Revista de Conjutura n. 48

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Revista de Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal ANO XII Nº 48 abril / junho de 2012

ARTIGOS Controles de capitais, sobrevalorização cambial e termos de troca: uma análisedo caso brasileiro recente José Luis Oreiro O Brasil está preparado para enfrentar as turbulências decorrentes do agravamento da crise mundial? José Matias Pereira A crise financeira mundial de 2007-2008 e a Grande Depressão: algumas lições Fernando Ferrari Filho e Gustavo Teixeira Ferreira da Silva Fundo Social do Petróleo: concepção e implicações macrofinanceiras Eduardo Toledo Neto O baixo crescimento do PIB e as medidas do Governo Carlos Eduardo de Freitas, César Augusto Moreira Bergo, José Fernando Cosentino Tavares e José Luiz Pagnussat

ISSN 1677-0668

Análise comparativa das discrepâncias entre os rendimentos dos assalariados do setor público e do setor privado na região metropolitana de São Paulo e no Distrito Federal: 1992 a 2011 Júlio Miragaya Bolsa Família e seus impactos nas condições de vida da população brasileira Paulo de Martino Jannuzzi

O baixo crescimento do PIB brasileiro preocupa economistas. Apesar das ações adequadas do governo, o quadro de pessimismo no setor produtivo ainda não se reverteu



Nesta edição 03 Controles de capitais, sobrevalorização cambial e termos de troca: uma análise do caso brasileiro recente José Luis Oreiro

08 O Brasil está preparado para enfrentar as turbulências decorrentes do agravamento da crise mundial? José Matias Pereira

12 A crise financeira mundial de 2007-2008 e a Grande Depressão: algumas lições Fernando Ferrari Filho e Gustavo Teixeira Ferreira da Silva

Índice Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XII Nº 48 abril / junho de 2012

2 Editorial

16 Fundo Social do Petróleo: concepção e implicações macrofinanceiras Eduardo Toledo Neto

25 O baixo crescimento do PIB e as medidas do Governo Carlos Eduardo de Freitas, César Augusto Moreira Bergo, José Fernando Cosentino Tavares e José Luiz Pagnussat

38 Análise comparativa das discrepâncias entre os rendimentos dos assalariados do setor público e do setor privado na região metropolitana de São Paulo e no Distrito Federal: 1992 a 2011 Júlio Miragaya

43 Bolsa Família e seus impactos nas condições de vida da população brasileira Paulo de Martino Jannuzzi

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Conjuntura

Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Editor responsável José Luiz Pagnussat

lairotidE

Editorial

O baixo crescimento da economia brasileira no primeiro semestre de 2012, após estagnação no segundo semestre de 2011, é reflexo, em parte, do desaquecimento da economia global. Mas

Conselho editorial Carlos Eduardo de Freitas Elder Linton Alves de Ataújo José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Humberto Vendelino Richter Maurício Barata de Paula Pinto Newton Ferreira da Silva Marques Tito Belchior Silva Moreira Júlio Miragaya

também resulta das políticas econômicas restritivas adotadas pelo governo para trazer a inflação

Jornalista responsável Camila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851)

se econômica conjuntural, em articulação com os setores produtivos. Nesse sentido, os Conselhos

Redação e editoração eletrônica Camila Fiorese

Setoriais (Conselhos de Competitividade), com a participação de empresários e trabalhadores, são

Revisão Letícia Sallorenzo

Brasil.

Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.

para dentro da meta no ano de 2011 – além da timidez do governo em estimular a economia no primeiro semestre deste ano, atemorizado ainda pelo fantasma da inflação. O crescimento do PIB em 2012 já está fortemente comprometido e os riscos agora são o fechamento de unidades produtivas de setores importantes da economia e o desemprego. Não há alternativas para o governo, a não ser adotar medidas mais consistentes com as dimensões da cri-

uma boa iniciativa – mas não suficiente para ouvir todos os segmentos da economia e regiões do Os bons fundamentos macroeconômicos brasileiros permitem maior ousadia dos gestores das políticas econômicas. A inflação está em queda; a dívida líquida do setor público caiu quase 50% desde 2002 e o saldo primário é positivo; o país tem reservas internacionais que superam 370 bilhões de dólares e continua sendo uma das melhores opções de investimentos para o resto do mundo.

CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente Jusçanio Umbelino de Souza Vice-presidente Maria Cristina de Araújo Conselheiros efetivos Carlos Eduardo de Freitas Oscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Gilson Duarte Ferreira dos Santos Carlito Roberto Zanetti Paulo Roberto Amorim Loureriro Jusçanio Umbelino de Souza Maria Cristina de Araújo Evilasio da Silva Salvador Conselheiros suplentes Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Miguel Rendy Elder Linton Alves de Araujo Bento de Matos Félix Jucemar José Imperatori César Augusto Moreira Bergo Roberto Bocaccio Piscitelli Mônica Beraldo Fabrício da Silva Humberto Vendelino Richter

O desaquecimento atual da economia é a oportunidade para realizar os ajustes tão demandados pelo setor produtivo e pela sociedade brasileira. Sem inflação, o governo pode trazer a taxa de juros básica da economia para um patamar comparável ao das demais economias de mercado; reduzir o custo da divida pública, pela qual ainda se pagam juros elevados; promover ajustes nas despesas públicas; e romper com a cultura do desperdício, que abrange a maioria dos órgãos públicos e influencia a conduta de seus dirigentes. O baixo nível de poupança pública e, consequentemente, de investimento em infraestrutura, é um dos principais fatores restritivos ao crescimento no Brasil. É necessário ampliar os investimentos públicos e o financiamento de longo prazo destinado ao setor produtivo para reativar o crescimento da economia de forma sustentável. As vantagens econômicas brasileiras, considerando os recursos naturais do país, os bons fundamentos macroeconômicos e a eficiência do setor produtivo, quando comparadas com as dos países vizinhos, que apresentam melhor desempenho, mostram que não é plausível o baixo crescimento brasileiro. A queda conjuntural na competitividade de alguns setores da economia nacional é reflexo da política econômica adotada (câmbio e juros), das sobretaxas que pesam sobre eles e dos “subsídios

Delegado eleitor efetivo Mario Sergio Fernandez Sallorenzo

indiretos” praticados por um grande número de países. O Brasil tem a tecnologia, a matéria-prima e

Delegado eleitor suplente Jusçanio Umbelino de Souza

os recursos naturais mais adequados para a produção de bioenergia e, no entanto, está importando

Conselheiro federal efetivo pelo DF Roberto Bocaccio Piscitelli

e modernas do mundo, mas enfrenta dificuldades no mercado internacional, em parte causadas

Conselheiros federais suplentes pelo DF Júlio Miragaya Max Leno de Almeida Equipe do Corecon-DF Gerente executivo Ronaldo Galloti Schroeder Angeilton Francisco Lima Faleiro Camila Fiorese Hélio Matheus Silva de Oliveira Iraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Michele Cantuária Soares Estagiárias Layane Martins Rocha – Jornalismo Vanessa Navarros Guerra da Silva – Direito Amanda Stefany Souza Bernardo – Ensino médio End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

álcool de milho dos EUA. O Brasil tem uma indústria de frango e de porcos dentre as mais eficientes pela própria política econômica brasileira. O Brasil tem a maior reserva de terras agricultáveis disponíveis no mundo e, ainda assim, teve um crescimento relativamente pequeno nas últimas duas décadas na produção de grãos, quando comparado com países vizinhos. O Brasil tem o pré-sal e, no entanto, a Petrobras está revendo os seus investimentos. Enfim, precisamos de planejamento e de mais ousadia dos gestores públicos e privados. A economia brasileira nas últimas três décadas apresentou desempenho pífio, nos anos 1980, em razão da crise da dívida externa e da hiperinflação e nos anos 1990, em razão das políticas neoliberais adotadas, em parte impostas pela “banca internacional”, mas também pelo alinhamento dos dirigentes políticos brasileiros e da maioria dos países latino-americanos com essas políticasà época. Na década de 2000 a economia brasileira também teve um desempenho aquém do desejado, apesar das melhores taxas de crescimento, em parte proporcionadas pela ampliação das políticas sociais. Nesta década, o Brasil foi um dos países latinoamericanos de menor crescimento, quando comparado com os principais vizinhos da região. O baixo crescimento econômico economia brasileira em 2011 e 2012 é o sinal de alerta. Não podemos ter mais uma década de baixo crescimento, enquanto China, Índia e os demais países em desenvolvimento se mantêm com alto desempenho.


José Luis Oreiro Um dos argumentos da sabedoria convencional contra a imposição de controles de capitais na economia brasileira – que tem sido feita de forma bastante tímida por parte do governo brasileiro nos anos recentes – é que eles tornariam mais difícil a captação de recursos no exterior, ou seja, a captação de poupança externa. Dada a notória escassez de poupança doméstica no Brasil, a poupança externa seria então condição necessária para o financiamento do investimento produtivo da economia brasileira, atualmente em torno de 20% do PIB. Além disso, continua a sabedoria convencional: para que o governo possa aumentar a taxa de crescimento do PIB que é compatível com a estabilidade da taxa de inflação para um patamar de 5% a.a., é necessário um aumento significativo da taxa de investimento (para algo próximo a 24% do PIB), o que reforça ainda mais a dependência da economia brasileira com respeito à poupança externa. Dessa forma, a política mais inteligente a ser adotada pelo governo seria remover todos os obstáculos para a captação de recursos no exterior por parte de residentes no Brasil. Sendo assim, os controles de capitais ainda existentes na economia brasileira deveriam ser plenamente abolidos com a implantação da plena conversibilidade do Real. Nessas condições, argumentam os filósofos da sabedoria convencional, a economia brasileira poderia captar com facilidade uma poupança externa entre 4 e 5% do PIB, sem maiores riscos para o equilíbrio intertemporal do balanço de pagamentos. Esse raciocínio da sabedoria convencional se apoia em duas hipóteses fundamentais. A primeira é que as poupanças externa e doméstica são complementares, ao invés de substitutas. A segunda hipótese é que

os controles de capitais não são capazes de afetar a trajetória da taxa real de câmbio e, dessa forma, o montante de financiamento externo requerido pela economia brasileira – posto que a taxa real de câmbio de equilíbrio depende da relação entre a taxa de investimento e a taxa de poupança doméstica numa pequena economia aberta. Sendo assim, uma desvalorização permanente da taxa real de câmbio só seria possível por intermédio de um aumento permanente da poupança doméstica. Dessa forma, variações da taxa real de câmbio seriam, em geral, precedidas por variações na poupança doméstica. A sabedoria convencional acredita que a poupança é logica e temporalmente anterior ao investimento, de tal forma que um aumento deste requer um aumento prévio da taxa de poupança da economia. Nesse contexto, para que ocorra um aumento do investimento é necessário que ocorra um aumento da poupança doméstica (privada + pública) e/ou um aumento da poupança externa. Se o setor privado doméstico ou o setor público não estiverem dispostos a aumentar a sua taxa de poupança, então o investimento só poderá aumentar em função de um aumento da poupança externa, ou seja, do déficit em conta corrente. A introdução de controles de capitais dificultaria esse processo ao tornar menos atrativa a compra de ativos domésticos por residentes no exterior. Dessa forma, o déficit em conta corrente requerido para o aumento do investimento produtivo não poderia ser financiado pela entrada de capitais, ou seja, o superávit da conta de capitais do balanço de pagamentos seria insuficiente para o financiamento integral do déficit em conta corrente. Nesse caso, haveria um déficit

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Controles de capitais, sobrevalorização cambial e termos de troca: uma análise do caso brasileiro recente

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Esse raciocínio da sabedoria convencional é

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O efeito final da introdução dos controles de capitais seria, portanto, uma forte recessão produzida pelo ajustamento da taxa de juros resultante da aceleração inflacionária induzida pelo desequilíbrio do balanço de pagamentos.

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no balanço de pagamentos, que resultaria ou numa redução das reservas internacionais (caso o Banco Central decida garantir a estabilidade da taxa real de câmbio), ou numa forte desvalorização da taxa real de câmbio (caso a autoridade monetária não intervenha no mercado cambial). Neste segundo cenário, a desvalorização súbita da taxa de câmbio produziria uma forte elevação da taxa de inflação, o que obrigaria o Banco Central a fazer uma grande elevação da taxa de juros, de forma a manter a inflação dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional. O efeito final da introdução dos controles de capitais seria, portanto, uma forte recessão produzida pelo ajustamento da taxa de juros resultante da aceleração inflacionária induzida pelo desequilíbrio do balanço de pagamentos.

falacioso. Em primeiro lugar, como já foi demonstrado por Keynes (1936) e Kaldor (1956), o investimento precede logica e temporalmente a poupança tanto no curto como no longo prazo1. Dessa forma, o investimento, sempre e em todo lugar, determina um volume equivalente de poupança agregada. A repartição do volume de poupança entre poupança doméstica e poupança externa depende criticamente

de capitais externos (ou seja, superávit na conta capital)

No que se refere à segunda hipótese do modelo da sabedoria convencional, deve-se ressaltar que ela se apoia na inelasticidade do produto potencial com respeito à demanda agregada. Nesse contexto, um aumento da absorção doméstica – por exemplo, devido a um aumento dos gastos do governo – não pode ser atendido por um aumento do produto real no longo prazo, uma vez que ele seria igual ao produto potencial, determinado pela tecnologia e pela dotação de fatores da economia em consideração. Com isso, o equilíbrio no mercado de bens exige uma redução da demanda externa pela produção doméstica, o que só pode ser viabilizado por intermédio de uma apreciação da taxa real de câmbio. Mutatis mutandis, uma redução da absorção doméstica – devido, por exemplo, a uma redução do consumo privado ou dos gastos públicos – irá induzir uma depreciação da taxa real de câmbio

para o equilíbrio do balanço de pagamentos, que exige

para o reequilíbrio no mercado de bens.

da taxa real de câmbio. Quanto mais apreciada for a taxa real de câmbio, maior será o salário real e, portanto, a participação dos trabalhadores na renda nacional. Como a propensão a poupar a partir dos lucros é maior do que a propensão a poupar a partir dos salários, a apreciação da taxa real de câmbio reduz a poupança agregada do setor privado. Supondo a validade da condição de Marshall-Lerner, a apreciação da taxa real de câmbio irá resultar numa redução das exportações líquidas a médio e longo prazo, de forma a produzir

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o relaxamento dos controles de capitais. Em outras palavras, a poupança externa e a captação de recursos no exterior só são necessárias para o equilíbrio da balança de pagamentos se a taxa real de câmbio estiver sobrevalorizada.

um aumento do déficit em conta corrente, ou seja, um aumento da poupança externa. Isto posto, a apreciação da taxa real de câmbio resulta numa substituição de poupança doméstica por poupança externa (BresserPereira, 2009), dando origem à necessidade de atração

1 No curto prazo a poupança agregada total se ajusta ao investimento por intermédio de variações do nível de emprego e do grau de utilização da capacidade produtiva. No longo prazo, o ajuste se dá por variações da participação dos lucros na renda nacional.


a boa teoria econômica e a evidência empírica (Oreiro et al, 2010; Libanio 2009) mostram que ela é igualmente

Figura 1 - Taxa Real Efetiva de Câmbio, Termos de Troca e Superávit Primário do Setor Público (2003/01-2012/02)

falaciosa. Com efeito, tal como ressaltado por Kaldor (1988), tanto a acumulação de fatores de produção como o ritmo de progresso tecnológico dependem, no longo prazo, do ritmo de crescimento da demanda

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No que se refere à hipótese de inelasticidade do produto potencial com respeito à demanda agregada,

agregada autônoma. Isso se deve ao fato de que (i) o

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investimento em capital fixo responde positivamente às expectativas de crescimento da demanda dos empresários em função do efeito acelerador; (ii) a taxa de crescimento da força de trabalho responde ao crescimento da demanda por trabalho, por intermédio

Fonte: IPEADATA. Elaboração do autor.

de mudanças nas horas trabalhadas no curto prazo, da taxa de participação no médio prazo e do tamanho da população no longo prazo; (iii) o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho responde ao crescimento da produção devido à existência de economias estáticas e dinâmicas de escala consubstanciadas na lei de Kaldor-Verdoorn. Sendo assim, é muito mais razoável tratar a taxa real de câmbio como uma variável exógena do ponto de vista do processo de acumulação de capital. Nesse contexto, constata-se que entre janeiro de 2003 e fevereiro de 2012 a taxa real efetiva de câmbio da economia brasileira sofreu uma valorização de 37,32% (Figura 1). No mesmo período, a participação da indústria de transformação no PIB caiu de 18,01% para 14,59%. Os dados indicam de forma inexorável a ocorrência de um processo de desindustrialização da economia brasileira, causada, entre outros fatores, pela sobrevalorização da taxa real de câmbio. Essa desindustrialização irá condenar nosso país a uma semiestagnação, uma vez que a indústria é o motor de crescimento de longo prazo das economias capitalistas, por ser a fonte das economias estáticas e dinâmicas de escala, o setor que possui os maiores encadeamentos para frente e para trás na cadeia produtiva e por ser a fonte ou o principal difusor do progresso técnico para o restante da economia. Embora os efeitos negativos da apreciação cambial sobre a indústria de transformação sejam relativamente consensuais entre os economistas, subsistem sérias

dúvidas a respeito do que pode ser feito para lidar com o problema. Nesse contexto, é possível identificar claramente três posições distintas. Um primeiro grupo de economistas, mais ligado à ortodoxia neoclássica, acredita que a sobrevalorização cambial é um problema estrutural derivado da implementação, de jure, do Estado do Bem-Estar Social pela Constituição de 1988 e, de facto, pelo governo do PT desde 2003. As políticas de redistribuição de renda atuariam no sentido de produzir uma expansão dos gastos públicos, o que limitaria os graus de liberdade do setor público para aumentar o superávit primário como proporção do PIB. Dessa forma, não seria possível operacionalizar a contração fiscal requerida para a desvalorização da taxa real de câmbio. Como a sociedade brasileira teria feito uma escolha bem clara pelo Estado do BemEstar Social com a eleição de Lula (e, posteriormente, Dilma), segue-se que a sobrevalorização cambial é irreversível e, por conseguinte, o país está condenado à desindustrialização. Um segundo grupo de economistas, fortemente ligado à equipe econômica do governo, acredita que a valorização da taxa real de câmbio está relacionada com as transformações ocorridas na economia mundial, em particular a ascensão da China ao status de grande potência econômica. A demanda aparentemente insaciável da China por matériasprimas e commodities teria gerado uma elevação dos preços dos bens primários exportados pelo Brasil, e


Por fim, os economistas ligados ao “novo desenvolvimentismo” acreditam que a valorização da taxa real de câmbio nos últimos anos foi decorrência, fundamentalmente, da adoção do “populismo cambial”, uma vez que a sobrevalorização da taxa real de câmbio produz um aumento temporário do salário real. O aumento do salário real nos últimos anos, embora insustentável a longo prazo (pois não decorre do aumento de produtividade do trabalho, mas da sobrevalorização do câmbio), tem se mostrado politicamente eficaz no sentido de garantir ao partido do governo a vitória nos pleitos eleitorais. Nesse contexto, a desindustrialização tem que ser enfrentada, não pelo retorno do modelo protecionista dos anos 1970, mas pela mudança na política cambial.

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Uma análise dos dados da economia brasileira no período em consideração nos permite descartar, de imediato, a posição defendida pela ortodoxia neoclássica. Com efeito, no período que estamos analisando, enquanto a taxa real de câmbio apresentava uma apreciação de 37,42%, o superávit primário do setor público (% PIB) permaneceu praticamente estável, aumentando míseros 2,14%. Daqui se segue que a política fiscal não pode ser culpada pela sobrevalorização do câmbio. O mesmo não pode ser dito a respeito dos termos de troca, que apresentaram uma valorização de 37,43% no período, guardando uma correlação de -0,6127 com a taxa real de câmbio. Isso não quer dizer, contudo, que a tendência à valorização dos termos de troca imponha uma tendência inexorável à sobrevalorização cambial. Isso

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Essa desindustrialização irá condenar nosso país a uma semiestagnação, uma vez que a indústria é o motor de crescimento de longo prazo das economias capitalistas por ser a fonte das economias estáticas e dinâmicas de escala...

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atua no sentido de produzir uma melhoria significativa dos termos de troca da economia brasileira. Essa melhoria teria resultado numa forte apreciação da taxa real de câmbio. Dado que a mudança na configuração mundial de poder econômico é um fato irreversível, a apreciação da taxa real de câmbio seria um fenômeno de caráter permanente, sobre o qual a política econômica pouco pode fazer a respeito. Nesse contexto, a desindustrialização tem que ser enfrentada, não pela mudança na política cambial, que seria inócua sobre a dinâmica do câmbio real, mas pela volta ao protecionismo comercial prevalecente durante a vigência do modelo de industrialização por substituição de importações.

porque, ao decompor o período 2003-2012 em dois subperíodos (2003-2008 e 2009-2012), verifica-se que a correlação entre câmbio real e termos de troca caiu de forma abrupta após a erupção da crise econômica mundial de 2008. Com efeito, no período 2003-2008 a correlação entre câmbio real e termos de troca era igual a -0,698; ao passo que no período 2009-2012 a correlação caiu para -0,3323, ou seja, menos da metade do que o observado no período anterior. Essa queda do coeficiente de correlação explica por que, após a crise de 2008, o aumento espetacular dos termos de troca da economia brasileira não resultou numa apreciação muito maior da taxa real de câmbio do que a que efetivamente observada.

Por que a correlação entre câmbio e termos de troca caiu após a crise de 2008? A explicação é que, desde então, o governo e o BC têm adotado um piso implícito para a taxa de câmbio, e atuam de forma coordenada para evitar que o câmbio caia abaixo de certo nível crítico (índice 80 na série de câmbio real efetivo). Para tanto, o governo e o BC têm usado vários instrumentos, como os controles de capitais e a política de incremento das reservas internacionais.


Com base nesse razoado, constata-se que a boa teoria econômica e a experiência brasileira mostram que a introdução de controles de capitais é uma política necessária para permitir a administração da taxa real de câmbio por parte dos formuladores de política econômica. Se a intensidade dos controles de capitais for adequada, o governo poderá administrar a taxa real de câmbio, colocando-a no valor requerido para eliminar o déficit em conta corrente. Mas isso pode não ser suficiente para induzir um crescimento econômico acelerado. Se a economia sofrer de doença holandesa, a taxa real de câmbio requerida pelo setor industrial para se manter competitivo com respeito ao resto do mundo será maior (ou seja, mais depreciada) do que a taxa real de câmbio requerida para o equilíbrio em conta corrente do balanço de pagamentos (BresserPereira, 2009). Nesse caso, além dos controles de capitais, o governo deverá introduzir um imposto sobre as exportações de bens primários.

endogeneity of the natural rate of growth: evidence from Latin American Countries”. Cambridge Journal of Economics, 33. OREIRO, J.L; NAKABASHI, L., SOUZA, G.J. (2010). “A economia brasileira puxada pela demanda agregada”. Revista de Economia Política, Vol. 30, N.4.

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José Luis Oreiro joreiro@unb.br Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IC do CNPq, Diretor de Relações Institucionais da Associação Keynesiana Brasileira e líder do Grupo de Pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento”, cadastrado no CNPq. Página pessoal: www.joseluisoreiro.ecn.br.

Referências Bibliográficas BRESSER-PEREIRA, L.C. (2009). Globalização Competição. Campus: Rio de Janeiro.

e

KALDOR, N. (1956). “Alternative Theories of Distribution”. Review of Economic Studies, vol. XXIII. ----------------- (1988). “The Role of Effective Demand in the Short and Long-Run Growth” In: Barrère, A. (org.). The Foundations of Keynesian Analysis. Macmillan Press: London. KEYNES, J.M. (1936). The General Theory of Employment, Interest and Money. Macmillan Press: Londres. LIBANIO, G. (2009) “Aggregate demand and the

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Mas se o governo e o BC são capazes de impedir que o câmbio real caia abaixo de um certo nível crítico, então eles também seriam capazes de produzir uma desvalorização administrada da taxa de câmbio, caso estivessem dispostos a fazê-lo. Daqui se segue que o câmbio sobrevalorizado é resultado de uma decisão do governo. Não interessa ao governo desvalorizar o câmbio, pois isso traria prejuízos eleitorais. Nesse contexto, o enfrentamento do problema da desindustrialização passa, necessariamente, pela volta ao protecionismo dos anos 1970.


O Brasil está preparado para enfrentar as turbulências decorrentes do agravamento da crise mundial? José Matias Pereira

Observa-se no mundo contemporâneo que o Estado-nação vem enfrentando nas últimas três décadas enormes dificuldades para cumprir suas atribuições de promover ajustamentos na alocação de recursos, na distribuição da renda e, em especial, para manter a estabilidade econômica (Musgrave, 1989). A retomada da crise econômica mundial, apesar dos esforços feitos pela maioria dos governantes no mundo, em especial os dirigentes dos países que integram os denominados zeus (membros dos 17 países da zona do euro mais os Estados Unidos) para amenizar a desaceleração das suas economias, veio aprofundar ainda mais a gravidade do cenário global.

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Nesse debate merecem destaque os riscos da possível saída da Grécia da zona do euro. Isso está exigindo que os países que integram o bloco preparem um plano de contingência individual, na eventualidade de a Grécia decidir deixar a moeda única. Deve-se ressaltar que os lideres dos países-membros do bloco europeu, notadamente França e Alemanha, sabem que isso poderá provocar uma propagação descontrolada da crise da dívida. O agravamento da crise mundial, por sua vez, está acelerando o nascimento de um mundo diferente daquele que conhecemos, no qual será decisiva a utilização intensiva de novas tecnologias, que irão permitir a construção de novas bases das economias dos países mais ricos, notadamente no campo de produção de energia. É previsível, nesse novo cenário, que importantes questões geopolíticas, culturais e ambientais no

mundo ficarão relegadas a um plano secundário, conforme ficou evidenciado nos baixos resultados alcançados na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada no Brasil, de 13 a 22 de junho de 2012.

Estudos e indicadores sobre a extensão da crise econômica mundial Os estudos, relatórios e indicadores econômicos e sociais divulgados em 2011 e nesta primeira metade de 2012 pelas principais instituições multilaterais e órgãos de pesquisa econômica e de estatística nacionais (Banco Mundial, FMI, OCDE, IBGE, BC) explicitam a gravidade e a extensão da crise econômica mundial, cujos reflexos estão afetando de maneira preocupante a economia brasileira. É possível constatar nesses documentos que, na sua maioria, os países desenvolvidos estão enfrentando sérias dificuldades socioeconômicas, traduzidas na queda do PIB, recessão, deterioração nos mercados de trabalho e redução da renda. Aparecem no topo dessa lista de países em dificuldades Grécia, Portugal, Espanha e Itália, e num pelotão secundário França, Alemanha e Estados Unidos. Segundo o relatório da OCDE sobre as perspectivas da economia mundial divulgado no dia 22 de maio de 2012, a zona do euro permanece paralisada, com um PIB que registrará uma leve contração de 0,1% neste ano. Em 2013, ele crescerá 0,9%, e a atividade também será maior em escala mundial, com um crescimento global de 4,2%. Para a OCDE, a zona do euro representa


corde-se que, no relatório anterior, a OCDE previa que o bloco europeu teria este ano um crescimento de 0,2%. A instituição mantém, no entanto, a previsão de crescimento econômico mundial de 3,4% para 2012. Ainda de acordo com o relatório da OCDE, a economia mundial tenta mais uma vez retomar o crescimento, com base em uma modesta reativação do comércio e uma confiança maior. Mas faz isto com ritmos diferentes, com um crescimento mais vigoroso nos Estados Unidos e Japão que na zona do euro, enquanto os grandes países emergentes registram uma recuperação cíclica moderada. Nos EUA, o PIB crescerá 2,4% em 2012 (a previsão anterior era de 2%), e em 2013 o resultado será de 2,6%. Os cortes feitos pela OCDE nas suas previsões de crescimento para a zona do euro em 2012 ocorreram em função das fortes contrações na Itália - cuja economia deve encolher 1,7% - e na Espanha, que deve registrar queda de 1,6% no PIB. Em relação à Grécia, a OCDE

Perspectivas da economia brasileira O PIB do Brasil, conforme prevê o relatório da OCDE, vai crescer 3,2% em 2012, e 4,2% em 2013. A organização destaca ainda que a inflação deverá diminuir para 4,9% neste ano e aumentar para 5,3% em 2013. A inflação brasileira, alerta a OCDE, poderá voltar à tona em razão do apertado mercado de trabalho e da recuperação do crescimento do crédito. Isso pode ser exacerbado caso o Banco Central continue cortando as taxas de juros. Para a instituição, a visão do governo de que as taxas de juros brasileiras não podem voltar aos antigos níveis, considerados excessivamente altos, está correta. Ainda assim existem riscos associados ao movimento do governo para reduzir os juros. O corte de taxas de empréstimos por parte dos bancos estatais brasileiros pressiona os bancos privados a fazerem o mesmo, mas isso tende a aumentar a inadimplência da pessoa física e pode impor riscos para os bancos privados. O governo poderá, por isso, ter de intervir em algum momento para conter um crescimento de crédito possivelmente desestabilizador.

projeta uma contração de 5,3% em 2012. A economia de Portugal deve encolher 3,2%. Mas ambos devem voltar a crescer no segundo semestre de 2013. Já para as economias mais centrais da zona do euro, a OCDE têm previsões mais positivas. O PIB da França deve crescer 0,6% este ano, e a Alemanha deve registrar expansão de 1,2%. O reconhecimento explícito, por parte dos líderes do G8 (grupo dos países mais ricos, mais a Rússia), traduzido no incipiente comunicado final do encontro que foi realizado em meados de maio de 2012, de que a recuperação da economia mundial apresenta sinais promissores, mas fortes ventos contrários persistem, revela as fortes dificuldades que eles estão enfrentando nos campos econômico e político em seus respectivos países. A afirmação dos governos daqueles países de que estão preocupados em estimular o crescimento e os empregos – e que estão determinados a adotar todas as medidas necessárias para reforçar e revigorar nossas economias – evidencia de maneira clara a existência de fortes divergências sobre a estratégia de cada governante do G8 no que diz respeito à forma de promover o crescimento e reduzir o déficit.

O Brasil, para a OCDE, continua atraindo fluxos significativos de capital estrangeiro, o que resulta em uma taxa de câmbio forte, porém volátil. As exportações, em particular do setor manufatureiro, estão sofrendo com a valorização do real e os desafios estruturais. Na avaliação da organização, as medidas do governo para conter a alta da moeda nacional podem, no máximo, fornecer um alívio temporário. Diz o relatório que resolver questões estruturais de competitividade e tirar vantagem das pressões de concorrência geradas pelo comércio aberto irá melhorar o crescimento da produtividade no longo prazo. A análise da OCDE sustenta que o período de fraco crescimento do Brasil parece estar chegando ao fim, mas ainda existem riscos na forma de inflação, crédito e competitividade. A atividade está projetada para aumentar rapidamente e, então, se desacelerar gradualmente para taxas em linha com a tendência, puxada pelo consumo privado e o investimento. Diante desse cenário instável, torna-se possível fazer as seguintes indagações: em que intensidade o Brasil será afetado pelo agravamento da crise econômica mundial? O Brasil está preparado para enfrentar essas dificuldades?

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a principal fonte de risco para a economia mundial. Re-

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Br sinaliza que a atividade econômica registrou alta de 0,15% na comparação com o quarto trimestre de

A análise da OCDE sustenta que o período de fraco crescimento do Brasil parece estar chegando ao fim, mas ainda existem riscos na forma de inflação, crédito e competitividade.

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2011. Por sua vez, os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no início de junho deste ano mostram que o Produto Interno Bruto do país cresceu 0,2% nos primeiros três meses de 2012. Esses resultados mostram uma clara perda de dinamismo da economia brasileira, provocada pela perda da competitividade da indústria, a queda na taxa de crescimento do varejo e do consumo, que sofreu o impacto do aumento do endividamento e do crédito mais seletivo. Nesse sentido, a projeção inicial do governo federal de crescimento do PIB para 4,5% em 2012 necessita ser revisada para menos. Os números do IBC-Br e do IBGE evidenciam que o PIB brasileiro deverá ficar um pouco acima de 2,0% este ano, e a demanda doméstica, com incremento da renda e baixo desemprego, continuará a ser o principal motor do crescimento do país. As autoridades econômicas brasileiras, diante das

A extensão dos efeitos da crise econômica mundial no Brasil

evidências de agravamento da crise, além de reco-

Recorde-se, inicialmente, que o forte crescimento de 7,5% do PIB do Brasil em 2010 teve como base de comparação um crescimento negativo da economia em 2009. Por sua vez, o desempenho do PIB em 2011, estimado em 4,5%, ficou abaixo do projetado pelo governo brasileiro, alcançando apenas 2,7%, sendo que a agropecuária teve um crescimento de 3,9%, serviços de 2,7%, e a indústria apenas 1,6% (IBGE, 2012).

projetados pelo governo inicialmente, estão conscien-

O baixo desempenho do setor industrial nos últimos anos mostra que o país está em processo de desindustrialização. Diante desse quadro, fica cada vez mais premente a necessidade de uma estruturação consistente das bases de competitividade do Brasil, o que requer a elevação da produtividade por meio da educação de qualidade e pela priorização da ciência e tecnologia, em especial da inovação. A economia brasileira se contraiu 0,35% em março de 2012, na comparação com fevereiro, na série com ajuste sazonal, conforme indicam os dados do IBC-Br divulgado pelo Banco Central. Registre-se que esse índice se apresenta como uma prévia do PIB do país. No acumulado do primeiro trimestre deste ano, o IBC-

nhecer que o PIB do país não poderá crescer os 4,5% tes de que no rol dos principais desafios que têm para 2012 está o de acelerar o crescimento em um cenário mundial adverso, razão pela qual destacam que não é algo trivial e automático. Para o governo federal, o aumento do crescimento passa pela dinamização dos investimentos, em manter um “mercado interno forte”, pela solidez fiscal e pelo controle da inflação, além de manter o câmbio favorável e ampliar o crédito e reduzir as taxas de juros do sistema financeiro. Nesse sentido, é preciso que o governo continue a reduzir o custo financeiro no país e a avançar nas reformas do sistema tributário, orientado pela desoneração.

Análise do nível de consistência da política econômica do Brasil Observa-se no elenco das políticas priorizadas pelo governo a continuidade de redução das taxas de juros, a adoção de medidas para evitar a sobrevalorização do real frente ao dólar, a redução do percentual do recolhimento compulsório dos bancos para aumentar a oferta de crédito na economia, a redução do spread bancário (diferença entre o que os bancos pagam para


empréstimos), a elevação do nível dos investimentos públicos, a continuidade na política de desoneração do setor industrial e a promoção de ajustes incipientes de controle dos capitais estrangeiros especulativos. A desaceleração da economia e a inflação dentro dos parâmetros aceitáveis são indicadores que permitem dar continuidade às reduções da taxa Selic nos próximos meses. Ao utilizar a política monetária, por meio da aceleração da queda dos juros, o governo busca manter aquecido o consumo no mercado interno. Observa-se que a política de estímulo ao crédito – por ter a capacidade para fazer a atividade econômica responder de forma rápida – tem sido citada nos discursos oficiais como a principal estratégia do governo central. Para isso, pretendem atuar em quatro frentes: reduzir a taxa Selic, o spread bancário (diferença entre o que os bancos pagam para captar dinheiro e o que eles cobram dos clientes em empréstimos), afrouxar regras prudenciais e liberar compulsórios.

tes nas suas decisões políticas, notadamente nas suas políticas econômicas. Argumentamos, por fim, com base nos dados e nas análises aqui expostas, que as políticas econômicas implementadas pelo governo brasileiro para enfrentar as turbulências presentes na economia mundial mostramse insuficientes para fazer frente às fortes ameaças externas. Esse cenário nos permite alertar, a partir do entendimento de que o Brasil não possui capacidade de influenciar o ambiente externo, sobre a necessidade de o governo federal preparar de forma adequada o ambiente macroeconômico com reformas e ajustes na sua política econômica. Nesse sentido, acreditamos que além da utilização da política monetária, o governo federal necessitará promover ajustes consistentes nas políticas fiscal (redução das despesas governamentais) e cambial (intervenções fortes para evitar a valorização do real frente ao dólar), e assim permitir que o país eleve o seu nível de competitividade externa e reduza as importações.

Partimos do entendimento de que essas ações e medidas adotadas isoladamente na área de oferta de crédito, em que pesem ser necessárias, não serão suficientes para que o Brasil enfrente de maneira adequada os complexos problemas socioeconômicos decorrentes do agravamento dos efeitos da crise econômica mundial, que começam a chegar com mais intensidade no Brasil, com destaque para a queda nos preços das commodities. É relevante destacar que as principais ameaças estão no cenário externo, e que o Brasil não dispõe de instrumentos políticos e econômicos para modificar esse cenário.

Conclusão É relevante destacar que a postura cautelosa, e até de ceticismo, por parte dos principais atores econômicos, políticos e sociais no mundo é decorrente de um ambiente onde estão presentes enormes incertezas e turbulências, como por exemplo, a forma como irá ocorrer o processo de desaceleração da economia chinesa, as dificuldades para a retomada do crescimento da economia dos EUA e os riscos decorrentes de uma possível saída de algum membro da zona do euro. Esses fenômenos representam uma ameaça concreta à estabilidade da economia global, e devem ser avaliados de forma contínua e incorporados pelos governan-

José Matias Pereira matias@unb.br Economista, advogado, doutor em ciência política (UCM-Espanha), pós-doutor em administração pela FEA/USP, é professor-pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outros, de Curso de: Administração Pública, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010; Finanças Públicas: A política orçamentária no Brasil, 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010; e, Curso de Administração Estratégica, São Paulo: Atlas, 2011.

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captar dinheiro e o que eles cobram dos clientes em

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A crise financeira mundial de 2007-2008 e a Grande Depressão: algumas lições Fernando Ferrari Filho e Gustavo Teixeira Ferreira da Silva A magnitude da crise financeira mundial de 20072008, originada a partir da crise do subprime nos Estados Unidos, recolocou em evidência o debate sobre as origens e determinantes de crises financeiras e, consequentemente, da utilização de instrumentos de política econômica tanto no sentido de prevenção quanto de mitigação de seus efeitos sobre o lado real da economia. Não é demais lembrar que a recente crise teve sua origem em um contexto de políticas baseadas na ideologia neoliberal, que levaram os mercados financeiros a um estado de total desregulamentação e liberalização, a partir da concepção da “teoria dos mercados eficientes”, alicerçada na crença da “eficiência” dos mercados financeiros autorregulados1.

Nesse particular, tendo como base uma análise comparativa de ambas as crises, é possível verificar que, embora os impactos iniciais da recente crise tenham sido tão expressivos ou maiores que os da Grande Depressão, a capacidade de recuperação registrada a partir do final de 2009 contrasta fortemente com a persistente deterioração da atividade econômica nos anos 1930. Nesse breve texto procuramos, inicialmente, demonstrar que uma possível explicação para essa diferença passa pelo fato de que, contrariamente ao período da Grande Depressão, em que as políticas fiscal e monetária não foram operacionalizadas de maneira a mitigar a crise, em 2008 e 2009 as políticas de bailout (resgates de natureza fiscal e monetária)

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Para os pós-keynesianos, as crises financeiras são um fenômeno natural e resultam da própria dinâmica de funcionamento dos mercados financeiros em economias monetárias da produção2. Em um contexto de finanças desreguladas, de globalização do capital e de ausência de uma estrutura de salvaguarda que exerça um papel de emprestador de última instância em nível global, as crises financeiras acabam por ter um impacto expressivo sobre a demanda efetiva, o que resulta tanto em períodos de recessão e, eventualmente, em depressão, quanto de elevação das taxas de desemprego. Essas características foram observadas tanto na Grande Depressão dos anos 1930 quanto na crise financeira mundial de 2007-2008.

1 2

adotadas foram relativamente eficientes. Em seguida, são apresentadas, sucintamente, as principais lições da crise financeira mundial de 2007-2008.

Comparação entre as duas grandes crises A despeito de a crise financeira mundial de 20072008 e a Grande Depressão, (1929-1933), possuírem suas especificidades, é possível apontar alguns elementos comuns entre elas para efeito de comparação. Para tanto, são feitas ligeiras análises comparativas dos ambientes institucional e macroeconômico conjuntural e de variáveis macroeconômicas selecionadas das referidas crises.

Segundo esta abordagem, as crises financeiras são “anomalias”, e decorrem somente de interferências no nível de “eficiência” desses mercados. Ver, por exemplo, Minsky, H. P. Stabilizing an Unstable Economy. New York, Macgraw-hill, 1986.


Resumindo: em ambos os períodos a conjuntura econômica é marcada tanto por acentuados desequilíbrios entre as principais economias quanto pela instabilidade dos fluxos de capital internacional. Contudo, no ambiente do padrão câmbio-ouro, os desequilíbrios entre os países foram, em geral, resultado dos pagamentos de reparações da Guerra e dos níveis em que as taxas de câmbio foram estabilizadas. Em contrapartida, nos anos 2000 os desequilíbrios caracterizaram-se, principalmente, entre as economias em desenvolvimento e as desenvolvidas4.

‘‘

No que diz respeito ao ambiente institucional, a livre mobilidade de capitais na ausência de um emprestador de última instância em nível mundial foi uma característica de ambos os períodos. E, nesse caso, como resultado, o espaço de atuação de políticas macroeconômicas domésticas também se mostrou bastante limitado. Entretanto, enquanto no padrão câmbio-ouro o compromisso dos bancos centrais era com a paridade das taxas de câmbio fixas em detrimento da adoção de políticas macroeconômicas domésticas, no ambiente da globalização financeira essas políticas estiveram restringidas pelo “jogo” de confiança dos mercados financeiros3.

Observando-se as origens especificas da Grande Depressão e da crise financeira mundial de 2007-2008, pode-se afirmar que ambas foram deflagradas com a reversão de um boom especulativo, o que acarretou um processo de deflação dos ativos e de mudança das expectativas dos agentes nos mercados financeiros. Tal situação aprofundou a instabilidade dos fluxos de capital internacional e resultou em pressões sobre as taxas de câmbio e sobre os balanços de pagamentos, principalmente naqueles países que estavam mais vulneráveis externamente (entre eles os do leste europeu em 2008), o que se tornou problemático na ausência de um emprestador de última instância em nível mundial.

No ambiente conjuntural macroeconômico, nos anos 1920,mais especificamente após a segunda metade dessa década, aprofundaram-se os desequilíbrios em transações correntes dos principais países. Na ocasião, os desequilíbrios estiveram associados a: (a) assimetria das taxas de câmbio entre os países, (b) assimetria dos fluxos de pagamento, em especial aqueles associados às reparações de Guerra, e (c) elevada instabilidade

Por fim, em ambos os períodos, o boom especulativo foi possibilitado por mecanismos e instrumentos de especulação que surgiram a partir de inovações financeiras. Nesse particular, a alavancagem financeira verificada na origem de ambas as crises ocorreu com a elevada participação de empréstimos de fontes nãobancárias: agentes não-regulados e não-autorizados ao socorro estatal. Em suma, nas origens das duas crises

3

Expressão usada por Paul Krugman em A crise de 2008 e economia da depressão. Rio de Janeiro, Elsevier, 2009. Segundo os dados do FMI, o resultado em conta corrente das economias avançadas passou de um déficit de US$ 270 bilhões em 2000 para mais de US$ 530 bilhões em 2008, ao passo que o superávit em conta corrente das economias emergentes passou de US$ 42 bilhões em 2000 para US$ 724 bilhões em 2008. Ano em que o acúmulo de reservas internacionais por parte dos países emergentes foi US$ 5,5 trilhões. 4

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‘‘

Não é demais lembrar que a recente crise teve sua origem em um contexto de políticas baseadas na ideologia neoliberal, que levaram os mercados financeiros a um estado de total desregulamentação e liberalização...

dos fluxos de capital internacional. Nos anos 1990 e nos primeiros anos da década de 2000, houve uma instabilidade dos fluxos de capital, o que resultou em sucessivas crises financeiras, principalmente nos países em desenvolvimento. Ademais, a relativa expansão da economia mundial nos anos 2000 ocorreu com acentuado desequilíbrio entre as economias.

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havia mecanismos e instrumentos de especulação em um ambiente desregulado. Quando se analisam as variáveis macroeconômicas selecionadas, duas características chamam a atenção. Por um lado, um aspecto evidente é que ambos foram fenômenos globais; por outro lado, a profundidade e duração das fases iniciais das crises foram distintas.

(ou diminuir o superávit) fiscal. Em 2008, verificou-se uma rodada de iniciativas pelos bancos centrais graças a uma operação coordenada das políticas monetárias. Diante da crise, muitos países reduziram suas taxas de juros. No Brasil, a taxa básica de juros (Selic) caiu de 12,75% para 8,75% em 2009. A taxa de juros na zona do euro chegou a menos de 1%. Por sua vez, o resultado fiscal (em termos percentuais do PIB) das

Vejamos os dados: as perdas nos mercados de ações e a contratação do comércio mundial foram significativamente maiores na crise de 2007-2008. Os mercados de ações desvalorizaram-se cerca de 50% no primeiro ano da crise de 2008, e durante igual período da crise de 1929, a queda não chegou a 20%. Contudo, enquanto os mercados de ações mostraram tendência de forte recuperação a partir de 2009, a queda persistiu por aproximadamente três anos durante a Grande Depressão, chegando a -70%.

economias emergentes e dos países desenvolvidos atingiu, em 2009, valores médios próximos a -5% e -10%, respectivamente. Na Grande Depressão, os bancos centrais se viram desencorajados a intervir em benefício do sistema bancário em virtude da prioridade do câmbio fixo do padrão câmbio-ouro. A atuação da política fiscal também se mostrou bastante limitada, pois, por um lado, houve restrições impostas pela própria lógica do padrão câmbio-ouro. As altas taxas de juros elevavam

Assim como no mercado de ações, a redução do comércio mundial (volume) foi mais forte no primeiro ano da crise de 2007-2008 do que em igual período da Grande Depressão, 20% e 10%, respectivamente. Por sua vez, em meados de 2009 o comércio mundial apresentava uma tendência de estabilização, enquanto na Grande Depressão a retração do volume do comércio mundial chegou a 30% em 19325.

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O declínio inicial da produção industrial mundial na recente crise foi tão grande quanto na Grande Depressão (cerca de 13%). Todavia, a recuperação registrada ao final de 2009 contrasta fortemente com a deterioração da produção industrial durante a Grande Depressão, que chegou a quase 40% no terceiro ano. Ao longo do período da crise de 1929-1933, as taxas de desemprego aumentaram expressivamente, como resultado da queda contínua do nível de atividade econômica, ao passo que na crise de 2007-2008 as taxas de desemprego se elevaram de maneira menos dramática.

a dívida pública, o que, por sua vez, exacerbou a instabilidade dos fluxos de capitais, resultando, por conseguinte, em maiores pressões sobre as taxas de câmbio. Por outro lado, predominava a visão de que os governos deviam manter o orçamento equilibrado. Com isso, muitos governos, inclusive o norte-americano, viam o equilíbrio orçamentário como uma condição necessária para a estabilidade econômica. Para finalizar a análise comparativa, não é demais ressaltar que, no que diz respeito à adoção (ou não) de políticas econômicas contracíclicas, no período da Grande Depressão o “argumento” keynesiano de incentivos à demanda efetiva era desconhecido, ao passo que no contexto da recente crise financeira mundial a percepção da eficiência de políticas de cunho keynesiano é bastante consolidada.

Lições da crise financeira mundial de 20072008 Desde o início da crise do subprime, a despeito

A magnitude das políticas fiscal e monetária é sem dúvida o fator de maior contraste entre as duas crises. Com a crise de 2007-2008 os governos não pouparam

da relativa recuperação e “estabilidade” econômicas

esforços em reduzir as taxas de juros e ampliar o déficit

termos tanto de alteração do ambiente institucional

5

verificadas ao final de 2009 e ao longo de 2010, podese afirmar que pouco, ou quase nada, foi feito em

Quando se leva em conta a queda do valor do comércio mundial na Grande Depressão, a redução é bem maior, cerca de 60%.


Nesse sentido, é importante ressaltar que as medidas econômicas implementadas tanto por instituições econômicas internacionais como o FMI, quanto pelos policy makers, apesar de terem evitado uma depressão econômica, mostraram-se incapazes de solucionar os problemas financeiros e reais da economia mundial, principalmente porque políticas fiscais e monetárias ex post tão somente mitigam impactos de crises financeiras sobre a atividade produtiva. Ademais, a crise financeira mundial, por um lado, deixou clara a necessidade de se reestruturar o sistema monetário e financeiro mundial, condição imprescindível para que a economia mundial volte a trilhar períodos de estabilidade macroeconômica, semelhantes àqueles observados no período de Bretton Woods. Por outro lado, ela colocou em xeque um dos princípios básicos do capitalismo liberal: a nãointervenção do Estado na economia. Nesse sentido, sucintamente, as principais lições da atual crise são as seguintes:

econômicas e sociais das crises financeiras são muito mais dramáticas; (5) O Estado deve sinalizar,direta ou indiretamente, um ambiente institucional favorável às tomadas de decisões de gastos dos agentes econômicos, o que J.M.Keynes (The General Theory of Employment, Interest and Money, 1936, capitulo 24) chamou de “socialização do investimento”; (6) Devem ser criadas regras operacionais para o sistema monetário e financeiro mundial para (i) evitar crises globais de demanda efetiva, (ii) garantir a liquidez internacional para expandir a demanda efetiva mundial, (iii) coibir a livre mobilidade dos fluxos de capitais especulativos e (iv) regulamentar as operações derivativas “exóticas” e outras práticas financeiras (por exemplo, alavancagem excessiva de instituições financeiras), entre outras.

Fernando Ferrari Filho ferrari@ufrgs.br Professor titular do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador do CNPq.

(1) Crises financeiras são cada vez mais recorrentes no contexto de desregulamentação financeira e de liberalização dos fluxos cambiais e de capitais; (2) Os mercados, especialmente os financeiros, não são eficientes, autorreguláveis, como argumentam os economistas do mainstream; (3) Crises financeiras são essencialmente endógenas. Nesse sentido, tendo como referência a “hipótese de instabilidade financeira” de Minsky (1986), crises financeiras ocorrem porque “prosperidade, inerentemente, gera instabilidade”; (4)

Em um mundo globalizado, as implicações

Gustavo Teixeira Ferreira da Silva gustavotfs@unesc.net Professor do Departamento de Economia da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc).

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do sistema monetário e financeiro internacional, quanto de redução dos desequilíbrios fiscais e de conta corrente das principais economias. Em relação aos referidos desequilíbrios, por exemplo, a zona do euro tem nos mostrado o quanto a falta de uma coordenação econômica global e a adoção de políticas econômicas restritivas, à la one size fits all, contribuem para o aprofundamento da recessão e a elevação das taxas de desemprego dos países da região.

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Fundo Social do Petróleo: concepção e implicações macrofinanceiras Eduardo Toledo Neto Os Fundos Soberanos de Riqueza (FSR) são atores-chave do atual panorama financeiro global. Apresentam um impressionante aumento no volume de recursos financeiros e consequentes investimentos em países hospedeiros decorrentes de um permanente acúmulo de riqueza nacional. Tais riquezas surgiram normalmente a partir da formação permanente de significativos superávits comerciais resultantes da comercialização de commodities (petróleo, gás, metais e minerais) ou pelos elevados montantes de reservas cambiais oficiais. Atualmente, os FSR alcançaram montante superior a US$ 5 trilhões nos ativos sob seu gerenciamento, com expectativa de crescentes recursos financeiros (haja vista o comportamento médio, no mercado de preços, das commodities e seus níveis crescentes de demanda internacional). A maioria dos novos Fundos Soberanos de Riqueza tem sido formada em economias emergentes.

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No entanto, os benefícios proporcionados pelas receitas geradas pela exportação de recursos naturais podem levar a graves danos econômicos. Isto se dá em decorrência do regime cambial flutuante aplicado e da pressão política por internalização, ou aplicação imediata da maior quantidade possível das receitas petrolíferas na economia doméstica. Implica possíveis resultados como perda da competitividade dos produtos industriais locais e pressões inflacionárias decorrentes da demanda agregada local expandida. A pressão macroeconômica com a apreciação do câmbio,

aumento de liquidez e maior amplitude da demanda podem causar severos impactos na atividade, emprego e renda de setores sensíveis da economia. Alguns países enxergam os Fundos Soberanos de Riqueza como veículos de ameaça potencial às estruturas financeiras e industriais estratégicas dos países hospedeiros. Dessa forma, a entrada dos FSR em países desenvolvidos é vista com receio devido à abrangência dos investimentos, que podem ir além do setor financeiro. Ou seja, as economias emergentes, que detêm a maioria dos FSR criados, apresentam condições de efetuar aquisições em segmentos estratégicos, o que suscita uma onda protecionista por parte das economias avançadas. O processo brasileiro de uso do instrumento Fundo Soberano de Riqueza foi iniciado em 2008 com a criação do Fundo Soberano do Brasil (FSB), pela Lei nº 11.887 de 24 de dezembro de 2008, visando a promoção de investimentos em ativos no Brasil e no exterior, a formação de poupança pública, a mitigação dos efeitos dos ciclos econômicos e o fomento a projetos de interesse estratégico do país, localizados no exterior. O Estado brasileiro optou pela criação de um novo FSR em decorrência das potenciais reservas de hidrocarbonetos encontrados na região do pré-sal e das possibilidades de obtenção de maiores rentabilidades com operações offshore de fundos financeiros; logo, em 2010, foi criado o Fundo Social (FS), por meio da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, visando constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e


A adoção desse instrumento pode desempenhar um papel decisivo na gestão de elevados recursos financeiros. Isso gera benefícios à sociedade em decorrência da aplicação de uma governança corporativa consistente que proporcione melhores condições de acompanhamento da distribuição e aplicação e monitoramento dos resultados, juntamente com a preocupação de também promover equidade intergeracional às futuras gerações. Com isso, o Fundo Social é analisado à luz das prioridades e demandas da sociedade, com base em sua concepção e suas implicações macrofinanceiras. A ideia é alcançar os objetivos de constituição de poupança pública de longo prazo, oferecer recursos para o desenvolvimento social e regional, e de estabilização econômica.

II. Fundos Soberanos de Riqueza 2.1 Marco Conceitual, Limitações e Possibilidades

heterogêneo, com vários objetivos, e que podem ser nominados como: ¾ Fundo de Estabilização – tem o objetivo primário de proteger o orçamento fiscal e a economia doméstica contra a oscilação no nível de preços das commodities, em especial, do petróleo; ¾ Fundo de Poupança – permite a conversão de ativos não renováveis em um diversificado portfólio de ativos e de mitigação dos efeitos da Doença Holandesa, de forma a poupar os recursos financeiros para as futuras gerações; ¾ Fundo de Investimentos – para se alcançar maior retorno nas políticas de investimento. ¾ Fundo de Desenvolvimento – para financiar projetos socioeconômicos ou promover política industrial que proporcione incremento no potencial de crescimento e produção do País. ¾ Fundo de Reserva para Aposentadoria – para fornecer garantias de pensão ou aposentadoria no balanço do governo. Atua como fonte adicional à contribuição individual para pensão. Vale ressaltar que existem distinções entre os

Os Fundos Soberanos de Riqueza foram definidos,

FSR e as reservas oficiais. A reserva oficial pode ser

pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos,

definida como ativos externos que estão disponíveis

como meio de investimento governamental, fundado

e controlados por autoridades monetárias para

por ativos em moedas externas, e gerenciamento

financiamento direto de déficits de pagamento,

separado das reservas em moeda doméstica (Kimmitt, 2008). E de forma complementar, pode-se considerar a seminal definição de Andrew Razanov sobre os FSR, que os conceitua como fundos estabelecidos para proteger o orçamento e a economia doméstica das volatilidades

que devem regular a magnitude destes déficits, indiretamente, pela intervenção no mercado cambial para afetar a troca de moedas externas e outros propósitos (U.S. Department of Treasury, 2007).

de suas receitas e ajudar a autoridade monetária a

No entanto, Monitor Group and Fondazione Eni

esterilizar a liquidez indesejada, constituindo poupança

Enrico Mattei (2008: p.6-7) formularam uma definição

para as futuras gerações, ou utilizando os recursos para

para FSR com base nas características essenciais

o desenvolvimento econômico e social (Schimbor,

que diferenciariam estes fundos de outro veículo de

2009).

investimento de propriedade do Estado. Um Fundo

As fontes de riqueza podem ser classificadas em duas categorias: fundos de commodity, que são estabelecidos por meio de recursos originados por impostos ou receitas da exportação de commodities; e os fundos de não commodity, com recursos compostos pela transferência de reservas internacionais acumuladas por superávits comerciais: o excesso de receitas obtido a partir da exportação de produtos manufaturados é transferido para esses fundos (Kimmitt, 2008). Segundo o FMI (2008), os FSR são um grupo

Soberano de Riqueza é um fundo de investimento por cinco critérios: 1)

Pertence diretamente a um governo soberano;

2) Gerenciamento independente instituições financeiras do Estado;

de

outras

3) Não apresenta predominância explícita de obrigações de pensões; 4) Investe em várias classes de ativos financeiros por maiores retornos comerciais;

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regional, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento.

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5)

Apresenta

proporções

significativas

de

publicidade internacional de seus relatórios de investimento.

2.2 Panorama Internacional O primeiro exemplo de criação de um Fundo Soberano de Riqueza ocorreu no Kuwait, pela Autoridade Governamental responsável pela política, de investimentos do país, em 1953. A principal motivação foi estabelecer a proteção do padrão de

vida nacional das flutuações no preço das exportações primárias do Kuwait, e tornar fonte de recursos, em particular, do comércio de petróleo. No entanto, uma grande variedade de fundos soberanos foi instituída no que diz respeito à renda e à localização geográfica, alcançando-se, em 2011, o quantitativo de 51 FSR; em 2012, 60 FSR; e também atingindo montante superior a US$ 5 trilhões em ativos líquidos, conforme pode ser visualizado na amostra dos quinze maiores Fundos Soberanos de Riqueza (SWF Institute, 2011).

Tabela 1 - Quinze maiores fundos soberanos por ativos sob gestão

Fonte: SWF Institute (2012) / Posição: Junho 2012

Em 2007, os FSR controlavam US$ 3,3 trilhões em ativos, ou 2% do total das transações globais. Alguns economistas projetam que o total de ativos sob a gestão dos Fundos Soberanos de Riqueza deve alcançar US$ 12 trilhões em 2012, ou 10% de todas as transações financeiras globais (Kimmitt, 2008; Bacci, 2008; Schimbor, 2009).

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Kimmitt (2008) destaca que apesar de os Fundos Soberanos de Riqueza terem sido criados na década de 1950, o recente e elevado crescimento gerou um grande negócio que envolve distintos interesses.

Com isso, aumentaram as preocupações dos países hospedeiros. No ano 2000, havia 20 FSR gerenciando ativos totais de vários bilhões de dólares; de lá para cá foram criados mais 20 FSR (desse total, metade foi criada depois de 2005). Segundo Kimmitt (2008), os FSR são suficientemente grandes para adquirir importância no sistema financeiro mundial. Atualmente, os ativos já atingem o patamar de mais de 50% do total das reservas externas oficiais e nível superior às reservas externas oficiais das economias avançadas, conforme Tabela 2:

Tabela 2 - Comparativo entre as reservas oficiais e os fundos soberanos de riqueza no mundo (R$ Bilhões)

Fonte: SWF Institute(2012); FMI (2012) *Valores referentes ao mês de dezembro de cada exercício / ** Posição Março de 2012


3.1 Concepção

Vale ressaltar que os recursos do FS para aplicação nos programas e projetos serão decorrentes do retorno sobre o capital. Esses programas e projetos devem estar

A utilização do instrumento Fundo Soberano de Riqueza em decorrência da venda de recursos minerais e as participações governamentais ligadas à atividade de exploração e produção destes recursos, bem como os recursos gerados por superávits em conta-corrente, obtidos por fluxos financeiros e comerciais positivos, e com certa constância, trouxeram condições para que o Brasil aplicasse este instrumento a fim de angariar semelhantes vantagens econômicas e políticas, tais como a justiça intergeracional, a aquisição de participações em empresas estrangeiras e a redução na pressão por aumento dos gastos públicos, devido às descobertas de novos reservatórios na Região do PréSal.

presentes no Plano Plurianual (PPA) e na Lei de Diretrizes

O Brasil decidiu criar o Fundo Social1 para constituir fonte de recursos ao desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, cultura, esporte, saúde pública, ciência e tecnologia, meio ambiente, e mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

com recursos do FS, como cotista única, de fundo de

Por esse regulamento, o Fundo Social – FS – visa constituir poupança pública de longo prazo com base nas receitas auferidas pela União, oferecendo fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, e proporcionando condições de mitigação das flutuações de renda e de preços na economia nacional, decorrentes das variações na renda gerada pelas atividades de produção e exploração de petróleo e de outros recursos não renováveis.

finito do recurso natural. Desta forma, o consumo no

Os recursos do Fundo Social são constituídos por parcela do valor do Bônus de Assinatura dos contratos de partilha de produção; parcela dos royalties que cabe à União, deduzidas as partes destinadas aos seus órgãos específicos; receita advinda da comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União; royalties e participação especial das áreas localizadas no pré-sal contratadas sob regime de concessão, sob administração direta da União; e resultados de aplicações financeiras do FS.

mínima que proporcionem a atualização do principal e

1 2

Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008.

Orçamentárias, e consignados na Lei Orçamentária Anual. Do ponto de vista tributário, não deverá incidir imposto ou contribuição social de competência da União nas operações de crédito, câmbio e seguro e

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III. Instrumento Fundo Social

sobre rendimentos e lucros do fundo de investimento. Em relação aos investimentos e aplicações do FS, estas operações serão destinadas, preferencialmente, aos ativos no exterior, para mitigar a volatilidade de renda e de preços na economia nacional. O FS terá funcionamento semelhante ao já instituído para o FSB, apenas para fins de aplicação dos recursos financeiros no exterior. Desta forma, a União poderá participar, investimento específico, com finalidade promover a aplicação em ativos no Brasil e no exterior. Esse fundo de investimento deverá responder por suas obrigações com os bens e direitos integrantes de seu patrimônio. O Fundo Social é um mecanismo de promoção da equidade intergeracional, haja vista o aspecto presente causa redução no nível de disponibilidade de petróleo para as futuras gerações. Nesse sentido, além do FS manter a receita proveniente da exploração e produção de petróleo separada de outras receitas do Estado, promove-se a formação de poupança pública de longo prazo, com a transformação do capital natural em capital financeiro. Esse capital é preservado de forma intertemporal, graças a metas de rentabilidade a geração de excedentes de recursos para aplicação no desenvolvimento regional e social do Brasil.

3.2 Experiência do Fundo Soberano do Brasil Os recursos do Fundo Soberano do Brasil2 – FSB são destinados, exclusivamente, para investimentos, para a aquisição de ativos financeiros externos e na integralização de cotas do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização - FFIE.

19


A União está autorizada a emitir, a valor de mercado, sob a forma de colocação direta em favor do FSB, títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal. Além dessa capitalização, os recursos do FSB podem também ser providos por recursos do Tesouro Nacional, em correspondência às dotações consignadas na Lei Orçamentária Anual; ações de sociedade de economia mista federal, excedentes ao necessário, para manutenção de seu controle pela União ou outros direitos com valor patrimonial; e resultados de aplicações financeiras à sua conta. As aplicações em ativos financeiros do FSB terão rentabilidade mínima estimada por operação, ponderada pelo risco, equivalente à taxa Libor (London Interbank Offered Rate) de seis meses. Os recursos decorrentes de resgastes do FSB atenderão, exclusivamente, o objetivo de mitigar os efeitos dos ciclos econômicos, com destinação prevista em Lei Orçamentária Anual.

Segundo a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) no Brasil, o FSB está em fase de estruturação de procedimentos, processos e rotinas operacionais. E para a realização de investimentos no exterior, foi celebrado convênio entre a STN e o Banco Central do Brasil (BC) para a operacionalização de leilões de compra e venda de moeda estrangeira em nome do FSB. Esse convênio permitiu que o FSB realize as operações utilizando os sistemas e a estrutura de leilões do BC; não envolvendo transferência de recursos financeiros entre estas instituições (Ministério da Fazenda, 2012). O Relatório de Gestão do FSB, no exercício de 2011, realizou um comparativo entre o Patrimônio Líquido do FFIE, em 31/12/2010, capitalizado pela TJLP, e seu Patrimônio Líquido efetivo, em 31/12/2011, conforme Tabela 3, destacando a significativa queda de 15,84% no Patrimônio Líquido. A principal justificativa para tal queda foi relacionada às variações de preços das ações da Petrobras e do Banco do Brasil no período (Ministério da Fazenda, 2012).

Tabela 3 - Rentabilidade mensal do FFIE

Fonte: BNDES (TJLP) e BB DTVM (FFIE)

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3.3 Princípios de Santiago Os países emergentes adquiriram relevância no mercado financeiro mundial na última década, ao assumirem a posição de investidores. Essa preocupação tornou-se ainda mais evidente em conseqüência do volume dos recursos e das intenções de alocação dos investimentos dos FSR. 3

Em virtude do aumento em tamanho e número de FSR, o Fundo Monetário Internacional (FMI) determinou atenção reforçada, diante das potenciais conseqüências sobre os mercados financeiros e os investimentos. Os países que compõem o G73 solicitaram código de boas práticas, a fim de fortalecer a transparência e previsibilidade desses fundos soberanos.

Grupo de sete nações industrializadas, formado em 1975: França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos.


3.4 Doença Holandesa, Equidade Intergeracional e Estabilização Econômica A preocupação dos governos, empresas, acadêmicos e demais atores do mercado brasileiro sobre a possível ocorrência da doença holandesa surgiu em decorrência do aumento das exportações de commodities agrícolas; da possibilidade de exportação de biocombustíveis, em especial, do etanol; e das descobertas de petróleo na camada do pré-sal brasileiro. Essa preocupação é resultado do potencial crescimento do Brasil no grupo dos maiores exportadores mundiais de petróleo, de forma a pressionar o mercado de câmbio, com a valorização do real e seus efeitos da perda de competitividade no mercado externo na indústria brasileira. Inicialmente, pode-se dizer que a percepção seminal desse fenômeno tenha se dado na Holanda, cuja economia foi marcada pelas descobertas de reservatórios de gás natural, em campos offshore, durante o início dos anos 1960, não implicando aumento da produtividade pelo ingresso da renda do gás. O influxo dessas rendas apreciou a moeda e o preço dos produtos domésticos. Isso derrubou a produção e aumentou o desemprego, que chegou a 5,5% em meados da década de 1970 nos setores de produtos comercializáveis (Mahmudlov, 2002: p.5). Ou seja, a queda da indústria holandesa como resultado da rápida expansão do gás foi denominada como “Doença Holandesa” (Coronil, 1997: p.7).

‘‘

Boucher (2011), Secretário Geral Adjunto da OCDE, destaca que, do ponto de vista dos países hospedeiros, é crucial a transparência e accountability na formulação de políticas governamentais, especialmente para o alcance de uma maior segurança nacional e fortalecimento da responsabilidade corporativa.

‘‘

A preocupação dos governos, empresas, acadêmicos e demais atores do mercado brasileiro sobre a possível ocorrência da doença holandesa surgiu em decorrência do aumento das exportações de commodities agrícolas; da possibilidade de exportação de biocombustíveis, em especial, do etanol; e das descobertas de petróleo na camada do pré-sal brasileiro.

De forma análoga, a teoria da Doença Holandesa prevê que a desindustrialização sempre aconteça em um país que tem recursos (dos quais derivam as rendas ricardianas) e não adota as medidas necessárias para neutralização da doença. Assim, apesar do fenômeno afetar a economia brasileira, ainda que menos intenso ou menos grave do que os observados nos países cuja produção é especializada em uma ou poucas commodities que geram expressivas rendas ricardianas, suas conseqüências em termos de lenta desindustrialização são preocupantes (Bresser-Pereira e Marconi, 2008). E apesar da “benção” de descobertas de recursos petrolíferos, o desenvolvimento de países ricos em

exploração de recursos naturais tem, historicamente, apresentado péssimo desempenho se comparado aos países não ricos em recursos naturais, em termos de desempenho do Produto Interno Bruto e dos indicadores sociais. Nesse sentido, um

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Assim, o Grupo de Trabalho Internacional dos Fundos Soberanos de Riqueza– GTI – foi criado em 01 de maio de 2008, em Washington, por 26 países-membros do FMI, ficando responsável por iniciar o processo, facilitado e coordenado pelo FMI, estabelecendo os Princípios de Santiago. Os FSR são instituições de central importância para ajudar no aumento da gestão das finanças públicas, alcance da estabilidade macroeconômica e apoio do crescimento de alta qualidade (IWG, 2008).

21


boom do petróleo ocasionaria uma redução do manufaturamento, e o principal mecanismo desse trabalho seria a real apreciação do câmbio (Corden, 1982; Corden e Neary, 1984). Isto é a Doença Holandesa (Hausmann e Rigobon, 2003:p.4-5). Os modelos da Doença Holandesa são aplicados sob vários aspectos macroeconômicos para um problema específico, mas sua característica principal é a ênfase na renda e produção real nos diferentes setores (Corden, 1985:p.183). Mas Corden e Wiljnbergen (1984) definiram a Doença Holandesa como “o baixo desempenho econômico de países ricos em recursos naturais”. Conforme Bresser-Pereira e Marconi (2008), a análise do comportamento recente do comércio exterior brasileiro mostrou que o aumento dos preços das commodities exportadas e a eliminação dos mecanismos de neutralização agravaram a Doença Holandesa. A desindustrialização se manifesta no aumento da participação das commodities no valor adicionado total e na redução da participação do valor adicionado do setor de manufaturados no valor adicionado da produção de bens comercializáveis. Alguns sintomas da Doença Holandesa que a economia brasileira vem sofrendo são os seguintes (Bresser-Pereira e Marconi, 2008): a) Redução da taxa de câmbio, em função do aumento das exportações, sendo mais intenso para commodities que os manufaturados, no período entre 2002 e 2007; b) Evolução positiva da balança comercial das commodities após 1992,enquanto os manufaturados sofreram retração;

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Conjuntura

22

c) Evolução das commodities na balança comercial é desassociada da taxa de câmbio, evidenciando que outros fatores influem no comportamento das vendas e compras externas destes produtos, enquanto a evolução da balança comercial dos manufaturados é fortemente vinculada à da taxa de câmbio; d) Os preços e quantum das exportações de commodities cresceram mais que os dos manufaturados;

e) Aumento da participação das commodities no valor adicionado total; e f ) Queda na participação dos não-comercializáveis na renda nacional, e diminuição da participação dos manufaturados comercializáveis no valor agregado total de bens comercializáveis. Por outro lado, o incremento das exportações de manufaturados contribui para o desenvolvimento do país de duas formas: a) pelo lado da demanda, estimulando a produção deste setor, o qual exerce um grande impacto positivo e encadeador sobre a produtividade e a renda per capita de toda a economia; e b) pelo lado da oferta, gerando externalidades que podem ser aproveitadas por toda a indústria, na medida em que a concorrência externa induz a aprimoramentos no processo produtivo que são incorporados pelos demais setores da economia (Bresser-Pereira e Marconi, 2008). A ocorrência efetiva da Doença Holandesa também pode ser considerada como uma conseqüência da má gestão da renda do petróleo. Dessa maneira, os fundos do petróleo podem assumir papel fundamental na prevenção do desequilíbrio entre o desenvolvimento econômico e o crescimento da renda do petróleo em um país; atuando como um mecanismo de estabilização dos gastos no propósito de aumentar o bem-estar da população e diminuir o nível de desemprego. A principal meta da criação de fundos é manter a receita dos recursos naturais separadas de outras receitas do Estado, no intuito de neutralizar os efeitos das vultosas entradas de receita na taxa de câmbio, exportações, setores manufaturados da economia, e/ ou para assegurar a equidade intergeracional. Há indícios de que os efeitos cumulativos dos setores agrícola, mineral e petrolífero possam gerar volume de receita suficiente para que ocorra uma significativa apreciação da moeda e conseqüentes distorções de preços domésticos, implicando alcance de taxas de crescimento bastante superiores aos produtos manufaturados, bem como modificações consequentes no preço relativo dos produtos na pauta de exportação. No entanto, apesar de o aumento das quantidades exportadas afetar o crescimento do valor das exportações de commodities, o impacto


‘‘

não será reduzido, mas de forma contrária, pode ser compensado pelos efeitos das crescentes exportações do Setor Petróleo.

As principais preocupações de ameaça da Doença Holandesa se concretizam no momento em que são atribuídos elevados riscos à apreciação do Real, promovida por esses setores e seus potenciais efeitos na indústria brasileira por meio da queda de produtividade e perda de competitividade no mercado externo. Com isso, a questão principal não está na ameaça, pois ela é real, mas sim no quantum de Doença Holandesa pode ser verificado e se irá se manifestar de forma mais abrupta ou permanecerá em patamares administráveis, haja vista os efeitos cumulativos intersetoriais e condições de crescimento das exportações brasileiras.

E com a acumulação potencial de riqueza nacional em decorrência da exportação de commodities e dos superávits comerciais pode trazer benefícios imediatos no curto prazo, mas também perigos, no curto e longo prazo, tal como a desindustrialização, a qual pode ocorrer lentamente, e paulatinamente, podendo ser potencializada pela tendência de aumento no nível de preços das commodities como o petróleo, o ferro, o aço e as agrícolas. Este estudo ressalta que o efeito conjunto das commodities de gerar significativos superávits comerciais pode provocar uma situação desfavorável ao Brasil pelo fenômeno da Doença Holandesa. O mecanismo Fundo Social foi criado para oferecer solução, no curto prazo, para os impactos das elevadas exportações de petróleo, por meio da formação de poupança pública de longo prazo, promovendo a equidade intergeracional, por preservar a riqueza nacional para as gerações futuras, e estabelecer parcela dos rendimentos para composição de fonte de recursos, no presente, para os programas e projetos de desenvolvimento social e regional brasileiro. No atual panorama financeiro internacional, as operações de investimento dos Fundos de Riqueza Soberana, por serem de longo prazo, podem alcançar níveis de rentabilidade superiores a fundos de investimento de curto e médio prazo, a exemplo do fundo norueguês, denominado “Government Pension Fund-Global”, que concentra em seus ativos 60,6% em ações de companhias. Nesse sentido, é primordial que a gestão do Fundo Social adote práticas corporativas, atuando em cooperação com os demais Fundos de Riqueza Soberana, com transparência no acompanhamento e controle dos resultados pelo povo brasileiro e para a segurança nacional de países hospedeiros.

IV. Conclusão

Referências Bibliográficas

Os Fundos Soberanos de Riqueza adquiriram vultoso volume e têm despertado muita preocupação nos países hospedeiros, em virtude dos investimentos não se restringirem apenas à esfera comercial. Nesse cenário, o Brasil optou pela criação do Fundo Social, em

Boucher, Richard. Regulatory Reforms, Investment Regimes and Outlook for Institutional Investors: A Recipient’s Point of View. International Forum of Sovereign Wealth Funds(IFSWF). OECD Deputy Secretary General. Speech in Beijing. May, 2011.

abril / junho de 2012

‘‘

A principal meta da criação de fundos é manter a receita dos recursos naturais separadas de outras receitas do Estado, no intuito de neutralizar os efeitos das vultosas entradas de receita na taxa de câmbio, exportações, setores manufaturados da economia, e/ou para assegurar a equidade intergeracional.

2010, para tratar da apropriação dos recursos a serem auferidos pela exploração e produção de petróleo e gás na região do pré-sal.

23


Bresser-Pereira, L.C.; Marconi, Nelson. Existe Doença Holandesa no Brasil?. IV Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas. Março, 2008. p. 21.

Schimbor, Richard. The Impact of Sovereign Wealth Fund Investments on Listed United States Companies. Thesis. University of Berkeley. April, 2009.

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Revista de

Conjuntura

24

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Eduardo Toledo Neto toledo.neto@gmail.com Economista (UNB), MBA em Finanças (IBMEC), Mestre em Economia Ambiental (UNB), Especialista em Regulação do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da Agência Nacional do Petróleo (ANP).


Carlos Eduardo de Freitas, César Augusto Moreira Bergo, José Fernando Cosentino Tavares e José Luiz Pagnussat

O Produto Interno Bruto brasileiro, depois de ter estagnado no segundo semestre de 2011, teve mau desempenho no primeiro trimestre deste ano, com crescimento de apenas 0,2% em relação ao trimestre anterior. As expectativas para o segundo trimestre de 2012 também são ruins, considerando o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) para abril e maio praticamente nulos, e vários outros indicadores negativos já divulgados, como a queda da produção industrial pelo terceiro mês seguido, em maio; a queda do emprego na indústria; o aumento do pessimismo dos empresários da indústria e do comércio; a manutenção dos altos estoques; a estagnação das exportações no primeiro semestre, em relação a igual período de 2011; e a queda das vendas no varejo em maio, a maior desde o final de 2008, após crescimento elevado nos primeiros meses do ano. Somou-se a isso o comportamento decepcionante da agricultura, que enfrentou problemas climáticos no primeiro semestre e instabilidade nos preços dos seus produtos de exportação. Este artigo pretende analisar o cenário econômico, as razões do pequeno crescimento do PIB neste início de ano e as medidas que vêm sendo adotadas pelo governo no sentido de estimular a economia; e reflete as principais conclusões, nem sempre unânimes, dos vários encontros sobre o tema que o Grupo de Conjuntura do Conselho Regional de Economia do DF promoveu neste primeiro semestre de 2012. Neles foram abordados os resultados da economia em 2011 e tendências para 2012 (17 de março); as razões de a economia caminhar em ritmo aquém do PIB potencial

(23 de março); as medidas do governo para a redução do spread bancário (21 de abril); e os dados que mostravam o baixo crescimento do PIB e as medidas do governo, após a divulgação do PIB trimestral pelo IBGE (16 de junho).

A análise do “Grupo de Conjuntura” Ainda no mês de março, a conclusão a que se chegou foi de que o Brasil vinha crescendo muito abaixo do “produto potencial” e que a economia continuava desacelerando. Os fatores externos ajudavam a explicar em parte as expectativas menos otimistas do setor produtivo. Com o agravamento da crise internacional, pareceu necessário que a política macroeconômica fosse mais bem calibrada, para se combater a inflação com o mínimo de desemprego e máximo crescimento econômico possíveis. O freio de política monetária aplicado no segundo semestre de 2011 para trazer a inflação para dentro da meta demorou a ser solto. O objetivo de segurar os preços foi alcançado com o desaquecimento da economia. A duras penas, a inflação acumulada recuou no último mês do ano para o limite superior da meta. Ocorre que com isso comprometeu-se a atividade econômica em todo o primeiro semestre de 2012. Por outro lado, no âmbito microeconômico, as políticas setoriais focalizadas adotadas pelo governo, apesar de positivas se mostravam tímidas, incapazes de reverter com rapidez esse quadro. O dilema dos gestores da política econômica é calibrar os estímulos à economia e os riscos inflacionários. O viés foi o de controle dos preços.

abril / junho de 2012

O baixo crescimento do PIB e as medidas do Governo

25


O fato é que as altas taxas da inflação brasileira girando consistentemente acima de 5% a.a., não, refletem apenas a temperatura da economia. Elas têm uma componente inercial importante; portanto, o crescimento do PIB ao nível do produto potencial não significa inflação zero no Brasil, mas o patamar inercial, que é elevado. O risco de escalada dos preços não existia nem no começo do ano, nem neste final de semestre, considerando o ritmo lento da atividade econômica e a reduzida probabilidade de choques inflacionários no curto prazo. A inflação deve manter a trajetória de convergência para o centro da meta, como sinaliza o resultado do IPCA do mês de junho, praticamente nulo. Um choque inflacionário previsível, entretanto, é a valorização do dólar, que só deve se ampliar de forma mais consistente em 2014, quando a taxa de juros americana começar a subir – o que, de outro lado, poderá trazer algum alívio à indústria brasileira, com recuperação parcial da competitividade, o que resultará em substituição de importações, ampliação das exportações e retomada da economia.

Revista de

Conjuntura

26

A conclusão do “Grupo de Conjuntura” foi que as novas circunstâncias da economia mundial impuseram condições muito mais severas de concorrência à indústria de transformação brasileira. Trata-se de fato novo que impacta no potencial de crescimento do Brasil. Mas, também, a política de estimulo à economia vinha sendo insuficiente para reverter o cenário de baixo crescimento. Nesse contexto, é preocupante a questão das baixas taxas de poupança e investimento e das dificuldades “estruturais” para aumentá-las. A solução para os gargalos de infraestrutura da economia brasileira está sendo adiada, por motivos de ordem política, ambiental e de gestão. Apesar de as despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) terem aumentado, esse feito se deve a transferências expressivas até maio, sem contrapartida do Tesouro, para o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), ou seja, para a construção e entrega de habitações a preço fortemente subsidiado no âmbito do programa Minha Casa, Minha Vida, em lugar de investimentos em infraestrutura.

Fundamentos macroeconômicos Em contraposição, é importante registrar que o Brasil

apresenta

fundamentos

macroeconômicos

sólidos, como destaca o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini: “com robustos colchões de liquidez em moeda estrangeira e no Sistema Financeiro Nacional”1, além do amplo espaço de manobra na política monetária e fiscal. Isso denota a capacidade de absorver os impactos da crise internacional e a possibilidade de manter relativamente vigoroso o crescimento econômico brasileiro, apesar da desaceleração da economia mundial. Os dados mostram que, no âmbito fiscal, o superávit primário do setor público mantém-se elevado e o déficit nominal estável, não obstante a redução da taxa de juros. Mesmo com crescimento econômico praticamente nulo, houve rápido declínio da dívida líquida do setor público (que, em números de maio, está em 35% do PIB), em grande parte por força da depreciação do real, pois o governo federal é credor líquido em dólares. Não que, de resto, a situação em 2012 venha se caracterizando como cômoda nesse âmbito, uma vez que a arrecadação está se frustrando em valores substanciais mês após mês sem que se cogite de usar a margem do PAC para o abatimento das despesas – até agora o governo preserva o discurso de que a meta primária do exercício será alcançada integralmente para contribuir com o Banco Central no controle dos preços, pois é objetivo do governo alterar em definitivo dois preços da economia: câmbio e juros. No âmbito monetário, com a inflação em declínio, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central pode reduzir ainda mais a taxa de juros, além de haver um amplo espaço para adoção de medidas macroprudenciais, no sentido de aumentar a liquidez da economia e prosseguir com a flexibilização da oferta de crédito. Em relação à taxa Selic, o consenso Focus (6 de julho) é de que chegará a 7,5% a.a. no fim do período, mas pode ser menos.

1 Apresentação do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, em Audiência Pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, em 12 de junho de 2012.


Os dados da balança comercial do primeiro semestre mostram queda das exportações (-0,9%) e aumento das importações (4,6%), totalizando US$ 117,2 bilhões e US$ 110,1 bilhões, respectivamente. O saldo comercial do semestre foi de US$ 7,1 bilhões – queda de 45,4% em relação ao primeiro semestre de 2011. As exportações foram afetadas pela queda nos preços de alguns produtos importantes, como minério de ferro (-18,7%), carne de frango (-6,5%) e açúcar em bruto (-1,4). A elevação do câmbio e a recuperação dos preços de algumas commodities agrícolas devem influenciar positivamente o saldo comercial no segundo semestre. Em síntese, as perspectivas são de estabilidade no déficit em transações correntes e recuo no saldo comercial no agregado do ano de 2012. 2

Baixo crescimento do PIB

‘‘

Os indicadores externos e as reservas internacionais estão praticamente inalterados. Não há nenhum risco externo no curto prazo. O déficit em conta corrente supera 50 bilhões de dólares, mas está sendo financiado pelo Investimento Estrangeiro Direto (IED). O saldo das transações correntes nos cinco primeiros meses de 2012 foi ligeiramente melhor do que o registrado em igual período em 2011, em razão da redução das remessas líquidas de renda. Entretanto, houve aumento nos gastos líquidos com serviços e o superávit comercial foi menor.

‘‘

O saldo das transações correntes nos cinco primeiros meses de 2012 foi ligeiramente melhor do que o registrado em igual período em 2011, em razão da redução das remessas líquidas de renda. Entretanto, houve aumento nos gastos líquidos com serviços e o superávit comercial foi menor.

Os dados dessazonalizados das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE confirmaram as expectativas de baixo crescimento da economia neste início de ano. O PIB do primeiro trimestre de 2012 cresceu 0,2% em comparação com o quarto trimestre de 2011. O pior desempenho foi da agropecuária, que caiu 7,3%, seguida dos serviços, que pouco cresceram (0,6%). Houve aparente início de recuperação da indústria, de 1,7%, após três trimestres no vermelho.

Pela ótica da demanda, a desaceleração do PIB foi puxada pela queda da Formação Bruta de Capital Fixo, cujo crescimento está negativo há três trimestres, com recuo acentuado no primeiro trimestre de 2012 (-1,8%), além do fraco desempenho das exportações (0,2%). Somente a administração pública aumentou seu ritmo em relação ao último trimestre de 2011.

O depósito compulsório – parte das captações dos bancos comerciais e outras instituições financeiras que fica depositada no Banco Central – é um dos instrumentos que o BC usa para controlar a quantidade de dinheiro que circula na economia. Esse mecanismo influencia diretamente a disponibilidade de crédito e a taxa de juros na ponta. 3 Apresentação do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, em Audiência Pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, em 12 de junho de 2012. 4 Banco Central, Relatório de Inflação, Vol 14, nº 2, junho de 2012. p. 16.

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A política monetária ainda está bastante restritiva, com as alíquotas de depósitos compulsórios2 elevadas, apesar da crise internacional e da retração da demanda interna. Na avaliação do presidente do Banco Central3, as reservas bancárias estão elevadas e o sistema financeiro sólido, considerando que o índice de capital médio dos bancos brasileiros está acima de 16% e, portanto, com relativa folga em relação ao índice de capital mínimo de Basiléia (8%) e ao índice de capital mínimo regulatório (11%). Tombini relata ainda as avaliações positivas do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, de que “o sistema financeiro brasileiro é estável, com baixos níveis de risco sistêmico e reservas de liquidez consideráveis”.

27


O consumo das famílias se manteve com taxa relativamente baixa de crescimento (1%) no primeiro trimestre de 2012, ainda não reagindo à flexibilização da política monetária e de crédito. As medidas do governo no sentido da redução das taxas de juros e do spread bancário e de ampliação das concessões de crédito deverão, supostamente, incentivar o consumo das famílias ao longo do segundo semestre, quando pode, também, ocorrer uma reativação gradual dos investimentos.

Ministério da Fazenda mantém oficialmente certo

Os resultados do primeiro trimestre levaram o governo a rever a sua projeção do PIB para o ano. O

e a atualização do cenário macroeconômico para a

otimismo, com a expectativa de crescimento de 3,5% no ano, mas o Banco Central, no último Relatório de Inflação (de junho) reviu a taxa para 2,5%, ante 3,5% constantes dos dois relatórios anteriores. Segundo o Banco Central, “a nova estimativa incorpora os resultados do primeiro trimestre 2012; dados preliminares referentes ao segundo trimestre, período em que a retomada da atividade vem ocorrendo de forma bastante gradual; segunda metade do ano”4.

Tabela 1 Variação (%) trimestral do PIB e subsetores (em relação ao trimestre anterior, com ajuste sazonal) 2010

Ano/ Trimestre

II

III

IV

I

II

III

IV

I

Agropecuária

4,6

2,2

-5,1

0,1

6,8

-1,8

1,2

-0,1

-7,3

Indústria

2,6

1,3

0,1

1,0

1,4

-0,4

-0,8

-0,5

1,7

Extrativa Mineral

10,2

1,3

0,7

0,5

0,8

1,0

0,3

1,5

-0,5

Transformação

2,3

0,8

0,2

0,2

1,3

-0,3

-1,8

-2,2

1,9

Construção

1,7

4,2

-1,6

1,6

1,2

0,9

0,1

0,8

1,5

Eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana

1,4

3,0

0,0

1,0

1,0

1,2

0,7

0,1

1,5

1,3

1,1

1,4

1,0

0,5

0,8

-0,3

0,4

0,6

Comércio

3,4

0,8

2,1

1,3

1,1

0,7

-1,1

0,6

1,3

Transporte, armazenagem e correio

2,8

0,9

1,0

1,0

1,3

-0,2

0,1

0,2

0,9

Serviços de informação

1,7

1,5

1,0

0,6

1,4

2,7

-0,3

1,1

0,6

Intermediação financeira e seguros

3,2

2,5

2,8

1,7

-0,4

0,7

0,7

0,1

-0,8

Outros Serviços

0,4

0,8

1,2

1,2

0,3

0,6

-0,5

0,3

0,2

Serviços imobiliários e aluguel

0,2

0,4

0,4

0,6

0,2

0,2

0,3

0,6

0,1

Admin., educação e saúde públicas

-0,4

0,6

0,8

1,0

0,5

0,5

0,1

0,4

1,8

2,1

1,2

0,9

1,0

0,9

0,5

-0,1

0,2

0,2

Consumo das famílias

1,7

0,9

2,4

1,9

0,5

0,6

-0,1

1,0

1,0

Consumo da Administração Pública

0,8

1,2

0,8

0,2

-0,2

2,1

-0,8

0,5

1,5

Formação Bruta de Capital Fixo

3,9

3,6

3,2

-0,2

2,1

1,1

-0,6

-0,6

-1,8

Exportação de Bens e Serviços

6,4

-0,3

3,9

2,6

-2,2

2,1

1,8

1,8

0,2

Importação de Bens e Serviços

12,3

3,9

6,2

1,7

1,1

4,9

-1,8

2,1

1,1

PIBpm (PIB a preços de mercado)

Conjuntura Revista de

2012

I

Serviços

28

2011

Fonte: IBGE. Elaboração dos autores.

No setor de serviços, o destaque negativo foi a atividade de intermediação financeira e seguros, em queda de 0,8%. Os demais subsetores apresentaram crescimento baixo ou moderado, com o melhor desempenho ficando com serviços de “administração, educação e saúde publicas” (1,8%), seguidos do comércio (1,3%) no trimestre.

Nesse mesmo sentido vai a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE, apontando crescimento elevado do volume de vendas no comércio varejista (com ajuste sazonal), no acumulado do ano até maio (9%). Todos os oito segmentos cresceram no ano. Ocorre que em maio a variação de vendas em volume em relação ao mês anterior foi negativa (-0,8%),


Desempenho da indústria A variação trimestral do PIB da indústria (trimestre contra trimestre imediatamente anterior, com ajuste sazonal) apresentada na Tabela 1 mostra, pela ótica da produção, aparente recuperação dos diversos subsetores, exceto a indústria extrativa mineral (-0,5%). Registraram-se: transformação (1,9%); construção (1,5%); e eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (1,5%). Os dados desagregados por subsetores mostram ainda que o crescimento da indústria de transformação de 1,9%, neste primeiro trimestre, não recuperou a queda acentuada observada nos três trimestres anteriores (-0,4, -1,8 e -2,2%, respectivamente). Na comparação com o primeiro trimestre de 2011, a indústria de transformação teve queda de 2,6% (que a Tabela não mostra). Segundo o IBGE, este resultado foi influenciado pela “redução da produção da indústria automotiva; de máquinas e equipamentos; metalurgia, borracha e plástico; máquinas, aparelhos e materiais elétricos; e artigos do vestuário e calçados”. As atividades desse segmento industrial que apresentaram resultados positivos, com crescimento

da produção, foram o de “eletrodomésticos das linhas branca e marrom, outros equipamentos de transporte, químicos, celulose e papel, perfumaria, cimento e minerais não metálicos”. Ainda na comparação com o primeiro trimestre de 2011, os demais subsetores da indústria apresentaram crescimento: eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (3,6%), construção civil (3,3%) e extrativa mineral (2,2%). O crescimento da indústria da construção civil (3,3%) reflete o crescimento do crédito nominal com recursos direcionados, que foi de 21,8% no período. Os dados do PIB incluem a “desova” de estoques. Nesse sentido os dados de produção física da indústria levantados na Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF) do IBGE (com ajuste sazonal) constituem um bom indicador do desempenho do setor industrial. De acordo com eles, houve retração da produção neste início de ano. A produção física, até maio, mostra redução da atividade industrial em todos os meses do ano, resultando em queda de 3,4% nos primeiros cinco meses do ano. O setor já havia encolhido 1,8% no terceiro quadrimestre de 2011. O acumulado nos últimos doze meses, até maio, foi negativo em 1,8%. A Tabela 2 apresenta os dados por categorias de uso, em que os produtos são agregados em sua atividade industrial de origem. No acumulado do ano (até maio), as indústrias de bens de consumo semiduráveis e não duráveis se manteviveram estáveis (0,0%). Os demais setores por categoria de uso da indústria se retraíram no período: bens de capital (-12,0%), bens de consumo duráveis (-10,0%) e bens intermediários (-2,0%).

Tabela 2 Variação da produção física industrial por categoria de uso (trimestre contra trimestre imediatamente anterior e variação mensal, em %) 2011

2012

Acumulado

Abril

Maio

No Ano

Abr 12/ Abr 11

12 meses

Bens de Capital

4,0

-1,2

0,8

-3,8

-9,0

1,9

-1,8

-9,8

-4,1

-1,7

Bens Intermediários

0,5

0,2

-1,0

-0,4

-1,0

0,0

0,2

-1,5

-2,0

-0,6

...

...

...

...

...

-0,7

-2,8

-2,0

-2,3

-1,4

3,9

-6,6

-2,2

-3,8

-1,4

-0,5

-2,2

-10,3

-6,1

-6,1

Semi e Não Duráveis

1,1

-1,0

0,2

-1,1

2,0

-1,4

-2,1

0,7

-1,1

0,1

Indústria Geral

0,9

-0,4

-0,8

-1,6

-0,5

-0,2

-0,9

-2,8

-2,9

-1,1

Bens de Consumo Duráveis

Fonte: IBGE.

abril / junho de 2012

revertendo o sinal positivo dos dois últimos meses. A PMC ampliada, que inclui também “veículos, motos, partes e peças” e “material de construção”, revelou que até maio o primeiro teve fraco desempenho (-0,8%) e o segundo, elevado crescimento (11,1%), refletindo, neste caso, a forte expansão do crédito habitacional. A redução continuada dos juros deve manter aquecido esse setor.

29


Num primeiro momento, o governo lançou uma série de medidas de defesa em razão da perda de competitividade da indústria no comércio internacional, em parte explicada pela sobrevalorização (“guerra”) cambial, cujo marco inicial foi o pacote apresentado no Plano Brasil Maior em agosto de 2011, que incluía também estímulos ao investimento e à inovação, centrados no financiamento e em desonerações tributárias. Em 2012, o governo intensificou suas iniciativas voltadas para os setores mais vulneráveis: com o objetivo de conter a sobrevalorização cambial, o governo aumentou sucessivamente o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre a entrada de capitais. A lista de medidas de incentivo à indústria, adotadas de forma pulverizada e gradativa, inclui ainda a redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), parâmetro para os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); a expansão do crédito, com redução dos juros e spread bancários; a redução de impostos; e a ampliação das compras governamentais, a exemplo do “PAC equipamentos” lançado no final de junho; e a linha de crédito via BNDES para projetos de infraestrutura e mobilidade urbana dos Estados. No fim de junho, a redução de alíquotas do IPI para os produtos da linha branca e para móveis foi prorrogada por mais três meses.

Revista de

Conjuntura

30

A cronologia dos pacotes baixados mostra a reavaliação constante por parte do governo da temperatura da economia. No início de dezembro de 2011, o governo reduziu o IPI e o IOF cobrado sobre o financiamento ao consumo para produtos com índice de eficiência energética “classe A”. Reduziu também a alíquota do Programa de Integração Social e da Contribuição para a o Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins) de produtos alimentícios. No início de abril, o governo introduziu novo pacote de estímulo ao consumo, em especial de bens duráveis, e de apoio à indústria, que abrangeu a desoneração da folha de pagamento, com o fim da contribuição patronal para 15 setores industriais; um programa de

‘‘

A cronologia dos pacotes baixados mostra a reavaliação constante por parte do governo da temperatura da economia. No início de dezembro de 2011, o governo reduziu o IPI e o IOF cobrado sobre o financiamento ao consumo para produtos com índice de eficiência energética “classe A”.

‘‘

Esses números chamam a atenção para a deterioração do investimento e justificam as sucessivas iniciativas de incentivo à indústria e à reativação da economia adotadas pelo governo a partir de 2011 e intensificadas neste ano.

incentivos à cadeia produtiva de veículos automotores; financiamento das exportações; estímulo à indústria nacional nas compras governamentais; desoneração de impostos e contribuições para investimentos, entre outras medidas. Em maio (21/5), foi lançado novo conjunto de medidas financeiras (mais crédito, juros menores e aumento de prazos) e tributárias (redução do IOF e IPI) para estimular os setores automotivos e de bens de capital. Essas medidas se somam à redução da taxa Selic e às continuas reduções dos juros dos bancos públicos no sentido de forçar a baixa dos juros ao consumidor.

Os pacotes de incentivos, desonerações tributárias, mais crédito e juros menores não foram ainda suficientes para reverter, até maio, a estagnação da indústria, nem o índice de confiança da indústria (junho). Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a atividade industrial caiu 0,6% em maio. A queda do Índice Nacional de Atividade (INA) levou a Fiesp a revisar sua projeção de crescimento do PIB em 2012 para 1,8%. Na avaliação da entidade, o PIB da Indústria de transformação deve fechar o ano com 0,8% negativo.


Agropecuária

Tabela 3 Brasil: Safras 2011 e 2012 – levantamento de junho de 2012 Produtos Agrícolas

Produção ( t ) Safra 2011

Safra 2012

Var. %

3.083.775

3.207.720

4,0

240.302

301.175

25,3

Arroz (em casca)

13.444.425

11.452.628

-14,8

Feijão (em grão) 1ª safra

1.952.422

1.244.252

-36,3

Algodão herbáceo (caroço) Amendoim (em casca) 1ª safra

Manona (baga)

115.274

45.177

-60,8

Milho (em grão) 1ª safra

34.167.667

33.781.767

-1,1

Soja (em grão)

74.941.773

65.730.655

-12,3

127.945.638

115.763.374

-9,5

Amendoim (em casca) 2ª safra

15.755

11.054

-29,8

Aveia (em grão)

349.651

392.540

12,3

3.521

3.149

-10,6

Subtotal (1ª safra)

Centeio (em grão) Cevada (em grão)

303.748

347.087

14,3

Feijão (em grão) 2ª safra

1.112.435

1.201.957

8,0

Feijão (em grão) 3ª safra

435.516

438.735

0,7

Girassol (em grão)

77.552

111.115

43,3

Milho (em grão) 2ª safra

22.104.773

35.275.962

59,6

Sorgo (em grão)

1.909.187

1.798.315

-5,8

Trigo (em grão)

5.695.468

5.239.961

-8,0

Triticale (em grão)

137.612

142.583

3,6

32.145.218

44.962458

39,9

160 090 856

160 725 832

0,4

3.894.750

3.511.892

-9,8

Batata inglesa 1ª safra

1.721.420

1.587.441

-7,8

Batata inglesa 2ª safra

1.297.278

1.036.592

-20,1

Subtotal (2ª safra e inverno) Total (Safra de Grãos) Outros produtos Batata-inglesa – Total

876.052

887.859

1,3

Cacau (em amêndoa)

Batata inglesa 3ª safra

245.448

238.294

-2,9

Café (em grão) - Total

2.658.049

3.049.078

14,7

1.965.404

2.289.282

16,5

692.645

759 796

9,7

715.143.562

662.014.177

-7,4

1.355.981

1.382.671

2,0

Café (em grão) arábica Café (em grão) canephora Cana-de-açúcar Cebola Laranja

19.831.787

19.855.324

0,1

Mandioca

25.329.667

24.617.728

-2,8

Fonte: IBGE.

abril / junho de 2012

O baixo desempenho da agropecuária no primeiro trimestre reflete os problemas climáticos e a redução da demanda por alguns produtos no mercado internacional. Entretanto, vários indicadores apontam para uma recuperação nos próximos trimestres.

A previsão da safra de grãos (cereais, leguminosas e oleaginosas) no levantamento da produção realizado pelo IBGE em maio e junho foi revista, dado o excelente resultado da “safrinha” de milho (aumento de 59,6%) e de outras culturas em sua segunda ou terceira safras, conforme se observa nos dados da Tabela 3.

31


Nos levantamentos anteriores, a expectativa era de

março de 2012, o que prejudicou a cultura. Por outro

queda na safra de grãos, enquanto no levantamento

lado, ocorreu atraso na colheita da cana por conta do

divulgado em junho a previsão foi de crescimento de

excesso de chuvas em abril. A Região Nordeste também

0,4% em relação à safra recorde de 2011. A maior parte

sofreu com forte estiagem e teve perdas expressivas na

da safra de grãos se refere à safra de verão, que está

agricultura e na pecuária. A mais castigada foi a região

em fase final de colheita e concentra grande parte da

do semiárido nordestino, que teve perdas nas culturas

produção nacional.

de feijão e de milho superiores a 80%.

A estimativa de junho para a produção dos 21

A seca no Sul atingiu também a produção dos países

produtos pesquisados pelo IBGE mostra que 10

vizinhos: Argentina, Uruguai e Paraguai, reduzindo-lhes

apresentam variação positiva em relação ao ano

fortemente a produção de grãos, mas não foi suficiente

anterior: algodão (4,0%); amendoim (21,9%); aveia

para reverter a tendência de queda dos preços

(12,3%); café (14,7%); cebola (2,0%); cevada (14,3%);

internacionais da maioria dos produtos nos primeiros

girassol (43,3%); laranja (0,1%); milho (22,7%) e triticale

meses do ano. Entretanto, os problemas climáticos no

(3,6%). Os 11 produtos ou safras com variação negativa

início do desenvolvimento das culturas da safra de

são: arroz (-14,8%); batata inglesa (-9,8%); cacau (-2,9%);

verão do Hemisfério Norte, em especial nos EUA, fez

cana-de-açúcar (-7,4%); centeio (-10,6); feijão (-17,6%);

com que houvesse uma reação forte das cotações da

mamona (-60,8%); mandioca (-2,8%); soja (-12,3%);

maioria dos produtos agrícolas no final do semestre.

sorgo (-5,8%); e trigo (-8,0%).

O aumento dos preços no mercado internacional

A seca na Região Sul do país foi a principal

e a desvalorização do real proporcionaram ganhos

determinante das perdas acentuadas na safra de

excepcionas aos agricultores que ainda não haviam

verão, em especial as de soja, milho e feijão (1ª safra).

comercializado parte da sua produção, além de

A produção gaúcha foi a mais afetada, mas também

propiciar boas opções de venda no mercado futuro

foram prejudicados os demais estados da Região, além

da safra que será plantada em novembro e colhida no

de parte do Sudeste e o sudoeste de Mato Grosso do

segundo trimestre de 2013. Pode-se dizer que retornou

Sul. O sul de Minas Gerais enfrentou estiagem entre

a euforia ao campo, com a boa remuneração dos seus

os meses de fevereiro e março de 2012 e as regiões

produtos.

de cana no estado de São Paulo tiveram precipitações pluviométricas abaixo da média em agosto e setembro

‘‘

de 2011, e novamente nos meses de fevereiro e

Conjuntura Revista de

primeiro trimestre foram de retração em quase todas as atividades. Segundo o IBGE, o “abate de frangos” foi o único a registrar aumento no 1º trimestre de 2012, cresceu 3,2% em relação ao último trimestre

A seca na Região Sul do país foi a principal determinante das perdas acentuadas na safra de verão, em especial as de soja, milho e feijão (1ª safra).

‘‘

32

A pecuária também foi mal no período. Os dados do

de 2011 e 4,3% sobre o primeiro trimestre de 2011. O abate de bovinos (1,681 milhão de toneladas), no 1° trimestre de 2012, foi 3,9% menor que o registrado no 4º trimestre de 2011, mas 2,4% superior ao registrado em igual período de 2011. O abate de suínos também decresceu (-4,9%) em relação ao 4º trimestre de 2011, mas foi 4% maior que o de igual período de 2011. O setor foi afetado negativamente pelas restrições de importações de alguns países, o que resultou em ampliação da oferta para o mercado interno e queda nos preços ao produtor.


Já a pecuária bovina pode reverter a tendência nos próximos trimestres, em virtude da manutenção da oferta de boi gordo e ampliação do abate até o início do segundo semestre, que normalmente corresponde ao início da “entressafra” no setor da pecuária, em razão da continuidade das chuvas nas regiões produtoras do Centro Oeste e, atipicamente, as boas pastagens na região, que é a principal produtora nacional (34,8%). O comportamento dos preços do boi acompanhou o movimento sazonal e se manteve em declínio no primeiro semestre, mas essa tendência deve se reverter a partir de julho ou agosto, com o início da entressafra, período de seca na região do cerrado e geadas no sul. A piora sazonal nas condições das pastagens nas regiões produtoras resulta em redução da oferta de animais para abate, uma vez que a produção em confinamento responde por apenas 5% do total de abates.

Análise das medidas de estímulo à economia Os dados que vêm sendo divulgados neste primeiro semestre de 2012 mostram que as medidas de estímulo à economia são necessárias e as ações do governo nas relações de comércio externo, no sentido da conquista de novos mercados para os produtos nacionais e de defesa comercial, adequadas. Entretanto, cabem algumas ponderações sobre os principais mecanismos utilizados pelo governo e a sua focalização. Neste sentido, procurou-se avaliar a questão da renúncia fiscal; a expansão do crédito; e as ações voltadas para redução dos juros e spread bancários. No primeiro caso, os incentivos fiscais se concentraram na indústria automobilística. Cadeia produtiva importante, grande pagadora de impostos e geradora de empregos, sofre significativamente nos primeiros sinais de crise na economia. A redução de impostos, em especial o IPI, vem se mostrando eficiente para estimular as vendas de automóveis e garantir os empregos no setor. Deixemos de lado a controvérsia sobre os custos do incentivo, que não devem ser analisados linearmente, como tem sido feito por alguns setores da mídia, visto que a reativação da produção

A aquisição de leite teve queda de 2,9% no primeiro trimestre de 2012, comparando-se com o quarto trimestre de 2011, mas teve crescimento 4,4% na comparação com o 1º trimestre de 2011.

recupera parte da renúncia fiscal.

Em síntese, o baixo resultado do PIB da agropecuária no primeiro trimestre não reflete as previsões de produção e a melhora nas condições climáticas e de preços dos produtos no mercado internacional e interno. A seca norte-americana beneficia os agricultores brasileiros, com a elevação dos preços e aquecimento da demanda pelos produtos nacionais. O PIB da agropecuária nos próximos trimestres deverá refletir as melhores condições de mercado e de produção do setor.

fortemente pela crise econômica e pela competição

A previsão de aquecimento do setor agropecuário se deve também ao novo Plano Agrícola e Pecuário (PAP) da safra 2012/2013 (“Plano Safra 2012/2013”), dados o aumento do volume de recursos (7,4%), em relação ao plano anterior e a redução dos juros nos financiamentos.

Entretanto, dois pontos devem ser destacados como problemas: primeiro, a concentração dos incentivos nesse setor e o abandono de vários outros, afetados predatória de produtos importados; segundo, a inoportunidade do aumento de vendas de automóveis para o mercado interno, dado o excesso de veículos circulando nas grandes e médias cidades brasileiras, o que vem prejudicando o bem estar da população. O crescimento exponencial da frota tem provocado grandes engarrafamentos e mais emissão de CO2. Por outro lado, os incentivos constituem também um “presente de grego” aos consumidores das classes C e D, que estão se endividando e comprometendo parcela crescente do orçamento familiar na compra do carro popular novo. A percepção é de que o governo não tem feito o dever de casa: planejar as ações com base em estudos mais precisos dos impactos da crise econômica nos diversos

abril / junho de 2012

O bom desempenho do setor avícola no primeiro trimestre alcançou a produção de ovos de galinha, que cresceu 1,4% em relação ao 4º trimestre de 2011 e 8,2% sobre 1º trimestre do mesmo ano. Entretanto, o setor apresentou redução da produção nos meses de abril a junho e deverá continuar retraído no segundo semestre, dado o aumento de custos de produção, com a elevação dos preços do milho e soja.

33


‘‘

O endividamento dos brasileiros superou em maio, pela primeira vez, 50% do PIB, segundo dados do Banco Central. O crescimento recente se deu fundamentalmente com a expansão do crédito dos bancos públicos.

‘‘

setores da economia, para avaliar melhor a necessidade de ajuda a cada setor; e escolher cuidadosamente as alternativas de apoio mais eficientes. Mas há também bons exemplos de ações oportunas do governo, como o Plano de Safra 2012/2013, já referido, que traz incentivos para o setor agropecuário, tanto voltados para a sua expansão, como no sentido de reverter a perda de competitividade momentânea de segmentos localizados, como a produção de carne suína. A segunda preocupação é com a concentração das ações no incentivo à demanda via crédito. Os riscos da expansão sem precedentes do crédito no Brasil são fortes: o “boom imobiliário” e o endividamento crescente de famílias e empresas são os sinais de alerta. O volume de crédito do sistema financeiro cresceu 5,2% no ano e 18,3% nos últimos 12 meses (até maio). O maior crescimento em 12 meses ocorreu na habitação (39,8%), referente ao saldo com recursos direcionados.

favorecida pelo processo de desinflação global e pelo cenário de sua convergência para o centro da meta (4,5%). A estratégia do governo foi utilizar os bancos públicos para forçar as instituições financeiras privadas a reduzir também suas taxas e spreads.

O endividamento dos brasileiros superou em maio, pela primeira vez, 50% do PIB, segundo dados do Banco Central. O crescimento recente se deu fundamentalmente com a expansão do crédito dos bancos públicos. O fato é que a inadimplência voltou a aumentar e as taxas de juros continuam excessivamente elevadas, apesar da redução marginal ocorrida no ano, como se verá a seguir.

Os juros praticados na economia brasileira são exorbitantes. O lucro dos bancos é expressivo e cresceu muito na última década. Entre 2003 e 2011, o lucro do setor bancário cresceu 250%, enquanto a inflação medida pelo IPCA foi de 55%. No mesmo período, o lucro dos cinco maiores bancos operando no Brasil aumentou 354%. Outro indicador de lucratividade do setor é a relação lucro sobre o patrimônio líquido que, em 2011, para todo o sistema foi de 16,5%, e para os 5 maiores bancos foi superior a 22%.

Redução dos juros e spread bancário A redução das taxas de juros ao consumidor encontra contexto favorável, com as sucessivas reduções da taxa Selic pelo Banco Central – em razão, por sua vez, da trajetória declinante dos preços

Tabela 4 Lucro dos bancos - total e dos 5 principais bancos – 2003 e 2011

Revista de

Conjuntura

34

Instituição

2003 (R$ bilhões)

2011 (R$ bilhões)

Cresc. % 2003/11

(%) Lucro/ Patr. Liq.¹

Banco do Brasil Bradesco

2,38

12,1

408,4

22,2

2,30

11,02

379,1

21,3

CEF

1,60

5,2

225,0

29,6

Itaú

3,15

14,6

363,5

22,3

Santander

1,74

7,8

348,3

16,2

Total (5 bancos)

11,17

50,72

354,1

-

Todos os Bancos

16,97

59,39

250,0

16,5

Fonte: Banco Central. (¹) Lucro dos bancos em 2011 sobre o patrimônio líquido.


2011. O lucro do Banco do Brasil apresentou o maior crescimento (408,4%) e a Caixa, o menor (225%), mas com a maior relação lucro sobre o patrimônio líquido (29,6%). Nesse sentido, a estratégia do governo de impor via bancos públicos a redução dos juros parece correta, mas não tem sido eficaz. Os bancos públicos reduziram os juros e expandiram fortemente o crédito, enquanto os bancos privados foram mais parcimoniosos, com reduções focalizadas e pequeno aumento do crédito, protegendo-se da inadimplência. Como resultado, apesar da ação do governo, o spread bancário – diferença entre a taxa de captação e a taxa de aplicação – no Brasil continua um dos mais altos do mundo. A redução no ano foi de apenas 2,2%, passando de 27,8% em janeiro para 24,7% a.a. em maio. A queda foi menor para a pessoa jurídica (-1,1%) e maior para pessoa física (-3,2%), cujo spread supera 30% (30,5%, em maio). A redução dos juros foi um pouco maior (-4,2%) em razão da queda na taxa de captação (-2,0%). Os juros para pessoa jurídica caíram 3,2% no ano (até maio) e para pessoa física, 5,0%. Assim, em maio de 2012 a taxa média de aplicação foi de 32,9% a.a., com as pessoas físicas pagando juros de 38,8%, e as pessoas jurídicas, 25% a.a. Esses dados, divulgados pelo Banco Central (em 26 de junho de 2012), em nota mensal para a imprensa sobre política monetária, registram que a ação do governo na redução dos juros e do spread bancários não tem funcionado, as margens dos bancos continuam elevadas e as taxas de juros em patamares abusivos. A ideia do governo de utilizar a redução de juros para “gerar concorrência” e derrubar os spreads

‘‘

Como resultado, apesar da ação do governo, o spread bancário – diferença entre a taxa de captação e a taxa de aplicação – no Brasil continua um dos mais altos do mundo. A redução no ano foi de apenas 2,2%, passando de 27,8% em janeiro para 24,7% a.a.

‘‘

dos bancos públicos foi elevado no período 2003 a

juros cobrados pelos bancos (mais de 30%), também ajuda a explicar em parte a resistência dos bancos na redução do spread. Historicamente, essa margem acompanhou a evolução da inadimplência, que tem também como componentes: o custo administrativo (13%); compulsório, subsídio cruzado, encargos fiscais e FGC (Fundo Garantidor de Crédito); impostos (mais de 20%); além da margem bruta e líquida do spread (situada em torno de 30% ao longo dos anos).

A elevada margem líquida do spread bancário mostra que há um largo espaço de redução dos juros no Brasil. É necessário, além de baixar as taxas cobradas pelos bancos públicos, aprimorar a regulação e a concorrência entre os bancos, dentre outros mecanismos que levem ao recuo dos juros a patamares mais civilizados no Brasil.

bancários parece ter esbarrado numa estrutura

Certamente o crescimento da inadimplência,

As seguidas intervenções do governo nos bancos públicos, descuidando-se aparentemente de uma avaliação mais precisa dos seus impactos sobre as instituições, podem estar causando prejuízos e sugerem cautela. Certamente o esforço histórico do Banco do Brasil nos últimos anos de inserção internacional deve ter sofrido desgastes importantes, incluindo o efeito

dada a sua grande participação na composição dos

sobre a cotação de suas ações na Bolsa de Valores.

de mercado oligopolizada, onde a competição entre os grandes conglomerados financeiros se dá por diversas formas, menos pelo preço do produto, no caso dos bancos, o preço do dinheiro, refletido nas taxas de juros por eles cobradas.

abril / junho de 2012

Observa-se também que o aumento do lucro

35


Tabela 5 Taxa de juros e spread bancários¹ (em %) para pessoa física e jurídica no Brasil Período Jan 2008

Taxa de captação

Spread²

Inadimplência

Geral

PJ

PF

Geral

PJ

PF

Geral

PJ

PF

PJ

PF

37,3

24,7

48,8

11,6

11,0

12,2

25,7

13,7

36,6

2,0

7,0

Jun

38,0

26,6

49,1

13,5

12,7

14,4

24,5

13,9

34,7

1,7

7,4

Dez

43,3

30,7

57,9

12,6

12,3

12,9

30,7

18,4

45,0

1,8

8,0

Jan

42,4

31,0

55,0

11,9

12,2

11,5

30,5

18,8

43,5

2,0

8,2

Jun

36,6

27,4

45,6

9,4

9,2

9,8

27,2

18,2

35,8

3,4

8,6

Dez

34,3

25,5

42,7

9,9

9,0

11,1

24,4

16,5

31,6

3,8

7,7

2009

Jan

35,1

26,5

43,0

10,0

9,1

11,2

25,1

17,4

31,8

3,8

7,5

Jun

34,6

27,3

40,4

11,1

10,4

11,8

23,5

16,9

28,6

3,6

6,5

Dez

35,0

27,9

40,6

11,5

10,9

12,1

23,5

17,0

28,5

3,5

5,7

Jan

37,4

29,3

43,8

11,8

11,2

12,4

25,6

18,1

31,4

3,6

5,7

2010

2011

2012

Taxa de aplicação

Jun

39,5

30,8

46,1

12,2

11,9

12,5

27,3

18,9

33,6

3,8

6,4

Dez

37,1

28,2

43,8

10,2

10,3

10,1

26,9

17,9

33,7

3,9

7,4

Jan

38,0

28,7

45,1

10,2

10,2

10,2

27,8

18,5

34,9

4,0

7,6

Fev

38,1

28,6

45,4

9,7

9,8

9,6

28,4

18,8

35,8

4,1

7,6

Mar*

37,3

27,7

44,4

9,3

9,3

9,3

28,0

18,4

35,1

4,1

7,4

Abr*

35,1

26,3

41,8

8,8

8,8

8,9

26,3

17,5

32,9

4,1

7,8

Mai*

32,9

25,0

38,8

8,2

8,2

8,3

24,7

16,8

30,5

4,1

8,0

No mês

-2,2

-1,3

-3,0

-0,6

-0,6

-0,6

-1,6

-0,7

-2,4

0,0

0,2

No trimestre

-5,2

-3,6

-6,6

-1,5

-1,6

-1,3

-3,7

-2,0

-5,3

0,0

0,4

Variação p.p

No ano

-4,2

-3,2

-5,0

-2,0

-2,1

-1,8

-2,2

-1,1

-3,2

0,2

0,6

Em 12 meses

-7,1

-6,1

-8,0

-3,9

-3,5

-4,2

-3,2

-2,6

-3,8

0,3

1,6

Fonte: Banco Central. (1) Inclui as operações pactuadas a juros prefixados, pós-fixados e flutuantes, realizadas com pessoas jurídicas e físicas. 2) Spread obtido pela diferença entre as taxas de aplicação e de captação. * Dados preliminares.

Conclusão

Revista de

Conjuntura

36

A economia brasileira está estagnada há três trimestres e vem reagindo lentamente às medidas de incentivo do governo. Apesar dos bons fundamentos macroeconômicos, a economia terá um baixo crescimento no ano e o setor produtivo ainda não reverteu o quadro de pessimismo. A evolução de alguns indicadores importantes da economia no final do segundo trimestre sinaliza uma tendência mais favorável no segundo semestre, diante do comportamento absolutamente decepcionante do primeiro. O cenário desejável é que a economia volte a acelerar e retome o crescimento no segundo semestre, influenciada pelas medidas de incentivo à ampliação dos investimentos, de flexibilização da política

monetária e de medidas de estímulo à atividade industrial e ao consumo, adotadas pelo governo. As preocupações que persistem são com o crescimento acelerado do endividamento das famílias e empresas, com a resistência a queda dos juros ao tomador final e com o aumento da inadimplência. Preocupam, ainda, os riscos vindos do ambiente econômico externo, onde prevalece um nível de incerteza muito acima do usual. O setor exportador, apesar da mudança cambial benigna, não tem encontrado um mercado receptivo para os produtos manufaturados e semimanufaturados e agora amarga a redução de preços de algumas commodities. A conclusão foi que as ações do governo são adequadas e necessárias, tanto o estímulo à economia,


Nada obstante a qualidade técnica de muitas medidas adotadas pelo governo se analisadas separadamente, não se pode esquecer que a discussão estratégica deve preceder a discussão técnica, e isto parece não estar acontecendo. Tal circunstância tem gerado impactos nocivos nas expectativas dos agentes econômicos, pois agrava a percepção de risco e contribui para o adiamento dos investimentos necessários à estabilidade e crescimento econômicos. As sucessivas alterações nas regras de mercado, como no caso de cobrança de IOF, implicam custos diretos e indiretos, seja pelas constantes alterações ensejadas nos sistemas informatizados das instituições financeiras, seja pelo encarecimento do custo dos empréstimos. Isso gera incertezas para o setor produtivo e para os investidores estrangeiros.

Carlos Eduardo de Freitas carlos.freitas@corecondf.org.br Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1966) com mestrado em Economia pela EPGE/FGV (1970). Foi Diretor do Banco Central (Área Externa - 1985 a 1988 / Área de Liquidações e Desestatização - 1999 a 2003) e Secretário de Política Econômica (1993). Conselheiro do Corecon-DF

César Augusto Moreira Bergo bergo@openinvest.com.br Economista e sociólogo. Mestre em mercado financeiro e especialista em governança corporativa e administração estratégica. Foi presidente e diretor de instituição financeira e ocupou diversos cargos executivos em banco federal. Conselheiro do Corecon-DF.

José Fernando Cosentino Tavares jose.tavares@camara.gov.br Economista e consultor de orçamento da Câmara dos Deputados

José Luiz Pagnussat jose.pagnussat@enap.gov.br Mestre em economia pela Universidade de Brasília. Economista do Conselho Regional de Economia do DF. Professor da Enap – Escola Nacional de Administração Pública e da UDF – Centro Universitário do Distrito Federal. Ex-presidente do Corecon-DF (1990, 1994 e 2009/10), do Cofecon 1996) e da ANGE (1999/2001).

abril / junho de 2012

como a decisão de baixar os juros dos bancos públicos como instrumento de indução à queda dos juros na economia. A avaliação crítica se refere à pulverização das medidas e a sua adoção em sucessivos pacotes, dessa forma cultivando-se a crise e sinalizando para o mercado que o governo não tem uma avaliação precisa da natureza das dificuldades que enfrenta. Pode ser que o governo esteja propagando pessimismo nos setores produtivos. Os gestores da política econômica devem, ao contrário, difundir confiança nos rumos da economia e acentuar, também, os pontos fortes das medidas adotadas.

37


Análise comparativa das discrepâncias entre os rendimentos dos assalariados do setor público e do setor privado na região metropolitana de São Paulo e no Distrito Federal: 1992 a 2011 Júlio Miragaya Os assalariados do setor público no Distrito Federal, cujo rendimento médio em 2011 foi de R$ 5.008,00, apresentavam remuneração 112,7% superior aos de seus pares na região metropolitana de São Paulo

(R$ 2.355,00). Por sua vez, os assalariados do setor privado nesta última possuíam rendimento médio no mesmo ano (R$ 1.462,00) 21,7% superior aos de seus pares na Capital da República (R$ 1.201,00).

Gráfico 1: Rendimento médio dos trabalhadores em 2011 (por região e setor)

Revista de

Conjuntura

38 Se tais dados revelam a condição do Distrito Federal de “meca” do serviço público no país, expõe também a relativa fragilidade de seu setor privado, cujos rendimentos são mais de quatro vezes menores que no setor público e explicam o motivo da juventude brasiliense aspirar tanto o ingresso no setor público.

1. A dimensão da discrepância O mercado de trabalho no Brasil tem apresentado uma expressiva recuperação nos últimos anos, destacando-se a redução da taxa de desemprego, com a ampliação do nível de ocupação acima do crescimento da População Economicamente Ativa (PEA) e o aumento do rendimento do pessoal ocupado.


Uma abordagem da evolução do mercado de trabalho nos últimos 20 anos na região metropolitana de São Paulo e no Distrito Federal revela que o rendimento médio mensal do pessoal ocupado no

Distrito Federal em 2011 foi de R$ 2.093,00, superior em 37,1% ao verificado na região metropolitana de São Paulo (R$ 1.527,00), conforme revela o Quadro 1. Essa diferença vem se acentuando nos últimos anos. Em 1992, o rendimento dos ocupados no DF era 26,6% superior ao verificado na região metropolitana de São Paulo, mas a diferença chegou a cair para apenas 2,0% em 1997 e desde então vem se acentuando.

Gráfico 2: Rendimento médio dos ocupados (1992-2011)

A explicação para tal comportamento vem da evolução dos rendimentos dos assalariados no setor público nas duas metrópoles. Em 1992, os rendimentos dos assalariados do setor público na Capital da República eram 63,8% superiores aos da Região Metropolitana de São Paulo. Até 1998, essa diferença caiu para 27,9%, devido a uma maior majoração dos servidores em São Paulo (34,0%) que no DF (6,1%), mas voltou a subir para 63,9% em 2003 devido à maior

contração dos rendimentos em São Paulo (- 27,1%) do que no DF (- 8,0%). Desde então, coincidindo com o início do governo Lula, os rendimentos dos assalariados do setor público vêm aumentando, mas muito mais fortemente no Distrito Federal, com aumento real de 49,45%, do que na Região Metropolitana de São Paulo (15,16%), levando o rendimento médio na Capital Federal a superar em 112,7% o verificado em São Paulo.

Gráfico 3: Rendimento médio dos assalariados do setor público (1992-2011)

abril / junho de 2012

Ocorre que tanto a ocupação quanto o rendimento não apresentam comportamento uniforme ao se analisarem os dados por região e por setor de atividade econômica.

39


Entre os assalariados do setor privado, a relação é inversa: os rendimentos na Região Metropolitana de São Paulo são superiores aos verificados no Distrito

Federal. A diferença oscila entre o máximo de 47,1% em 1998 e o mínimo de 16,6% em 2009, e é atualmente 21,7% maior.

Gráfico 4: Rendimento médio dos assalariados do setor privado (1992-2011)

Tais números revelam a enorme relevância do setor público para a economia do Distrito Federal e de sua pequena importância na Região Metropolitana de São Paulo, visto que nesta o dinamismo é determinado pelo setor privado, em particular o setor industrial, que paga os maiores salários, e que tem reduzida expressão no Distrito Federal. Observa-se que a diferença entre os rendimentos

dos assalariados do setor público e do setor privado tem se ampliado nos últimos anos, mas de forma moderada na Região Metropolitana de São Paulo – evoluiu de 32,1% em 1992 para 46,0% em 1998; 44,8% em 2003 e 61,1% em 2011. No Distrito Federal, essa evolução foi mais acentuada: de 170,0% em 1992 para 178,6% em 1998; 213,2% em 2003 e 317,0% em 2011, ou seja, mais de quatro vezes superior.

Gráfico 5: Setores público e privado de São Paulo e Distrito Federal (1992-2011)

Revista de

Conjuntura

40


No primeiro período, a ocupação cresceu 3,05% ao ano no Distrito Federal enquanto a PEA cresceu ao ritmo anual de 3,98%. Isso resultou num aumento de 127% no contingente desempregado, de 113 mil para 257 mil. Na região metropolitana de São Paulo, enquanto a PEA cresceu 2,19% ao ano, o contingente ocupado aumentou 1,67%, aumento de 66,3% no número de desempregados, de 1,168 milhão para 1,942 milhão. No período entre 2003 e 2011, o quadro sofreu profunda alteração, com a geração de novos postos de trabalho acima do aumento da PEA. Dessa forma, enquanto no DF a PEA desacelerou para crescimento de 2,79% ao ano, o contingente ocupado cresceu em 4,43% ao ano, o que levou a uma queda de 32,3% no contingente desempregado, para 174 mil. Já na região metropolitana de São Paulo, o crescimento da PEA caiu para 1,20% ao ano, ao passo que a ocupação aumentou seu ritmo de crescimento para 2,61% anuais, fazendo com que o número de desempregados refluísse em 42,0%, para 1.127 mil.

‘‘

Tais números revelam a enorme relevância do setor público para a economia do Distrito Federal e de sua pequena importância na Região Metropolitana de São Paulo, visto que nesta o dinamismo é determinado pelo setor privado, em particular o setor industrial...

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Os níveis de ocupação no Distrito Federal e na região metropolitana de São Paulo apresentaram dois períodos com comportamentos distintos nos últimos 20 anos, com um modesto crescimento entre 1992 e 2003, o que resultou numa elevação do contingente e da taxa de desemprego, e entre 2003 e 2011, com o refluxo desta, em função de uma forte expansão do emprego (Quadro 02).

Deve-se ressaltar que a expansão do nível de ocupação dos assalariados do setor público cresceu em velocidade bem menor que entre os assalariados do setor privado, tanto no Distrito Federal quanto na Grande São Paulo. Na Capital, o aumento do emprego no setor público entre 1992 e 2011 foi de 40,6% enquanto no setor privado foi de 149,1%. Já em São Paulo, a expansão da ocupação no setor público foi de apenas 7,5% entre 1992 e 2011, frente aos 53,8% entre os assalariados do setor privado.

Gráfico 6: Desemprego em São Paulo e Distrito Federal (1992-2011)

abril / junho de 2012

2. Evolução da ocupação

41


Gráfico 7: Aumento da ocupação, por região e setor (1992-2011)

O comportamento variou entre os vários setores de atividade econômica. Tanto no Distrito Federal quanto na Grande São Paulo, a maior expansão ocorreu no setor de serviços (186,7% no DF e 98,3% na Grande SP), seguido pelo comércio e construção civil. No setor industrial, o emprego ficou praticamente estável na Grande São Paulo, setor que respondia por 26,4% das ocupações em 1992 e que recuou para 18,0% em 2011. Já no DF, o emprego industrial tem participação marginal, de 4,3% em 1992 e de 3,8% em 2011. Crescimento moderado ocorreu também no emprego doméstico.

Júlio Miragaya

Revista de

Conjuntura

42

juliomiragaya@yahoo.com.br Economista formado pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas da Universidade Cândido Mendes no Rio de Janeiro. Mestre em Gestão Territorial pelo Departamento de Geografia da UnB. Doutorando em Desenvolvimento Sustentável no CDS/UnB. Diretor de Gestão de Informações da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), presidente do Instituto Brasiliense de Estudos de Economia Regional (Ibrase). Conselheiro do Conselho Federal de Economia eleito para o triênio 2011/13 e coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon.


Paulo de Martino Jannuzzi Os aportes crescentes de recursos públicos em Políticas Sociais têm gerado impactos importantes nas condições de vida da população brasileira nas últimas duas décadas e, particularmente, nos últimos 10 anos. De um patamar de gasto em políticas sociais de 13% do Produto Interno Bruto (PIB) nos anos 1980, o país passou a aportar mais recentemente, somados os recursos do governo federal, dos estados e dos municípios, um montante de quase 25% do PIB na área social, como consequência da implementação das ações e direitos sociais inscritos na Constituição de 1988 e a priorização da agenda de combate à pobreza, à desigualdade e às iniquidades históricas de diversos segmentos populacionais. Entre 1995 e 2009, o gasto social per capita teria duplicado, em valores reais, passado de cerca de R$ 1.400,00 para R$ 2.800 por habitante. Nesse período tem-se observado, particularmente na esfera federal, mas com repercussão ou indução também em estados e municípios, um movimento sistemático de ampliação do escopo e da escala dos programas e ações em Educação, Saúde, Trabalho, Habitação, Previdência Social e Desenvolvimento Social1. A contrapartida desse volume de recursos na estruturação e fortalecimento de programas sociais tem se revelado por diversas evidências do cotidiano, pelo Censo Demográfico 2010 e de outras pesquisas como a forte queda da pobreza, da mortalidade infantil, da desigualdade e pelo aumento da formalização do emprego, da renda, do nível educacional e consumo

de alimentos e bens duráveis no país. Observadas em todas as regiões e segmentos populacionais, essas tendências têm sido particularmente intensas nas áreas e estratos mais pobres. De fato, a comparação de resultados dos Censos Demográficos 2000 e 2010 revela que a extrema pobreza caiu 40% na zona rural e 37% no Nordeste. A mortalidade infantil diminuiu mais de 55% no Nordeste e 49% entre famílias em extrema pobreza2. Se é fato que a melhoria das condições de vida nos últimos 10 anos se deve aos efeitos sinérgicos do conjunto dessas políticas sociais, não há como negar que a intensidade da queda da pobreza e os avanços sociais nas áreas mais pobres se processou, em boa medida, pela expansão e cobertura focalizada do programa Bolsa Família. É o que se evidencia na seção seguinte. Bolsa Família: expansão e impactos O Programa Bolsa Família foi instituído em 2003 com o propósito de integrar, em um único programa, as ações de transferência de renda então existentes no governo federal - Bolsa-Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio-Gás-, e, por meio de articulações institucionais, aquelas em operação em estados e municípios. O programa prevê a concessão de algumas modalidades de benefícios monetários a famílias em situação de pobreza, em função do nível de vulnerabilidade, do número de crianças e adolescentes na família. A partir

1 Castro, J.A. (2011) Política social no Brasil: marco conceitual e análise da ampliação do escopo, escala e gasto público. Brasília, Revista Brasileira de Monitoramento e Avaliação, n,1, p.66-95, jan-jul 2011. 2 Martignoni, E.M. Mortalidade infantil por regiões e faixas de renda domiciliar per capita nos Censos Demográficos 2000 e 2010. Estudo Técnico SAGI, Brasília, n.5, 2012.

abril / junho de 2012

Bolsa Família e seus impactos nas condições de vida da população brasileira

43


É importante registrar que o programa prevê o cumprimento de contrapartidas -condicionalidadesdas famílias, como a frequência escolar das crianças e adolescentes e cuidados básicos de saúde da criança e gestante. A cada dois anos os beneficiários precisam atualizar seus dados - inclusive de rendimentos - no Cadastro Único de Programas Sociais, quando a condição de beneficiário é reavaliada. Complementarmente, há ações específicas de acompanhamento socioassistencial de famílias com crianças e adolescentes em situação de descumprimento das condicionalidades e outras questões específicas, além de iniciativas de oferta de cursos de qualificação profissional e inclusão produtiva nos estados e municípios. Trata-se, pois, de um programa com características mistas entre o PANES uruguaio (desenhado especialmente como programa de proteção social) e o Chile Solidário (com foco nas atividades de qualificação e inclusão produtiva), procurando garantir uma renda mínima que permita às famílias viver com menos agrura e proporcionar oportunidades para sua superação da condição de pobreza3.

Revista de

Conjuntura

44

Da sua criação até 2010, o Programa Bolsa Família expandiu-se de 3,6 milhões para 12,5 milhões de famílias. Dados mais atualizados do programa revelam que, em maio de 2012, o programa já atingia 13,4 famílias beneficiárias, resultado do esforço de “busca ativa” de segmentos populacionais vulneráveis ainda não contemplados no Bolsa, ação prevista no lançamento do Plano Brasil Sem Miséria em junho de 2011. Tal expansão, em curto espaço de tempo, não teria sido possível sem o envolvimento das prefeituras na gestão do programa, na contratação de pessoal para cadastramento de potenciais beneficiários, entrega de cartões e acompanhamento das condicionalidades. De fato, o Censo Anual do Sistema Único da Assistência Social mostra que o número de técnicos municipais envolvidos na operação do Bolsa Família e dos

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De fato, a comparação de resultados dos Censos Demográficos 2000 e 2010 revela que a extrema pobreza caiu 40 % na zona rural e 37% no Nordeste. A mortalidade infantil diminuiu mais de 55% no Nordeste e 49% entre famílias em extrema pobreza2.

‘‘

de julho deste ano, com os ajustes e inovações trazidos no Plano Brasil Sem Miséria e Brasil Carinhoso, o valor médio do benefício passou a ser de 134 reais.

Programas Socioassistênciais (Serviço de Proteção Integral à Família, Atividades Socioeducativas etc) nos equipamentos públicos básicos do sistema mais do que dobrou entre 2007 e 2011, quando já atingia quase 60 mil trabalhadores4.

Ao longo desse período o programa vem produzindo impactos significativos nas condições de vida de seus beneficiários. O primeiro efeito mais evidente do programa, conjugado com outros fatores e políticas, tem sido sua contribuição na diminuição da pobreza no país. Entre 2000 e 2010, o número de pessoas com renda domiciliar per capita até 140 reais passou de 48 milhões para 31 milhões. O contingente de pessoas em extrema pobreza - com renda até 70 reais per capita - caiu de 25 milhões para 16,2 milhões, com diminuição particularmente intensa do semiárido nordestino. Não fosse o bom grau de focalização do programa junto aos mais vulneráveis, certamente não se obteriam tais resultados.

3 Soares, S.;Satyro,N. O Programa Bolsa Família: desenho institucional, impactos e possibilidades futuras. Texto para Discussão IPEA, Brasilia, n.1424, 2009. 4 MDS. Censo SUAS 2011. Brasília, 2011 (prelo).


No que diz respeito à educação, a pesquisa revela que crianças beneficiárias do Bolsa apresentaram progressão escolar da ordem de seis pontos percentuais maior que crianças de mesmo perfil socioeconômico não beneficiárias. No Nordeste, o programa teria proporcionado um aumento significativo na frequência escolar das crianças beneficiárias, o que pode também ter contribuído para alguma redução do trabalho infantil, impacto captado marginalmente na pesquisa. A AIBF II também mostra que o programa gerou impactos efetivos na melhoria das condições de saúde de crianças beneficiárias, reduzindo a desnutrição aguda e garantindo cumprimento mais regular do calendário de vacinas. Mulheres grávidas beneficiárias do programa também se mostraram mais presentes no acompanhamento pré-natal. Corroborando os resultados de vários outros estudos compilados pelo IPEA6 sobre a relação entre Bolsa Família e oferta de trabalho, a pesquisa demonstra que o programa não provoca efeito desmobilizador de beneficiários no mercado laboral, seja em termos de ocupação, procura de emprego ou jornada de trabalho. Chefes de famílias beneficiárias, de 30 a 55 anos 5

de idade, apresentam nível de atividade, ocupação e jornada muito próximos aos de chefes de nível socioeconômico equivalente. Estudo técnico realizado no MDS com dados do Censo Demográfico 2010 sobre a participação masculina no mercado de trabalho, de beneficiários ou não do programa, apontam no mesmo sentido7. Com relação à participação feminina, a pesquisa revela que as mulheres beneficiárias apresentam menor taxa de ocupação que as não beneficiárias, embora estejam sujeitas a risco maior de desemprego e levem mais tempo para conseguir trabalho. A pesquisa apontou evidências também de que, à época de sua realização, no segundo semestre de 2009, mulheres beneficiárias tenderiam a ajustar sua carga semanal de trabalho às custas da formalização do vínculo, por opção de buscar trabalho com jornada menor ou desconhecimento da compatibilidade entre ter carteira assinada e ser beneficiária do Bolsa Família. Como os demais achados do estudo, essas evidências precisam continuar a ser investigadas, sobretudo considerando a continuidade do dinamismo do emprego e de sua formalização em todo o país e segmentos populacionais. De qualquer forma, tais resultados refutam a hipótese de que a falta de mão-de-obra no Nordeste ou outras regiões do Brasil decorreria de um suposto efeito “preguiça” do programa, que retiraria trabalhadores da força de trabalho no país. Ao contrário, como mostraram estudos de vários pesquisadores, o programa Bolsa Família tem contribuído para manter o dinamismo econômico no país, pelos seus efeitos multiplicadores no consumo de alimentos e bens duráveis que as transferências de renda têm criado junto a segmentos antes excluídos do mercado consumidor nacional. Para cada 1 real gasto do programa, o Produto Interno Bruto aumentaria R$ 1,44, depois de percorrido todo o circuito de consumo, distribuição e produção na economia8. A suposta falta de mão de obra decorreria,

SAGI. Avaliação de Impacto do Bolsa Família – 2ª. Rodada. Brasília, MDS, 2012. Batista,L.F.; Soares,S. O Que se Sabe Sobre os Efeitos das Transferências de Renda Sobre a Oferta de Trabalho. Texto para Discussão IPEA, Brasilia, n.1738, 2012. 7 Sousa, M.F. Diferenciais de inserção no mercado de trabalho entre beneficiários e não beneficiários do Programa Bolsa Família no Censo Demográfico 2010. Estudo Técnico SAGI, Brasília, n.4, 2012. 8 Castro, J.A; Mostafa,J. Herculano,P. Gastos com Políticas Social: alavanca para o crescimento com distribuição de renda. Comunicados IPEA. Brasília, nº 75, 2011 6

abril / junho de 2012

Além da sua contribuição na redução dos níveis de pobreza no país, o Bolsa Família tem produzido efeitos específicos - impactos - nas condições educacionais e saúde de seus beneficiários. É o que revela estudo recentemente divulgado pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a Avaliação de Impacto do Bolsa Família - 2ª rodada (AIBF II)5. Trata-se de uma pesquisa desenhada para captar os impactos específicos do programa em várias dimensões socioecônomicas, isolando-os dos efeitos dos demais programas sociais existentes. A amostra da pesquisa abrangeu 269 municípios em todo o país, coletando informações de mais de 11 mil famílias inscritas ou não no Cadastro Único, beneficiárias ou não do Programa Bolsa Família, já entrevistadas na 1ª rodada da pesquisa, realizada em 2005.

45


‘‘

A maior autonomia no uso de contraceptivos

... a pesquisa revela que as mulheres beneficiárias apresentam menor taxa de ocupação que as não beneficiárias, embora estejam sujeitas a risco maior de desemprego e levem mais tempo para conseguir trabalho.

‘‘

pois, do contexto de quase pleno emprego em que se

encontra a economia brasileira, movida pelo volume de

e a queda tão expressiva da fecundidade entre mulheres de baixa renda mostram que o programa não tem efeito pró-natalista, assim como não o tiveram iniciativas progressistas da envergadura da ampliação da licença maternidade nos anos 200010. Se nem mesmo países europeus com políticas deliberadamente

pró-natalistas,

com

estímulos

econômicos e fiscais bem mais significativos para as famílias, conseguiram reverter a tendência de declínio da fecundidade, não é factível esperar efeito diferente das mudanças introduzidas nos últimos meses, como a extensão do benefício variável do Bolsa Família de três para cinco filhos e a complementação de renda do Brasil Carinhoso, voltado às famílias com crianças de 0 a 6 anos. Na realidade, a expansão da oferta de creches públicas e conveniadas previstas na ação pode potencializar a queda da fecundidade entre mulheres beneficiárias, por viabilizar a retomada de projetos de volta à escola e reingresso antecipado ao mercado de trabalho, aspirações manifestadas pelas mulheres em outra pesquisa em execução pelo Ministério.

investimentos públicos e privados e pela sustentação do consumo - de beneficiários e não beneficiários - nos

trazer novas evidências para o debate acalorado e

últimos anos. A pesquisa também revela que as mulheres beneficiárias - que em sua larga maioria são as titulares do cartão do Bolsa - vêm adquirindo maior autonomia e poder nas decisões familiares e na compra de bens duráveis, remédios e vestuário, comparativamente a

Revista de

Conjuntura

46

Esses resultados contribuem, certamente, para muitas vezes, pouco informado, sobre méritos, vieses, efeitos positivos e externalidade do Programa Bolsa Família, nos meios de comunicação e academia11. O fato é que o programa tem produzido impactos significativos no bem estar de seus beneficiários e,

mulheres não beneficiárias. Mulheres beneficiárias

por extensão, pelo seu tamanho e características,

também têm ampliado sua autonomia na decisão

sobre a população brasileira em geral. Como todo

de participar do mercado de trabalho e sobre uso de

programa público operado a seis mãos - união, estados

métodos contraceptivos, tendências que certamente

e municípios - há certamente aprimoramentos a fazer,

contribuíram para a expressiva diminuição da

inovações a testar e implementar. É por isso que é

fecundidade no país entre 2000 e 2010, inclusive entre

importante continuar investigando sua operação, seus

mulheres de baixa renda. De fato, entre aquelas com

efeitos e suas dificuldades, como o MDS faz com o Bolsa

renda domiciliar per capita até 70 reais, a fecundidade

Família e seus outros programas e ações, por meio da

9

caiu de 5,1 filhos para 3,6 no período .

Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI).

9 Patrício, L.O. Fecundidade por regiões e faixas de renda domiciliar per capita nos Censos Demográficos 2000 e 2010. Estudo Técnico SAGI, Brasília, n.6, 2012. 10 Patrício, L.O. Considerações sobre a ação Brasil Carinhoso sobre a fecundidade. Estudo Técnico SAGI, Brasília, n.7, 2012. 11 Bichir, R. O Bolsa Família na berlinda? Os desafios atuais dos programas de transferência de renda. Novos Estudos Cebrap. São Paulo, v.87, p.114-129,2010.


e

A pesquisa AIBF, realizada em 2005, replicada em 2009 e prevista em 2013, constitui-se em uma das mais de 130 pesquisas de avaliação e estudos avaliativos que a SAGI tem realizado desde 2004. Estas pesquisas têm a finalidade de subsidiar o Ministério e suas Secretarias

Além de publicações em papel, a larga maioria desses materiais está em suporte digital, disponível no Acervo Virtual de Políticas e Programas de Desenvolvimento Social da SAGI no mesmo site. Adicionalmente, o MDS oferece ainda as bases de dados de pesquisas quantitativas, para que pesquisadores possam realizar estudos complementares e produzir conhecimento adicional para aprimoramento das ações do Ministério.

abril / junho de 2012

Conclusão: a prática de realização publicização de pesquisas de avaliação

Nacionais na elaboração de diagnósticos para desenho de programas, análise da implementação de ações e serviços e à mensuração de resultados e impactos das políticas de desenvolvimento social e combate à fome junto à população brasileira. Estes estudos e pesquisas de avaliação são realizados, em alguns casos, pela equipe técnica da própria SAGI, porém, em sua maioria, por meio de contratações de instituições de pesquisas externas e independentes, selecionadas por processos licitatórios, por editais junto ao CNPq e por julgamento de mérito técnico junto a organismos internacionais. Os resultados dessas pesquisas têm sido divulgados na forma de artigos e fichas técnicas encartadas na publicação Cadernos de Estudos (nº5 e nº13, em particular), em livros e, progressivamente, em estudos técnicos e sumários executivos, todos disponíveis há mais de oito anos na Internet (www.mds.gov.br/sagi).

O Brasil vem mudando para melhor pela escolha da sociedade brasileira e pela determinação política do governo de priorizar investimentos em programas sociais. No conjunto das políticas sociais estruturadas na última década, o Bolsa Família tem apresentado impactos positivos na redução da pobreza e desigualdade e na melhoria das condições educacionais e de saúde dos filhos das famílias beneficiárias. Mas certamente há aprimoramentos a fazer no programa e em outras ações do Plano Brasil Sem Miséria. É por essa razão que o MDS continua investindo na realização de pesquisas de avaliação e tornando-as públicas. E é por isso que o Bolsa Família seguirá ocupando lugar de destaque no Sistema de Proteção Social que o Brasil está finalmente logrando construir, em busca de padrões de bem-estar compatíveis com a sua posição de sexta maior economia mundial, em busca, enfim, do país que queremos. Um país rico, um país sem pobreza.

Mapas e Gráficos ilustrativos da melhoria das condições de vida no Brasil

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Revista de

Conjuntura

48 Paulo de Martino Jannuzzi paulo.jannuzzi@mds.gov.br Secretário de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). É graduado em Matemática, mestre em Administração Pública e doutor em Demografia. É Professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e também da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).


Livro de Monografias – PET Economia UnB O Programa de Educação Tutorial (PET) é voltado para os alunos de graduação com o objetivo de estimular atividades ligadas a pesquisa, ensino e extensão. O grupo PET Economia da UnB é o mais antigo do Brasil – foi criado em 1979. Atualmente conta com a participação de 14 alunos de diferentes semestres (entre bolsistas e voluntários) que participam – na presença de um professor tutor – de diversas reuniões de caráter coletivo. A ideia é que os alunos troquem experiências e conhecimentos, aprendam além do visto em sala de aula, contribuam para o aperfeiçoamento constante do curso de economia, tenham contato com revistas acadêmicas de diferentes linhas de pensamento e que discutam artigos de temas diversificados, para assim ter acesso a informações relevantes ao entendimento do sistema econômico como um todo.

temas bastante interessantes, com uma qualidade elevada, e o mérito é ainda maior se levarmos em conta que os pesquisadores ainda são alunos de graduação com pouca experiência em pesquisa. Além disso, é importante lembrar e agradecer a participação de todos os professores do departamento de economia da UnB que estiveram presentes diretamente na orientação desses trabalhos e também em diversos seminários

Uma das atividades mais importantes do programa é o trabalho de monografia que cada aluno realiza ao longo do ano com a orientação de um professor do departamento. Esse trabalho pode ser feito em qualquer temática dentro da área econômica que seja de interesse do estudante. E em 2011 o grupo PET Economia lançou a primeira edição do livro anual com todas as monografias desenvolvidas pelos alunos que fizeram parte do programa no ano de 2010. A segunda edição foi lançada em abril de 2012, Junto com a publicação do livro é realizado também um “Congresso PET Economia UnB” para apresentação oral e debate dos trabalhos, com ampla participação dos alunos de graduação do departamento e de alunos de outros departamentos.

Professora Adjunta do Departamento de Economia da

promovidos pelo PET. Você pode conhecer um pouco mais do trabalho do grupo PET Economia UnB, os alunos que fazem parte do programa e também as duas edições do livro de monografias no site: http://petecounb.wordpress. com/. Fique à vontade para entrar em contato conosco!

Geovana Lorena Bertussi UnB, Coordenadora do PET- Economia/ UnB). O Programa de Educação Tutorial (PET) faz parte da Política Nacional de Iniciação Científica e é mantido pela SESu/MEC.

Os trabalhos publicados neste livro foram fruto de grande dedicação por parte dos petianos, que mostraram um amadurecimento acadêmico e pessoal intenso durante sua realização. As monografias abordaram Desde a edição 47, a Revista de Conjuntura abrirá este espaço para que os coordenadores, professores e alunos dos cursos de economia do Distrito Federal possam divulgar informações dos cursos sobre assuntos pertinentes aos de interesse dos economistas. As notas e informes, com a identificação dos autores, devem ser encaminhadas para o e-mail: imprensa@corecondf.org.br.

abril / junho de 2012

INFORMES DOS CURSOS DE ECONOMIA DO DF

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Revista de

Conjuntura

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Acesse o site do Corecon-DF

www.corecondf.org.br Conheça e fique por dentro das ações do Conselho. Consulte as vantagens oferecidas através dos convênios do Corecon-DF com várias empresas. No espaço “Leia e Opine”, o economista poderá enviar pequena nota expondo sua opinião sobre algum fato marcante do dia ou da semana, que considere importante.



Aluno e aluna de

CiĂŞncias EconĂ´micas de qualquer perĂ­odo ou sĂŠrie

COMECE A FAZER PARTE DESDE Jà DA SUA COMUNIDADE PROFISSIONAL! Compareça ao Conselho Regional de Economia do Distrito Federal e obtenha sua Carteira de Estudante de Ciências Econômicas. O estudante credenciado terå os mesmos benefícios oferecidos aos economistas registrados, em igualdade de condiçþes, exceto aqueles diretamente relacionados ao exercício profissional que sejam privativos dos profissionais registrados por determinação da lei. Ao apresentar a credencial em qualquer Conselho Regional de Economia, o portador poderå consultar a legislação regulamentadora da profissão do economista, extrair cópias de artigos sobre temas de economia e ter acesso às publicaçþes do Sistema COFECON/CORECONs, videotecas e bibliotecas, alÊm de conseguir descontos nos eventos do Sistema COFECON/CORECONs.

DOCUMENTOS NECESSà RIOS: ‡ 'HFODUDomR GH PDWUtFXOD H IUHTXrQFLD GD Faculdade, mencionando data prevista de conclusão do curso (original e cópia); ‡ 'RFXPHQWR GH LGHQWLGDGH RULJLQDO H FySLD ‡ &3) ‡ IRWRV [ FRORULGDV ‡ FRPSURYDQWH GH UHVLGrQFLD RULJLQDO H FySLD ‡ SUHHQFKLPHQWR GR UHTXHULPHQWR GD FUHGHQFLDO

(QG 6&6 4G (G (PEDL[DGRU 6DOD &(3 ² %UDVtOLD ') 7HO +RUiULR GH IXQFLRQDPHQWR GDV K jV K VHP LQWHUYDOR

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O Corecon-DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas. Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

Participe! A conquista é de todos.

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br


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