em desenvolvimento, que poderiam aumentar sua produção substancialmente. Em face desses fatores, a produção não tem aumentado como deveria e os estoques estão em níveis alarmantemente baixos.

Gráfico 3: Relação entre estoque e consumo mundial agrícola (%) Relação entre estoque e consumo mundial agrícola (%)

Nota: Os estoques estão no fim do período. Totais para o consumo mundial refletem a utilização total,incluindo alimentos,sementes, industrializados e resíduos. Arroz refere-se a arroz branqueado. Fonte: USDA, Tesouro Australiano


Gráfico 6: Preços reais por setor Escala Logarítmica, 1900=100, Deflator do PIB dos EUA

Preço reais das commodities no longo prazo. Média de 2005=100 Total

outubro de 2011 / março de 2012

Gráfico 4: Preços reais das commodities no longo prazo

17 Fonte: Bloomberg; Cashin & Mcdermott (2002); Datastream; Global Financial Data; Grilli and Yang (1988); IMF; RDA¨

Principais grupos de commodities

Em US$: deflacionado pelos preços das exportações mundiais, média 2005=100. Fonte: IMF, International Financial Statistics

Gráfico 5: Evolução dos preços nominais dos principais grupos de commodities Evolução dos preços nominais dos principais grupos de commodities

Fonte: IMF, International Financial Statistics

Os subsídios dos países ricos são os grandes “vilões”, principalmente em relação a aproximadamente um bilhão de pessoas subnutridas no planeta. Mais que problema de oferta de alimentos, a fome na África, por exemplo, está mais ligada à questão de acesso e distribuição. Para ter acesso, é fundamental que se tenha renda. Como a agricultura é a principal atividade econômica nesses países, onde absorve a maior parte da população economicamente ativa, a sua inviabilidade econômica por conta dos preços deprimidos no mercado internacional em razão dos subsídios em países avançados resulta em baixa renda da população e arrecadação insuficiente de impostos. Isso torna o acesso à alimentação inatingível para grande parte da população, uma vez que os governos não conseguem melhorar a distribuição (por não poderem prover infraestrutura de transporte e eletrificação rural) nem subsidiar os preços à população de baixa renda. Isso é ainda mais grave, pois é na África onde a produção de alimentos poderia dar grandes saltos, em função da baixa produtividade (em torno de uma tonelada de grãos/ha), que poderia ser triplicada, e pela alta disponibilidade de terras produtivas não utilizadas (550 milhões de ha), boa oferta de água doce, sol, clima, solo e relevo adequados. Assim, os subsídios nas nações ricas promovem dependência alimentar em vez de segurança alimentar, e previnem o desenvolvimento da produção em áreas mais adequadas para sua expansão. Além disso, possuem altos custos (US$ 360 bilhões por ano, equivalente ao PIB da Arábia Saudita), baixa eficiência e fracassam até mesmo em apoiar as populações rurais mais vulneráveis dos países ricos,


uma vez que a maior parte das transferências vai para os grandes produtores.

Gráfico 8: Evolução do preço real dos alimentos desde 1900 3 (base logarítmica)

Gráfico 7: Países com maiores disponibilidades de terras para a agricultura

Tendências dos prelos dos alimentos em ascensão, mas ainda abaixo dos níveis da grande depressão. (Logarítmo natural de um índice em US$ de 1977, 1970=100)

Percentual do total mundial

Fonte: Grilli e Yang (1988), Pfaffenzeller (2007); e FMI, Commodity Price System Database.

Fonte: IFPRI, FAO, Standard Bank Research

Dentro desse contexto, enquanto os subsídios nesses países não forem reduzidos, o único caminho para garantir segurança alimentar nos países pobres com grande potencial produtivo seria a partir da melhoria na infraestrutura rural e incorporação de tecnologias agrícolas mais avançadas, por meio de recursos de bancos multilaterais de desenvolvimento e Ajuda Oficial para o Desenvolvimento (ODA, na sigla em inglês), investimento estrangeiro direto (como já vem ocorrendo), ao mesmo tempo em que se devem impor tarifas de importação compensatórias para alimentos produzidos com subsídios nos países avançados.

Revista de

Conjuntura

18

É também crucial a promoção do cooperativismo nessas nações, pois assim é possível ao mesmo tempo aumentar a renda dos produtores e garantir preços baixos aos consumidores, ao erodir a renda dos intermediários. Países emergentes com grande potencial de aumento de produção, como os do Mercosul, com situação fiscal mais confortável, devem subsidiar sua agricultura enquanto os subsídios dos países ricos não sejam eliminados ou reduzidos. Dessa forma, a produção avançará onde naturalmente deveria e os riscos reais de desabastecimento do planeta desaparecerão. Essa estratégia seria ainda eficaz para forçar a eliminação dos subsídios agrícolas naqueles países.

No que concerne à oferta das commodities metálicas e energéticas, a crescente escassez delas torna o atendimento da demanda em ascensão um enorme desafio. A energia pode ser substituída por fontes renováveis, ainda que nem todos os países tenham potencial para fazê-lo na escala necessária. Uma alternativa para o petróleo são os biocombustíveis, que, ao contrário do que se pensa, podem ter sua produção compatibilizada com o aumento da produção de alimentos, dada a disponibilidade de vastas extensões de terras produtivas não utilizadas em alguns países, mormente tropicais, onde seria possível expandir a produção de forma sustentável. O maior gargalo a ser superado, conforme já mencionado, são os subsídios que distorcem os mercados agrícolas e a estrutura oligopolizada do agronegócio mundial, em que as indústrias impõem seus preços aos produtores. Resolvida a questão da renda no campo, por meio da supressão das distorções causadas pelos subsídios agrícolas unilaterais dos países avançados e o fortalecimento do cooperativismo, os países da América do Sul (com 268 milhões de ha) e da África (com 550 milhões de ha) possuem, em conjunto, 818 milhões de ha de área passível de expansão pela agricultura, o que equivale a mais da metade da área agrícola mundial atualmente em uso. Além disso, a produtividade atual pode ser multiplicada em várias partes do mundo em

Este gráfico está em base logarítmica, o que implica que os preços reais em 1900 eram superiores em 25 vezes os de 2000 e oito vezes os de 2010. Observa-se, portanto, que, em termos históricos, os preços de alimentos estão extremamente baixos.

3


Gráfico 9: População mundial em bilhões de habitantes

(baseada em dados de comércio internacional dos anos 1930 e 1940)4, os termos de troca de países exportadores de commodities, como boa parte daqueles da América Latina, têm se apreciado sobremaneira desde 2000, com destaque para o Chile, Equador e Peru. Ao mesmo tempo, grandes exportadores de bens intensivos em tecnologia, tais como a Alemanha e Japão, têm visto seus termos de troca se deteriorar. De fato, os termos

outubro de 2011 / março de 2012

desenvolvimento, e até mesmo no Brasil, onde há a maior disponibilidade de água doce do mundo (13% do total) e baixa uso de irrigação em comparação aos demais países.

de troca em quase todos os países da OCDE têm se deteriorado quando as commodities importadas são levadas em conta. Com isso, acontece então uma perda real de renda em relação aos países exportadores líquidos de commodities5. Os termos de troca da Coreia do Sul, por exemplo, estão em forte queda. O problema é que os preços de exportação continuaram caindo mesmo com o aumento dos preços de importação, chegando ao ponto de a Coreia do Sul ter de exportar Fonte: Nações Unidas, “World urbanization prospects: The 2006 revision, 2007. Valores em bilhões de habitantes.

No que diz respeito aos metais, a substituição é mais difícil, e seus preços reais devem continuar ascendentes, haja vista o possível esgotamento de muitos e a concentração da produção de alguns em poucos países (99% das reservas de terras raras estão na China, por exemplo), que garante poder de monopólio a esses países. Novas tecnologias podem surgir, mas demandarão outros produtos, que podem ser esgotáveis também (petróleo para fabricação de plásticos, por exemplo), ou produtos agrícolas, tais como floresta plantada, que depende de disponibilidade de terra. Em resumo, o mundo é finito, e já estamos nos aproximando do quase esgotamento de muitas commodities, atualmente pouco substituíveis. Dessa forma, presencia-se agora uma espécie de estruturalismo às avessas, e provavelmente continuaremos a conviver com essa realidade por um longo período. Diferentemente da dinâmica defendida por um dos luminares do estruturalismo latinoamericano, Raúl Prebisch (1959), em sua ultrapassada teoria da deterioração secular dos termos de troca

agora três vezes mais do que há 20 anos para importar a mesma quantidade. Como o Japão, a Coreia não é abundante em recursos naturais.6 Em contrapartida, a Austrália, quinta maior exportadora líquida de commodities do mundo, tem apreciado seus termos de troca, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 10 - Termos de troca da Austrália e alguns países asiáticos

Fonte: Fujitsu Research Institute from IMF data

Assim, a recente condenação por alguns da chamada “primarização” (ou reprimarização) da pauta de exportações do Brasil, em que quase 65% do

4 Cf. PREBISCH, Raúl. Commercial policy in the underdeveloped countries. The American economic review, vol. 49, no. 2, papers and proceedings of the seventy-first annual meeting of the American economic association. May, 1959, pp. 251-273. 5 Cf. Flash economics, Economic research, Terms of trade. Report nº 876, December, 2, 2011. 6 Cf. NEZU, Risaburo. Disturbing deterioration in terms of trade in Asia, Economic research center, Fujitsu research institute, August, 31, 2011.

19


total exportado são compostos por itens ligados a

um contexto de inevitável especialização em recursos

commodities, ainda que não necessariamente em forma

naturais. Isso não quer dizer necessariamente que

bruta, não encontra eco diante dos fatos: melhora dos

tenhamos de exportar recursos naturais em forma

termos de troca e acúmulo pelo Brasil de US$ 488,2

bruta. Esta parece ser então a década da América

bilhões em reservas cambiais nos últimos 12 anos,

Latina. Se não soubermos aproveitar esse momento,

somente com exportações do agronegócio, que inclui

poderemos pagar muito caro no futuro, pois nunca

também muitos produtos de alto valor agregado e cuja

uma conjunção de fatores foi-nos tão favorável.

produção é intensiva em biotecnologia. Como resultado, enquanto países avançados

Gráfico 11: Relação entre CRB e PIB brasileiro (preços constantes em US$ bilhões)

exportadores de bens industriais de alta tecnologia, estão entrando em colapso, os exportadores de commodities estão em boa situação fiscal e com baixa vulnerabilidade externa, ainda que tenham partido de um quadro recente de alta inflação e forte endividamento. Estamos, pois, vivenciando um momento especial da economia mundial, que muito nos favorece. As fortes industrialização e urbanização na China têm gerado alta demanda por commodities em geral, e agrícolas em particular. Na pior das hipóteses, conviveremos com um ciclo de alta de médio prazo, conforme projeção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e outros, pois a Índia, outro gigante asiático que está apenas começando seu processo de industrialização, deve gerar uma demanda por commodities semelhante à que a China tem provocado ultimamente.

Revista de

Conjuntura

20

Fonte: Reuters e FMI / Elaboração: Os autores

O processo de industrialização dos

gigantes

asiáticos alimentará uma tendência de preços crescentes para as commodities no longo prazo, especialmente em relação ao preço das manufaturas, cenário que desafia a crença de longa data dos países da América Latina de que é a indústria que os farão desenvolvidos e ricos (escola estruturalista). Essa realidade demanda prioridades diferentes em termos de custo-benefício, já que alocar pesados subsídios

A América Latina, como nenhuma outra região,

e proteção para a indústria tradicional poderá não

tem suas perspectivas de crescimento de longo

trazer o retorno esperado ao desenvolvimento. Ao

prazo intimamente ligadas à manutenção dos altos

invés, a região deve focalizar em maximizar os ganhos

preços das commodities, por sua alta dependência

sobre seus recursos naturais, melhorando o marco

na exportação desses produtos. A conjuntura atual

regulatório e a infraestrutura; e alocar esses ganhos

permite-nos prever que poderá haver um superciclo

para criar condições ao avanço tecnológico dentro do

das commodities, fomentado pela emergência de

cone de diversificação dos recursos naturais, investindo

economias asiáticas gigantes, cuja superescassez de

em educação e ciência e tecnologia, garantindo,

recursos naturais não tem nenhum paralelo com as

assim, desenvolvimento sustentado. Empresas líderes

economias que já lideraram o crescimento mundial.

mundiais em biotecnologia, como a Monsanto,

Diante desse quadro, os países da América Latina

fabricantes de aviões agrícolas entre outras, surgirão

– Brasil em particular –, devem diversificar e agregar

naturalmente no Brasil se o país trabalhar a cadeia

sofisticação às suas exportações e gerar empregos, em

produtiva das commodities com inteligência.


outubro de 2011 / março de 2012

Gráfico 12: Relação entre o PIB brasileiro (em US$ constantes) e CRB alimentos

21 Antônio Elias Silva Fonte: Reuters e FMI / Elaboração: Os autores

Conclusões Em função do exposto, pode-se concluir que o Brasil deve buscar tirar mais proveito dessa mudança estrutural em curso na economia mundial, e beneficiar-se plenamente da crescente demanda

aeliascastro@gmail.com

Tecnólogo em Processamento de Dados pela Universidade de Brasília (UnB); bacharel em Economia pela East Stroudsburg University of Pennsylvania; bacharel em Relações Internacionais pela UnB; especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap); pós-graduado em Desenvolvimento Econômico pela The George Washington University.

por commodities, especialmente as agropecuárias, em que já é o maior exportador líquido do mundo, e cujos preços apresentam alta correlação com o PIB (94,9%); nível esse que estatisticamente indica que os preços internacionais desses produtos, apurados pela agência Reuters (Índice CRB – Commodities Reference Bureau), explicam 90% da variação PIB Brasileiro. A Argentina, segundo maior exportador líquido de alimentos, logrou aumentar sua produção em 42% desde 2003, enquanto a produção brasileira avançou apenas 32% no período, ainda que tenhamos sido ajudados pelas excelentes condições climáticas na safra de 2010/2011. Não se pode permitir que outros países produtores avancem mais, de forma a ocupar

José Nelson Bessa Maia nbessamaia@terra.com.br

Bacharel em Economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC); mestre em Economia pela UnB e doutorando em Relações Internacionais na UnB; ex-secretário de assuntos internacionais

nosso espaço. O Brasil, ao contrário, tem de acelerar

do governo do estado do Ceará; analista de finanças e controle;

a produção para ocupar o mercado de outros países

economista do Corecon-DF e especialista em diagnóstico

concorrentes. Por isso, é crucial a adoção de um mix

macroeconômico pelo FMI.

de políticas públicas que envolvam o fortalecimento do cooperativismo, a democratização do acesso ao crédito agrícola, maior incorporação de tecnologias na produção, melhorias na infraestrutura portuária e logística de transporte para exportação e capacitação da mão-de-obra em áreas em que a demanda por profissionais seja crescente.


Artigo Ainda sobre a DRU

José Fernando Cosentino Tavares e Márcia Rodrigues Moura

Por que prorrogar a DRU? Com a aprovação da Emenda Constitucional 68, de 21 de dezembro do ano passado, foi mantida a Desvinculação de Receitas da União (DRU), de que trata o art. 76 do ADCT da Constituição. Esse mecanismo foi originalmente criado para o período 2000-2003, e vem sendo prorrogado a cada 4 anos, coincidindo com o fim do primeiro ano do mandato presidencial. Vigoraria até 31 de dezembro de 2011. Seremos poupados por 4 anos de ouvir da PEC que “permite ao governo gastar como quiser até 20% das receitas arrecadadas no ano”... . O governo não se dispôs a reparar esse equívoco, e até reforçou noções erradas, como as de que contaria com a prorrogação da DRU para enfrentar a crise econômica internacional e continuar com o desenvolvimento econômico do país, ou ainda, fora de contexto, que a manutenção da DRU permitiria novas reduções na taxa básica de juros (Selic)¹. O governo apostou alto na iniciativa, mas nem por isso teve que ceder em qualquer ponto importante de seu programa em seu primeiro ano – até a PEC da Saúde, que tramitava paralelamente, foi aprovada sem que se aumentasse o comprometimento de recursos do orçamento federal. Resta saber por que travar durante um semestre inteiro embate político desgastante como esse, se a DRU, como pretendemos demonstrar, é presentemente desnecessária.

Revista de

Conjuntura

22

Três razões possíveis para o governo lutar pela nova prorrogação da DRU seriam pretender (a) no curto prazo, criar um novo tributo ou contribuição de intervenção no domínio econômico com boas perspectivas de arrecadação, do qual extrair 20% para uso

distinto do de sua criação; (b) no médio prazo, reduzir drasticamente suas despesas com previdência ou assistência social. Elas por ora estão em crescimento, como os programas “bolsa família” e “Brasil sem miséria”, introduzido, este último, no atual governo; e (c) no longo prazo, pelo sim, pelo não, manter intactas todas as prerrogativas existentes, pois uma vez interrompido, é difícil restabelecer qualquer mecanismo temporário – vide o exemplo da CPMF. Aceitar esta última razão implica a postergação do penoso debate acerca da excessiva vinculação das receitas públicas e de uma ampla reforma constitucional para resolver o assunto².

Efeitos da prorrogação da DRU Como nas outras vezes em que a prorrogação esteve em pauta, fala-se da necessidade de ser mantido o mecanismo, em vigor há 18 anos, dos pontos de vista da estabilização fiscal³ e da racionalização da gestão orçamentária, e da oportunidade de se continuar permitindo a apropriação de recursos vinculados da seguridade social e de outras contribuições. Os que são contrários à desvinculação diminuem em número, pois amplos segmentos se satisfizeram com as exceções já positivadas. Já de há muito tempo perdeu o sentido falar de desvinculação de impostos, pois eles e a DRU calculada sobre eles constituem a mesma fonte de recursos, livre. O prosseguimento do ajuste fiscal depende em parte da contenção da despesa pública. Em teoria, a despesa cresce com as receitas que lhe são vinculadas, o que pode não ser necessário ou desejado: com a DRU, algumas receitas podem deixar de ser gastas, contribuindo para viabilizar o superávit estabelecido como meta para o exercício.

Ver em http://www.planejamento.gov.br/noticia.asp?p=not&cod=7690&cat=47&sec=8. Uma reforma tributária poderia eliminar distinções entre impostos e contribuições, junto com as vinculações existentes. 3 De 1996 a 1999, o mecanismo foi denominado “Fundo de Estabilização Fiscal”. 1 2


ladas por lei. Ocorre que, depois de quase 2 décadas de sucessivas alterações de cunho constitucional, das contribuições para a seguridade praticamente só estão sujeitas

R$ 2 bilhões, mas só o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), do Ministério dos Transportes, contava em sua programação com R$ 6,9 bilhões de recursos livres do Tesouro financiando despesas de investimento.

à DRU as receitas do PIS/Pasep (art. 239 da CF)4 vincu-

As receitas vinculadas por lei ordinária vêm colabo-

ladas a despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador

rando para o resultado primário positivo, com ou sem

(60% da receita) e ao financiamento de programas de

DRU. Para que façam essa contribuição, basta serem

desenvolvimento econômico, pelo Banco Nacional de

esterilizadas, no todo ou em parte, não se as prevendo

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (40%). A

no orçamento e/ou não se executando as despesas

entrega de recursos ao BNDES sob a forma de inversão

correspondentes. Desde 2009 (Lei 11.943, de 28 de

financeira do FAT não afeta as despesas primárias nem

maio), contornando a Lei de Responsabilidade Fiscal5

o resultado do setor público, e essa transferência abre

tem sido possível destinar o excesso de arrecadação e

espaço fiscal equivalente para a realização de despesas.

o superávit financeiro das fontes de recursos existentes

Em 2012, a DRU poderia, segundo a proposta orça-

no Tesouro Nacional à amortização da dívida pública

mentária, significar redução nas despesas primárias

federal6. Por meio de medida provisória, em sucessivas

de R$ 5,5 bilhões, o equivalente a 0,12% do PIB, mas

oportunidades, transformou-se a posteriori o superávit

se verifica que essa economia não ocorrerá, pois na

financeiro vinculado em fonte para o pagamento de

programação do FAT esses recursos tiveram que ser

despesas primárias7.

substituídos no mesmo montante, por fontes livres

Outro fato importante é que o resultado do

e rendimentos de aplicações financeiras, para pagar

orçamento da seguridade social, mesmo depois de

despesas obrigatórias referentes ao abono salarial e

computados como seus (“devolvidos”) os recursos

seguro-desemprego.

desvinculados via DRU, foi deficitário em 2009 e 20108.

Ainda, caso a DRU não fosse prorrogada, a União

Esse desempenho recente afastaria o risco de termos

perderia para estados e municípios o equivalente a 5,8

o orçamento da seguridade social financiando o défi-

pontos percentuais da Cide-combustíveis, correspon-

cit do orçamento fiscal. Em 2007 e 2008, entretanto,

dentes a, na proposta orçamentária, R$ 570 milhões em

feito esse ajuste, o orçamento da seguridade social foi

2012. No caso desta contribuição, seriam desvinculados

superavitário9.

“Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo”. 5 “Art. 8º Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4º, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso. Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso” 6 “Art. 13. O excesso de arrecadação e o superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional poderão ser destinados à amortização da dívida pública federal. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica às fontes de recursos decorrentes de vinculação constitucional e de repartição de receitas a Estados, Distrito Federal e Municípios.” 7 A definição de novo uso para os recursos vinculados legalmente se insere, na primeira oportunidade, em atos com propósitos meritórios, mas é claro que enfrenta resistências dos interessados na execução das despesas correspondentes. Por exemplo, mais recentemente, a MP 484/2010 (de 30/03, depois Lei 12.306), que “dispõe sobre a prestação de apoio financeiro pela União aos Estados e ao Distrito Federal, institui o Programa Especial de Fortalecimento do Ensino Médio, para o exercício de 2010, e dá outras providências” determinou o seguinte: “Art. 9º O superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional em 31 de dezembro de 2009 poderá ser destinado à cobertura de despesas primárias obrigatórias. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às fontes de recursos decorrentes de vinculação constitucional e de repartição de receitas a Estados e Municípios.” 8 Entre as despesas da seguridade, estão incluídas as despesas com os inativos da União. 9 Ver em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/PrestacaoContasPresidente/index.asp os pareceres prévios do Tribunal de Contas da União, observando a metodologia adotada pelo TCU. 4

outubro de 2011 / março de 2012

As vinculações constitucionais não podem ser anu-

23


e de contribuições econômicas na proposta orçamentária de 2012, a DRU alcança R$ 62,4 bilhões em recursos que, sem o instrumento, deveriam estar vinculados a órgão, fundo ou despesas específicas, se não fossem destinados a reserva de contingência. Dados da proposta orçamentária de 2012 – os cálculos não foram feitos para o orçamento sancionado após intervenção do Congresso – indicam que a desvinculação de contribuições sociais que se destinariam à seguridade social é de R$ 53,9 bilhões. Desses, a parte

‘‘

Em 2012, a DRU poderia, segundo a proposta orçamentária, significar redução nas despesas primárias de R$ 5,5 bilhões, o equivalente a 0,12% do PIB,...

originada de receitas constitucionalmente vinculadas à seguridade é de R$ 53,4 bilhões.

lidade da política fiscal, diante do grau de vinculação

fiscal, incluindo nos recursos do orçamento fiscal os

dessas receitas, que continua elevado. Na proposta

valores desvinculados de contribuições da seguridade

orçamentária de 2012, corresponde a 6,5% dos ingres-

social, transferisse R$ 66 bilhões para o orçamento da

sos primários dos orçamentos fiscal e da seguridade,

seguridade social, dos quais R$ 61,6 bilhões de recursos

líquidos de transferências a estados e municípios.

55,8 bilhões, obrigatórias. As despesas da seguridade social são muito elevadas, razão pela qual recursos desvinculados retornam à área de origem. Antecedentes Desde o Plano Real (1994), quando o Fundo Social

Conjuntura Revista de

O instrumento foi concebido para ampliar a flexibi-

De outro lado, a proposta previa que o orçamento

livres para o custeio de despesas primárias, sendo R$

24

‘‘

Somando desvinculações de contribuições sociais

18. Pari passu houve o crescimento significativo das despesas obrigatórias ou semiobrigatórias no âmbito da seguridade (previdência, saúde e assistência), a que as receitas das contribuições sociais estão vinculadas. Exclusões

de Emergência (FSE) foi criado, vêm mudando as con-

Estados e municípios não perdem recursos em fun-

dições (aumento de alíquotas e da arrecadação das

ção da desvinculação. Com a substituição do Fundo de

contribuições cujas receitas não são partilhadas com

Estabilização Fiscal pela DRU, a União passou a entregar

Estados, DF e Municípios10, transformação de superá-

aos fundos de participação de estados e municípios e

vits financeiros de fontes vinculadas em recursos de

aos fundos regionais de desenvolvimento (FNO, FNE e

uso livre ou destinados à amortização da dívida ...) e

FCO) a totalidade das transferências constitucionais e

a abrangência da desvinculação das receitas (as trans-

legais de impostos e contribuições. O salário-educação,

ferências a estados e municípios por meio dos fundos

embora denominado contribuição social, é na verdade

de participação foram ressalvas desde o início; gradu-

uma receita do orçamento fiscal, e foi expressamente

almente mais e mais contribuições e despesas escapa-

poupado da desvinculação desde 2000 (EC 27). A

ram dos efeitos da desvinculação ...11).

emenda recém-promulgada renova o comando.

10 Das receitas da Receita Federal do Brasil (sem contar a contribuição dos servidores para o Plano de Seguridade Social do Servidor (PSSS), e a receita previdenciária), a arrecadação das principais contribuições sociais vinculadas ao orçamento da seguridade social (Cofins, CSLL, PIS/Pasep, e CPMF em 2000 e 2005) representou 34,5% em 1995, 45,4% em 2000, 47,7% em 2005 e 41,5% em 2010, do total da receita administrada. 11 A última modificação nesse campo ocorreu em 2009, quando se passou a excluir a educação desse mecanismo. De acordo com a Emenda Constitucional 59, apenas 5% dos recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino seriam desvinculados em 2010, e em 2011 não haveria qualquer desvinculação. 12 Art. 80, § 1º do ADCT. Embora houvesse dúvidas de interpretação, se deveria ou não sujeitar-se à DRU, o resto da CPMF foi atingida. 13 A EC 59 previu redução anual, a partir de 2009, do percentual da DRU incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal. O percentual de desvinculação das receitas de impostos ante do cálculo desses recursos foi de 12,5%, em vez de 20%, em 2009; 5% em 2010 e nulo em 2011.


Sucessivamente, outras receitas foram excluídas do mecanismo, como forma de proteger determinados setores. Foi o caso do Fundo de combate à pobreza, enquanto existiu a CPMF. 12 Foi mais tarde o caso da Educação. 13 De outro lado, as contribuições de intervenção no domínio econômico se somaram à base da desvinculação, para além das sociais. Com a criação da Cidecombustíveis (2003), já no ano seguinte 14 o percentual de repasse da arrecadação a estados e DF foi aumentado de 25% para 29% para compensar em grande parte a perda com a desvinculação. No demonstrativo do Anexo II, inciso X, das informações complementares ao PL nº 28, de 2011-CN, consta a memória de cálculo das receitas desvinculadas por força do dispositivo constitucional. 15

Principais conclusões A DRU não implica perda de receitas de estados e municípios, exceção feita aos recursos da Cidecombustíveis, cujo percentual de repartição teria sido menor não existisse a desvinculação quando a partilha passou a constar do texto constitucional. Saúde e educação nada perdem com a DRU, e a seguridade social como um todo, por ser deficitária nos últimos anos, reabsorve inteiramente os recursos oriundos da desvinculação de suas receitas. Há um certo grau de remanejamento de recursos, i.e., valores da DRU extraídos da seguridade social podem não ser devolvidos aos mesmos órgãos, fundos ou despesas da própria seguridade dos quais foram desvinculados, mas esse resultado seria alcançado por outros dos meios já citados neste texto . A obtenção do superávit primário não tem dependido, nem dependerá em 2012, da liberação de recursos 14 15

vinculados constitucionalmente pelo mecanismo em pauta. Isso é verdade para o orçamento da seguridade social e para o Fundo de Amparo ao Trabalhador, uma vez que ambos são deficitários. A razão para tornar livres os recursos cuja vinculação a órgão, fundo ou despesa é legal seria desobrigar a União de executar despesa indesejada ou de baixa prioridade. Ocorre que 20% podem ser menos do que a percentagem dos recursos que se deva desvincular de um dado órgão, fundo ou despesa, e a DRU seria insuficiente para sanar inteiramente o problema. Essa economia pode ser feita subestimando-se receitas vinculadas na lei orçamentária ou limitando-se a execução das despesas correspondentes. Por exemplo, no projeto de lei orçamentária de 2012 foram destinados à reserva de contingência praticamente 60% dos recursos dos royalties do petróleo (fonte 142) que pertencem à União. Passado o exercício, recursos sem uso se desvinculam para amortizar a dívida. Com exceção de R$ 570,5 milhões de transferências constitucionais de receitas da Cide-combustíveis a governos subnacionais, não haveria outra perda de recursos federais líquidos a se registrar na proposta de orçamento de 2012 caso a prorrogação da DRU não tivesse sido aprovada.

Dados As tabelas seguintes mostram, nesta ordem: • a composição do superávit primário, de acordo com a proposta orçamentária de 2012, destacando a contribuição das reservas de contingências para alcançar o resultado; • as reservas de contingência formadas com receitas primárias, por unidade orçamentária a que estão vinculadas, que contribuem para a formação do superávit primário na proposta orçamentária de 2012, destacando as duas principais fontes de recursos usadas; e • agregadamente, por principais naturezas, o montante que representam 20% das receitas de contribuições sociais e econômicas desvinculados pela DRU e os orçamentos afetados em potencial pela desvinculação, de 2010 a 2012.

EC 44, de 2004. Ver em https://www.portalsof.planejamento.gov.br/sof/orc_2012/ploa2012/ic_Volume_I_do_1_ao_10.pdf.

outubro de 2011 / março de 2012

Também escapam da DRU, desde 1998 (EC 20), as contribuições de empregadores e trabalhadores para o regime geral da Previdência Social (INSS), por força de vedação no art. 167 (inciso XI) da Constituição. Por analogia, também não se aplica a desvinculação às receitas da Contribuição para o plano de seguridade social do servidor.

25


Proposta de orçamentos fiscal e da seguridade social Composição do superávit primário, 2012

Fonte: Projeto de Lei nº 28, de 2011-CN. Elaboração dos autores.

Proposta de orçamentos fiscal e da seguridade social Reservas de contingência com fontes primárias na proposta orçamentária de 2012 (R$ 1,00)

Revista de

Conjuntura

26

Fonte: Base de dados do Projeto de Lei nº 28, de 2011-CN. Elaboração dos autores.


outubro de 2011 / março de 2012

Proposta de orçamentos fiscal e da seguridade social Desvinculação de Receitas da União (DRU). Contribuições sociais e econômicas por Orçamento, 2010-2012 (R$ 1,00)

27

Fonte: Siafi, Orçamento de 2011 e base de dados da Proposta Orçamentária de 2012. Elaboração dos autores

José Fernando Cosentino Tavares

Márcia Rodrigues Moura

jose.tavares@camara.gov.br

marcia.rmoura@yahoo.com.br Economista, consultora de orçamento da Câmara dos Deputados e

Economista e consultor de orçamento da Câmara dos Deputados.

ex-analista de finanças e controle da Secretaria do Tesouro Nacional


Finanças pessoais: há por Camila Fiorese

O Conselho Regional de Economia do Distrito Federal realizou três encontros nos quais discutiu-se o tema Finanças pessoais: há problemas à frente?. Os economistas e expositores Newton Marques, Ronalde Lins, José Eustáquio Moreira de Carvalho e Victor José Hohl, destacaram diversos aspectos, tanto sob a perspectiva macro, quanto sob o ângulo dos problemas individuais e suas repercussões sociais. Um dos aspectos marcantes do desenvolvimento brasileiro nos últimos anos foi o crescimento do crédito às pessoas físicas. A estabilidade monetária, a atmosfera de prosperidade e a mobilidade social deram

recomendáveis para que os consumidores tenham

condições ao aumento desse crédito às pessoas físi-

condição de fazer comparações e realizar compras

cas – além do quê, a própria expansão do crédito im-

gastando menos.

pulsionava o crescimento da economia e a ascensão social, num círculo virtuoso de progresso e afluência. Entretanto, surgiram receios de que uma bolha de crédito estivesse em formação, e também se multiplicaram as crises de sobreendividamento pessoal.

Revista de

Conjuntura

28

Para Newton Marques, a questão fundamental não é propagar o pessimismo, mas alertar os consumidores para esse grave momento de se fazer compras sem os devidos cuidados com o processo. “Curioso é que os governantes e os representantes do setor empresarial

O economista Newton Marques elegeu alguns cui-

procuram estimular o otimismo no sentido de evitar

dados que os consumidores devem ter para que a situ-

os graves efeitos nefastos da crise, mas esquecem de

ação financeira das famílias não se complique: elaborar

alertar os consumidores para que eles estão sendo

um orçamento familiar com o registro das receitas e

pressionados para se endividar e quase sempre não

despesas para reduzir desperdícios, por exemplo, com

terão condição de cumprir as suas obrigações de

luz, água e telefone, e priorizar o consumo de modo

devedores, pois nem sempre compram à vista, mas

consciente com base no Metódo dos Três Sim: 1) tem ne-

sim a prazo, com taxas de juros embutidas”, comenta o

cessidade de comprar?; 2) tem dinheiro para comprar?

economista.

e 3) tem que ser naquele momento a compra?

Mas nem sempre os consumidores são devedores.

Tudo isso para ele é necessário, pois a tentação

Há os que são credores. Nesses casos, quais seriam as

das compras é muito grande, a indústria e o comércio

orientações para esses privilegiados que têm recursos

procuram de toda forma atrair os consumidores,

aplicados ou querem aplicar no mercado financeiro?

em especial, vender os seus estoques antigos com

Newton Marques ensina: “Como existe tendência

superpromoções, que quase sempre seduzem um

para redução das taxas de juros, a garimpagem das

grande número de clientes. Assim, as pesquisas

aplicações financeiras requer muita paciência e busca

de preços e produtos substitutos são altamente

de orientação dos gerentes e consultores financeiros.


outubro de 2011 / março de 2012

há problemas à frente? ou seja, deve-se procurar a maior segurança possível, o baixo risco e a possibilidade de poder transformar o mais rápido possível a sua aplicação financeira em dinheiro”.

Datas comemorativas Para o economista Ronalde Lins, as pessoas se deixam conduzir para o consumo não planejado, seguem fiéis à tradição de presentear em datas comemorativas, e por isso pagam um preço alto. Se a cada data o comércio volta suas forças para um segmento da sociedade, suas intenções são sempre vender cada vez mais produtos não-essenciais. São diversos os aspectos, segundo Ronalde, que levam a pessoa a contrair uma dívida. A trajetória

‘‘

Como existe tendência para redução das taxas de juros, a garimpagem das aplicações financeiras requer muita paciência e busca de orientação dos gerentes e consultores financeiros.

‘‘

A velha regrinha de bolso tem que ser considerada,

dos endividados geralmente começa pelo cheque especial, depois o cartão de crédito, o empréstimo em folha, financiamento de veículos, segue no pegar

orçamento familiar. Já as pessoas classificadas como

dinheiro com parentes, amigos e agiotas. Isso acaba se

endividadas compram a prazo dentro da capacidade

transformando numa bola de neve. Existem também

da renda pessoal ou familiar.

outros aspectos que levam ao endividamento. O casamento, o desemprego, além de doenças inesperadas podem levar ao endividamento transitório pessoal ou familiar.

Outro aspecto que se deve levar em consideração são os juros cobrados no Brasil, principalmente nas operações com cartões de crédito e cheque especial. Mesmo nos empréstimos em bancos e financeiras, com

Ronalde Lins, autor do livro Superendividamento e

descontos em folha, consignados, nos quais as taxas são

Finanças Pessoais, lembra também que os devedores

menores, é importante ter cuidado. São os perigos do

podem ser percebidos em duas categorias distintas: os

crédito fácil. As contas familiares podem ser arruinadas

conscientes (os que planejam e conseguem pagar) e

sem que as pessoas percebam a tempo.

os inconscientes (compram sabendo que não podem pagar, mas compram assim mesmo).

Para Ronalde, assim como as empresas planejam suas compras no ano, os indivíduos também devem

O economista classifica como superendividadas

se planejar. Para ele, é muito importante a participação

as pessoas que compram a prazo e não conseguem

de toda a família no processo de planejamento, como

pagar. As dívidas contraídas fora da capacidade de

também não se deve esquecer o comprometimento na

pagamento levam ao desequilíbrio permanente do

execução desse planejamento.

29


trabalho (salários). E com o aumento da idade média e da expectativa de vida da população, os sistemas de previdência estão deficitários. A renda dos aposentados é muito baixa, ou seja, é cada vez mais importante educar financeiramente as famílias, em especial a população jovem. Para Victor, sem esse tipo de educação, é quase impossível conseguir independência financeira – aquele estado ideal no qual o indivíduo possui um montante em dinheiro que, uma vez investido (com conhecimento), gera renda capaz de lhe garantir o sustento para o resto da vida. É na verdade uma aposentadoria. “Nunca foi tão importante poupar e aprender a investir o dinheiro para que, com o passar

Indicadores econômicos Já o economista Victor José Hohl considera importante que, para que as pessoas tenham uma vida financeira saudável, é preciso conhecer e acompanhar a conjuntura do mundo e do país. Indicadores econômicos, como taxa de juros, taxa de câmbio, taxa

Conjuntura Revista de

pela renda de capital”, comenta o economista. Robert T. Kiyosaki, autor dos livros de educação financeira da série “Pai Rico Pai Pobre”, diz que existem quatro maneiras de ganhar dinheiro. Como empregado, autônomo, empreendedor proprietário

de crescimento do PIB e inflação, influenciam, e muito,

e investidor. Das quatro, a pior é como empregado,

a vida financeira das famílias. E justamente esses

porque as pessoas gastam seu precioso tempo a troco

indicadores sofrem mudanças constantes. Por esta

de um mísero salário. No sistema capitalista, o objetivo

razão é tão importante acompanhar a macroeconomia.

da empresa é gerar lucro para o proprietário (acionista,

No Brasil, não existe o ensino da educação financeira

30

do tempo, seja possível substituir a renda do trabalho

cotista) ou para o empregado?

para a população. O longo período inflacionário até

Para o economista Victor Hohl, as escolas formam

a implantação do Plano Real em 1994 deseducou

pessoas para o emprego em um mundo que não

a população em termos financeiros. Os mercados

gera postos de trabalho suficientes para todos. Esta

financeiro e de capitais não podiam se desenvolver

é a verdadeira causa da “crise”. Na verdade, não há

no período inflacionário. As pessoas não poupavam

crise – mas mudanças. O economista cita duas frases

e eram induzidas ao endividamento, pois fazer dívida

importantes para ilustrar a situação. Heráclito de Éfeso

era um bom negócio, já que bens e serviços viviam

(540 – 480 a.C.) afirmava “Nada existe de permanente,

em constante desvalorização. A regra era: se ganhar

a não ser a mudança”. Se o mundo mudou, temos que

algum dinheiro, gaste-o logo, caso contrário vai perder

mudar também, quem não muda entra em crise.“Maior

o poder aquisitivo.

insanidade é querer resultados diferentes fazendo tudo

Victor Hohl alerta que hoje estamos na era pós-

exatamente igual” (Albert Einstein).Victor conclui que, na

industrial ou da informação, cuja característica é

era pós-industrial, frequentar uma faculdade e “formar-

um intensivo processo de evolução tecnológico no

se doutor” não é suficiente. É necessário ter “Educação

qual os robôs passam a trabalhar no lugar dos seres

Financeira” e estudar sempre como o dinheiro funciona,

humanos. A remuneração do capital (lucro, juros,

para que, ao longo da vida, as pessoas tenham atingido

aluguéis e a valorização do capital) supera a renda do

a tão almejada independência financeira.


Endividamento: educação, treinamento, comportamento ou terapia? José Eustáquio Moreira de Carvalho

É comum a discussão sobre o erro de se tratar o endividamento como um mal em todos os sentidos, já que existe aquele destinado à aquisição de bens duráveis que movimenta a economia. Nesse tipo de endividamento se enquadram a compra da casa própria, de veículos, eletrodomésticos e outros. Nada contra, desde que isto não venha a comprometer toda a renda do comprador. Entretanto, o que se vê hoje é exatamente o contrário: o endividamento tem sido utilizado para garantir a subsistência (ou sobrevivência) por meio do financiamento da alimentação das famílias. Nos anos recentes não faltaram motivadores para que as pessoas se endividassem cada vez mais: a expansão da economia, que gerou mais recursos à disposição do consumo, maior oferta e modalidades de crédito, aumento salarial, “facilidades” de acesso ao crédito, apelos “inteligentes” ao consumo, agressividade dos agentes financeiros e muitos outros. Medidas prudenciais do Governo para contenção ou afrouxamento do crédito, como aumento e redução da taxa básica de juros, estabelecimento de programa de estado de caráter permanente para tratar da educação financeira nas escolas de educação básica, redundaram ineficientes e ineficazes na aplicação no mundo “real” do consumo. O que se tem assistido – e provavelmente assim continuará – é o constante aparecimento de fatores que, se não anulam as medidas ou intenções das autoridades, torna muito mais complexa a formulação de estratégias para a utilização mais consciente do crédito pelas famílias. Alguns deles são amplamente

divulgados: ampliação da oferta e redução da taxa de juros para créditos consignados; novos “estilos” de cartões de crédito para as classes A e B; expansão das bandeiras de cartões de crédito rumo às classes sociais emergentes, especialmente C e D, com “excelentes” possibilidades de acesso ao produto; aumento do número de parcelas para financiamento com cartões de crédito; frequentes declarações da autoridade monetária de que está “tudo bem”, pois o nível de endividamento e inadimplência é inexpressivo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e outros de menor importância. Neste contexto, fala-se muito sobre a elevação do nível de endividamento das famílias e do percentual daquelas que não conseguirão honrar o pagamento de suas dívidas; sobre o principal motivo – ausência de planejamento das finanças pessoais – que leva as pessoas a se tornarem inadimplentes; sobre o cartão de crédito como o maior financiador das compras a prazo; e especialmente sobre o “absurdo” que representam as taxas de juros praticadas nas diversas modalidades de crédito. No entanto, de prático ou concreto, pouco se faz em direção à busca das causas e mesmo em relação à adoção e implementação de ações verdadeiramente efetivas a respeito.

Educação Em 2010, a partir do entendimento, tanto das organizações do sistema financeiro quanto das autoridades nacionais ligadas a ele, criou-se um grupo de trabalho, capitaneado pelo Banco Central do Brasil

outubro de 2011 / março de 2012

Artigo

31


‘‘

O que se tem assistido – e provavelmente assim continuará – é o constante aparecimento de fatores que, se não anulam as medidas ou intenções das autoridades, torna muito mais complexa a formulação de estratégias para a utilização mais consciente do crédito pelas famílias.

‘‘

(BC), para formular proposta de educação financeira em todo o país. Como resultado, o grupo propôs um programa denominado Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef ), que, além de aceito, foi adotado pelo Governo Federal como um programa de Estado de caráter permanente. Seu alvo principal é a educação básica. O Enef já foi implementado, experimentalmente, em algumas escolas públicas e particulares nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e no Distrito Federal, com resultados animadores quanto ao aprendizado, mas ainda não foram avaliados - ou divulgados - os efeitos multiplicadores sobre os pais dos alunos. Vale acrescentar que estas ações contam com o apoio do Banco Mundial.

Revista de

Conjuntura

32

Paralelamente e em função do mercado existente e da expansão oriunda do Enef, muitas outras ações, serviços e produtos têm surgido das diversas origens. As ofertas vêm de profissionais educadores, consultores e também de entidades e associações de classe e outras organizações do terceiro setor, com forte uso dos recursos da informática, especialmente para venda de materiais técnico-didáticos e ensino a distância. Destaque especial para a Federação Brasileira

de Bancos (Febraban) com a sua “Caravana Meu Bolso em Dia”, que percorre capitais brasileiras para difundir os conceitos de educação financeira e material didático de apoio.

Treinamento Também tem se verificado uma crescente oferta de treinamentos em Finanças Pessoais e Empresariais oferecidos por profissionais do mercado financeiro, consultores financeiros, escolas de nível superior, entidades e associações de classe e também de outras organizações do terceiro setor. Os eventos são oferecidos a pessoas físicas e jurídicas, e estão mais voltados para os aspectos da poupança e do investimento, segundo o interesse dos participantes e o que está disponível no mercado. Em que pese os aspectos meritório e louvável desse esforço e ainda os resultados positivos que ele tem alcançado, ainda permanece aberta a lacuna da educação financeira que crie o hábito do planejamento e do controle dos gastos, que deveria preceder o aprendizado do como investir as “sobras”. Não tem sentido prático (dependendo do público, é claro) o ensino de como se tornar um investidor quando o problema real é como sair do endividamento.

Comportamento A Economia Comportamental, de proposta recente e consagrada com a concessão do prêmio Nobel de Economia, em 2002, ao psicólogo israelense Daniel Kahneman, apesar de um assunto de altíssima relevância merece pouco destaque. Suspeita-se que, no Brasil, muito pouco tenha sido realizado sob a sua ótica. Ela não despreza as forças do mercado explicadas pela Economia Clássica, mas se apoia em conhecimentos tradicionalmente estudados na Psicologia. A partir de experimentos psicológicos, os comportamentalistas chegaram à conclusão de que a Economia não é apenas uma forma de gerenciar recursos escassos, mas o estudo da dinâmica de interesses, motivações e decisões de indivíduos e grupos. Eles concluíram que, na verdade, o ser humano não age como o modelo super-racional do Homo economicus, pois a partir dessa ótica seria impossível explicar o porquê de alguns comportamentos: pacientes que não tomam seus medicamentos e


explicitam a irracionalidade do Homo sapiens. Temos irracionalidades muito específicas, tais como uma supervalorização dos bens que possuímos, excessos de alimentos em grandes despensas, superestimação

da

probabilidade

de

eventos

improváveis. Mas, em geral, somos ignorantes, míopes e temos tendência a manter o status quo. Nós deixamos que o nosso impulsivo “ser básico” esmague a lógica de nosso “ser superior”. Somos especialmente irracionais em relação ao dinheiro: pagamos mais pela mesma coisa se pudermos usar um cartão de crédito, se estiver em promoção, ou se a parcela a ser paga couber no nosso bolso. Portanto, não devemos estranhar quando solicitamos financiamentos que não podemos pagar, bem como quando nossos banqueiros aprovam tais financiamentos. Ao se analisar o ano de 2011, é possível perceber um bom exemplo de uma dessas irracionalidades. A expansão do crédito, o aumento da inflação e o aumento do consumo compulsivo atingiram a classe de renda alta no país, no ponto mais crítico da qualidade de vida de muita gente: o endividamento. Os “abastados” das classes A e B, por conta do alto poder aquisitivo, ao alavancarem negócios e realizarem compras graças a uma ampla abertura de crédito via cheque especial e cartões de crédito, tornaram-se bastante vulneráveis frente a contratempos comuns no dia-a-dia. Segundo levantamento da Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em janeiro deste ano, o endividamento das famílias apresenta os seguintes dados:

Faixas de Renda

jan 2011

jan 2012

Menor que 10 salários mínimos

61,3%

59,5%

Maior que 10 salários mínimos

48,9%

53,4%

As classes C, D e E são responsáveis por 60% do consumo nacional e serão capazes de injetar na economia 7,5%, como renda real oriunda do aumento

‘‘

A partir de experimentos psicológicos, os comportamentalistas chegaram à conclusão de que a Economia não é apenas uma forma de gerenciar recursos escassos, mas o estudo da dinâmica de interesses, motivações e decisões de indivíduos e grupos.

‘‘

são manifestações das imperfeições dos homens que

de cerca de 14% no salário mínimo em vigor desde janeiro. E elas têm usado esse poder para passar ao largo da crise mundial e das medidas de contenção de crédito quanto ao ato de consumo. A classe C, em 2010, já respondia por 41% das vendas de eletrodomésticos da linha branca e 37% das vendas de celulares. Outro aspecto bastante interessante a ser observado é a forma como essas classes, antes na base da pirâmide social, agem ou reagem nas relações de consumo, especialmente quanto ao uso de cartões de crédito e débito. Enquanto as classes A e B os utilizam como comodidade e segurança, as classes C, D e E o fazem como instrumento de crédito e símbolo de status.

Terapia A Economia Comportamental ganhou um novo ramo de atividades: a Neuroeconomia. Vale-se de termos comuns a neurocientistas, como mesencéfalo, oxitocina, testosterona e córtex frontal orbital, ela busca novas alternativas para explicar as flutuações de mercado e o comportamento de consumidores e investidores, e cria uma nova “profissão”: os neuroeconomistas. Tem como o seu maior defensor Robert Shiller, da Universidade de Yale, autor de vários

outubro de 2011 / março de 2012

adultos que mantêm relações sexuais sem proteção

33


A partir de pesquisas sobre o funcionamento do cérebro humano, chegou-se a muitas “verdades” que podem ser resumidas na seguinte: “O cérebro trata o dinheiro da mesma forma que os alimentos, o sexo e a sede. No plano emocional, obtê-lo é como saciar a fome”. Dessa forma, foi possível a identificação de diversos tipos de comportamentos quanto às motivações, interesses e decisões dos consumidores e investidores. Um deles, a compulsão por compras, é definida pela Psicologia Econômica como Oneomania. Distúrbio comum, mas não muito conhecido e que precisa ser tratado por profissional, já que os indivíduos portadores não conseguem se livrar sozinhos e, na maioria das vezes, fazem novas compras para se sentirem aliviados. O que apenas tem efeito momentâneo, como o que ocorre quando se ingere álcool ou outras drogas. A Oneomania e a ausência do planejamento e controle financeiro pessoal representam dois poderosos agentes do endividamento sem controle. Tanto um quanto o outro precisam de tratamentos específicos: para o primeiro, a Psicologia Econômica; para o segundo, a Clínica Financeira; e para ambos, os grupos Devedores Anônimos (DAs). Vale acrescentar que já é conhecida a existência de grupos que recebem os três tipos de tratamento em São Paulo e região metropolitana. Entre os pacientes, há engenheiros, arquitetos, juízes, bancários, promotores, executivos, procuradores e outros profissionais. Legítimos representantes das classes A e B.

Revista de

Conjuntura

34

Conclusão

‘‘

“O cérebro trata o dinheiro da mesma forma que os alimentos, o sexo e a sede. No plano emocional, obtê-lo é como saciar a fome”.

‘‘

trabalhos em economia comportamental e informação assimétrica, a partir da leitura do livro “Fundamentos da Análise Neuroeconômica”, de Paul Glimcher, neurocientista e economista pela Universidade de Nova Iorque.

Na questão do treinamento, além da inclusão nos treinamentos de poupadores e investidores da

“disciplina” Planejamento e Controle de Finanças Pessoais, serão necessárias a criação e a difusão ampla de programas de treinamento especifico. Mais uma vez, a participação dos representantes da sociedade organizada será de suma importância. Quanto ao comportamento, se existiu e ainda persiste, é preciso esquecer o “desconforto” de termos visto a concessão de um prêmio Nobel de Economia a um profissional“ estranho”ao nosso meio e entrarmos ou aprofundarmos urgentemente o nosso engajamento na Economia Comportamental. E já o faremos tardiamente, pois o que está na ordem do dia é a Neuroeconomia. Aqui cabe um comentário adicional. Em grande medida, fomos adeptos e seguidores de modelos norteamericanos para a economia. Nesses novos campos, ficamos ao largo ou pouco nos interessamos. Falta de exemplo não foi o motivo, pois desde a campanha e, em muitos aspectos, no momento atual, a economia no governo de Barack Obama foi concebida e ainda conta

Nesse ambiente, as conclusões, sugestões e até ações concretas se tornam bastante visíveis e, de certo modo, um pouco óbvias.

com expressivo contingente de comportamentalistas.

Na área da educação, está clara a necessidade do engajamento de mais organizações públicas e privadas no programa Enef. Principalmente aquelas representativas de segmentos sociais, profissionais,

of Technology (MIT); Richard Thaler e Cass Sunstein,

políticos e empresariais.

Estados Unidos.

Eis alguns dos componentes do dream team em que eles se transformaram: Dan Ariely, do Massachusetts Institute da Universidade de Chicago; Daniel Kahneman, da Universidade de Princeton; e o psicólogo Robert Cialdini, autor de Influence, considerado bestseller nos


outubro de 2011 / março de 2012

No que se refere à terapia, devemos também estar alertas e buscar maior aproximação com a Psicologia Econômica, que está presente entre nós e realizando boas intervenções na terapia, na educação e no treinamento. Finalmente, será preciso uma mudança no que se entende por níveis aceitáveis de endividamento e de inadimplência. Os “macroeconomistas”, especialmente aqueles que estão comandando os destinos da economia nacional, embora corretos nos seus trabalhos de acompanhamento e “controle” de indicadores, precisam saber que tanto um quanto o outro, mesmo quando bons para o país, na ponta existe o nível microeconômico, onde indivíduos lutam com relações desfavoráveis entre o ganho e o gasto e entre o que devem e que têm disponível para pagar. Muitos com a saúde física e mental abaladas, patrocinando quedas expressivas na produtividade das organizações.

35

Referências bibliográficas

Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC): - Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), janeiro de 2012. Sato, K.: “Dívida de luxo”, encarte Valor Investe nº 58, Valor Econômico, de 04 de fevereiro de 2012. Viana, D.: “Mercado é coisa da sua cabeça”, Valor Econômico, de 11 de dezembro de 2011. Gusso, H. L.: “Cientistas Comportamentais por trás de Barack Obama”, in www.sasico.com.br/psico/?p=287 Levitt, S.; Dubner, S.: “Freakonomics”, Campus, 2007. Ferreira, V. R.: “Decisões Econômicas – Você já parou para pensar?”, Saraiva Editora, 2007. Bussinger, E.: “A Dieta do Bolso”, Elsevier/Campus, 2008.

José Eustáquio Moreira de Carvalho jeustaquio@cepconsultores.com.br Economista pela Universidade de Brasília (UnB), financista pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP), assessor econômico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF).


Artigo A hora e a vez da retomada do planejamento estratégico governamental no Brasil José Celso Cardoso Jr. Depois de mais de duas décadas de relativa estagnação econômica, e a despeito dos efeitos e desdobramentos ainda incertos da crise econômica internacional que se arrasta desde pelo menos 2008, o Brasil retomou certa capacidade de crescimento de sua economia a partir de 2004. Tal retomada mostrou-se fundamental para a melhoria de uma série de indicadores sociais e do mercado de trabalho no período recente. Ao mesmo tempo, explicitou a necessidade da sustentação do crescimento no longo prazo para fazer frente aos desafios colocados para a construção de um país menos desigual, que consiga prover de justiça e bem-estar social seus cidadãos. Neste ambiente de retomada do crescimento e explicitação de dificuldades para a sua sustentação, vários documentos foram produzidos pelo governo brasileiro, em seus diversos órgãos, tratando da questão do desenvolvimento e do planejamento econômico. Após analisar cerca de 30 documentos produzidos

espaços políticos e econômicos, propiciou maior

Revista de

36

federal, entre 2003 e 2010, Cardoso Jr. e Maracci (2011)

Conjuntura

por ministérios e órgãos de alto escalão do governo concluíram que a retomada do crescimento, ao abrir envergadura aos esforços de planejamento durante a

Quadro 1: Documentos pesquisados, em ordem cronológica 1. Plano Plurianual 2004-2007 (Plano Brasil de Todos – participação e inclusão). Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2003. 2. Projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015 e 2022. Brasília: Presidência da República, Núcleo de Estudos Estratégicos da Presidência da República (NAE) e Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom), 2004/2005. 3. Orientação estratégica de governo: crescimento sustentável, emprego e inclusão social. Brasília: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), 2003. 4. Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior. Brasília: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), 2003. 5. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU). Brasília: Ministério das Cidades, 2003. 6. Política Econômica e Reformas Estruturais. Brasília: Ministério da Fazenda - SPE, 2003. 7. Reformas Microeconômicas e Crescimento de Longo Prazo. Brasília: Ministério da Fazenda (MF/ SPE), 2004.

primeira década do século XXI.1 1 Ver trabalho completo em CARDOSO JR., J. C. & GIMENEZ, D. M. Crescimento econômico e planejamento no Brasil (2003-2010): evidências e possibilidades do ciclo recente. In: CARDOSO JR., J. C. (org.). A Reinvenção do Planejamento Governamental no Brasil. Brasília-DF: Série Diálogos para o Desenvolvimento, volume 4, Ipea, 2011.


segurança para o Brasil. Brasília: Ministério da Defesa,

Ministério das Cidades, 2004. 9. Política de Defesa Nacional (PDN). Brasília:

10. Plano Plurianual 2008-2011 (Desenvolvimento com Inclusão Social e Educação de Qualidade). Brasil.

2008. 19. Plano Amazônia Sustentável: diretrizes

Ministério da Defesa, 2005.

Brasília:

18. Estratégia Nacional de Defesa – Paz e

Ministério

do

Planejamento,

para o desenvolvimento sustentável da Amazônia brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente (MMA), 2008. 20. Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-

Orçamento e Gestão (MPOG), 2007. 11. Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Brasília: Ministério da Educação, 2007. 12. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Brasília: Presidência da República, 2007. 13. Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Brasília: Ministério da Integração

2017. Rio de Janeiro: Ministério de Minas e Energia e Empresa de Pesquisa Energética (EPE), 2009. 21. Programa Minha Casa, Minha Vida. Brasília: Ministério das Cidades, 2009. 22.

Brasil

em

Desenvolvimento:

Estado,

planejamento e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2009. 23. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC

(MI), 2007. 14. Plano Nacional de Energia – PNE 2030. Rio de Janeiro: Ministério de Minas e Energia (MME) e

2). Brasília: Presidência da República, 2010. 24.A Inflexão do Governo Lula:política econômica, crescimento e distribuição de renda. Nelson Barbosa

Empresa de Pesquisa Energética (EPE), 2007. 15. Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e Centro de Gestão e

e José A. Pereira de Souza, publicado em Emir Sader e Marco Aurélio Garcia (Orgs.). Brasil: entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Boitempo, 2010. 25. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio –

Estudos Estratégicos (CGEE/MC&T), 2008. 16. Política de Desenvolvimento Produtivo: inovar e investir para sustentar o crescimento. Brasília: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e

Relatório Nacional de Acompanhamento. Brasília: Ipea, 2010. 26.

Brasil

em

Desenvolvimento:

Estado,

planejamento e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2010.

Comércio Exterior (MDIC), 2008. 17. Agenda Social. Brasília: Casa Civil, 2008

27. III Programa Nacional de Direitos Humanos

(compreende ações e documentos de governo

– PNDH-3. Brasília: Secretaria Especial de Direitos

ligados

Humanos, Presidência da República, 2010.

aos

seguintes

programas

principais:

Programa Bolsa Família – PBF, Territórios da Cidadania, Programa

Mais

Saúde, Plano

de

Desenvolvimento da Educação – PDE, Programa

28. Plano Nacional de Mineração – PNM 2030. Brasília: Ministério de Minas e Energia (MME), 2010.

Cultura Viva – Pontos de Cultura, Política Nacional

29. Projeto Perspectivas do Investimento no Brasil

de Juventude – ProJovem, Programa Nacional

(PIB). Rio de Janeiro: BNDES; IE/UFRJ; IE/Unicamp,

de Segurança Pública com Cidadania – Pronasci,

2010.

Direitos de Cidadania – Mulheres, quilombolas,

30. Brasil em 2022. Brasília: Presidência da

povos indígenas, criança e adolescente, pessoas

República, Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE),

com deficiência, documentação civil básica, povos e

2010.

comunidades tradicionais).

Fonte: Elaboração própria.

outubro de 2011 / março de 2012

8. Política Nacional de Habitação. Brasília:

37


foi o planejamento que criou condições para a retomada do crescimento, mas o crescimento que impulsionou o planejamento dos setores e das decisões de investimento no período recente. Fundamentalmente, pode-se afirmar que este movimento aconteceu em mão dupla. Primeiramente, em quase todos os casos analisados, percebe-se uma tentativa das iniciativas setoriais de planejamento de romper com o incrementalismo inerente à lógica de organização e implementação dos programas e ações tais quais contidos no PPA. Em segundo lugar, também na maioria dos casos, percebese uma tentativa do planejamento setorial em romper com a precedência e a primazia do orçamento (vale dizer, com o conceito de poupança prévia) sobre o investimento e sobre a própria noção de planejamento em sentido mais amplo e mais forte. Como

consequência, pode-se

importância

recente

de

tais

dizer

iniciativas,

que

a

vindo

concretamente dos setores e buscando destravar

‘‘

Mas diferente de outros momentos e contextos, não foi o planejamento que criou condições para a retomada do crescimento, mas o crescimento que impulsionou o planejamento dos setores e das decisões de investimento no período recente. Fundamentalmente, pode-se afirmar que este movimento aconteceu em mão dupla.

‘‘

Mas diferente de outros momentos e contextos, não

constrangimentos econômico-financeiros de grande porte, impõe a necessidade de o governo avançar em sua capacidade global de planejamento, articulação e

ao longo do período republicano brasileiro, o Estado

coordenação setorial. Cabe dizer que, se o investimento

que se foi constituindo, sobretudo a partir da década

acabou conformando uma estratégia de planejamento,

de 1930, esteve fortemente orientado pela missão

torna-se absolutamente necessária a coordenação

de transformar as estruturas econômicas e sociais da

dos núcleos fundamentais do investimento, como a

Nação no sentido do desenvolvimento. A industrialização foi a maneira historicamente

do Brasil e Caixa Econômica Federal), além dos fundos

preponderante de se fazer isto. Ocorre que, em

de pensão, tendo em vista a enorme concentração das

contexto de desenvolvimento tardio, vale dizer,

decisões de investimento e da oferta de crédito em

quando as bases políticas e materiais do capitalismo

circuitos internos sob influência do próprio Estado.

já se encontram constituídas e dominadas pelos países ditos centrais – ou de capitalismo originário –, a tarefa

38

em termos mais gerais no país para dar fôlego à trajetória

do desenvolvimento com industrialização apenas se

recente de crescimento: avançar no desenvolvimento

torna factível a países que enfrentam adequadamente

das estruturas centrais de planejamento por meio de

as restrições financeiras e tecnológicas que então

um profundo – leia-se contínuo, coletivo e cumulativo –

dominam o cenário mundial. Isto, por sua vez, apenas

reaparelhamento do Estado.

se fez possível em contextos nos quais os Estados

Revista de

Talvez isto seja expressão do que parece premente

Conjuntura

Petrobras, os grandes bancos públicos (BNDES, Banco

Estado, planejamento e gestão pública no desenvolvimento nacional A questão toda é que, em perspectiva histórica,

nacionais conseguiram dar materialidade e sentido político à ideologia do industrialismo, como forma de organização social para a superação do atraso. Era inescapável, portanto, a montagem de estruturas ou


É apenas durante a década de 1990 que a primazia

dos quais a missão desenvolvimentista pudesse se

se inverte, em contexto, de um lado, de esgotamento

realizar em determinado espaço-tempo nacional.

e desmonte da função e das instituições de

O sentido de urgência que esteve associado à referida tarefa fez com que o aparato de planejamento, ainda que precário e insuficiente, se organizasse e avançasse de modo mais rápido que a própria estruturação dos demais aparelhos estratégicos do Estado. Aqueles destinados à gestão pública propriamente dita – com destaque óbvio aos sistemas devotados à estruturação e ao gerenciamento da burocracia, bem como às funções de orçamentação, implementação, monitoramento, avaliação e controle das ações de governo – vieram apenas a reboque, tardiamente frente ao planejamento.

planejamento governamental, da forma como haviam sido constituídas ao longo das décadas de 1930 a 1980, e, de outro, de dominância liberal, tanto ideológica como econômica e política. Neste período, alinhada ao pacote mais geral de recomendações emanadas pelo Consenso de Washington, surge e ganha força uma agenda de reforma do Estado que tem na primazia da gestão pública sobre o planejamento um de seus traços mais evidentes. No contexto de liberalismo econômico da época, de fato, o planejamento, no sentido forte do termo, passa a ser algo não só desnecessário à ideia de Estado mínimo, mas também prejudicial à nova compreensão

Em outras palavras, a primazia do planejamento

de desenvolvimento que se instaura. A nova concepção

frente à gestão, ao longo praticamente de quase todo

centrava-se na ideia de que desenvolvimento é algo

o século XX, decorria, em síntese, do contexto histórico

que acontece a um país quando este é movido por

que obrigava o Estado brasileiro a correr contra o

suas forças sociais e de mercado, ambas reguladas

tempo, superando etapas no longo e difícil processo de

privadamente.

missão de transformação das estruturas locais, visando ao desenvolvimento nacional. Basicamente, tratavase, neste contexto, da montagem dos esquemas de financiamento e de apropriação tecnológica – isto é, de suas bases materiais – e da difusão da ideologia do industrialismo e da obtenção de apoio ou adesão social ampla ao projeto desenvolvimentista – ou seja, suas bases políticas. A estruturação das instituições – isto é, estruturação das instâncias, das organizações, dos instrumentos e dos procedimentos – necessárias à administração e à gestão pública cotidiana do Estado, atividades tão cruciais quanto as de planejamento para o desenvolvimento das nações, padeceu, no Brasil, de grande atavismo, a despeito das iniciativas deflagradas tanto por Getúlio Vargas, com o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), como pelos militares, por meio do Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), ou, ainda, pelas inovações contidas na CF/1988.

Portanto, em lugar de sofisticar e aperfeiçoar

‘‘

as instituições de planejamento – isto é, instâncias,

No contexto de liberalismo econômico da época, de fato, o planejamento, no sentido forte do termo, passa a ser algo não só desnecessário à ideia de Estado mínimo, mas também prejudicial à nova compreensão de desenvolvimento que se instaura.

‘‘

montagem das bases materiais e políticas necessárias à

outubro de 2011 / março de 2012

sistemas de planejamento governamental por meio

39


organizações, instrumentos e procedimentos –, fez-

monitoramento, avaliação e controle das ações e das

se justamente o contrário, em um movimento que

políticas públicas etc.).

buscava reduzir tal função – como se isto fosse possível – a algo meramente técnico-operacional, destituído de sentido estratégico. A função planejamento passou a ser uma entre tantas outras funções da administração e da gestão estatal, algo como cuidar da folha de pagamento dos funcionários ou informatizar as repartições públicas.

instância lógica de mediação prática entre Estado e desenvolvimento, então, não é assunto menor ressignificar e requalificar os termos pelos quais, atualmente, deve ser conceituado e praticado o planejamento público governamental no país. A hora é agora, basta que a cúpula presidencial demonstre

Agendas de gestão pública – voltadas basicamente

sensibilidade política ao tema e dê o primeiro passo.

à racionalização de procedimentos relativos ao

Para ajudar nesta empreitada, listamos abaixo, para

gerenciamento da burocracia e das funções de

concluir, os 5 atributos desejáveis a este movimento

orçamentação,

monitoramento,

de recuperação da função planejamento, todos

avaliação e controle das ações de governo –,

considerados humana e institucionalmente possíveis

consideradas relevantes, passam a dominar o debate,

de serem construídos hoje no Brasil, dadas as

a teoria e a prática da reforma do Estado no Brasil.

capacidades estatais e instrumentos governamentais

Supõe-se, assim, que a eficiência – fazer mais com

já à disposição do poder público federal:

à efetividade das políticas públicas. Por meio deste expediente, planejar passava a ser compreendido, frequentemente, apenas como processo por meio do qual são compatibilizadas as ações a serem realizadas com os limites orçamentários previstos.

A hora e vez da mudança É nesse contexto que se insere agora a oportunidade política rumo ao movimento de atualização e ressignificação do planejamento governamental no Brasil, tanto por se acreditar que isto seja necessário e meritório em si mesmo, como porque se defende aqui a ideia de que o momento histórico nacional esteja particularmente propício a tal empreitada. tanto,

longe

de

querer

conferir

ao

40

planejamento um status mágico ou superior, assume-

Conjuntura

Para

Estado, como o são também algumas funções clássicas

se abertamente tratar-se de função indelegável do (por exemplo: monopólios estatais do uso da força, representação internacional soberana, formulação e implementação das leis, implementação e gestão da moeda, arrecadação tributária) e funções consideradas contemporâneas (estruturação e gerenciamento da burocracia pública, orçamentação, implementação,

Em primeiro lugar, dotar a função planejamento de forte conteúdo estratégico: trata-se de fazer da

‘‘ função

planejamento

governamental

o

campo

aglutinador de propostas, diretrizes, projetos, enfim,

Ora, se planejameto governamental é uma instância lógica de mediação prática entre Estado e desenvolvimento, então, não é assunto menor ressignificar e requalificar os termos pelos quais, atualmente, deve ser conceituado e praticado o planejamento público governamental no país.

‘‘

implementação,

menos – seja suficiente para se chegar à eficácia e

Revista de

Ora, se planejamento governamental é uma


se pretenda eficaz precisa aceitar – e mesmo contar

conteúdos, as potencialidades implícitas e explícitas,

com – certo nível de engajamento público dos atores

vale dizer, as trajetórias possíveis e/ou desejáveis para

diretamente envolvidos com a questão, sejam eles da

a ação ordenada e planejada do Estado, em busca do

burocracia estatal, políticos e acadêmicos, sejam os

desenvolvimento nacional.

próprios beneficiários da ação que se pretende realizar.

Em segundo lugar, dotar a função planejamento

Em outras palavras, a atividade de planejamento deve

de forte capacidade de articulação e coordenação

prever uma dose não desprezível de horizontalismo

institucional: grande parte das novas funções que

em sua concepção, vale dizer, de participação direta e

qualquer atividade ou iniciativa de planejamento

envolvimento prático de – sempre que possível – todos

governamental deve assumir está ligada, de um lado,

os atores pertencentes à arena em questão.

a um esforço grande e muito complexo de articulação

Em quinto lugar, dotar a função planejamento de

institucional e, de outro lado, a outro esforço igualmente

fortes conteúdos éticos: trata-se aqui, cada vez mais,

grande – mas possível – de coordenação geral das ações

de introduzir princípios da república e da democracia

de planejamento. O trabalho de articulação institucional

como

a que se refere é necessariamente complexo porque, em

institucional do Estado e à própria ação estatal.

referências

fundamentais

à

organização

qualquer caso, deve envolver muitos atores, cada qual com seu pacote de interesses diversos e com recursos diferenciados de poder, de modo que grande parte das chances de sucesso do planejamento governamental hoje depende, na verdade, da capacidade que políticos e gestores públicos tenham de realizar a contento este esforço de articulação institucional em diversos níveis. Por sua vez, exige-se em paralelo um trabalho igualmente grande e complexo de coordenação geral das ações e iniciativas de planejamento, mas que, neste caso, porquanto não desprezível em termos de esforço e dedicação institucional, é algo que soa factível ao Estado realizar. Em terceiro lugar, dotar a função planejamento de fortes conteúdos prospectivos e propositivos: cada vez mais, ambas as dimensões aludidas (a prospecção e a proposição) devem compor o norte das atividades e iniciativas de planejamento público. Trata-se, fundamentalmente, de dotar o planejamento de instrumentos e técnicas de apreensão e interpretação de cenários e de tendências, e também de teor propositivo, para reorientar e redirecionar (quando for pertinente) as políticas, os programas e as ações de governo. Em quarto lugar, dotar a função planejamento de forte componente participativo: hoje, qualquer iniciativa ou atividade de planejamento governamental que

José Celso Cardoso Jr.

josecelso.cardoso@ipea.gov.br Economista, e Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea desde 1996.

outubro de 2011 / março de 2012

de estratégias de ação, que anunciem, em seus

41


Artigo Análise histórica - Reflexos de uma crise anunciada: O Brasil e a América Latina frente aos desafios dos anos 1930 Günther Richter Mros No dia 24 de outubro de 1929, quinta-feira, em Nova Iorque, um sujeito solicitou na recepção de hotel situado em Manhattan um quarto nos andares superiores com janela voltada para a avenida que passa em frente ao prédio. Pouco tempo depois, esse mesmo sujeito, em ato de desespero, jogou-se para a morte e somou-se aos outros dez conhecidos homens de negócios que se suicidaram naquela que ficou conhecida como a “quinta-feira negra”. Esta data ficou simbolicamente relacionada ao crash na bolsa de valores de Nova Iorque 1. Exatamente um ano após a bancarrota em Nova Iorque, em 24 de outubro de 1930, no Rio de Janeiro, o presidente Washington Luís era deposto de seu cargo pelo movimento armado da Aliança Liberal – que tinha em Getúlio Vargas sua principal liderança – e seria conduzido ao exílio. O movimento iniciado em 3 de outubro com a invasão armada de alguns quartéis em Porto Alegre teve como ápice a mudança de governo no Brasil (GARCIA, 2000, p. 106). Iniciava-se na ocasião uma lenta e gradual mudança de paradigma do Estado brasileiro. Neste artigo pretendemos trabalhar as relações da

Revista de

Conjuntura

42

crise de 1929 com as soluções endógenas aplicadas pelos países latino-americanos no limiar da década de 1930. A questão que se formula é a seguinte: até que ponto os efeitos econômicos negativos na América Latina seriam decorrência direta da crise iniciada em 1929 nos Estados Unidos? Ao buscarmos elementos estruturais da crise que se espraiou pela América Latina, pode-

ríamos questionar se as mesmas causas da retração no comércio internacional não seriam também as causas de novas teorias econômicas, como a de Keynes2, ou as causas de um novo paradigma nas relações internacionais do Brasil, ou seja, as transformações ocorridas ao longo do século XIX e no início do século XX. As causas estruturais de grandes mudanças de rumo na história são desenvolvidas não ao longo de um período curto, repleto de pequenas transformações efêmeras ou de grandiosos personagens decisivos. A história é escrita por períodos de longa duração — ou long durée, como diria importante historiador da Escola dos Annales.3 A divisão que se procurará seguir, portanto, parte de explanação abrangente dos aspectos que caracterizaram a crise de 1929, buscando-se, em seguida, fazer a exposição de como se deram os primeiros anos após a crise de 1929 em países da América Latina, a partir da visão de especialistas que estudaram o período na Argentina, México, Peru, Equador, Venezuela e Brasil.

A grande crise de 1929 A crise iniciada em 1929 em Nova Iorque foi, antes de tudo, uma grande queda generalizada da produção nos países ocidentais, que causou uma retração nas importações da ordem de 69% no período entre 1929 e 1933 (GAZIER, 2009, p. 9-10; 18). Os países ocidentais que eram o carro-chefe da produção industrial no pós-Primeira Guerra Mundial – EUA,

Embora alguns autores, como Bernard Gazier (2009, p. 30), tratem a questão dos suicídios como mito, outros autores, como Paul Johnson (1984, p.231), relatam ao menos a morte de onze conhecidos homens de negócio naquela data. 2 Keynes defendia uma política econômica de Estado intervencionista, por meio da qual os governos usariam medidas fiscais e monetárias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos. 3 Fernand Braudel cunhou o termo long durée ao se referir às transformações estruturais que ocorrem em períodos mais extensos, quando escreveu sua tese de doutoramento sobre o mundo mediterrâneo de Filipe II da França. (BRAUDEL, 1983, p. 25-26). 1


Ainda na Conferência de Gênova, em 1922, procurou-se sancionar o que na prática já vinha ocorrendo, o declínio do padrão-ouro, ao menos na sua forma pura, que remetia ao século XIX, no auge do império britânico. Passa-se então ao padrão câmbio-ouro, que permitia às economias não mais terem suas reservas atreladas ao metal ouro, cada vez mais raro, mas sim às moedas-padrão dólar e libra-esterlina, graças à harmonia que essas duas moedas traziam ao sistema financeiro, devida ao lastro em ouro de suas reservas.

Outra análise de grande importância acerca do período entreguerras, que gerou um clássico no campo das Relações Internacionais, é a obra de Edward Hallet Carr (2001) intitulada Vinte anos de crise, escrita em 1939. As críticas de Carr ao liberalismo são bastante mais contundentes do que as apresentadas por Keynes, uma vez que, para aquele autor, o problema-chave da leitura liberal estava em diagnósticos utópicos. Para Carr, “o colapso da década de 30 foi contundente demais para ser explicado meramente em termos de ações ou omissões individuais” (CARR, 2001, p. 53-59). Estava construída, assim, forte crítica à doutrina de harmonização de interesses do laissez-faire.

A crise dos anos após 1918 é vista por Hobsbawm (1995) como um “colapso verdadeiramente mundial”, diferente de tudo o que já se tinha visto, seja a Guerra Mundial ou as revoluções do século XIX.“A globalização da economia dava sinais de que parara de avançar nos anos entreguerras. Por qualquer critério de medição, a integração da economia mundial estagnou ou regrediu” (Hobsbawm, 1995, p. 91).

Os problemas do século XIX eram muito diversos daqueles que caracterizam o século XX. A harmonia de interesses era aplicável naqueles anos por se tratar de situação econômica bastante diversa: contexto de expansão territorial, migrações e colonialismo. A teoria realista que estava sendo desenhada pelos argumentos de Carr carregaria em seu substrato três importantes conceitos de Nicolau Maquiavel (CARR, 2001, p. 85-86).

Um dos primeiros críticos da manutenção de mecanismos econômicos baseados em aspectos do mundo do século XIX e de políticas revanchistas europeias foi John Maynard Keynes (2002). Em sua obra As consequências econômicas da paz, de 1919, ele referiu-se aos resultados da Conferência de Paz de Versalhes, onde se negociou o tratado que poria fim à I Guerra Mundial. Para Keynes, os acordos eram desastrosos. É bastante conhecida a parte do livro que fala do tratado e do perigo existente em atrelar a economia alemã ao mercado especulativo. Antes disso, no entanto, Keynes chama a atenção para aspectos estruturais da Europa pré-guerra. Para o autor:

O primeiro conceito da teoria de Maquiavel é o da história como sequência de causa e efeito, coadunando-se esse aspecto já levantado no século XVI com a noção dos historiadores modernos de que há ciclos multicausais e que, portanto, a história deve ser vista como “filha de seu tempo” (BRAUDEL, 2009, p. 17). A experiência de quem escreve a história e até os métodos utilizados são ditados pelo ritmo e pelo peso das vivências do historiador com o meio em que vive.

[...] mesmo antes da guerra, o equilíbrio assim estabelecido entre as antigas civilizações e os novos recursos já estava ameaçado. A prosperidade da Europa tinha como base

O segundo ponto refere-se ao fato de que a teoria não cria a prática, mas sim a prática é que cria a teoria, o que vai de encontro ao pensamento utópico que baseia as teorias em aspectos imaginativos. Este ponto confirma os estudos indutivos e métodos empíricos utilizados por historiadores.

exigido em troca da sua exportação; e também a

Seguindo esta linha, o terceiro ponto trata da noção de não ser a política função da ética, mas, ao contrário, a ética a é da política. Ou, em outras palavras, a ética apregoada ao indivíduo não pode ser a mesma direcionada

circunstância de que, devido aos investimentos passados,

às ações do Estado4. Este último fundamento é de suma

os europeus recebiam cada ano uma importância

importância para compreensão do comportamento

substancial, sem a necessidade de qualquer retorno

dos Estados latino-americanos frente à crise de 1929.

o fato de que, devido ao amplo excedente exportável de alimentos na América, era possível adquirir esses alimentos a um preço modesto, em termos do trabalho

(KEYNES, 2002, p. 15).

outubro de 2011 / março de 2012

Grã-Bretanha e, sob certos aspectos, ainda a Alemanha – passaram a definir suas políticas de forma mais protecionista.

43


regimes sob modelos conservadores muito se deveu ao status quo econômico da potência hegemônica do século XIX, a Grã-Bretanha. Não havia competição relevante dos produtos manufaturados provenientes do império britânico com nenhuma nação até a unificação da Alemanha e a ascensão dos Estados Unidos no pósPrimeira Guerra Mundial. Quando os Estados da América Latina buscaram uma mudança efetiva de perfil, a ética da competitividade era a da própria sobrevivência do Estado frente a uma crise avassaladora. Assim, Edward Carr escreveu sobre a história como produto de diversos fatores materiais, e a política externa de um país como reflexo de todos os fatores ma-

‘‘

A ingenuidade que se via no comportamento dos regimes sob modelos conservadores muito se deveu ao status quo econômico da potência hegemônica do século XIX, a Grã-Bretanha.

‘‘

A ingenuidade que se via no comportamento dos

teriais que compõem o interesse nacional (CARR, 2001, p. 89). Os diversos fatores materiais que compõem o estudo da história de uma crise como a de 1929, podem e devem ser estudados não somente nos aspectos organizados e normatizados das atitudes de chefes de Estado ou da história diplomática, caracterizada pela versão dos acontecimentos construída nos grandes salões das

Revista de

Conjuntura

44

tentamento, de angústia, próprias para suscitar grandes movimentos de massas, motins, “greves de fome”, transtorno eleitoral etc. Trata-se aí, ainda, de uma “força econômica”. Mas ela não tem nenhuma relação com as pressões

conscientes e organizadas. É, a princípio, maciça, difusa, obscura, profunda. Certamente, diversos organismos ten-

chancelarias. Nesse sentido, Pierre Renouvin inovou ao

tarão apoderar-se dela, esforçar-se-ão para “recuperá-la”,

escrever sobre as forças profundas que regem os pro-

como se diz hoje em dia. Resta nada mais que seu caráter

cessos históricos. Para Renouvin, as forças profundas

maciço, espontâneo, impensado, impedindo de ordená-

são formadas sob um sistema de multicausalidades

la entre as pressões. Pode-se, antes de tudo, falar de uma

que atua sobre as relações internacionais. São ocultas

pulsão. Digamos que aí se trata verdadeiramente de uma

e de difícil percepção daqueles que vivem o momento

“força profunda”. (DUROSELLE, 2000, p. 186).

histórico em que elas ocorrem. Emanam das coletivida-

Ainda para Duroselle, “o que é surpreendente, na

des humanas e dependem de um processo de tomada

‘força profunda’ propriamente dita, é a espontaneida-

de consciência.

de, seja nas origens, seja nas manifestações” (DUROSEL-

Para Jean-Baptiste Duroselle, coautor de Introdução

LE, 2000, p. 187). Por esse motivo, a crise de 1929, bem

à história das relações internacionais com Renouvin e

como as reações da América Latina, são efeitos decor-

autor da obra Todo império perecerá, a crise de 1929 não

rentes de múltiplas causas que devem ser examinadas

poderia ser vista como um acontecimento isolado da

por meio das forças profundas que caracterizam o pro-

economia norte-americana, que ocasionalmente havia

cesso histórico na longa duração – sejam elas forças

se expandido por todo o mundo ocidentalizado.

econômicas, geográficas ou demográficas.

Quando, pelo contrário, sobrevém uma grave crise econômica como a que estourou – simbolicamente – na “quinta-feira negra” de 24 de outubro de 1929, em Wall Street, essa crise produziu em todo o país reações de descon-

4

Ou do príncipe, como diria Maquiavel (2000).

Os resultados da crise de 1929 para os Estados Unidos, ainda no princípio dos anos 1930, foram determinantes para a política de intervencionismo do Presidente Franklin Delano Roosevelt, que chegara ao poder em


O período que abrange os anos 1931 a 1936, fase em que o presidente Roosevelt tentou implementar a política de boa vizinhança, portanto, foi para Gazier a fase-gênese do subdesenvolvimentismo, ou do terceiro-mundismo (GAZIER, 2009, P. 89). Se essa leitura de Gazier é verdadeira, também é verdade que há uma diversidade muito grande de reflexos da crise de 1929 ainda por estudar. São situações tão diversas em regiões díspares como Europa, África e América Latina, que a possibilidade de interpretações opostas também é uma tendência. As mudanças ocorridas no decorrer dos anos 1930 não foram, em lugar algum, tão rápidas e expressivas quanto o foram nos países da América Latina. Doze países haviam mudado de governo ou regime, muitos por golpe (HOBSBAWM, 1995, p. 108), nos primeiros anos após a crise. Entre esses países estavam Brasil, México e Argentina. A mudança que estava ocorrendo nas Américas não era uma simples troca de dirigentes. Havia a mudança de percepção do lugar dos Estados latino-americanos no jogo da economia mundial. Não era somente a per-

‘‘

O New Deal proposto por Roosevelt no plano interno dos norte-americanos teria de ser complementado com uma política externa menos agressiva do que a doutrina Monroe ou a diplomacia do big stick, pois ambas haviam sido ineficazes até aquele momento.5 Franklin Roosevelt propunha, assim, a Good Neighbor Policy (política da boa vizinhança) para os demais países do hemisfério. Era o desejo de o Estado norte-americano poder influenciar nos aspectos econômicos, mais até que nos políticos, de todos os países do Rio Grande até o sul da Patagônia (BANDEIRA, 2000, p. 48).

‘‘

As mudanças ocorridas no decorrer dos anos 1930 não foram, em lugar algum, tão rápidas e expressivas quanto o foram nos países da América Latina.

cepção de que algo estava errado por causa da crise. Era, sim, a constatação de que a crise que desvalorizara os produtos primários – base das economias latinoamericanas – que encarecera produtos manufaturados e dificultara a entrada dos bens de capital provenientes de países industrializados – necessários para as incipientes indústrias americanas – era a crise de todo um modelo.

A Grande Depressão confirmou a crença de intelectuais, ativistas e cidadãos comuns, de que havia alguma coisa fundamentalmente errada no mundo em que viviam. Quem sabia o que se podia fazer a respeito? Certamente poucos dos que ocupavam cargos de autoridade em seus países e com certeza não aqueles que tentavam traçar um curso com os instrumentos de navegação tradicionais do liberalismo secular ou da fé tradicional, e com cartas dos mares do século XIX, nas quais era claro que não se devia mais confiar (HOBSBAWM, 1995, p. 106).

A crise do liberalismo e a situação na América Latina: os reflexos de 1929 De qualquer ponto de vista do qual se pretenda partir para um estudo dos períodos históricos relacionados à história da América Latina, o corte no ano de 1929 se fará quase como uma obrigação de método. Foi o início do desenvolvimento autóctone de alguns

O objetivo da Doutrina Monroe, corolário implementado pelo presidente James Monroe no primeiro quartel do século XIX para os países da América Latina (em especial para aqueles que, na América Central, estavam sob influência direta dos EUA devido à pouca distância de seu território), em seu primeiro momento, era impedir reinvestidas europeias nos assuntos internos das Américas, ou seja, “a América para os americanos”. O Big Stick foi uma reinterpretação desse conceito por parte do presidente Theodore Roosevelt, em 1901, quando defendeu a política do “fale suave e tenha um porrete à mão” no trato com os vizinhos dos Estados Unidos.

5

outubro de 2011 / março de 2012

1932 com a promessa de renovação que caracterizava a vontade dos norte-americanos em época de crise e desemprego em alta. Herdeiro da corrente progressista que defendia o intervencionismo federal, criou o New Deal (novo acordo) com vistas a tirar a economia dos Estados Unidos da situação difícil que se encontrava.

45


países latino-americanos, concomitante a uma crise estrutural como a de 1929. Cardoso e Brignoli (2002) ressaltam a importância de entender os conceitos atinentes ao estudo da história econômica, dentre os quais destacam-se os de conjuntura e estrutura: conjuntura como movimento cíclico das relações econômicas – tais como flutuações, oscilações de preços e de produção etc – e estrutura como a repetição estável de padrões. Esta última, seja ela econômica ou social, não pode ter a estabilidade dos ciclos confundida com estática. Os movimentos estruturais têm estabilidade relativa, nunca a imobilidade. Nesse sentido, o que diferencia as conjunturas e as estruturas no estudo da história econômica são os ritmos com que as mudanças ocorrem nessa área (CARDOSO; BRIGNOLI, 2002, p. 260-262). Conjunturas como as provenientes de crises, são efêmeras,. A crise de 1929 foi conjuntural, mas revelou contradições estruturais do capitalismo porque, nos anos 1930, ainda existiam muitas das características do século XIX, sob fase de transição da hegemonia britânica para as rivalidades comercias que precederam a II Guerra Mundial. A Argentina, assim como o Brasil, tinha sua economia bastante dependente de um produto primário, o trigo. Diferentemente do café brasileiro, porém, não se poderia, em lugar algum, abrir mão do trigo, uma vez que este produto era de maior necessidade relativa para importadores.

Revista de

Conjuntura

46

para a ação no sistema financeiro. Os conservadores argentinos decretaram a inconversibilidade da moeda em 1931, estabeleceram o câmbio duplo em 1933 – um câmbio relacionado às divisas geradas pelas exportações, controlado pelo Estado, e outro como câmbio livre – e criaram o Banco Central argentino em 1935 (FAUSTO; DEVOTO, 2004, p.255). A política ortodoxa empreendida pela Argentina no seu sistema financeiro em muito se deveu às dificuldades enfrentadas pelo país no âmbito do comércio internacional. Os anos de crise e as preferências britânicas a partir de 1932 em importar carnes de países da Commonwealth fizeram com que se buscassem medidas que seriam criticadas até mesmo por liberais mais exaltados, como no episódio da assinatura do pacto Roca-Runciman.6 A Argentina passou a viver, após os primeiros anos da década de 1930, um revés da imagem que construíra nos anos anteriores. Eram claros os sinais de que a crise de 1929 fizera que sua “imagem de país de prosperidade garantida, sempre crescente, começasse a se desvanecer” (PARADISO, 2007, p.13). Diferentemente do golpe ocorrido no Brasil em outubro de 1930, o golpe aplicado na Argentina, em setembro do mesmo ano, para derrubar Hipólito Yrigoyen trouxera de volta ao poder a oligarquia conservadora que representava o liberalismo atrelado à hegemonia britânica.

A crise de 1929 causou forte queda no PIB argentino, que obteve, ademais, recuperação mais lenta, nos últimos cinco anos da década de 1930, em comparação ao Brasil, em muito devido à dependência que aquele

algum tipo de industrialização nos primeiros anos da

país tinha das exportações de trigo e carne. No mesmo

Los efectos de la crisis desatada en 1929 afectaron las

período, no Brasil, já havia maior diversificação da pau-

bases sobre las que se apoyaba la economía agroexpor-

ta exportadora (FAUSTO; DEVOTO, 2004, p.253).

tadora. Los países que tradicionalmente compraban la

Para Rapoport, no entanto, a Argentina já ensaiava década de 1930.

producción argentina comenzaron a proteger y impulsar

O papel do governo argentino no início dos anos

su propia producción de bienes primarios (Inglaterra, por

1930 foi diverso daquele empreendido pelo governo

ejemplo, firmó el Tratado de Ottawa, de preferencias im-

provisório de Vargas. Enquanto no Brasil aos poucos

periales, en 1932). En este contexto, la Argentina vio redu-

se desenhava uma estratégia industrialista, a ênfase

cidas sus exportaciones en volumen y en precio, situación

dada por Buenos Aires para superar a crise apontaria

que ocasionó una falta de divisas en el país y redujo su

6 O acordo feito pelo vice-presidente argentino Julio Roca e o encarregado britânico para o negócio Sir Walter Runciman, em 1933, foi sem dúvida mais vantajoso à Grã-Bretanha. Em troca de manter as importações da carne argentina nos níveis alcançados em 1932, Roca assinou um documento que obrigou Buenos Aires a importar carvão exclusivamente do Reino Unido, flexibilizar leis trabalhistas e dar privilégios às empresas britânicas.


‘‘

capacidad de compra en el mercado internacional. Esta

escasez de divisas originó la necesidad de fabricar inter-

namente muchos productos que antes se importaban, estimulando lo que se dio en llamar ‘industrialización basada en la sustitución de importaciones’(ISI). También se reforzó la presencia del Estado en la economía con la creación de diversas juntas reguladoras (Granos, Carnes, etc.), la implementación del control de cambios y la creación del Banco Central (RAPOPORT, 2009, p. 55).

Embora a Argentina ensaiasse alguma mudança, os novos ventos deveriam continuar soprando na direção das elites. Poderia até haver o crescimento de novas ideologias como aquelas representadas pelo keynesianismo, mas a estratégia implementada nos primeiros anos após 1929 era pouco diferente daquelas que caracterizaram os anos anteriores. A Argentina seguia bastante dependente da Grã-Bretanha, opondo-se, por exemplo, a qualquer política pan-americanista na Liga das Nações (SDN). Não deixa de ser paradoxal, portanto, que, mesmo com turbulências internas e alguns deslizes externos, a chancelaria da Argentina tenha tido naqueles anos “os maiores sucessos de toda a sua história, de certo modo sinalizados pela concessão do Prêmio Nobel da Paz a quem atuara como chanceler entre 1932 e 1938” (PARADISO, 2007, p.13).7 7

O chanceler em questão era Carlos Saavedra Lamas.

Na Argentina, os reflexos da crise de 1929, seja no âmbito da dívida externa ou no balanço de pagamentos, serviram, como em boa parte da América Latina, de mola propulsora para mudanças no paradigma de política exterior. O trigo e a carne eram os principais produtos de exportação e estavam atrelados ao sistema político que dominava o poder. O golpe ocorrido em setembro de 1930 foi uma tentativa de manter os responsáveis pelo antigo sistema à frente de mudanças que não eram puramente econômicas ou comerciais, mas ideológicas e estratégicas. Assim, o ritmo com que se estabelecia a política industrial na Argentina era mais lento, crescia e se fortalecia ainda sob pequenos regressos de sua chancelaria, como fora exemplo o acordo Roca-Runciman. No México, os fatos ocorreram de forma um pouco diversa, tanto no campo econômico quanto no político. Sob o aspecto econômico, a principal diferença reside no fato de os principais produtos da balança comercial mexicana não serem alimentícios, mas minerais. Com essa afirmação, não se quer dizer que não tenha havido crise com o milho ou o feijão, produtos largamente cultivados em terras mexicanas – no âmbito da agricultura, soma-se ainda a crise do algodão, com diminuição de produção para exportação e para o mercado interno. Os minérios, no entanto, marcaram de forma muito contundente a crise mexicana. Os preços da prata, do ouro, do cobre e do zinco e a produção de petróleo foram bastante reduzidos. O segundo aspecto diferenciador da crise no México diz respeito ao campo político-ideológico. A respos-

outubro de 2011 / março de 2012

‘‘

A política ortodoxa empreendida pela Argentina no seu sistema financeiro em muito se deveu às dificuldades enfrentadas pelo país no âmbito do comércio internacional.

O fim do sistema primário-exportador na Argentina marcou o início de um período que Aldo Ferrer primeiramente chamou de “industrialização não-concluída”, ou “não-integrada” (FERRER, 2006, p. 119). Posteriormente Ferrer corrigiu-se, denominando o período como uma economia semi-industrial dependente. Em ambas as situações, o autor identificou no setor manufatureiro uma crescente importância, com o adendo de ter anotado entre duas edições de sua obra, num período de dez anos, a presença muito forte das filiais estrangeiras na indústria argentina (FERRER, 2006).

47


Para Maria Lígia Prado (1981), “o populismo ocorre numa situação de ‘transição’, isto é, na passagem da assim chamada sociedade tradicional – agrária, pré-capitalista, atrasada – para a sociedade moderna – capitalista, urbana e industrial” (PRADO, 1981, p.10). O México é um exemplo claro de que as mudanças ocorridas no início da década de 1930 não eram somente um reflexo da crise de 1929. Desde o fim do governo de Porfírio Diaz, que iniciou-se a partir da revolução mexicana em 1911, já se buscava no México um rearranjo social que ameaçava a divisão internacional do trabalho então estabelecida. A constituição mexicana de 1917, elaborada por uma Assembleia Constituinte, está marcada pelo calor dos debates políticos e ideológicos, e pelo eco não distante das lutas armadas. Para muitos autores a sombra de Zapata – já batido politicamente, mas ainda mantendo focos armados rebeldes – pairava sobre a Assembleia Constituinte; na Constituição, a mais avançada e progressista da América Latina para a época, estavam garantidas muitas das reivindicações camponesas, como, por exemplo, a reforma agrária. (PRADO, 1981, p.15)

O que assemelhará a situação do México às de Brasil e Argentina será o que se convencionou chamar de processo de substituição de importações (PSI). Este fenômeno, nos anos 1930, ocorre com especial força no governo de Lázaro Cárdenas, do Partido Nacional Revolucionário (PNR). Tal governo reunia em seu seio duas correntes antagônicas da política mexicana da época: os caudilhos de Álvaro Obregón e os institucionalistas de Plutarco Elias Calles.

48

A plataforma econômica proposta pelo PNR em seu plano de governo era, em resumo, a de maior partici-

Revista de

Conjuntura

pação do Estado na economia (tendência keynesiana); condução da política econômica visando à redução da dependência externa; e defesa dos interesses das massas operárias e camponesas mexicanas. As principais iniciativas tomadas por Cárdenas 8

‘‘

O México é um exemplo claro de que as mudanças ocorridas no início da década de 1930 não eram somente um reflexo da crise de 1929.

‘‘

ta mexicana à crise, com o governo de Lázaro Cárdenas, a partir de 1934, foi por meio do populismo e da centralização do poder do Estado.

para efetivar seu plano de governo foram a “criação

de bancos e financiadoras como o Fondo de Fomento Industrial (1936), Banco Nacional de Comércio Exterior (1937), Aseguradora Mexicana (1937) e a vitalização de outras já existentes, como o Banco do México (1925) e a Nacional Financeira (1933) [...]” (PRADO, 1981, p.26). Ademais, Cárdenas nacionalizou as empresas petrolíferas estrangeiras e criou a Petróleos de México (Pemex) em 1938. Cárdenas imprimira em seu governo uma alternativa nem capitalista, nem socialista. Seu governo perseguiu para o México uma cartilha desenvolvimentista que tem características próprias da América Latina por se assemelhar aos demais países da região no que tange à busca pelo reforço da industrialização como solução para os reflexos da crise. Mesmo que as características se assemelhem ao restante da região no sentido lato, buscou, entretanto, as características próprias da sociedade mexicana no sentido strictu. Nem sempre a situação política dos países latinoamericanos permitiu a tomada de decisão mais favorável à centralização do poder por parte do Estado e a imediata aplicação de medidas desenvolvimentistas. No Peru, a tentativa de chegar ao poder por parte do aprismo8 foi derrotada nas urnas, mas as ideias e as discussões acerca da crise estiveram em pauta. No Equador, a crise de seu principal produto, o cacau, já

Corruptela de Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA), movimento social peruano que deu origem ao Partido Aprista Peruano (PAP).


Esse programa visava a uma redefinição do papel do Estado e à nacionalização da produção, bem como ao controle dos investimentos estrangeiros.

A Venezuela já alterava, desde o final da década de 1920, sua pauta de exportação, baseada na agricultura de produtos como cacau e café, para o petróleo. Em 1928, havia 150 indústrias petrolíferas explorando o produto e transformando o país no maior exportador de petróleo no mundo. Em 1930, a Venezuela havia quitado sua dívida externa por meio das divisas geradas pelo petróleo, situação que seguiu estável até o final dos anos 1970 (MANCEBO, 2009, p. 32-33).

Para Julio Cotler, o programa de Haya de la Torre propunha:

As ideias que circulavam pela América Latina, ou Indoamérica, como se referia a ela o fundador do aprismo, eram de transformações antioligárquicas no plano político e nacionalistas no econômico. Victor Raúl Haya de la Torre, peruano, foi o fundador da Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA) em 1924, no México, quando vivia no exílio. Haya de la Torre concorreu nas eleições do Peru em 1931 pelo Partido Aprista Peruano (PAP), criado em setembro de 1930. Em agosto desse mesmo ano, já havia ocorrido um levante militar chefiado por Luis Miguel Sánchez Cerro — eleito posteriormente em 1931 —, patrocinado pelos latifundiários e apoiado pela população em reação à crise internacional iniciada em 1929. A fragmentação da elite latifundiária e a introdução das camadas populares mais baixas na vida política peruana geraram uma situação pré-revolucionária que em muito favorecia Haya de la Torre (COTLER, 2006, p. 188). Essa situação, no entanto, não se confirmou. As lideranças oligárquicas reuniram-se, em 1933, com apoio dos militares chefiados pelo general Benavides, e derrotaram o movimento popular que tinha o anseio de acabar com a hegemonia oligárquica do Estado peruano. As ideias apristas, embora não tenham atingido o poder, foram bastante difundidas e trouxeram o desenvolvimentismo para o centro da discussão. Conquistaram aparelhos privados de hegemonia9 e buscavam implantar seu programa de desenvolvimento do Peru.

[...] fixar medidas de proteção aduaneira para defender e promover a indústria nacional. Seria criado o Banco da Nação, incumbido de arrecadação tributária, desalojando desta função o sistema bancário privado; por intermédio das suas filiais, ele procuraria financiar a produção industrial, a mineira e a agrícola regional [...]. Por outro lado, o Estado se encarregaria de criar e desenvolver as indústrias básicas, para que houvesse a substituição das importações e para que fosse agregado valor aos produtos destinados à exportação (COTLER, 2006, p. 195).

Assim como ocorreu no Brasil, com o governo Vargas, Haya de la Torre acreditava que o Estado precisaria se organizar “em termos ‘científicos’, com assessoria técnica profissional” (COTLER, 2006, p. 195). Ou seja, o desenvolvimentismo que estava na cabeça dos políticos latino-americanos da década de 1930 exigia administração tecnocrata, burocrata, weberiana. Embora o PAP de Haya de la Torre tenha sido derrotado por Sánchez Cerro nas eleições de 1931, o período que recobria a última década no Peru (1919-1930) já estava rompido com a aristocracia até então vigente, a ponto de ficar conhecido como o período da “Patria Nueva” (BURGA, 2009, p. 139). No Equador, em 1925, com a crise do cacau e o enfraquecimento do poder econômico e político da Igreja, maior latifundiária do país, o exército ensaiava um movimento de revolta promovido por jovens oficiais da instituição, algo muito semelhante ao tenentismo de 1922, no Brasil. Essa revolta tinha um incipiente projeto industrializante que acabou não dando certo, mas gerou uma Lei de Tarifas e Taxas Aduaneiras para proteger a importante indústria têxtil da região serrana do país (ACOSTA, 2005, p. 84). Não seria uma política de substituição de importações ainda, mas é a prova de que iniciativas desenvol-

Conceito gramsciano. Para Antonio Gramsci, importante pensador político que viveu na Itália contemporânea dos fatos analisados neste artigo, os aparelhos privados são organizações sindicais, culturais, estudantis e sociais que representam as diferentes esferas da sociedade civil. Gramsci acreditava numa revolução das ideias, que permitisse a conquista da hegemonia em um bloco histórico por meio da cultura.

9

outubro de 2011 / março de 2012

era sentida desde o início da I Guerra Mundial, quando o porto de Hamburgo, na Alemanha, havia cessado os pedidos de importação do fruto (ACOSTA, 2005, p. 79).

49


‘‘

As ideias apristas, embora não tenham atingido o poder, foram bastante difundidas e trouxeram o desenvolvimentismo para o centro da discussão.

‘‘

vimentistas latino-americanas não eram puro reflexo somente da crise de 1929. Já estavam presentes no

campo das ideias de lideranças e aspirantes a dirigentes de toda a Ibero-américa. Eram produto da insatisfação com a divisão internacional do trabalho e do papel que a América Latina exercia no mundo.

Auditoria da dívida externa: o Brasil olha para dentro de si para traçar a estratégia de política externa Ao assumir o Ministério da Fazenda, em novembro de 1931, Oswaldo Aranha deparava-se com um desequilíbrio tal no balanço de pagamentos que aumentava gradualmente a porcentagem exigida do PIB para manter o serviço da dívida, exigindo do governo a tomada de empréstimos no exterior, os funding loans, para suprir a perda de reservas. “Entre setembro de 1929 e agosto de 1930, as reservas brasileiras caíram para menos da metade (de 31 milhões para 14 milhões de libras) e, em 1931, haviam se esgotado” (BARRETO, 2001, p. 91).

Revista de

Conjuntura

50

A dívida externa encontrada pelo governo provisório em 1930 estava em torno de 237 milhões de Libras (US$ 1,25 bilhão), de cujos títulos os britânicos detinham dois terços, e os americanos perto de um terço (HILTON, 1994, p. 120). O serviço da dívida exigia quase o dobro do saldo da balança comercial ao ano, o que levara o então ministro da Fazenda José Maria Whitaker a negociar novo funding para manter o serviço da dívida. A análise dos fatos relativos à divida externa e à crise econômica brasileira como um todo merece aten-

ção do estudioso das relações internacionais. É fácil perceber que tanto há “a impossibilidade de estudar-se a economia brasileira no período sem referência à inserção do Brasil na economia mundial” (ABREU, 1990, p. 73), quanto o inverso também é verdadeiro; não é possível estudar as relações internacionais do Brasil sem levar em conta as forças profundas da economia. Logo após a troca de José Maria Whitaker por Oswaldo Aranha, o terceiro funding loan foi acertado, sob conselhos de Sir Otto Niemeyer, personagem que se tornaria peça-chave não somente no empréstimo de mais um funding, mas também no lançamento, por parte do governo, do Esquema Aranha. Concomitantemente à negociação do terceiro funding, e no âmbito do Ministério da Fazenda, o governo instituíra a Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e Municípios por meio do Decreto n.º 20.631, de 9 de novembro de 1931. Os trabalhados da comissão são tão importantes e inovadores que poderiam ser apontados como um dos legados da Era Vargas na área econômica. Pela primeira vez houve a percepção de que “é preciso se fazer uma auditoria profunda e completa da dívida externa quando se parte para o processo de renegociação” (GONÇALVES, 2003, p. 119). Os resultados dos estudos feitos pela comissão foram publicados em dois volumes. Estava feita a primeira auditoria da dívida externa do Brasil, completa e meticulosa. Virou ferramenta para a ação do governo, e logo começou Oswaldo Aranha a esboçar um esquema que fosse positivo para o país. O Decreto n.º 23.829, de 5 de fevereiro de 1934, tratou dos termos em que consistia o Esquema Aranha. Era necessária a reconstrução das diretrizes que tratavam do serviço da dívida, agora baseados nos trabalhos da comissão técnica encarregada da auditoria. Dois dias antes da publicação do Decreto, Aranha encaminhara a Vargas a exposição de motivos do esquema, documento que demonstra bem as ideias do ministro quanto aos rumos do país. O documento de nº 56, exposto na obra de Valentim Bouças (1950, p. 351-356), é um chamamento à realidade pragmática da situação financeira do Brasil, bem como uma proposta de desenvolvimento.


que o novo embaixador tinha esperanças de concluir acordo comercial entre os dois países. Para ele era importante ajustar o intercâmbio comercial, e, para tanto, frisava que sua ida a Washington não fazia parte de uma missão temporária. Dizia Aranha:

É crível a hipótese de que Aranha partira para sua estada como embaixador do Brasil nos EUA, em Washington, ciente de que aquele país teria fundamental importância na recuperação financeira do Brasil. Explica-se: com o abandono do padrão-ouro pela Grã-Bretanha, as duas moedas que teriam força no sistema financeiro que se desenhava na década de 1930 eram ainda a libra esterlina e o dólar americano.

One of the first steps [...] would be the completion of

My object is to work concretely for a direct understanding between our Governments for the stablishment of practical accords in the common interest of the two peoples. the commercial accord now being negotiated. [...] Brazil wants to make not merely a bilateral accord on exchange of favors, but a statute or code, opening new horizonts of industry and commerce.10

Mediante estudo das reações dos países latinoamericanos, o que se entende neste artigo é que, embora os fatores exógenos desse período não sejam de-

Os argentinos viram no tratado Roca-Runciman a opção viável para continuar a ter nos britânicos sua principal parceria, uma vez que o trigo americano era rival dos argentinos e a carne estava tendo dificuldades de entrar no Reino Unido, dificuldade agravada pela decisão da Commonwealth de dar preferência aos produtos que vinham dos países que faziam parte do acordo.

terminantes nas mudanças internas da estrutura pro-

Com o Brasil era diferente: não seriam sufocados os planos de industrialização e urbanização – uma vez que as classes urbanas eram a plataforma que legitimara Vargas no poder – e o café, produto de menor urgência no consumo de um mundo entreguerras do que carne e pão, precisaria de estratégia de Estado para poder auxiliar o governo nos planos de revitalização financeira.

pelo governo brasileiro, no entanto, determinadas de

Aranha acreditava que o dólar era a solução, em especial porque os títulos da dívida externa que estavam em mãos de credores norte-americanos eram muito mais onerosos que os que estavam com britânicos ou outros credores (ABREU, 1990, p 75). Os marcos compensados que vinham de trocas com alemães não resolviam a dívida brasileira. Por esse motivo, um acordo de comércio com os EUA era mais que necessário, e o novo embaixador sabia disso. Desde julho de 1934, alguns meses antes de ser acreditado junto ao governo dos EUA, havia notícias de 10

dutiva, a política externa será pautada por aspectos de difícil delimitação entre influências internas e externas. Exemplo dessa afirmativa foi a auditoria brasileira realizada nos primeiros anos pós-1930. A dívida externa foi um determinante exógeno da política externa para a segunda metade da década de 1930; as soluções apresentadas pela auditoria realizada de maneira inédita maneira endógena, impulsionaram uma estratégia comercial do governo nos anos seguintes.

Referências bibliográficas ABREU, M.P.: Crise, crescimento e modernização autoritária: 1930-1945. In: ABREU, Marcelo de Paiva (org.) A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana (1889-1989). Rio de janeiro: Campus, 1990. ACOSTA, A.: Breve história econômica do Equador. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2005. BANDEIRA, L. A M.: Geopolítica e política externa: a importância geopolítica da América do Sul na estratégia dos Estados Unidos. Brasília: FUNAG, 2000. BARRETO, F. M. Os sucessores do barão: relações exteriores do Brasil (1912-1964). São Paulo: Paz e Terra, 2001. BOUÇAS, V. F.: História da dívida externa. 2ª edição. Rio de janeiro: Edições Financeiras, 1950.

Christian Science Monitor (jornal). 13/07/1934. Disponível em: http://news.google.com/archivesearch. (acessado em agosto de 2010).

outubro de 2011 / março de 2012

Quando saiu do Ministério da Fazenda, Oswaldo Aranha levou consigo um amplo quadro da questão financeira do país e tinha algumas convicções para a solução dos problemas relativos ao tema. Talvez a principal dessas convicções fosse a necessidade de diversificar e qualificar a pauta exportadora brasileira. O comércio, para ele, era o caminho para equilibrar as contas e beneficiar o desenvolvimento do Brasil.

51


BRAUDEL, F.: Escritos sobre a história. Série debates. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2009. -------------------------. O mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1983.

HOBSBAWM, E.: Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Cia das Letras, 1995,

BURGA, M.: La historia económica del Perú: balance de realizaciones y desafios. In: Encontro de historiadores (2008: Rio de Janeiro) 200 anos de independência: olhar o futuro numa perspectiva sul-americana. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.

KEYNES, nômicas

JOHNSON, P.: A history of the modern world: from 1917 to 1980. London: Weidenfeld and Nicholson, 1984. J. da

M.: paz.

As consequências Brasília: UnB,

eco2002.

CARDOSO, C. F. S.; BRIGNOLI, H. P.: Os métodos da história. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2002.

MANCEBO, J. P.: Una historia económica de Venezuela: balance de realizaciones y desafios. In: Encontro de historiadores (2008: Rio de Janeiro) 200 anos de independência: olhar o futuro numa perspectiva sul-americana. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009.

CARR, E. H.:Vinte anos de crise: 19191939. Uma introdução ao estudo das relações internacionais. Brasília: Ed. UnB, 2001.

PARADISO, J.: “Ideias, ideologias e política exterior na Argentina”. Diplomacia, estratégia e política, Brasília, n.º 5, p. 5-25, jan./mar 2007.

COTLER, J.: Peru: classes, Estado e nação. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2006.

PRADO, M. L.: O populismo na América Latina. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.

DUROSELLE, J.B.: Todo império perecerá: teoria das relações internacionais. Brasília: Ed. UnB / São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. GARCIA, E. V.: Cronologia das relações internacionais do Brasil. Brasília: Funag / São Paulo: Alfa Ômega, 2000.

RAPOPORT, M.: Argentina: economia y política internacional. Los procesos históricos. In: Encontro de historiadores (2008: Rio de Janeiro) 200 anos de independência: olhar o futuro numa perspectiva sul-americana. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. MAQUIAVEL, N.: O príncipe e dez cartas. Brasília: Editora UnB, 1999.

GAZIER, B.: A Crise de 1929. Porto Alegre: L&PM, 2009. GONÇALVES, R.: Auditoria e dívida externa: lições da era Vargas. In: CARNEIRO, Maria Lúcia Fattorelli (org.). Auditoria da dívida externa: questão de soberania. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. FAUSTO, B.; DEVOTO, F.: Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002). São Paulo: Ed. 34, 2004.

Revista de

Conjuntura

52

FERRER, A.: A economia argentina: de suas origens ao início do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2006. GERTZ,R.E.:Estado Novo: ditadura,autoritarismo ou totalitarismo? In: AXT, Gunter et al.(Orgs.) Da vida para a história: reflexões sobre a Era Vargas. Porto Alegre: ProcuradoriaGeral de Justiça, Memorial do Ministério Público, 2005.

Günther Richter Mros mros@unb.br Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. O presente artigo é extensivamente baseado em parte de minha dissertação de mestrado, Origens do paradigma desenvolvimentista: as

HILTON, fia. Rio

S.: de

Oswaldo Aranha: uma biograJaneiro: editora Objetiva, 1994.

contribuições de Oswaldo Aranha e dos militares (1931-1935). 2011. 115 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto de relações internacionais, Universidade de Brasília, Brasília.


INFORMES DOS CURSOS DE ECONOMIA DO DF

Curso de Ciências Econômicas à distância na UCB O impacto da crise nos EUA e, principalmente, nas

A UCB oferece uma rede de polos para suporte dos

economias europeias, tem gerado forte repercussão nos

cursos à distância no Brasil e em vários países. No Brasil

noticiários de todo o mundo, e é agenda de muitos eco-

possui 18 polos: Brasília (DF), Anápolis (GO), Belém (PA),

nomistas tanto nos países centrais quanto no resto do

Belo Horizonte (MG), Coronel Fabriciano (MG), Palmas

mundo. Quando as crises assolam as economias mundiais

(TO), Recife (PE), Salvador (BA), São José dos Campos,

e se tornam a agenda dos jornalistas, o papel do econo-

Santo André e São Paulo (SP), Uberlândia (MG), Manaus

mista ganha mais notoriedade. Naturalmente, deve des-

(AM), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro e Campos dos

pertar mais interesse não só dos jovens vestibulandos,

Goytacazes (RJ), Vitória (ES) e Fortaleza (CE). No exterior

como também de profissionais nas mais diferentes áreas.

possui 5 polos: Dondo e Luanda (Angola), Boston (EUA) e

No contexto citado, e visando atender principalmente profissionais do mercado de trabalho, que têm interesse em conhecer os fundamentos da ciência econômica, a Universidade Católica de Brasília (UCB) oferece um curso de graduação a distância em Ciências Econômicas. O curso visa atender principalmente os profissionais que não possuem tempo para deslocar-se diariamente até uma instituição de ensino superior, durante quatro anos, para cursar uma graduação presencial. Desta forma, o curso a distância permite a flexibilidade de tempo necessária para o aluno estudar de maneira a determinar seus próprios horários e se agende de acordo com a própria conveniência. A Universidade Católica de Brasília (UCB) já trabalha com disciplinas virtuais desde 1996, e

acumula

Nagoya e Tóquio (Japão). As inscrições para o próximo vestibular estão previstas para junho. O valor da mensalidade no Brasil, para o curso de Economia, é de R$ 474,39 (sem considerar bolsas e/ou descontos, a depender do polo). No Japão, o valor está estipulado em R$ 641,02; em Angola R$ 487,20 e nos Estados Unidos R$ 562,92. A Universidade possui uma política de descontos com base nos critérios: pontualidade; ex-alunos; parentes; em alguns polos como em Coronel Fabriciano, ou Regiões Norte e Nordeste. Há também convênio com algumas empresas. A UCB também aceita candidatos oriundos do ProUNI. Destaque-se que candidatos portadores de curso superior não precisam fazer vestibular para ingressar no

experiência e conhecimento em práticas pedagógicas

curso de economia a distância. Nesse caso, basta subme-

para melhorar e aperfeiçoar o aprendizado dos alunos.

ter-se ao Aproveitamento de Disciplinas, desde que se

Oferece uma grande variedade de recursos tecnológi-

cumpram as exigências previstas em Edital e nas Normas e

cos e as melhores práticas de ensino à distância já uti-

Procedimentos Acadêmicos. Informações mais detalhadas

lizadas nas principais universidades do mundo. Todos

estão em www.ucb.br.

os cursos da UCB Virtual são credenciados pelo MEC, o que atesta a excelência da UCB nessa área. Além disso,

Tito Belchior Silva Moreira

três cursos da UCB Virtual foram avaliados pelo MEC:

Doutor em Economia pela UnB e professor do departamento de eco-

Filosofia (nota cinco na primeira avaliação), Administração

nomia da UCB. Ministra aulas na graduação e na pós-graduação (mestrado e

(nota final quatro) e Ciências Contábeis (nota qua-

doutorado). Também é o coordenador do curso de economia à distância.

tro na primeira avaliação). Todos foram aprovados. A partir desta edição a Revista de Conjuntura abrirá este espaço para que os coordenadores, professores e alunos dos cursos de economia do Distrito Federal possam divulgar informações dos cursos sobre assuntos pertinentes aos de interesse dos economistas. As notas e informes, com a identificação dos autores, devem ser encaminhadas para o e-mail: imprensa@corecondf.org.br.


Não quebre a corrente!

O Corecon-DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas. Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

Participe!

A conquista é de todos.

Acesse o novo site: O Corecon-DF acaba de inaugurar seu novo site. Acesse: www.corecondf.org.br, conheça e fique por dentro das ações do Conselho. No espaço “Leia e Opine”, o economista poderá enviar pequena nota expondo sua opinião sobre algum fato marcante do dia ou da semana que considere importante.

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.