Revista de Conjuntura n. 52

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Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XIV • Nº 52 • janeiro/abril de 2014

artigos O que é preciso mudar no regime fiscal brasileiro? Sérgio Wulff Gobetti Falta energia para avançarmos? Thaís Riether Vizioli Geovana Lorena Bertussi

Projeto de Lei em tramitação no Congresso Nacional promove alterações na profissão de Economista. Leia a entrevista com o presidente do Conselho Federal de Economia, Paulo Dantas.

Acordos monetários dos BRICS – para que servem? Maria Celina Berardinelli Arraes Cidades: automóveis produzem autoimobilidade Valdir Melo Oligarquia e depressão Adriano Benayon Os impactos do orçamento na economia do Distrito Federal Agaciel Maia Análise das recentes operações entre o Tesouro, o BNDES, CEF e o Fundo Soberano e seu impacto sobre as contas públicas, a “contabilidade criativa” Maria Liz de Medeiros Roarelli, Joaquim Ornelas Neto e Renato Brown A armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio macroeconômico brasileiro José Luis Oreiro

ISSN 1677-0668

A informação como insumo para o planejamento Antonio Pereira S. Marinho A transferência de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES não percebida pelas contas públicas Felipe Ohana Razões para o não rebaixamento Júlio Flávio Gameiro Miragaya Paulo Dantas da Costa

ENTREVISTA Paulo Dantas da Costa Presidente do Conselho Federal de Economia



Nesta edição

O que é preciso mudar no regime fiscal brasileiro? Sérgio Wulff Gobetti

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Falta energia para avançarmos? Thaís Riether Vizioli Geovana Lorena Bertussi

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Acordos monetários dos BRICS – para que servem? Maria Celina Berardinelli Arraes

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Cidades: automóveis produzem autoimobilidade Valdir Melo

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Oligarquia e depressão Adriano Benayon

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Os impactos do orçamento na economia do Distrito Federal Agaciel Maia

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Análise das recentes operações entre o Tesouro, o BNDES, CEF e o Fundo Soberano e seu impacto sobre as contas públicas, a “contabilidade criativa” Maria Liz de Medeiros Roarelli, Joaquim Ornelas Neto e Renato Brown

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A armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio macroeconômico brasileiro José Luis Oreiro

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A informação como insumo para o planejamento Antonio Pereira S. Marinho

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A transferência de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES não percebida pelas contas públicas Felipe Ohana

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Razões para o não rebaixamento Júlio Flávio Gameiro Miragaya Paulo Dantas da Costa

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Índice Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XIV • Nº 52 • janeiro/abril de 2014

02 editorial 03 entrevista

Paulo Dantas da Costa

As opiniões expressas nos artigos e entrevistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e entrevistados e não refletem necessariamente a do Corecon/DF.


Conjuntura

Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Editor responsável José Luiz Pagnussat Conselho editorial Carlito Roberto Zanetti Carlos Eduardo de Freitas Elder Linton Alves de Araújo Geovana Lorena Bertussi José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Jusçanio Umbelino de Souza Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Newton Ferreira da Silva Marques Revisão Marluce Moreira de Souza Tiragem: 3.600 Periodicidade: Quadrimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente Carlos Eduardo de Freitas Vice-presidente Carlito Roberto Zanetti Conselheiros efetivos Jusçanio Umbelino de Souza Maria Cristina de Araújo Carlos Eduardo de Freitas José Luiz Pagnussat Newton Ferreira da Silva Marques Carlito Roberto Zanetti Bento de Matos Félix Jucemar José Imperatori César Augusto Moreira Bergo Conselheiros suplentes Roberto Bocaccio Piscitelli Mônica Beraldo Fabrício da Silva Humberto Vendelino Richter Roberto Carvalho Costa Filho Eduardo Toledo Neto Gilson Duarte Ferreira dos Santos José Roberto Novaes de Almeida José Eustáquio Moreira de Carvalho Geovana Lorena Bertussi Equipe do Corecon-DF: Gerente executivo Angeilton Francisco de Lima Faleiro Adriana Félix Ferreira Iraci da Costa Lopes Ísis de Oliveira Rodrigues Jamildo Cezário Gomes Jaqueline de Fátima Pinheiro Michele Cantuária Soares Wallace Santos Pires Estagiário: Kayo Henrique Lopes da Silva End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70.300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

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Editorial

A Revista de Conjuntura do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal se caracteriza por ser um espaço aberto, eclético, para os Economistas do DF expressarem seus diferentes pontos de vista sobre os mais variados temas econômicos. O sucesso da Revista depende da motivação dos Economistas para enviarem seus artigos para publicação. Neste sentido, cabe registrar o grande número de artigos recebidos para esta edição em resposta ao convite enviado pelo presidente do Conselho aos Economistas registrados no CORECON/DF. Entre os que responderam ao convite do CORECON se destacam Economistas em diferentes posições profissionais: Economistas em cargos técnicos, alta direção, professores, Economistas parlamentares, entre outros. A alta qualidade dos artigos dificultou o trabalho do Conselho Editorial, que priorizou a inclusão de artigos ainda não publicados e os que não demandavam revisão. Os artigos trazem importantes contribuições para o debate mais aprofundado de temas destacados pela mídia. A leitura dos artigos certamente contribuirá para o entendimento de questões atuais da conjuntura econômica, dada a densidade das análises, colocando no debate propostas inovadoras sobre temas atuais da economia brasileira. O excelente artigo do Sérgio Gobetti analisa a controvérsia sobre o regime fiscal brasileiro e propõe a avaliação dos resultados fiscais a partir do conceito de resultado estrutural, que busca expurgar dos indicadores tradicionais os efeitos do ciclo econômico e dos chamados eventos não-recorrentes. Dois outros artigos na área fiscal focam suas análises nas operações entre o Tesouro, o BNDES, CEF e o Fundo Soberano e seu impacto sobre as contas públicas. O artigo do Felipe Ohana avalia a perda de capital do Tesouro Nacional nas operações com o BNDES. O artigo da Geovana Bertussi e Thaís Vizioli aponta a falta energia como um gargalo para o desenvolvimento brasileiro. Maria Celina Arraes analisa os acordos monetários e o debate sobre cooperação financeira entre os BRICS. O artigo do Agaciel Maia analisa os impactos do orçamento na economia do Distrito Federal. Paulo Dantas e Júlio Miragaya apontam inconsistências para o rebaixamento da nota brasileira pela agência de rating Standard & Poor’s (S&P). Cabe um destaque especial para o artigo do José Luiz Oreiro, “A armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio macroeconômico brasileiro”, em que faz uma síntese do debate sobre o tema e apresenta sua proposta de mudança no regime macroeconômico brasileiro. A proposta do professor Oreiro, “para o próximo Presidente da República”, inclui a adoção de “metas de superávit em conta-corrente do governo”, “câmbio administrado”, “extinção da parcela “selicada” da dívida pública”, “desindexação da economia” e “moderação salarial”. O professor Oreiro esclarece que o artigo foi produzido a pedido da liderança do PPS com o intuito de embasar as discussões a respeito da elaboração do programa econômico do candidato da aliança PSB-Rede-PPS à Presidência da República. Neste sentido, a Revista de Conjuntura do CORECON/DF convida os assessores econômicos dos demais patidos a apresentarem a proposta de política macroeconômica dos seus candidatos. Por fim, esta edição da Revista traz, ainda, a entrevista com o Presidente do COFECON, Paulo Dantas da Costa, em torno do Projeto de Lei, em tramitação no Congresso Nacional, que traz inovações na profissão de Economista.


entrevista

Presidente do Conselho Federal de Economia Paulo Dantas da Costa graduou-se em Ciências Econômicas (1976) pela Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia. Tem também especialização em Direito Tributário e Administração Financeira Governamental. Trabalhou no Banespa antes de sua graduação, ali permanecendo até 1978. Foi Auditor Fiscal da Secretária da Fazenda do Estado da Bahia até junho de 1994, tendo ocupado cargos de direção - o mais importante deles foi o de Coordenador de Programação Financeira. Desde então tem atuado como consultor. Dantas foi vice-presidente do Conselho Regional de Economia da Bahia em 2002 e 2003 e presidente em 2008 e 2009. Desde 2010 é conselheiro federal, tendo realizado no período um destacado trabalho na Comissão de Normas, Legislação e Fiscalização. Em dezembro de 2013 foi eleito presidente do Conselho Federal de Economia – COFECON para o ano de 2014.

Conjuntura - Quais os principais projetos da sua gestão à frente do COFECON em 2014? Paulo Dantas - Dentre os projetos inclusos no Programa de Trabalho, destaco as iniciativas que venham a consolidar a condição de referencial opinativo do COFECON nas questões de natureza econômica, por meio de manifestações ou notas que expressem o pensamento dos integrantes do Plenário. Destaco ainda a intensificação na relação com os estudantes de economia; os avanços nos processos de modernização

Paulo Dantas - Os Conselhos de Fiscalização atuam na defesa dos interesses da sociedade, na medida em que podem inibir a ação de profissionais não qualificados. No nosso caso, o Cofecon atua como “cabeça” do Sistema, buscando orientar e disciplinar o exercício da profissão de economista. Isso é feito por meio da normatização das relações dos profissionais com os órgãos do mesmo Sistema. Já os Regionais têm uma relação mais direta com os economistas, notadamente no tocante a registro e fiscalização profissional.

do banco de dados do Sistema COFECON/CORECON,

Conjuntura - A que atribui a resistência dos

de modo a contemplar a agilização na atualização de

economistas ao registro profissional?

informações ou até a almejada eleição eletrônica; e o aproveitamento de experiências exitosas entre os órgãos Regionais nos campos da fiscalização, cobrança e criação de delegacias. Mas o grande projeto da atual gestão do COFECON diz respeito às iniciativas destinadas aos avanços no exame do Projeto de Lei do Senado (PLS) 658/07 pelo Congresso Nacional. Conjuntura - Do ponto de vista da sociedade, exatamente para que servem os Conselhos de

Paulo Dantas - Voltemos à lei: penso que parte dos economistas não enxergam uma correlação entre o detalhamento de natureza legal das atividades que eventualmente venham a desenvolver e o que existe de fato na vida prática. Conjuntura - A que atribui a assimetria entre o evidente prestígio dos economistas e o desprestígio dos cursos de graduação em economia?

Fiscalização Profissional? Especificamente qual a

Paulo Dantas - Entendo que, antes de ingressar na

funcionalidade do Conselho Federal de Economia

universidade, os jovens estão fazendo avaliações

(Cofecon) e dos respectivos Conselhos Regionais

aligeiradas na busca de soluções rápidas e objetivas

(Corecons)?

em detrimento dos cursos de economia, que têm um razoável grau de dificuldade para a conclusão.

janeiro/abril de 2014

Paulo Dantas da Costa

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O resultado disso é que o profissional economista

Conjuntura - O novo projeto de lei contempla a

conquista o reconhecimento e prestígio porque bem

exigência de um exame de qualificação profissional

preparado academicamente e consequentemente

para registro nos Corecons?

bem posicionado no campo profissional. Conjuntura -

sido prevista quando da apresentação do Projeto

tramitação no Congresso Nacional sobre a Profissão de

de Lei em 2007. O entendimento é de que o assunto

Economista, quais são as principais inovações?

demanda dúvidas de natureza jurídica no tocante à sua

Paulo Dantas - O PLS 658/07 inova no sentido de

aplicabilidade.

detalhar as atividades que entendemos como próprias

Conjuntura - Alguns Conselhos Regionais (como

ou reservadas ao profissional economista, definindo

Paraná e Santa Catarina) tem algumas “dúvidas”

muito claramente o que pode ser entendido como uma

sobre alguns pontos do PL. Quais são e qual é a

equânime divisão social do trabalho qualificado nos

preocupação desses conselhos?

campos da economia e das finanças. Outras inovações que também merecem destaque dizem respeito à criação legal da figura da Anotação de Responsabilidade Técnica – ART e à possibilidade de certificação da qualificação técnica especializada do economista.

Paulo

Dantas

-

Alguns

Conselhos

Regionais

apresentaram indagações a respeito de diversos pontos do Projeto. O aspecto mais indagado foi o § único do art. 16, que trata da possibilidade do registro daqueles profissionais egressos de outros cursos.

Conjuntura - O PL inclui a possibilidade de registro

As preocupações ficaram muito concentradas em

nos Conselhos de Economia de outros profissionais.

questões de natureza burocrática, no que diz respeito

O senhor poderia destacar como isso poderá

às formalidades de registro e denominação do registro

ocorrer e que “outros” profissionais poderão vir a se

profissional. Também foram levantadas, em bem menor

registrar nos CORECONs?

proporção, questões atinentes ao mercado de trabalho

Paulo Dantas - O nosso conjunto normativo chegou a possibilitar o registro de graduados em Relações

e a uma eventual concorrência. O importante é que os questionamentos parecem esclarecidos.

Internacionais e em Comércio Exterior. O PLS 658/07

Conjuntura - Em que estágio está o PL no Congresso

está contemplando essa possibilidade, com algumas

Nacional e qual a sequência do trâmite até a

condicionantes. Em primeiro lugar aos registrados

aprovação?

seria dada a denominação consistente com o curso realizado; outro detalhe importante diz respeito às atividades que esses profissionais poderiam desempenhar, que ficariam restritas àquelas que tanto podem ser desempenhadas por economistas como por integrantes de outras profissões regulamentadas,

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atividades restritas seriam, como devem ser, privativas

Conjuntura

conforme § 1º do art. 1-A do PLS 658/07. Com isso, as

Conjuntura - Os mestres e doutores em economia,

Revista de

Paulo Dantas - Essa hipótese também não havia

Em relação ao Projeto de Lei em

do economista, nos termos do art. 1-A do PLS 658/07.

Paulo Dantas - O projeto está em fase de conclusão no âmbito do Senado Federal. Na sequência vai para o exame na Câmara dos Deputados. O Cofecon tem acompanhado a tramitação passo a passo, de modo a preservar os interesses dos economistas do Brasil. Conjuntura - Neste ano teremos o SINCE (Simpósio Nacional dos Conselhos de Economia), quais os temas que o presidente do COFECON gostaria que fossem analisados e aprovados?

caso o PL seja aprovado pelo Congresso Nacional,

Paulo Dantas - Não pretendo me situar na aprovação

poderão se registrar nos Conselhos de Economia

de temas. Prefiro afirmar que do SINCE poderíamos tirar

e atuar como profissionais de economia na sua

um grande acordo entre os economistas brasileiros

especialidade?

para enfrentar a missão de ver aprovado o PLS 658.

Paulo Dantas - Não, essa hipótese não está prevista no PLS 658.

Não posso deixar de repetir: esse é o grande projeto do interesse de todos nós.


janeiro/abril de 2014

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Artigo O que é preciso mudar no regime fiscal brasileiro? Sérgio Wulff Gobetti

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O Brasil possui uma dívida líquida do setor público de menos de 35% do PIB e é um dos poucos países que atravessou a crise internacional dos últimos anos produzindo sucessivos superávits primários em suas contas públicas, mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, tem sofrido uma crise de credibilidade associada à forma de obter esses resultados e conduzir a política fiscal. Segundo os críticos mais tenazes do governo, os indicadores fiscais oficiais deixaram de retratar a realidade e estaríamos diante de um quadro de deterioração fiscal que, por sua vez, estaria na raiz do estado de estagflação que aparentemente se abateu sobre a economia. Embora tal crítica seja um tanto catastrofista e viesada, principalmente por desconhecer ou minimizar os efeitos preponderantes de outros fatores sobre a inflação e o crescimento do PIB, ela tem alimentado, por via oblíqua, um debate em torno de possíveis aprimoramentos no regime fiscal brasileiro. Ou seja, independentemente de divergências sobre a relação entre a política fiscal e as demais variáveis macroeconômicas, embrionariamente constitui-se um relativo consenso entre economistas de diversas matizes sobre a necessidade de utilizar-se novas balizas e métricas para avaliar e conduzir a política fiscal. Entre essas novas métricas, destaca-se uma, a do balanço estrutural, que não é nova na economia internacional, mas que apenas recentemente passou a fazer parte da agenda de pesquisa e debate econômico no Brasil. Trata-se de um conceito de

resultado fiscal que busca expurgar dos indicadores tradicionais – seja de resultado primário ou nominal – os efeitos do ciclo econômico e dos chamados eventos não-recorrentes. Basicamente, busca-se refletir por meio do balanço estrutural qual teria sido o resultado fiscal de um país caso a economia não tivesse se desviado de sua tendência de longo prazo nem o governo recorrido a receitas extraordinárias ou artifícios contábeis para fechar suas contas. Tecnicamente, o ajuste do resultado fiscal ao ciclo econômico se calcula estimando as elasticidades das receitas às variações do PIB e aplicando-as ao hiato entre o produto tendencial (ou potencial) e o produto efetivo.1 A vantagem desse indicador fiscal em relação aos convencionais é que, como o próprio nome já diz, ele retrata a posição “estrutural” das contas públicas e, com isso, permite avaliar não só a sustentabilidade como também a discricionariedade da política fiscal em cada momento do tempo. Em outras palavras, permite mensurar o quão expansionista ou contracionista é a política fiscal. Na União Europeia, esse conceito já vem sendo adotado desde 2005 como âncora das trajetórias de ajustamento dos países às metas fiscais de Maastricht e desde 2010 também foi incorporado pelo Reino Unido no monitoramento de sua política fiscal. Enquanto na União Europeia o objetivo de médio prazo da política fiscal é aproximar progressivamente o déficit nominal de zero, no Reino

A utilização do conceito de produto tendencial (ou potencial) no cálculo do resultado estrutural nada tem a ver com a aceitação de que o mesmo represente um limite superior para a economia crescer sem pressões inflacionárias, como supõem alguns modelos de política monetária. Trata-se apenas de mensurar o que é aceito por qualquer economista: a evidência de que a economia cresce submetida a ciclos econômicos que afetam a magnitude dos agregados fiscais, principalmente as receitas públicas.

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Basicamente, busca-se refletir por meio do balanço estrutural qual teria sido o resultado fiscal de um país caso a economia não tivesse se desviado de sua tendência de longo prazo nem o governo recorrido a receitas extraordinárias ou artifícios contábeis para fechar suas contas.

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federal, como o Banco Central. Contudo, falta uma coordenação para este debate, que só pode surgir por decisão e disposição das autoridades maiores do país. O ponto de partida é reconhecer que o regime fiscal brasileiro precisa ser reformado, porque, como disse um certo ex-diretor do BC, “o que não se mexe não muda; logo, não evolui.” E está na hora de evoluir.

Sérgio Wulff Gobetti swgobetti@gmail.com

Doutor em Economia e Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA.

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Unido busca-se equilibrar o orçamento corrente, permitindo-se déficits ocasionais para financiar investimentos (a chamada regra de ouro), desde que a dívida esteja sob controle, o que lá significa estar abaixo de 60% do PIB. Tanto em um caso quanto noutro, o cumprimento das metas é verificado com base no resultado estrutural, líquido dos efeitos cíclicos e não-recorrentes. E as metas são adaptadas às condições econômicas de cada momento, tudo supervisionado por organismos multilaterais ou independentes. Tal estratégia dota a política fiscal de uma maior flexibilidade no curto prazo (evitando reações pró-cíclicas da política fiscal), ao mesmo tempo que sinaliza, no longo prazo, compromissos mais consistentes com a estabilidade do endividamento público. No Brasil, diferentemente, nossas metas fiscais são baseadas em um terceiro conceito, o de resultado primário, mas seu defeito não é este exatamente, mas sim o de não prever institucionalmente uma regra para lidar com as oscilações da economia e para impedir que métodos contábeis criativos sejam utilizados para ajustar os resultados às metas. Na prática, portanto, a grande diferença entre o que se faz no Brasil e na Europa está na institucionalização da flexibilidade fiscal e, antes disso, no grau de maturidade do debate público. Na Alemanha, por exemplo, o governo discutiu durante três anos com a sociedade qual seria o modelo a ser aplicado em sua reforma fiscal, de 2009, que foi precursora nas reformas que se realizaram nos anos seguintes na União Européia. Aqui no Brasil, ao contrário, ainda assistimos a um debate sobre política fiscal muito pautado pelos interesses e visões de curto prazo, embora algumas vozes do mercado pareçam estar sendo despertadas para a experiência internacional. Cito, em particular, o caso da assessoria econômica do Banco Itaú, que já desenvolve atualmente uma metodologia de monitoramento dos resultados fiscais a partir do conceito de resultado estrutural. No governo também existem iniciativas semelhantes, que nasceram de pesquisas do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e que hoje são partilhadas por outros órgãos da administração

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Artigo Falta energia para avançarmos? Thaís Riether Vizioli Geovana Lorena Bertussi

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Os investimentos em infraestrutura energética são de grande magnitude, extensos prazos de amortização, intensivos em capital e geralmente irreversíveis. Todos esses elementos, somados à dimensão regulatória e contratual, aumentam o grau de incerteza, dificultando o interesse dos investidores privados. Nesse sentido, torna-se imprescindível a existência de um ambiente institucional e macroeconômico favorável, sendo o papel do Estado crucial na viabilização dos investimentos privados (IPEA, 2012). A fim de obter um nível ótimo de investimento no setor, o Estado deve atuar em três dimensões principais: (i) realização de investimentos públicos, em razão das externalidades positivas associadas; (ii) transparência, clareza e credibilidade das informações; e (iii) estabelecimento de marcos legais e regulatórios que incentivem a atividade privada no setor (Frischtak, 2008; Ferreira; Azzoni, 2011). Cumpre ao Estado considerar as vantagens e os custos de cada opção tecnológica do setor, de forma a construir um sistema eficiente e seguro. Mais do que efetividade e clareza, o arcabouço institucional deve ser flexível e detentor de uma capacidade de pronta resposta a crises e eventos inesperados, assim como a novas oportunidades de expansão do parque energético (IPEA, 2012). É em razão da deficiência na construção do marco regulatório que diversos autores explicam o esvaziamento do planejamento estratégico estatal, a retração dos investimentos públicos e a insuficiência dos investimentos privados, que forçaram a declaração de racionamento energético emergencial em maio de 2001 no país. O consumo teve redução de 7,9% no ano de 2001 se comparado com 2000, de acordo com o Balanço Energético Nacional (EPE). A crise expôs as deficiências do modelo e de sua implementação e demonstrou que a reforma subestimou as dificuldades envolvidas (Ferreira; Azzonni, 2011).

Segundo Tankha (2009), o racionamento durou 10 meses e custou à indústria pelo menos US$5 bilhões em perda de receitas. O autor afirma, ainda, que estimações da perda no PIB em razão do racionamento variam entre 1,5% e 2%, o que indica uma perda de cerca de US$ 10 bilhões à economia brasileira somente naquele ano. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva é marcado por outra reforma do setor elétrico, em que configuraram as seguintes convicções: a possibilidade de assegurar a modicidade tarifária por vias institucionais, a confiança na eficácia da ação do Estado mediante empresas públicas, a desconfiança no comportamento das empresas privadas e a necessidade de planejamento estratégico de longo prazo por parte do governo para assegurar o suprimento de energia elétrica (Frischtak, 2013). O lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007, sintetiza a renovada disposição governamental em liderar o investimento no País, em especial em infraestrutura energética: dos R$ 665,2 bilhões previstos em investimento entre 2007 e 2010, R$ 294,2 bilhões (44%) destinar-se-iam ao eixo de Energia. De acordo com o 11º Balanço divulgado pelo governo, das 705 ações monitoradas do eixo de energia, 51% haviam sido concluídas até outubro de 2010, pelo critério de quantidade, e 43% pelo critério de valor. A segunda etapa do programa, o PAC 2, foi lançada ainda no governo do Presidente Lula, em março de 2010, para ser desenvolvida entre 2011 e 2014, já no governo da Presidenta Dilma Rousseff. Em relação ao primeiro programa, observamos maior previsão de investimentos, que totalizam R$ 955 bilhões entre 2011 e 2014, dos quais R$ 461,6 bilhões (48%) destinam-se ao eixo de Energia. De acordo com o 8º Balanço do PAC 2, em agosto de 2013, foram concluídas 53% das ações do eixo de Energia pelo critério de quantidade e 34%, de valor. O reduzido número de ações concluídas reflete-se na situação crítica com que o setor tem se deparado recentemente, da qual é exemplo o apagão


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De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios das Regiões Sudeste e Centro-Oeste, responsáveis por 70% da geração de energia, está em 34,6%, próximo ao nível que antecedeu a crise de 2001, de 33,4%.

(Valor Econômico, 2013; O Estado de São Paulo, 2014). Os dados corroboram o argumento das entidades setoriais. Apesar de as normas de segurança admitirem risco hidrológico de deficiência de suprimento no nível de 5% – nível já considerado baixo para alguns especialistas – hoje a margem extra de energia está limitada a aproximadamente 2% do consumo (O Estado de São Paulo, 2014). A disponibilidade adicional de energia é considerada fundamental para atender a picos de consumo. A modicidade tarifária buscada pelo governo, efetivada pela redução de 20% das tarifas (resultado da Lei nº 12.783 de janeiro de 2013), é apontada por especialistas como um sinal errado para os consumidores, uma vez que o custo aumentou muito para o sistema. O Tesouro Nacional, já em 2013, desembolsou R$ 9,8 bilhões para subsidiar o uso da energia. (VEJA, 2014). Segundo o Instituto Acende Brasil (2010), os esforços depreendidos pelo governo para redução das tarifas levaram à perda de credibilidade e confiança no setor, colocando em risco a sustentabilidade econômica e financeira das empresas reguladas. Dentre as melhorias sugeridas, destaca-se a reversão da deterioração do ambiente de negócios, organização da expansão do sistema e corte de custos tributários. A redução da carga tributária também é enfatizada pelo Ipea (2010), que aponta ser fundamental para que a disponibilidade de energia barata configure-se como vantagem comparativa da economia brasileira. De fato, 45% da tarifa compõem-se de tributos e encargos. Do total faturado, 24% destinam-se às distribuidoras e 31% às geradoras e transmissoras. Outro aspecto das iniciativas mais recentes são as de caráter social, cujo expoente é o Programa Luz para Todos, com o intuito de prover o acesso à energia elétrica à totalidade da população rural brasileira. No âmbito no PAC 1, até outubro de 2010 foram realizadas 2.568.913 ligações. No PAC 2, foram realizadas 413.739 ligações (58% da meta do programa – 716 mil ligações). A contribuição para o aumento da demanda é significativa, com um aumento de 5,3% do consumo de eletricidade já em 2004, frente ao ano anterior (Balanço Energético Nacional, EPE). Além da superação da crise, cumpre destacar a importância dos investimentos em infraestrutura e, em especial,

janeiro/abril de 2014

ocorrido em fevereiro de 2013, que afetou 7% do consumo do País (Valor Econômico, 2013). De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios das Regiões Sudeste e Centro-Oeste, responsáveis por 70% da geração de energia, está em 34,6%, próximo ao nível que antecedeu a crise de 2001, de 33,4%. A falta de chuvas elevou o preço no mercado à vista e obrigou o governo a colocar as usinas térmicas em operação. O acionamento das termelétricas, cuja energia produzida é mais cara, tem gerado problemas fiscais para o governo, que anunciou o repasse de R$ 1,2 bilhão para as distribuidoras para o mês de janeiro. A conta deve chegar a mais de R$ 20 bilhões no fim do ano. Apesar de os representantes do governo – como o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão e o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Maurício Tolmasquim – informarem que tudo se resolverá naturalmente, empresários do setor alertam sobre a situação crítica, pedindo medidas de economia de energia

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infraestrutura energética, na contribuição para o crescimento econômico. Mais do que destaque na literatura econômica, a relevância destes investimentos se reflete no resultado do País no Relatório de Competitividade Global (2013). Entre os 12 pilares de competitividade definidos pelo Fórum Econômico Mundial, figura a infraestrutura, apresentada como crítica para o funcionamento efetivo da economia, como um importante fator na determinação da localização da atividade econômica e do tipo de atividades ou setores que se desenvolvem dentro de um país. Mais ainda: o aludido Relatório afirma que os países dependem de suprimento de eletricidade, livre de interrupções e quedas, de forma que o setor produtivo possa operar sem impedimentos. Nesse sentido, a infraestrutura aparece entre os requisitos básicos componentes do Índice de Competitividade Global calculado pela instituição, fator pelo qual o Brasil obteve pontuação quatro (de um máximo de sete), atingindo a posição 71 entre 148 países. A qualidade da infraestrutura tem resultado ainda pior, com pontuação 3.4, levando o País ao 114º lugar neste quesito. Especificamente para a qualidade do suprimento de eletricidade, a pontuação foi de 4.8, atingindo a 76ª posição. Esta deficiência tem efeitos práticos desfavoráveis, refletindo-se no fato de que a inadequada oferta de infraestrutura seja apontada como fator problemático principal para a realização de negócios no País. Apesar dos recentes esforços empenhados pelo governo brasileiro em aumentar os investimentos em infraestrutura, e especialmente em energia, a análise exposta demonstra a existência de gargalos. Essas deficiências tendem a agravar-se com a crescente demanda por energia. A solução para a crise que tem se desenvolvido e a criação de condições propícias ao investimento privado deve dar-se pelo aumento e melhoria da qualidade dos gastos públicos relacionados à infraestrutura energética, bem como por meio do melhor desenho de incentivos à participação privada. O caminho a ser percorrido para aperfeiçoarmos o setor ainda é longo. Será que falta mais energia e disposição do governo para avançarmos?

Referências bibliográficas FERREIRA, T.; AZZONI, C. R. Arranjos institucionais e investimento em infraestrutura no Brasil. Revista do BNDES, n. 35, p. 37-86, jun. 2011.

FRISCHTAK, C. R. O Investimento em Infraestrutura no Brasil: Histórico Recente e Perspectivas. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 38, n. 2, p. 307-348, 2008. ______. Infraestrutura e desenvolvimento no Brasil. In: FERREIRA, P. C.; GIAMBIAGI, F.; PESSÔA, S.; VELOSO, F. (Org.). Desenvolvimento Econômico: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA E APLICADA. Infraestrutura Econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025, livro 6, volume 1, 2010. ______. Infraestrutura e Planejamento no Brasil: Coordenação estatal da regulação e dos incentivos em prol do investimento – o caso do setor elétrico. Relatório de pesquisa, 2012. O ESTADO DE SÃO PAULO. Sistema elétrico trabalha com reserva de energia abaixo do recomendável. 5 de fevereiro 2014. TANKHA, S. Lost in Translation: Interpreting the Failure of Privatization in the Brazilian Electric Power Industry. Journal of Latin American Studies, v. 41, n. 1, p. 59-90, 2009. VALOR ECONÔMICO. Apagão afeta 6 milhões e operação abafa é frustrada. 5 de fevereiro, 2014. VEJA. Socorro extra do governo a elétricas pode chegar a R$ 5 bi. 6 de fevereiro, 2014. WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Competitiveness Report 2013 – 2014, 2013.

Thaís Riether Vizioli Formada em economia pela UnB.

Geovana Lorena Bertussi geovanalorena@gmail.com

Conselheira do CORECON/DF e Professora do Departamento de Economia da UnB.


Acordos monetários dos BRICS – para que servem? Maria Celina Berardinelli Arraes1

A cooperação financeira é tema recorrente na agenda das reuniões dos chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e provavelmente constará entre os itens a serem discutidos no evento que ocorrerá em Fortaleza nos dias 15 e 16 de julho próximo. Encontra-se na mesa a possibilidade de um acordo contingente de empréstimos de reservas internacionais em caso de dificuldades de balanço de pagamentos (CRA –Contingent Reserve Arrangement) e de criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB -New Development Bank). Na ocasião, provavelmente Brasil e China aproveitarão a oportunidade para atualização sobre aspectos operacionais do acordo para troca de moedas locais assinado em junho de 2013, após a regulamentação de lei de 2008, permitindo ao Banco Central do Brasil receber depósitos de bancos centrais estrangeiros, exclusivamente para os fins de operação de swap.2 O foco desse curto artigo será sobre as questões monetárias dos países do BRICS. Os primeiros acordos de cooperação financeira semelhantes datam da época de escassez de divisas do pós-guerra na Europa e América Latina e as suas discussões costumam ressurgir quando há crises financeiras. Com as crises internacionais que ocorreram a partir de 1997, observa-se uma retomada de tais acordos, conforme reconhecido pelo Grupo dos 20 e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Com as magnitudes crescentes dos fluxos internacionais, as maneiras tradicionais de enfrentar as crises, como a assistência financeira do FMI, a acumulação de reservas internacionais pelos países e os ajustes nas políticas econômicas,

não são suficientes para enfrentá-las, como ocorreu no caso recente dos países periféricos da União Europeia: Irlanda, Grécia e Portugal. A experiência internacional mostra que a maioria de tais acordos foi estabelecida no contexto de fortalecimento de um processo de integração regional. No caso da experiência da América Latina, haviam acordos de assistência financeira, como no caso do Fundo Latino-Americano de Reservas (FLAR), mas também sistemas regionais de pagamentos e créditos, assim como a facilitação de transações em moeda local. Quais são as lições aprendidas com a experiência internacional? Todas as iniciativas incorrem em riscos, sejam políticos, de crédito, de variação cambial dos valores emprestados, sendo que a transparência na sua alocação é chave para a celebração da cooperação financeira. A maioria dos acordos de cooperação tem implicações de supervisão de políticas econômicas, ou, em outras palavras, condicionalidades. Não poderia ser de outra maneira, pois os países que estão financiando aqueles em dificuldades têm que prestar contas internamente sobre como os recursos emprestados serão recuperados. Além disso, os montantes a serem emprestados, seja em relação ao PIB dos países que estão sendo financiados, seja em relação a suas quotas do FMI, são relevantes para o sucesso do mecanismo. Nesse caso, o melhor exemplo é a chamada iniciativa de Chiang Mai que totaliza US$ 240 bilhões. Adicionalmente, quais as lições apreendidas da experiência brasileira?

Ex-Diretora de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil (2008-2009) e co-presidente do G-20 financeiro suplentes, em 2008. Funcionária do Banco Central do Brasil durante 25 anos. 2 O CMN editou a Resolução nº 4.202, de 28 de março de 2013, que regulamentou o art. 7º da Lei nº 11.803, de 5 de novembro de 2008, normatizando a abertura e manutenção de contas de depósito em reais tituladas por bancos centrais estrangeiros, com os quais a autarquia celebre contratos de swap de moedas. 1

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Todas as iniciativas brasileiras estavam associadas a processos de integração regional – ALADI e MERCOSUL. Confirma-se, na região, a importância da relevância dos montantes comprometidos nos acordos. Um bom exemplo é o caso do acordo de swap do Brasil com o Federal Reserve, por ocasião da crise financeira internacional: seu montante foi suficiente para demonstrar segurança e não houve necessidade de sua utilização, pelo Brasil. Por outro lado, quando dependem da disponibilidade financeira, no momento da crise, os recursos podem não estar disponíveis, pois os montantes a serem utilizados não estão previamente apartados em um fundo de reservas. O acordo de São Domingos, destinado a apoiar o sistema de pagamentos internacionais no âmbito da ALADI, foi finalizado pela indisponibilidade de recursos dos Bancos Centrais. A exceção é o FLAR que conta com capital subscrito e integralizado. Mostra, ainda, a experiência brasileira, que a cooperação financeira pode ser afetada negativamente quando não existe algum nível de coordenação de políticas econômicas. O exemplo mais importante é o Sistema de Moedas Locais (SML), em vigor com a Argentina e situação desse país em relação ao dólar paralelo. A discussão sobre alocação dos diversos riscos envolvidos – político, crédito, mercado etc., pode ser bem complexa, assim como a discussão de garantias concretas ou de correções de rumo de política econômica. Mais uma vez o exemplo principal é a negociação do acordo de swap com Argentina, que não se concretizou. Finalmente, a inexistência de uma política de Estado para cooperação financeira e a necessidade de aprovação legal de linhas de crédito, podem retardar o processo de formalização dos acordos. No caso da linha de crédito para o Banco Central do Uruguai, necessária para extensão do SML, finalmente foi aprovada, em 2013, após 3 anos de sua proposição.3 Quais, os pontos relevantes para discussão das iniciativas BRICS? • A assistência financeira BRICS e o swap de moeda, com a China, não estão relacionados

a processos de integração regional. Como esse arcabouço institucional frágil afetaria as iniciativas? Note-se que o fato de os BRICS não serem um grupo regional também pode ser positivo, no sentido de que diminui o risco de contágio. Por outro lado, enfraquece a vontade política de celebrar e operacionalizar os arranjos. Os montantes anunciados para o acordo contingente de reservas, US$ 100 bilhões (China com US$ 41 bilhões, Brasil, Índia e Rússia, com US$ 18 bilhões e África do Sul com 5 bilhões), são relevantes para a prevenção de crises de balanço de pagamentos? Em que países? Assimetrias de poder dentro do grupo vão dificultar o processo de negociação de alocação de riscos, e possivelmente as condições para acesso às linhas de crédito. Há um limite para inovação na área de assistência financeira: o grau de risco a que se expõe o recurso dos contribuintes. Garantias formais ou alterações na política econômica do país financiado para garantir sua capacidade de pagamentos deverão ser exigidas. A iniciativa de swap de moedas com a China está inserida num processo de internacionalização do Yuan conforme explícito em relatório de seu Banco Central. E do lado brasileiro, o que se pretende com esse acordo?

Quais seriam as consequências para o dia a dia das pessoas caso as iniciativas fossem implementadas? Podemos dividir as consequências em gerais e específicas, ou, como dizem os economistas, em macro e micro. No caso das consequências macro, relacionadas ao acordo de empréstimo das reservas internacionais, podemos dizer que a prevenção de crises e a existência de linhas de financiamento adicionais facilitam o ajuste do país a eventuais dificuldades de balanço de pagamentos, permitindo que seja feito com menor sacrifício, em termos de crescimento da economia. O aprofundamento das relações entre os BRICS e,

Lei nº 12.822, de 5 de junho de 2013, que autorizou o BCB a conceder crédito ao banco central uruguaio em forma de margem de contingência no valor de até US$ 40 milhões.

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A maioria dos acordos de cooperação tem implicações de supervisão de políticas econômicas, ou, em outras palavras, condicionalidades.

Premiação em cada tema: R$ 20.000,00 - 1º colocado R$ 10.000,00 - 2º colocado R$ 5.000,00 - 3º colocado Certificado e Publicação da Monografia

Inscrições e envio das monografias: de 19/02 a 08/09/2014 Via Sedex

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Concurso de Monografias sobre os temas: Defesa da Concorrência e Regulação da Atividade Econômica

Maria Celina Berardinelli Arraes marraes@hotmail.com

Ex-Diretora de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil (2008-2009) e copresidente do G-20 financeiro suplentes, em 2008. Funcionária do Banco Central do Brasil durante 25 anos.

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especialmente com a China, principal parceiro comercial do Brasil, poderá fortalecer o comércio exterior brasileiro, com influência positiva para o crescimento do País. Por outro lado, se o Brasil for chamado a financiar os outros países, haverá utilização de reservas que possivelmente terão uma melhor remuneração que nas aplicações conservadoras típicas. Neste caso, o risco é o default do parceiro, caso em que todos os brasileiros financiam a perda. As consequências microeconômicas são mais relacionadas aos pagamentos em moeda local, e relacionam-se a aumento de produtividade e diminuição de custo de transação para o exportador ou para as pessoas que fazem transferências internacionais para manutenção pessoal. Finalmente, o amadurecimento dos sistemas bancários para operações, sem a intervenção de terceiras moedas e o desenvolvimento de cotação de taxas de câmbio bilaterais, poderá facilitar a vida dos turistas e pequenos operadores desse setor. Em suma, se as iniciativas em discussão não forem inseridas numa estratégia de política exterior para o Brasil, os seus benefícios deverão ser reduzidos e terão risco de ser descontinuados, seja porque não apresentem resultados palpáveis, seja por alteração no direcionamento internacional, com mudanças de governo.

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• Qualidade do Gasto Público • Aperfeiçoamento do Orçamento Público PREMIAÇÃO POR TEMAS 1° colocado - R$ 1 $ 20.000,00 2 .0 000 0 00 00,0 0,,00 0 2° colocado - R$ $ 10.000,00 10. 1 0.00 0.0 00 0 00 3° colocado - R$ $ 5.000,00 5.00 00 0 00 CerƟcado rƟcaado • Publicação Publica caç ação ç da Monograaa

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Cidades: automóveis produzem autoimobilidade Valdir Melo

Mudanças tecnológicas trazem tanto vantagens e benefícios quanto desvantagens e custos; vêm para o bem e para o mal. Todavia, poucos pensavam assim no final do século 19 e primeiras décadas do século 20. Havia enorme fascínio pelas inúmeras e impressionantes mudanças experimentadas nas décadas anteriores, paixão pelo progresso, uma propensão social a aceitar como inegavelmente benéficas as inovações. Soava mal, quase antissocial, não se conformar com a inevitabilidade dos novos artefatos. Neste clima, nasceu e espalhou-se o automóvel. Ademais, o automóvel era inicialmente um esporte e um passatempo de ricos; além de caríssimo, não servia como uma forma prática e confortável de transporte. Os jovens adultos europeus, muitos com títulos de conde ou barão, exibiam-se como adeptos do progresso em suas sensacionais “carruagens sem cavalo”. Deste modo nasceu, na sociedade, uma aura de prestígio envolvendo ter um automóvel. Esta aura permaneceu mesmo quando a chamada massificação, atribuída a Henry Ford, estendeu a posse de automóveis a camadas da classe média. Afinal, o automóvel continuou sendo um bem caro. Antes do automóvel, instalara-se o transporte de massa. Com este, as pessoas procuraram morar nas cercanias das cidades, combinar a tranquilidade, o ar fresco, a disponibilidade de quintais e árvores, a vizinhança de matas, rios e lagos, com as vantagens da vida urbana. Todavia, as cidades investiram fortemente em infraestrutura para se adaptar ao automóvel, tanto seguindo como recompensando a moda de comprar carro. Pensava-se que a adaptação seria uma reforma urbana de uma vez por todas. Mas não; os congestionamentos de trânsito exigiram obras públicas adicionais.

Nasceu a pressão sobre o Estado por avenidas apropriadas a tráfego de alta velocidade e por locais para estacionar. Todas essas medidas estimularam ainda mais a aquisição de carros particulares, porque elas facilitam e tornam mais cômodo o uso do veículo. Em uma etapa seguinte, o resultado foi sempre que as vias voltaram a ter tráfego intenso e ficar engarrafadas, desta vez com muito mais carros nas ruas do que quando se fizeram as obras motivadas pelo engarrafamento anterior. Em seguida, entre os anos 1920 e 1930, os grupos de interesse vinculados ao automóvel levaram as autoridades municipais a reduzir o âmbito de atuação dos transportes de massa. Alegavam-se que estes atrapalhavam os automóveis, o verdadeiro meio de transporte do futuro. Os transportes de massa não conseguiram enfrentar a concorrência dos automóveis, francamente apoiada em declarações, obras e subsídios providos pelas autoridades do poder público. Mesmo havendo congestionamento, o automóvel ainda tinha mais facilidade de manobra e dava mais mobilidade do que os ônibus. Estes se prejudicavam por não poderem mais fornecer viagens rápidas e cumprir horário. Os transportes de massa caíram em um ciclo vicioso de perder clientes, ter menor receita e diminuir a capacidade de manutenção e investimento. Deixaram de ser atrativos a investidores, tendo em vista que a política de longo prazo do poder público era visivelmente contra este ramo de negócios. Desde então, por décadas a fio, não se parou de alargar e asfaltar ruas, derrubar quarteirões, construir viadutos, túneis, passagens subterrâneas e elevadas, derrubar árvores urbanas, diminuir praças e jardins, tudo para facilitar o uso do automóvel. A organização das relações entre carros e pedestres passou a ser em

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detrimento destes: nos cruzamentos, aumentando-se as distâncias que o pedestre precisa cobrir; nas avenidas obrigando-os a atravessar mal-conservadas, insalubres e, sobretudo, distantes e perigosas passagens subterrâneas ou de nível. Lados de uma mesma rua ou bairros vizinhos foram separados dos contatos a pé ao serem cortadas por avenidas de quatro ou mais pistas de automóveis em alta velocidade. Essa história geral do automóvel é semelhante a de vários países individualmente, inclusive o nosso. Uma lição é que, por cerca de 80 anos, os fazedores de política urbana têm se enganado com a ilusão de que obras adicionais resolveriam os problemas do congestionamento das ruas e da falta de mobilidade urbana. Outra, mais importante, é beneficiar o automóvel no montante e na forma que se fez, em particular dar-lhe a prioridade na política de trânsito, foi um dos grandes erros da humanidade no século 20. Um mecanismo fundamental do problema é de fundo econômico. Nas cidades, espaço é um dos bens mais raros e muito caro. Ora, ao se adquirir um carro obtém-se um meio de usar gratuitamente um vasto espaço urbano, de valor talvez até superior ao preço do carro. Muitas vezes até o pernoite do carro é feito em espaço público, pois não é preciso ter garagem própria para possuir carro. Uma boa previsão é que mais pessoas terão carros, devido ao aumento de renda e do prestígio de possuir o bem. E também porque, mesmo com o trânsito ruim, ainda é mais confortável e conveniente o ambiente particular do carro do que viajar em pé nos transportes de massa, em forçada intimidade de corpo colado aos de estranhos – a compartilhar suores, hálitos, espirros, odores íntimos, doenças de pele, esfregões lúbricos, bem como facilitando os bolsos e bolsas aos furtos por viajantes com dedos ágeis. O ambiente dos metrôs, trens e muitos ônibus de nossas grandes cidades é particularmente prejudicial, perigoso e impróprio a crianças e adolescentes, a idosos, a pessoas com deficiência e a mulheres. Outra boa previsão, a julgar pela atual fronteira da tecnologia, é que nenhuma inovação expandirá o espaço das ruas e avenidas nem contrairá o espaço que um automóvel ocupa em seu tempo total de viagem.

Explore-se mais o mecanismo econômico associado ao automóvel: o espaço que este ocupa ou pode usar não pertence ao dono do automóvel; é de quem chegar primeiro e pegar primeiro. Por isso, cada motorista coloca um carro no trânsito: quer se apossar do espaço, quer usar um pedaço da enorme e cara infraestrutura que o poder público coloca gratuitamente a seu dispor. Não se preocupa por estar gerando ou agravando engarrafamento para os outros (externalidades, no jargão econômico). Na disputa para ocupar espaço onde ninguém limita quantos podem entrar, os usuários de automóveis produzem autoimobilidade. Os congestionamentos geram desperdício de outro bem valiosíssimo, o tempo das pessoas. O automóvel é um caso de bem em que, de forma exacerbada, os benefícios são particulares e os custos são coletivos. É tempo de inverter esse círculo vicioso de oito décadas ou mais: combater o prestígio do carro particular; redirecionar os investimentos em infraestrutura para os pedestres, os ciclistas e os transportes de massa; cobrar dos automobilistas o uso do espaço urbano; devolver a praças, canteiros de árvores, jardins e calçamentos de pedestres o espaço subtraído no passado; priorizar a conveniência, o conforto e a segurança dos pedestres, dos ciclistas e dos usuários de transporte de massas. Outros benefícios virão deste caminho: menos poluição urbana e estresse nos cidadãos, menos mortes violentas e mutilações.

Valdir Melo

valdir.melo1@gmail.com Doutor em economia pela Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas, com pós-doutorado na Universidade de Boston. Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea (DIEST). Os juízos aqui expressos são pessoais, não de qualquer instituição.


Oligarquia e depressão Adriano Benayon

É hora de abrir o olho. Estamos no Brasil e no mundo em situação especialmente perigosa, de que há copiosas manifestações, cujas causas são sistematicamente ocultadas, pois os que estão por trás delas querem operar despercebidos. As potências hegemônicas, suas associadas e satélites seguem em depressão econômica, com aspectos mais perversos que os da iniciada em 1930 e que só terminou, em 1943, nos EUA – com a mobilização de dezenas de milhões de combatentes na Segunda Guerra Mundial, mais os vultosos investimentos para produzir armas. Na Europa e Ásia, a depressão foi substituída pela devastação. A terrível Guerra de 1939 a 1945 não foi desencadeada para acabar com a depressão, pois sempre os fins (ou motivos reais) são obter mais poder, arruinar potências vistas como rivais e desviar o foco dos reais problemas sociais e econômicos. Agora, desde a contrarrevolução liberal dos anos 80, a financeirização e a concentração do poder econômico e da renda deram grandes saltos, enquanto decai o patrimônio e a renda real, no caso da grande maioria dos que trabalham e no da crescente massa dos desempregados. Essa iniquidade jamais poderia ser tolerada em sistemas democráticos. Assim, quase nada resta do pouco de democracia, antes presente nos sistemas políticos representativos, hoje mera embalagem, com rótulo falso de um sistema tirânico, que investe massivamente em contracultura, desinformação e alienação, há mais de século. Assim institucionalizou-se a mentira, e a verdade é reprimida através de instrumentos totalitários, radicalizados desde os ataques de 11.09.2001. O terrorismo de Estado dirige-se contra os cidadãos e é usado para marquetar, como justas, agressões militares genocidas contra países alvos da geopolítica da oligarquia angloamericana: Afeganistão, Iraque, Somália e Líbia.

Além disso, EUA, Reino Unido e satélites têm intervindo em numerosos países com golpes e pretensas revoluções suscitadas por serviços secretos, mercenários e organizações terroristas. Síria e Ucrânia são alvos preferenciais dessas agressões, sem falar nas permanentes pressões e falsas acusações contra o Irã. O prelúdio da Segunda Guerra Mundial, nos anos 30, também apresentou invasões e conflitos localizados, e a ascensão de regimes fascistas (Itália, Alemanha e Japão), além de na Espanha, após sangrenta guerra civil, de 1936 a 1939, com participação de forças militares estrangeiras. No presente, a depressão econômica prossegue, bem como suas trágicas consequências sociais. A oligarquia financeira está cada vez mais concentrada e tem cada vez mais poder sobre os governos – à exceção dos demonizados, por não se submeterem - pela mídia e pelas demais instituições formadoras de opinião. A oligarquia não deseja acabar com a depressão - tarefa fácil, se fosse decidida – e visa concentrar mais poder e tornar irreversível o controle totalitário sobre o Planeta, seus recursos e habitantes. Isso envolve desumanizar os seres humanos, inclusive acabando com as sociedades nacionais. As soluções para recuperar a economia podem ser entendidas por qualquer pessoa sensata, não bitolada por lugares comuns disseminados pelos economistas mais renomados (justamente por agradarem a oligarquia). A depressão dos anos 30 explodiu com violência, notadamente na Alemanha, exaurida pelas reparações da 1ª Guerra Mundial. Ali o desemprego atingiu 6 milhões em março de 1932. Economistas competentes, como Lautenbach, alto funcionário do ministério da economia, mostraram o caminho correto, apoiado pela federação das

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indústrias, semelhante ao plano de Woytinski, sustentado por sindicatos de trabalhadores. Em 1931, Lautenbach apresentou o memorandum “Possibilidades para reviver a atividade econômica, através do investimento e da expansão do crédito”. Afirmou: “O curso para superar a emergência econômica e financeira não é limitar a atividade econômica, mas aumentá-la, porque o mercado não mais funciona nas condições de depressão e crise monetária mundial.” “Neste momento, temos situação paradoxal, na qual, apesar dos cortes extraordinários na produção, a procura ainda está defasada em relação à oferta. Assim, temos excedentes crônicos da produção, com os quais não sabemos lidar. Encontrar algum modo de transformar esses excedentes em valor real é o problema real e o mais urgente da política econômica.” “Excedentes de bens físicos, capacidade não-utilizada dos equipamentos produtivos e força de trabalho não-aproveitada podem ser aplicados para satisfazer uma nova necessidade, a qual, do ponto de vista econômico, representa investimento de capital. Podemos conceber tarefas como obras públicas, ou obras realizadas com apoio público – que para a economia significariam aumento da riqueza nacional – e que teriam de ser feitas de qualquer modo, quando se voltasse a ter condições normais (construção de estradas, expansão do sistema ferroviário, melhoramentos na infra-estrutura, etc.)” “Com tal política de crédito e investimentos, será remediado o desequilíbrio entre a oferta e a procura no mercado interno, e toda a produção terá ganhado direção e objetivo. Se, todavia, deixarmos de instituir tal política, estaremos encaminhados para inevitável e continuado colapso e para a completa destruição da economia nacional, levando-nos a uma situação que nos forçará, para evitar uma catástrofe, a assumir dívidas de curto prazo meramente para fins de consumo; enquanto que hoje, está ainda em nosso poder obter esse crédito para fins produtivos e, assim, recolocar em equilíbrio tanto a economia como as finanças públicas.”

Woytinski recomendou explorar oportunidades de complementar as iniciativas das empresas privadas com a criação de empregos, através de investimentos públicos. Propôs, ainda, a liberação de fundos, via políticas de expansão monetária para a reconstrução da Europa. Em janeiro de 1932 foi apresentado o plano de criação de empregos WTB (Woytinski, Tarnow e Baade) para criar 1 milhão de novos empregos, com investimentos financiados por créditos de longo prazo, a juros baixos, pela Reichskredit AG, descontáveis no Reichsbank. A Confederação Geral dos Trabalhadores Alemães aprovou esse plano, recusado, entretanto, conforme o parecer dos “peritos economistas” Hilferding, Naphtali e Bauer, pelo Partido Social-Democrata. Schäffer, secretário de Estado do Ministério das Finanças, apoiou o plano de Lautenbach. Moção similar partiu de Wagemann, chefe do Escritório Nacional de Estatísticas, que, em janeiro de 1932, publicou seu plano, que incluía emitir 3 bilhões de reichsmarks para criar empregos. Nada disso foi adiante, pois não interessava à oligarquia angloamericana. Esta armava a subida de Hitler ao poder, mesmo tendo os nazistas perdido 2 milhões de votos nas eleições de 6.11.1932. Após essas eleições, o presidente, marechal Hindenburg, nomeou chanceler o chefe do EstadoMaior, general Von Schleicher, que propunha pôr em execução as políticas recomendadas por Lautenbach, Woytinski e Schäffer, e apoiadas por entidades de classe patronais e dos trabalhadores. A oligarquia financeira tratou de evitar que Von Schleicher sequer as iniciasse, minando-lhe a sustentação política, enquanto conspirava na chantagem junto ao marechal-presidente para nomear Hitler, consumada em 30.01.1933. O objetivo era a Segunda Guerra Mundial, pois Hitler anunciara no “Mein Kampf” seu desígnio de atacar a União Soviética. Finalidade: empregos e recuperação econômica só mediante a mobilização para a guerra, que destruiria mutuamente Alemanha e Rússia. Hoje, o Estado é enfraquecido como agente de desenvolvimento econômico e social. Ele serve, nos


Mais: dezenas de trilhões de dólares/euros das emissões dos bancos centrais e das receitas tributárias foram usadas para salvar da bancarrota instituições financeiras cujos controladores e executivos haviam lucrado dezenas de trilhões com jogadas financeiras, em operações alavancadas, sobre tudo com o quatrilhão de derivativos criados a impulsos de chips, antes do colapso de 2007/2008. Pior: o dinheiro depositado nos bancos é aplicado em novas especulações, criando novas bolhas, prestes a estourar. A conta fica para os cidadãos dos países endividados, inclusive dos EUA, e maior para os dos países menos privilegiados que não podem emitir dólares. No Brasil, recordista mundial de juros altos, só dois bancos, Itaú e Bradesco, registraram R$ 28 bilhões de lucros em 2013.

Adriano Benayon abenayon.df@gmail.com

Doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

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países-sede da oligarquia, para erguer enormes arsenais de armas destrutivas e hipertrofiar órgãos de repressão, serviços secretos e meios tecnológicos de desinformar. Nos países periféricos, como o Brasil, o Estado, empobrecido pelo serviço da dívida e pelas privatizações, funciona para arrecadar recursos para a dívida e subsidiar empresas transnacionais. Com a política econômica dominada pela oligarquia financeira, a concentração não cessa de crescer. No trabalho The Network of Global Corporate Control, publicado em 2011, os matemáticos suíços, Vitali, Glattfelder e Battiston, demonstraram a interligação das corporações econômicas e financeiras por laços diretos e indiretos de propriedade. Com dados sobre 43.000 transnacionais (ETNs), chegaram a 1.300 maiores companhias com fortes elos entre si, núcleo refinado para um de somente 737 companhias, que controlam 80% das 43.000. Mais elaboração permitiu chegar a 147, detentoras da propriedade quase total sobre si mesmas, mais 40% das 43.000. As 147 são basicamente controladas por somente 50, das quais 48 são financeiras. Apenas duas envolvem-se diretamente com a economia real (Walmart e China Petrochemical Group). Susan George, do Transnational Institute, Amsterdam, conclui: “Nossos problemas originam-se do 0,1%, na verdade do 0,001%.” Mas essa fração não retrata a dimensão infinitesimal, em relação à população da Terra, da minoria que concentra o poder econômico, financeiro e político. De fato, há hierarquia entre os donos das companhias mais poderosas, e, entre esses, pouquíssimos exercem comando sobre bancos centrais, instituições financeiras multilaterais e mercados financeiros. George aponta as interligações entre a finança e as corporações de petróleo e gás, e seus vínculos com a indústria automotiva, gastadora de combustíveis fósseis. O poder dos concentradores financeiros manifesta-se, inclusive, pelo fato de 1% do topo pagar percentual de tributos inferior ao de qualquer época desde os anos 20, apesar da enorme elevação de seus ganhos e de seu patrimônio nos últimos 35 anos.

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Artigo Os impactos do orçamento na economia do Distrito Federal Agaciel Maia

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O setor público tem participação expressiva na economia do Distrito Federal e podemos dizer que se o setor público vai bem, a economia do DF também vai bem. Essa assertiva decorre da participação de 54,41% da atividade da administração, saúde e educação pública na economia local, de acordo com levantamento realizado pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan). A atividade administração, saúde e educação públicas têm como finalidade prestar serviços de natureza gratuita à coletividade, financiada pelos impostos, taxas e contribuições sociais pagos pela sociedade. Dentre os principais serviços prestados estão segurança, defesa civil, justiça, saúde e educação públicas que são referências para os demais estados da Federação, em que pese a necessidade de aprimoramento e investimentos permanentes desses serviços. A injeção de mais de R$ 35 bilhões, pelo setor público, na economia do DF em 2014, deverá assegurar bom desempenho na economia, sobretudo para os setores ligados diretamente às demandas de bens e serviços públicos que deverão, também, influenciar de forma indireta os demais setores da atividade econômica local. O orçamento aprovado pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, para o exercício financeiro de 2014 é de R$ 23,394 bilhões (orçamento fiscal e seguridade social mais o orçamento de investimento), conforme tabela a seguir, evidenciando um crescimento nominal de 13% do orçamento fiscal e da seguridade social e queda de 16,46% no orçamento de investimento. Fazem parte dos recursos administrados pelo Governo do Distrito Federal os oriundos dos tributos

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e serviços prestados pelo governo local, aqui representados pelos orçamentos fiscal e da seguridade social e de investimento, e os provenientes do Orçamento Geral União destinados ao DF por meio do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), fixado em de R$ 11.664.812.281,00 (onze bilhões, seiscentos e sessenta e quatro milhões, oitocentos e doze mil, duzentos e oitenta e um reais) , para 2014, destinados ao custeio das despesas da Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, bem como à assistência financeira às áreas de Educação e de Saúde do Distrito Federal, na forma do art. 21, inciso XIV, da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, computando-se os recursos local e federal, o Distrito Federal tem a sua disposição um total de recursos que superam os R$ 35 bilhões, fazendo com que o DF seja o ente da federação com maior volume de recursos por habitante-ano do País, com R$ 13.640,73. Certamente, em decorrência da alta participação do setor público na economia local, os gastos públicos têm uma contribuição importante na renda per capita do DF que, segundo o IBGE, é de R$ 63.020,00 por habitante/ano, sendo o mais elevado do País e representa quase o dobro da renda per capita do Estado de São Paulo, de R$ 28.696,00 por habitante/ano. O Distrito Federal é a sétima economia do Brasil, tendo um PIB superado apenas pelos estados de São Paulo (o maior do Brasil), Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. O montante de investimentos previstos no orçamento 2014, na ordem de R$ 7,039 bilhões, sendo R$ 5,097 bilhões no orçamento fiscal e seguridade social e R$ 1,942 bilhão no orçamento de investimento,

Economista, Deputado Distrital, Vice-Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal.


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reveste-se numa medida de alto impacto na economia local e do entorno do DF. Esses recursos públicos certamente se somarão aos investimentos privados que ampliarão, sobremaneira, o dinamismo do desenvolvimento regional. Se, de um lado, o orçamento do DF mostra crescimento vertiginoso nesses últimos anos, de outro, mostra-se bastante satisfatório do ponto de vista do resultado fiscal. Para 2014, o resultado primário, ou seja, sem cômputo das receitas e despesas financeiras, previsto e autorizado na Lei de Diretrizes Orçamentárias, é deficitário em 903,4 milhões, o que impacta positivamente na dívida pública consolidada do Distrito Federal, fazendo com que atinja o valor de R$ 6,464 bilhões. Deduzindo-se, dessa dívida os ativos financeiros, a dívida consolidada líquida cai para R$ 4 bilhões. A dívida pública local não apresenta, no momento, maiores preocupações, tendo em vista que está muito distante do valor máximo de endividamento dos estados permitido pelo Senado Federal que é de 200% da receita corrente líquida para a dívida consolidada líquida. Dessa forma, a dívida do DF participa com apenas 22,6% da receita corrente líquida. Com despesa prevista de R$ 150 milhões para juros e encargos e de R$ 177 milhões para amortização, esses valores não se apresentam demasiadamente onerosos para o orçamento do Distrito Federal. Vale ressaltar que a despesa do governo local com pessoal é de R$ 10 bilhões para 2014, representando um crescimento nominal de 13,7% em relação ao orçamento de 2013, que foi de R$ 8,793 bilhões,

sem considerar as despesas de pessoal constantes no Fundo Constitucional do Distrito Federal, destinados ao custeio de pessoal da área de segurança. Além das despesas de investimentos e de pessoal, anteriormente relatadas, destacam-se as despesas obrigatórias com educação, saúde e cultura do DF. Pela legislação vigente, o DF deve aplicar R$ 1,864 bilhão em saúde, R$ 6,187 bilhões em educação e R$ 53 milhões para a cultura. Esses valores são extremamente significativos nas suas respectivas áreas e tem permitido a ampliação desses serviços para a sociedade local, principalmente nas diversas cidades-satélites. Ressalte-se, no caso da educação pública e da saúde, atender, inclusive, cidadãos do entorno e de outros estados da Federação. Com crescimento de 9,56%, o orçamento do Governo do Distrito Federal, para 2014, sem dúvida, deverá contribuir para impulsionar a economia local, aumentando a renda e o emprego em todos os setores da atividade econômica, beneficiando, também, a região do entorno.

Agaciel Maia

agaciel9@gmail.com Economista, Deputado Distrital, Vice-Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal.


Artigo Análise das recentes operações entre o Tesouro, o BNDES, CEF e o Fundo Soberano e seu impacto sobre as contas públicas, a “contabilidade criativa” Maria Liz de Medeiros Roarelli* Joaquim Ornelas Neto** Renato Brown*** 1 Introdução O objetivo deste trabalho é fazer um levantamento das principais operações entre o Tesouro, o Fundo Soberano e o BNDES, bem como entre o Tesouro e a Caixa Econômica Federal, com vistas a analisar o seu impacto sobre as contas públicas e verificar se estão sendo previstas no Orçamento Geral da União. A análise de tais operações avalia como as mesmas estão sendo computadas no cálculo do resultado primário e por que sua contabilização ficou conhecida como “contabilidade criativa”. Não se pretende, todavia, esgotar a análise de todas as operações entre o Tesouro e seus bancos oficiais, mas apresentar as mais importantes para a avaliação das contas públicas como um todo.

2 Principais Operações

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Dentro do que se chama contabilidade criativa, identificamos dez tipos de operações/ações abaixo assinaladas: 1. Capitalização ou injeção de recursos pelo Tesouro em bancos públicos federais, como Caixa Econômica Federal-CEF e Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES e de bancos de economia mista, como o Banco do Brasil, com emissão

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de títulos públicos (instrumento híbrido de capital e dívida – Resolução CMN nº 2.543/98, Carta-Circular BCB 2.819/98, Carta-Circular BCB 2.953/2001); Capitalização da CEF com aumento de capital ocorrido por meio da compra pelo Tesouro/ Fundo Fiscal de Investimento e EstabilizaçãoFFIE de ações da Petrobras e outras companhias abertas em poder da CEF (Decreto nº 7.880, de 28/12/2012); “Capitalização” do BNDES, por meio da cessão onerosa a tal Banco dos direitos de crédito detidos pelo Tesouro contra Itaipu Binacional, no valor de R$ 6 bilhões, sendo que o Tesouro recebe, como pagamento, títulos da dívida pública mobiliária ou ações de sociedades anônimas (Lei nº 12.833, de 20 de junho de 2013 - MPV 600 de 28/12/2012); Autorização para emissão direta de títulos públicos para compra de direitos de crédito da Eletrobrás contra Itaipu Binacional (Lei nº 12.783/2013 – marco legal recente do setor elétrico), sem incluir tal emissão no Orçamento Geral da União; Autorização para emissão direta de títulos públicos pelo Tesouro a favor da Conta de Desenvolvimento Energético-CDE, conforme art. 15 da MPV nº 615/2013 e aquisição pelo


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2.1 Capitalização ou injeção de recursos pelo Tesouro em bancos públicos federais, como Caixa Econômica Federal - CEF e Banco Nacional do

Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES e de bancos de economia mista, como o Banco do Brasil, com emissão de títulos públicos (instrumento híbrido de capital e dívida – Resolução CMN nº 2.543, de 1998, Carta-Circular BCB 2.819/98, CartaCircular BCB 2.953/2001); O termo “híbrido” demonstra a característica mista do instrumento que ao mesmo tempo é capital porque entra na contabilização do Patrimônio Líquido do tomador e, também, é dívida porque, na contabilidade do credor, é computado como um crédito contra a instituição financeira tomadora do recurso. O instrumento híbrido de capital e dívida é utilizado para dar aporte financeiro às instituições, aumentando, assim, a “alavancagem”, sem que a participação dos acionistas diminua e, ao mesmo tempo, aumente o Patrimônio de Referência da instituição tomadora (o banco), permitindo à mesma aumentar seus ativos em várias vezes o valor recebido. Esse instrumento é reconhecido pelo Acordo da Basileia2. Por meio da Resolução CMN nº 2.543, de 1998, o Banco Central procurou adaptar as normas e os limites das instituições brasileiras aos padrões internacionais definidos no Acordo de Basileia e pelas Normas Internacionais de Contabilidade, publicadas pelo Comitê de Padrões Contábeis Internacionais e incluiu as normas para o instrumento híbrido de capital e dívida. Normalmente, esse instrumento teria a desvantagem de acarretar uma taxa de juros mais cara (prêmio), por causa do risco, para o tomador. Mas não é isso que ocorre no Brasil, principalmente quando o “credor” é o Tesouro. No Brasil, há dois tipos de instrumentos híbridos de capital e dívida: o bônus perpétuo e o de dívida subordinada. Nos dois casos, existe o risco de o credor não receber os recursos de volta. A dívida subordinada é normalmente um papel de longo prazo e quem o detém somente em caso de liquidação fica à frente do acionista, na fila para receber o “espólio”. No caso do bônus perpétuo, o credor não pode exigir resgate do principal, o qual só é pago ao

Em 2010, o superávit primário somente foi alcançado devido à classificação como receita primária dos recursos pagos pela Petrobras, no valor de R$ 74,8 bilhões, na forma de títulos públicos em seu poder, decorrentes do Contrato de Cessão Onerosa entre a Petrobras e a União (previsto na Lei nº 12.276, de 30 de junho de 2010); 2 Acordo firmado entre vários países, inclusive o Brasil, para adotar normas e regras internacionais para as instituições financeiras, em Basileia, Suíça. 1

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Tesouro de créditos da Eletrobrás contra Itaipu, pagando na forma de emissão direta de títulos a favor da Eletrobrás, sem incluir as emissões diretas no Orçamento Geral da União; Classificação como receita primária do Tesouro, em 2012, do seguinte ingresso de recurso: compra pelo BNDES de ações da Petrobras na carteira do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização-FFIE dando, como pagamento, títulos públicos em seu poder, posteriormente resgatados antecipadamente pelo Tesouro, com o objetivo de alcançar o superávit primário (Decreto nº 7.881, de 28/12/2013)1; Antecipação de dividendos (receita primária) ao Tesouro pela CEF e pelo BNDES (por meio de Ofício do Ministério da Fazenda); Dispensa somente ao BNDES de marcar a mercado as ações que possuía das empresas Eletrobrás, Petrobras e Vale, o que possibilitou que houvesse lucro no Banco, enquanto que, se tais ações fossem cotadas a mercado, gerariam prejuízo (pois o valor de mercado caiu – Resolução CMN nº 4.175/12); Autorização pelo Conselho Monetário Nacional – CMN para que o BNDES fosse dispensado do limite de exposição ao risco por cliente em operações de empréstimo e de compra de ações da Eletrobrás, Petrobras e Vale (Resolução 4.089/2012); Autorização pelo CMN para que o BNDES excluísse da apuração do limite do Ativo Permanente em relação ao Patrimônio Líquido as compras de ações da Eletrobrás, Petrobrás e Vale (Resolução 4.089/2012). Isso possibilitou a compra dessas ações, o que, pela regra anterior, levaria o Banco a ultrapassar esse limite legal.

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tomador se desejar, e esse é o tipo mais reconhecido como instrumento híbrido de capital e dívida. No Brasil, o governo tem utilizado esse instrumento para capitalizar bancos oficiais federais como a CEF e o BNDES e ainda o Banco do Brasil. Os recursos utilizados nessas operações são provenientes da emissão de títulos públicos, especificamente, da emissão direta de títulos públicos. Porém, a taxa de juros desses “empréstimos” costuma ser abaixo da Selic, o título não pode ser resgatado por iniciativa do “credor” e ainda há uma série de características que tornam o detentor desse título em desvantagem, caso não compense os riscos com o prêmio maior. Do ponto de vista orçamentário, cumpre ressaltar que tais operações não estão sendo registradas no Orçamento Geral da União (OGU). Alega-se que as emissões de título são emissões diretas, ou seja, não vão a mercado3. Mas, o problema é que simplesmente ignora-se que se trata de um tipo de operação de crédito do Tesouro (receita), e também de que existe um subsídio implícito em tais operações. Caso tais operações fossem registradas corretamente, haveríamos de ter registro no OGU primeiramente da operação de emissão de títulos públicos, que deveria ser registrada como despesa de capital, conforme determina a Lei nº 4.320/64. Além disso, a operação do instrumento híbrido deveria constar na despesa de capital, inversão financeira, como concessão de empréstimo (despesa financeira)4. O diferencial entre os juros de captação de recursos (Selic) e os juros do instrumento híbrido deveria constar como despesa corrente, subvenção econômica, diferencial ou equalização de taxa de juros (despesa primária)5. Esse diferencial deveria ser computado a cada ano no OGU e no cálculo do resultado primário, acima da linha, ou seja, receitas primárias menos despesas primárias. Assim, o que torna a contabilidade pública “criativa”,

nesse caso, é o fato de não se registrarem tais operações nem no Orçamento, nem no cálculo do resultado primário, “acima da linha”. Esse procedimento contraria a Lei nº 4.320/64 (art.6º) que manda que sejam registradas no Orçamento toda a receita e toda a despesa. Além disso, não passar pelo Orçamento impede que tais operações sejam avaliadas pelo Congresso Nacional, conforme o art. 166 da Constituição Federal. Devemos observar, entretanto, que, no cálculo do resultado nominal pelo Banco Central, ou necessidades de financiamento do setor público no conceito nominal (que não deduz juros líquidos)6, abaixo da linha (diferença entre haveres e obrigações no setor público), o diferencial entre as taxas Selic e TJLP referente à operação de instrumento híbrido de capital e dívida com emissão de títulos públicos acaba surgindo, ao longo do tempo. Isso ocorre porque tanto a emissão de título quanto o crédito às instituições financeiras federais são contabilizados como obrigação e haver, respectivamente, no cálculo “abaixo” da linha do resultado nominal (necessidades de financiamento do setor público não financeiro – conceito nominal). Assim, a emissão de títulos acaba afetando a Dívida Bruta, embora não afete à Dívida Líquida e o resultado nominal (variação de dívida líquida), abaixo da linha, acaba sendo afetado pelo diferencial de taxas de juros. 2.2 Capitalização da CEF com aumento de capital ocorrido por meio da compra pelo Tesouro/Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização-FFIE de ações da Petrobras e outras companhias abertas em poder da CEF (Decreto nº 7.880, de 28/12/2012). Essas operações permitiram o ingresso de recursos na CEF, no valor de R$ 5,4 bilhões, sem a necessidade de tomar empréstimos junto ao Tesouro. Além disso, a entrega de ações, como forma de pagamento, à Caixa não foi considerada despesa primária do Tesouro. Com o aumento de capital, a CEF pôde atender às exigências

De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional, “As emissões diretas de títulos são realizadas para atender finalidades específicas, definidas em Lei. Caracterizam-se pela colocação direta de títulos públicos sem a realização de leilões ou outro tipo de oferta pública”. 4 Essa concessão de empréstimo pode ser considerada aquisição de ativo ou direito, mas essa rubrica não consta no Manual Técnico de Orçamento (MTO), e, por se tratar de uma espécie de título de dívida(haver, do ponto de vista do Tesouro) não consideramos impróprio que a contabilização seja no elemento de despesa “concessão de empréstimo”, conforme descrito na Lei nº 4.320/64. 5 Essa despesa deveria estar registrada na Unidade Orçamentária Operações Oficiais de Crédito, no Orçamento Geral da União. 6 Conceito que considera as despesas primárias somadas às despesas financeiras de juros nominais e as receitas primárias também somadas às receitas financeiras relacionadas a juros nominais. 3


2.3 “Capitalização” do BNDES por meio da cessão onerosa a tal Banco dos direitos de crédito detidos pelo Tesouro contra Itaipu Binacional, no valor de R$ 6 bilhões, sendo que o Tesouro recebe, como pagamento, títulos da dívida pública mobiliária ou ações de sociedades anônimas (Lei nº 12.833, de 20 de junho de 2013 - MPV 600 de 28/12/2012). Essa operação permitiu que o Tesouro capitalizasse, posteriormente, a Caixa com as ações que obteve do BNDES (conforme item 2), além de possibilitar que União arque com os subsídios da Conta de Desenvolvimento Energético com os recursos advindos da cessão onerosa. O art. 8°, da Lei nº 12.833, de 20 de junho de 2013 (MPV 600 de 28/12/2012) determina: “Art. 8º Fica a União autorizada a ceder onerosamente ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e suas controladas direitos de crédito detidos pelo Tesouro Nacional contra a Itaipu Binacional. § 1º O pagamento devido pelo BNDES pela cessão de que trata o caput poderá ser efetivado em títulos da dívida pública mobiliária federal ou ações de

sociedades anônimas, exceto as integrantes de instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional, respeitada a equivalência econômica da operação, sendo o ajuste de eventual diferença pago em moeda corrente pelo BNDES à União. § 2º A operação deverá ser formalizada mediante instrumento contratual a ser firmado pelas partes. § 3º Fica a União autorizada a destinar à Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, no todo ou em parte, os recursos financeiros provenientes da cessão onerosa de que trata o caput. § 4º Fica a União autorizada a celebrar contratos com o BNDES com a finalidade de excluir os efeitos da variação cambial incidentes nos direitos de crédito de que trata o caput.” 2.4 Autorização de emissão direta de títulos públicos para compra de direitos de crédito da Eletrobrás contra Itaipu Binacional (Lei nº 12.783/2013 - marco legal recente do setor elétrico), sem incluir tais emissões no Orçamento Geral da União. Os art. 17 e 18 da Lei nº 12.783/2013 (marco legal recente do setor elétrico), estabelece: “Art. 17. Fica a União autorizada a adquirir créditos que a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. - ELETROBRAS detém contra a Itaipu Binacional. Parágrafo único. Para a cobertura dos créditos de que trata o caput, a União poderá emitir, sob a forma de colocação direta, em favor da Eletrobrás, títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal, cujas características serão definidas pelo Ministro de Estado da Fazenda, respeitada a equivalência econômica com o valor dos créditos. Art. 18. Fica a União autorizada a destinar os créditos objeto do art. 17 e os créditos que possui diretamente na Itaipu Binacional à Conta de Desenvolvimento Energético - CDE.” A colocação direta de títulos públicos não tem sido incluída no Orçamento Geral da União, o que contraria os princípios da contabilidade e do orçamento públicos, além de contrariar a Lei nº 4.320/64. A Eletrobrás poderá ir ao mercado e vender tais títulos, obtendo recursos, sem precisar obter empréstimos junto ao Tesouro. O Tesouro pagará taxa de juros selic sobre os títulos que emitir e receberá em parcelas os créditos de Itaipu Binacional, até o ano de 2023. Ainda não podemos afirmar se há subsídio implícito nessa operação

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das resoluções do Banco Central, quanto ao limite de créditos, podendo emprestar mais. Em contrapartida, foi possível à Caixa pagar antecipadamente dividendos no valor de R$ 4,7 bilhões (item 8). O Decreto nº 7.880, de 28/12/2012 estabelece: “Art. 1º Fica autorizado o aumento de capital social da Caixa Econômica Federal - CEF, no montante de até R$ 5.400.000.000,00 (cinco bilhões e quatrocentos milhões de reais), mediante a transferência de ações ordinárias de emissão da Petróleo Brasileiro S.A. PETROBRAS, excedentes à manutenção do controle acionário da União, bem como ações de sociedades anônimas de capital aberto, a critério da Secretaria do Tesouro Nacional. § 1º O valor exato da subscrição e a quantidade de ações a serem transferidas à CEF serão determinados utilizando-se cotação de fechamento do dia útil anterior à data da transferência das ações referente às negociações realizadas na BM&FBOVESPA. § 2º Caberá à Secretaria do Tesouro Nacional adotar as providências relativas à transferência de titularidade junto à entidade custodiante.”

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(diferencial de juros), mas, caso ocorra, deverá ser computado como despesa no cálculo do resultado primário. Caso contrário, estaremos novamente diante de um quadro de “contabilidade criativa”.

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2.5 Autorização para emissão direta de títulos públicos pelo Tesouro a favor da Conta de Desenvolvimento Energético-CDE, conforme art. 15 da MPV nº 615/2013 e aquisição pelo Tesouro de créditos da Eletrobrás contra Itaipu, pagando na forma de emissão direta de títulos a favor da Eletrobrás, sem incluir as emissões diretas no Orçamento Geral da União; O art. 15 da MPV nº 615/2013 determina: “Art. 15. Fica a União autorizada a emitir, sob a forma de colocação direta, em favor da Conta de Desenvolvimento Energético - CDE, títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal, a valor de mercado e até o limite dos créditos totais detidos, em 1o de março de 2013, por ela e pela Eletrobrás junto a Itaipu Binacional. § 1º As características dos títulos de que trata o caput serão definidas pelo Ministro de Estado da Fazenda. § 2º Os valores recebidos pela União em decorrência de seus créditos junto a Itaipu Binacional serão destinados exclusivamente ao pagamento da Dívida Pública Federal.” A emissão direta de títulos do Tesouro não tem passado pelo Orçamento Geral da União-OGU, contrariando princípios da contabilidade e do orçamento públicos e a Lei 4.320/64. Nesse caso, há um comprometimento de receitas futuras que viriam da usina Itaipu, uma vez que tais receitas estão vinculadas ao pagamento (resgate) dos títulos. Trata-se de uma antecipação de receita que provavelmente será considerada receita primária, à medida que for ocorrendo, e que custeará os subsídios da redução de tarifas do setor elétrico. Esses créditos contra Itaipu estão estimados em R$ 15 bilhões. 2.6 Classificação como receita primária do Tesouro do seguinte ingresso de recurso: compra pelo BNDES de ações da Petrobrás na carteira do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização-FFIE, dando, como pagamento, títulos públicos em seu poder, que foram posteriormente resgatados antecipadamente

pelo Tesouro, com o objetivo de alcançar o superávit primário (Decreto nº 7.881, de 28/12/2013); O BNDES comprou ações da Petrobras na carteira do FFIE. Primeiro, vale ressaltar, que isso somente foi possível porque o BNDES foi dispensado de cumprir limites de crédito por credor definidos com base na relação entre os créditos e o patrimônio líquido do banco, conforme será explicado no item 7. Em segundo lugar, o pagamento por parte do BNDES foi feito com títulos públicos e não em dinheiro. Em terceiro lugar, a compra de ações da Petrobras foi feita diretamente pelo BNDES, ou seja, o FFIE não foi ao mercado vender tais ações, pois isso efetivaria a perda decorrente da queda do valor das ações da Petrobras no mercado. Assim, fica justificada a entrada do BNDES nessa operação: evitar a perda de recursos com a marcação das ações a preço de mercado, uma vez que o preço por ação ordinária da Petrobrás caiu de R$ 31,25, em 2010, para R$ 19,55, ao final de 2012. O art. 1º do Decreto nº 7.881, de 28/12/2013 determina: “Art. 1º Compete ao Presidente da República, por proposta do Conselho de Administração do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES, autorizar a alienação das ações ordinárias de emissão da PETROBRAS, adquiridas diretamente junto ao Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização-FFIE, a qual ficará, ainda, condicionada ao cumprimento das formalidades estabelecidas neste artigo.” De posse dos títulos públicos, o FFIE entregou-os ao Fundo Soberano do Brasil - FSB (fundo público/ Tesouro), que diminuiu sua participação como cotista do FFIE, ou seja, resgatou as cotas. Uma vez que esses títulos ficaram na carteira do Fundo Soberano, deixaram de estar no “mercado”. Isso gera impacto no resultado primário medido no conceito “abaixo da linha” (variação da dívida líquida), pois significa uma amortização de dívida (redução), o que equivale a um superávit primário. Devemos lembrar que o FSB é uma Unidade Orçamentária da União, fazendo parte do Orçamento Geral da União. Assim, do ponto de vista do resultado primário medido “acima da linha” (receita menos despesa), é como se houvesse uma receita para o Tesouro, não importando se é na forma de títulos ou de moeda.


2.7 Antecipação de dividendos (receita primária) ao Tesouro pela CEF e pelo BNDES (por meio de Ofício do Ministério da Fazenda);

O principal problema quanto a essa antecipação é que o lucro dessas instituições (CEF e BNDES) foi gerado pelos juros subsidiados que o próprio Tesouro oferece às mesmas. Ou seja, o Tesouro emite títulos no mercado e paga a taxa Selic sobre os mesmos, enquanto empresta a juros bem inferiores à CEF/BNDES, que, por sua vez, emprestam a juros mais altos a seus clientes. Enquanto os subsídios a tais instituições financeiras não são registrados como despesa primária, os dividendos advindos dos lucros, gerados a partir de tais subsídios, são registrados como receita primária. Por sua vez, a antecipação de dividendos pelo BNDES teve que ser feita por meio de um Ofício do Ministério da Fazenda, já que pelo Estatuto do Banco não seria permitida a distribuição em 28 de dezembro de 2012, conforme foi feita. O TCU questionou a validade de tal Ofício, mas a resposta foi a de que houve a permissão de que ao Tesouro, principal acionista do BNDES, foi dada competência para fazer tal distribuição e que a decisão por fazê-lo de ofício é justificada pelo fato de não se achar por bem alterar o Estatuto do Banco para uma ação meramente pontual, que só valeria para 2012. Assim, pelas razões acima, a operação de antecipação de dividendos comentada é considerada no âmbito do que se convencionou chamar de “contabilidade criativa”. 2.8 Dispensa somente ao BNDES de marcar a mercado as ações que possuía das empresas Eletrobrás, Petrobras e Vale (Resolução CMN nº 4.175/12). Isso possibilitou que houvesse lucro no Banco e o mesmo distribuísse dividendos ao Tesouro. Se tais ações fossem cotadas pelo valor de mercado, gerariam prejuízo (pois o valor de mercado caiu). Os dividendos foram entregues ao Tesouro e computados como receita primária. Isto também faz parte da chamada “contabilidade criativa”; 2.9 Autorização pelo Conselho Monetário Nacional – CMN para que o BNDES fosse dispensado do limite de exposição ao risco por cliente em operações de empréstimo e de compra de ações da Eletrobrás, Petrobrás e Vale (Resolução 4.089/2012). No caso da elevação do limite para operações de empréstimo, isso possibilitou que o BNDES fizesse empréstimos à empresa Vale acima do limite de 25%

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O Fundo Soberano do Brasil - FSB é um fundo especial, de natureza contábil e financeira, vinculado ao Ministério da Fazenda criado por lei, conforme exige o art. 167, IX, da Constituição Federal. Integra o orçamento fiscal, por se tratar de fundo pertencente à União, conforme o art. 165, § 5º da Carta. Ao final de 2008, o governo utilizou parte do seu excesso de arrecadação de receita para fazer aporte no FSB, mantendo a meta fiscal de superávit primário. Esse aporte de recursos, no valor de R$ 14,2 bilhões, foi considerado como despesa primária, ao se calcular o resultado primário do exercício de 2008. Com esses recursos, o FSB integralizou cotas do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização- FFIE que é de caráter privado. Dessa forma, assim como o aporte do Tesouro no Fundo Soberano (ou integralização de cotas no FFIE) foi considerado como despesa primária, a “devolução” dessas cotas ao Fundo Soberano/Tesouro foi considerada receita primária. Essas operações possibilitaram que o Tesouro utilizasse, no ano de 2012, a poupança que fez em 2008, sem que isso fosse considerado receita financeira, possibilitando que fosse gerado resultado primário maior. Por isso, alguns consideram tais operações como parte da chamada “contabilidade criativa”, com o objetivo de alcançar a meta de resultado primário, o que não ocorreria se tais receitas não fossem computadas como receitas primárias. O problema desse tipo de operação é que esconde a verdadeira situação das contas públicas, além de não tornar transparente a perda patrimonial do FFIE estimada em R$ 4 bilhões, decorrente da compra, em 2010, e venda, em 2012, das ações da Petrobras. Além disso, essa operação se desvia das de natureza típica do FSB, que foi criado originalmente com o objetivo de atenuar os ciclos econômicos, fomentar projetos do País no exterior e suavizar as oscilações do mercado de câmbio. Vale destacar que a decisão de resgate de cotas do FFIE foi aprovada pelo Conselho Deliberativo do Fundo Soberano do Brasil, por meio da Resolução nº 9, de 28 de dezembro de 2012, com base no parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

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do Patrimônio de Referência do Banco. No caso da elevação do limite de exposição ao risco para compra de ações das referidas empresas, isso possibilitou que o BNDES comprasse mais ações da Petrobras e, assim, participasse das operações com o Fundo Soberano (“contabilidade criativa” já comentada no item 5); Além disso, foi estendido para 31 de julho de 2015 o prazo para que o BNDES não se submeta a qualquer tipo de limite para conceder empréstimo para as empresas Eletrobrás e Petrobras (Resolução 4.089/2012). 2.10 Autorização pelo CMN para que o BNDES excluísse da apuração do limite do Ativo Permanente em relação ao Patrimônio Líquido as compras de ações da Eletrobrás, Petrobras e Vale (Resolução 4.089/2012). Isso possibilitou a compra dessas ações, o que, pela regra anterior, levaria o Banco a ultrapassar esse limite legal.

(2) O segundo truque contábil é vender receitas futuras (dividendos) de outras estatais para o BNDES e, assim, o Tesouro transforma uma receita que entraria no futuro em receita primária hoje. Isso foi feito, em 2009 e 2010, com créditos (dividendos) a receber da Eletrobrás e, no final de 2012, feito com a receita futura de Itaipu.

3 Truques Contábeis e Contabilidade Criativa A Relação do BNDES com o Tesouro é uma das fontes da chamada “Contabilidade Criativa”. Com base nas explicações acima, destacamos os seguintes pontos: (1) emitir novas dívidas para emprestar aos bancos públicos e, simultaneamente, recolher dividendos desses bancos (inclusive dividendos antecipados). Se um banco público precisa de recursos, o correto seria o governo deixar a instituição reter os dividendos que seriam distribuídos e, assim, reduzir as emissões de dívida.

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(3) O terceiro truque contábil envolveu relação entre o BNDES e a Petrobras. Originalmente, a operação aprovada no Congresso Nacional, em 2010,


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4 Capitalização por Instrumento não Orçamentário Conforme comentado na seção 2, a capitalização/ financiamento realizada em favor do BNDES, por meio de instrumento híbrido de capital e dívida, revela duas operações no âmbito da União: uma receita de capital relativa à operação de crédito (emissão do título, que ocorre quando de sua entrega ao BNDES) e uma despesa de capital relativa à aquisição de um ativo (crédito contra o BNDES). Segundo técnicos do Poder Executivo, tais operações não são incluídas no orçamento porque não produzem movimentação na conta única. Contudo, a movimentação na conta única deveria ser tida como irrelevante para caracterizar o fenômeno financeiro. De fato, efetivamente ocorre uma operação de crédito e uma aquisição de ativo!

Devemos refletir sobre a seguinte questão: aumentar a participação acionária no BNDES é considerada despesa primária nos manuais internacionais de apuração do resultado primário, mas capitalizar o BNDES com a entrega de títulos por meio de instrumentos híbridos de capital e dívida é despesa financeira. Até que ponto tal instrumento estaria mascarando a verdadeira situação das contas públicas? O BNDES é capitalizado em conformidade com normas do Banco Central (que estão em conformidade com o Acordo de Basiléia), que considera capital para fins de concessão de financiamentos o montante obtido da soma do patrimônio líquido com valores relativos a instrumentos híbridos de capital e dívida. A União tem capitalizado o banco para que possa conceder maior volume de financiamentos, atendendo à política creditícia do governo. Será que a política creditícia não deveria ser limitada pelas restrições orçamentárias? E consequentemente se submeterem ao processo orçamentário no Congresso Nacional? Será que a classificação dos aportes de recursos ao BNDES como despesa financeira não representaria uma burla a essas restrições? Salvo melhor juízo, a aquisição de ativo decorrente da capitalização do BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (quer ocorra com aumento de participação acionária ou por meio de instrumento híbrido de capital e dívida) deveria sempre passar pelo orçamento, ainda que se dê não com o pagamento em dinheiro, mas com a emissão (entrega) de títulos. Deve-se lembrar de que, recentemente, o Poder Executivo estabeleceu que o BNDES pode pagar dividendos à União ainda que isso prejudique a constituição de reservas (Decreto nº 8.034, de 28/06/2013), desde que a consequente descapitalização seja compensada por instrumentos que possam ser utilizados como capital.

5 Efeitos sobre a Dívida Bruta e Líquida Embora não se perceba, em função dos “truques” assinalados acima, o impacto das operações sobre o resultado primário, não há muito como esconder o aumento da dívida bruta, nos últimos anos. A dívida bruta do setor público cresceu muito, enquanto a dívida líquida caiu, em proporção do PIB. Isso

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permitiu ao governo ceder 5 bilhões de barris de petróleo (que estão lá no fundo do mar) por R$ 74,8 bilhões à Petrobras que pagaria ao governo com ações da companhia. Porém, foi emitido R$ 25 bilhões em novas dívidas para capitalizar o BNDES que, em conjunto com o Fundo Soberano, compraram R$ 32 bilhões de ações da Petrobras que pagou parte dos 5 bilhões de barris de petróleo ao Tesouro não com ações, mas com esse dinheiro. Assim, uma operação que deveria ser neutra do ponto de vista fiscal, troca de barris de petróleo por ações, acabou gerando uma receita primária de R$ 32 bilhões (1% do PIB).

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porque os créditos junto ao BNDES são considerados haver e compensam o aumento da emissão de títulos mobiliários correspondentes. Entretanto, o principal mal que está sendo encoberto nessas operações o fato de que tais créditos possuem riscos de não serem recebidos pelo Tesouro. Então, o

Tesouro está com dívida certa (dívida bruta) e haveres incertos (crédito junto a instituições públicas financeiras). Por isso, o resultado primário médio pela variação da dívida líquida, tal como é medida hoje, não tem sido um bom indicador da “saúde” das contas públicas.

6 Capitalização e Financiamento Subsidiado

“o valor do benefício concedido nas operações de crédito ao BNDES representaram, em 2011, o montante de R$ 19,2 bilhões. De modo semelhante, a STN havia apurado, no exercício de 2010, que o montante dos subsídios associados aos mesmos empréstimos atingiram R$ 1,4 bilhão, em 2009, e R$ 7,6 bilhões, no ano de 2010. Dessa forma, o total de benefícios incorridos no período entre 2009 e 2011 chegou a R$ 28,2 bilhões.” Adicionalmente, em relação ao segundo tipo de custo explicado acima, o custo orçamentário, é possível ler na p. 145 do Relatório de Contas de 2011 que esse custo foi de R$ 3,6 bilhões – subsídios do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Mas quando olhamos para os dados do Siafi, nota-se que, em 2011, só foram pagos R$ 428,9 milhões desses subsídios e esse pagamento ocorreu uma única vez no mês de junho do ano passado. Ao analisarmos as Contas de 2012 verificamos que

O BNDES tem sido capitalizado de forma frequente desde 2008, tendo como justificativa o uso da instituição pública de desenvolvimento como forma de agir de forma “anticíclica” frente a escassez de crédito internacional, ocorrida no agravamento da crise financeira agravada no segundo semestre de 2008 com a quebra do banco Lehman Brothers e com a crise do Subprime. Esse financiamento é feito quer diretamente, com concessão de crédito, quer indiretamente, com o aumento do crédito subsidiado pelo Tesouro ou por absorção de dívida iliquidável do Banco (ver Lei nº 12.404/2011, na Tabela 1). Todos esses mecanismos, por mais que se diga o contrário, representam alguma forma de custo ao erário federal. O TCU, no seu relatório de contas do governo tem quantificado esse custo:


Dispositivo Legal

O custo total, portanto, em 2011, foi de R$ 22,8 bilhões, e em 2012, cerca de, R$ 21 bilhões; um valor nada irrelevante para um custo que, até 2008, não existia.

Conteúdo e Valores

Objetivo

Lei nº 11.805, de 6 de Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Constitui fonte de recursos adicional para amplianovembro de 2008 Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ção de limites operacionais do Banco Nacional de - BNDES, no montante de até R$ 15.000.000.000,00 Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES (quinze bilhões de reais) Lei nº 11.688, de 4 de junho Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Constitui fonte de recursos adicional para ampliade 2008. Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - ção de limites operacionais do Banco Nacional de BNDES, no valor de até R$ 12.500.000.000,00 (doze Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES bilhões e quinhentos milhões de reais) Lei nº 12.096, de 24 de O valor total dos financiamentos subvenciona- Autoriza a concessão de subvenção econômica ao novembro de 2009. dos pela União é limitado ao montante de até R$ Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e 312.000.000.000,00 (trezentos e doze bilhões de reais). Social - BNDES Fica a União autorizada a renegociar ou estabelecer as condições financeiras e contratuais de operações de crédito realizadas com o BNDES, mantida, em caso de renegociação, a equivalência econômica com o valor do saldo das operações de crédito renegociadas, e mediante aprovação do Ministro de Estado da Fazenda, observado o seguinte: I - até o montante de R$ 11.000.000.000,00 (onze bilhões de reais), visando ao seu enquadramento como instrumento híbrido de capital e dívida, conforme definido pelo Conselho Monetário Nacional, ficando, neste caso, assegurada ao Tesouro Nacional remuneração compatível com o seu custo de captação; e II - até o montante de R$ 20.000.000.000,00 (vinte bilhões de reais), referente ao crédito concedido ao amparo da Lei no 11.805, de 6 de novembro de 2008, para alterar a remuneração do Tesouro Nacional para o custo de captação externa, em dólares norte-americanos para prazo equivalente ao do ressarcimento a ser efetuado pelo BNDES à União. Lei nº 11.948, de 16 de junho de 2009.

Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES, no montante de até R$ 180.000.000.000,00 (cento e oitenta bilhões de reais),

Constitui fonte adicional de recursos para ampliação de limites operacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e dá outras providências

Lei nº 11.943, de 28 de maio Art. 15. Fica a União autorizada a repassar ao Banco de 2009. Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, mediante operação de crédito, recursos captados junto ao Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento - BIRD. § 1o Os recursos obtidos pela União junto ao BIRD, no montante de até US$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de dólares norte-americanos), serão repassados ao BNDES convertidos em reais à taxa de câmbio de venda do dólar, informada por meio do SISBACEN, transação PTAX800 - abertura, do dia da celebração do contrato com o BNDES. § 2o A União repassará os recursos ao BNDES nas mesmas condições financeiras oferecidas pelo BIRD.

Autoriza a União a participar de Fundo de Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica - FGEE; altera o § 4o do art. 1o da Lei no 11.805, de 6 de novembro de 2008; dispõe sobre a utilização do excesso de arrecadação e do superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional; altera o art. 1o da Lei no 10.841, de 18 de fevereiro de 2004, as Leis nos 9.074, de 7 de julho de 1995, 9.427, de 26 de dezembro de 1996, 10.848, de 15 de março de 2004, 3.890-A, de 25 de abril de 1961, 10.847, de 15 de março de 2004, e 10.438, de 26 de abril de 2002; e autoriza a União a repassar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES recursos captados junto ao Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento - BIRD.

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os subsídios ao BNDES e PSI, no conjunto, ficaram em R$ 12,686 bilhões no ano passado (p.177 do Relatório das Contas de 2012), adicione-se a isso ao custo de oportunidade de aplicação e aos valores do PSI e atingimos valores de custo total próximos a R$ 21 bilhões.

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Lei nº 12.404, de 4 de maio de 2011.

Art. 23. Fica a União, a critério do Ministro de Estado da Fazenda, autorizada a abater, até o limite de R$ 20.000.000.000,00 (vinte bilhões de reais), parte do saldo devedor de operações de crédito firmadas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, em contrapartida às provisões para crédito de liquidação duvidosa registradas por aquele Banco, relativas a financiamento concedido a investimentos em infraestrutura do País. § 1o O disposto no caput aplica-se apenas a financiamento concedido a partir da data de publicação desta Lei, cujo provisionamento decorrente de perda no valor esperado de realização dos créditos resulte em queda do patrimônio de referência, conforme definição dada pelo Conselho Monetário Nacional, de no mínimo R$ 8.000.000.000,00 (oito bilhões de reais). § 2o O abatimento de que trata o caput deverá ser suficiente para compensar até 90% (noventa por cento) das perdas sobre o valor provisionado pelo BNDES para as operações de financiamento a projetos de investimento.

Autoriza a criação da Empresa de Planejamento e Logística S.A. - EPL; estabelece medidas voltadas a assegurar a sustentabilidade econômico-financeira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES; dispõe sobre a autorização para garantia do financiamento do Trem de Alta Velocidade - TAV, no trecho entre os Municípios do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, e Campinas, Estado de São Paulo; e dá outras providências.

Lei nº 12.712, de 30 de agosto de 2012.

“Art. 2o Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, no montante de até R$ 100.000.000.000,00 (cem bilhões de reais), em condições financeiras e contratuais a serem definidas pelo Ministro de Estado da Fazenda.

Altera as Leis nos 12.096, de 24 de novembro de 2009, 12.453, de 21 de julho de 2011, para conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, 9.529, de 10 de dezembro de 1997, 11.529, de 22 de outubro de 2007, para incluir no Programa Revitaliza do BNDES os setores que específica, 11.196, de 21 de novembro de 2005, 7.972, de 22 de dezembro de 1989, 12.666, de 14 de junho de 2012, 10.260, de 12 de julho de 2001, 12.087, de 11 de novembro de 2009, 7.827, de 27 de setembro de 1989, 10.849, de 23 de março de 2004, e 6.704, de 26 de outubro de 1979, as Medidas Provisórias nos 2.156-5, de 24 de agosto de 2001, e 2.157-5, de 24 de agosto de 2001;

Lei nº 12.397, de 23 de março de 2011.

Art. 1o Fica a União autorizada a conceder crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, no montante de até R$ 30.000.000.000,00 (trinta bilhões de reais),

Constitui fonte de recursos adicional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES; e altera a Relação Descritiva constante do Anexo da Lei no 5.917, de 10 de setembro de 1973.

Outro aspecto importante é o aumento da exposição ao risco da União às operações de crédito feitas pelo BNDES, inclusive risco já executado em 2011 e 2012 (Lei nº 12.4014/2011), outra exposição é feita pela participação em fundos de garantia de crédito.

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A tabela abaixo explicita os ativos financeiros do governo geral e vemos o crescimento de pouco mais de 1% para quase 24% do total dos ativos relacionados com créditos ao BNDES.


7 Conclusão Muito se tem comentado na imprensa sobre as operações entre o Tesouro e o BNDES, principalmente, ao final de 2012, quando foram utilizados vários artifícios contábeis, para se alcançar a meta de superávit primário. Muitas operações desse tipo já vêm ocorrendo desde a crise financeira mundial de 2008. Porém, após a operação como o Fundo Soberano, ao final de 2012, ficou mais nítido o uso do BNDES como instrumento para viabilizar a política econômica, creditícia e fiscal do governo, nos últimos anos. A gravidade dos artifícios utilizados é que mascara a verdadeira situação das contas públicas, além do fato de muitas operações não estarem previstas no Orçamento Geral da União. O trabalho conclui que tais operações acabam se refletindo na dívida bruta, enquanto o mesmo não ocorre com a dívida líquida, o que torna o indicador de resultado primário, da forma como está sendo calculado, não muito confiável para medir a real situação das contas públicas do País.

Maria Liz de Medeiros liz@senado.gov.br

Consultora de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal, Mestre em Economia pela EPGE/FGV-RJ.

Joaquim Ornelas Neto ornelas@senado.gov.br Consultor de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal, Mestre em Economia pela UnB-DF.

Renato Brown

rjbrown@senado.gov.br Consultor de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal, Doutor em Administração Pública pela FGV-RJ.


Artigo A armadilha juros-câmbio: a continuidade do desequilíbrio macroeconômico brasileiro* José Luís Oreiro

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No final do ano de 2012, o secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, afirmou, em entrevista para o jornal Valor Econômico (“Transição para a nova matriz macroeconômica, afetou o PIB”), que o governo brasileiro havia adotado uma “nova matriz macroeconômica” caracterizada pela combinação entre juros baixos, câmbio competitivo e política fiscal “amigável” ao investimento público. Essa nova matriz macroeconômica deveria levar a um aumento considerável do ritmo de crescimento do investimento ao longo do ano de 2013, de maneira a permitir a aceleração do crescimento da economia brasileira. Essas expectativas, contudo, não se concretizaram. Embora a economia brasileira tenha, de fato, acelerado o seu crescimento com respeito ao ano de 2012 (2,28% em 2013 contra 1,03% em 2012), o valor registrado em 2013 foi muito inferior à média do período Lula (4,05% na média do período 2003-2010). Além disso, a partir de meados de 2013 o Banco Central do Brasil iniciou um novo ciclo de elevação da taxa de juros, fazendo com que a taxa Selic voltasse ao mesmo nível prevalecente no início do governo Dilma Rousseff (10,75% a.a.). Por fim, a desvalorização da taxa nominal de câmbio ocorrida nos últimos dois anos aparentemente não foi capaz de recuperar a competitividade da indústria brasileira, cuja produção física se encontra estagnada há 36 meses.

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Esses resultados têm levado alguns analistas a afirmar que a mudança na combinação câmbio-juros, para um patamar mais condizente com aquele observado no resto do mundo, é irrelevante para o crescimento da economia brasileira no longo-prazo. Segundo essa linha de interpretação, o real obstáculo à aceleração do crescimento não estaria na esfera macroeconômica, mas se daria em nível microeconômico. Nesse contexto, o problema real seria o baixo crescimento da produtividade dos recursos econômicos (trabalho e capital), resultado de uma série de ineficiências, tanto do setor privado – devido ao grau reduzido de exposição da economia à concorrência internacional – como do governo – devido à ineficiência da máquina administrativa e a política de concessão de subsídios públicos via BNDES para algumas empresas do setor privado. A solução passaria, portanto, por um choque de abertura comercial – com uma redução unilateral e não negociada das alíquotas de importação – combinada com um (sic) “choque de gestão” no setor público e uma redução – se não a extinção pura e simples – da política de subsídio ao investimento privado por meio do BNDES. Não irei aqui entrar em detalhes pormenorizados a respeito do porquê essa linha de interpretação é incorreta. Quero apenas salientar que, no período compreendido entre o terceiro trimestre de 2003 e o

Este artigo foi produzido a pedido da liderança do PPS com o intuito de embasar as discussões a respeito da elaboração do programa econômico do candidato da aliança PSB-Rede-PPS à Presidência da República. As opiniões aqui expressas são em caráter pessoal, não representando a posição político-ideológica das instituições as quais o autor é ligado por razões profissionais e/ou acadêmicas.


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O problema é que essa desvalorização da taxa real efetiva de câmbio não foi suficientemente grande para eliminar a sobrevalorização da taxa de câmbio que se processou na economia brasileira ao longo de toda a década passada.

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Uma taxa de câmbio valorizada elimina essa possibilidade, uma vez que torna os preços dos produtos brasileiros muito caros e, portanto, pouco competitivos, tanto no mercado doméstico como no mercado internacional. Essa é a razão principal da estagnação da produção industrial no Brasil desde o final de 2010, apesar de todos os esforços realizados pelo governo brasileiro no sentido de criar demanda para a indústria nacional. Esforço realizado em vão, pois a demanda criada pela política econômica do governo vazou para o exterior, beneficiando a indústria de outros países como China e Alemanha. Mas alguém poderia dizer que a taxa de câmbio se desvalorizou nos últimos anos e isso não teve efeito sobre a competitividade da indústria ou sobre a taxa de investimento. Com efeito, a taxa de câmbio dólar-real passou de R$ 1,65 no dia 03/01/2011 (primeiro dia útil do mandato da Presidente Dilma) para R$ 2,35 no dia 18/03/2014 (no momento que escrevo este artigo). Trata-se de uma desvalorização de 42% em pouco mais de três anos. Por que a desvalorização cambial não estimulou o investimento?

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segundo trimestre de 2012, o coeficiente de penetração das importações na indústria de transformação no Brasil dobrou de tamanho, indicando com isso um movimento expressivo de substituição de produção doméstica por importações. Esses dados são claramente incompatíveis com a tese de que a economia brasileira se encontra pouco exposta à concorrência internacional; pelo contrário, o problema parece ser justamente excesso de exposição. O baixo crescimento da economia brasileira nos últimos anos é o resultado de um nível baixo de investimento (público e privado) em expansão da capacidade produtiva e em infraestrutura. Nos últimos anos a taxa de investimento, ou seja, a razão entre o gasto realizado na compra de máquinas, equipamentos e instalações e o PIB tem flutuado em torno de 19%. Para que o Brasil possa crescer de forma sustentada, sem pressões inflacionárias, a um ritmo de 5% a.a, é necessário que a taxa de investimento seja de, pelo menos, 24% do PIB. Daqui concluímos que a taxa de investimento precisa aumentar 26,31% para que seja possível alcançar essa meta de crescimento. O investimento privado responde a estímulos pecuniários. Se o setor privado está investindo pouco no Brasil, é porque a taxa esperada de retorno dos projetos de investimento é baixa. E isso decorre da combinação entre câmbio apreciado e juros elevados. Em matéria publicada no jornal Valor Econômico em 14/09/2012 (“câmbio não gerou recessão na indústria”) o então Secretário Executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa afirmou que “o empresário não investe porque o governo pediu nem porque a taxa de juros está baixa. O empresário investe se tiver demanda”. A afirmação de Barbosa é parcialmente correta, pois, de fato, se não houver demanda, o empresário não vai investir na ampliação da capacidade produtiva. Mas o que o Secretário se esqueceu de mencionar é que não basta ter demanda, é necessário também que os empresários tenham acesso a essa demanda. E o acesso à demanda – tanto interna como externa – é mediado pela taxa de câmbio. Em outros termos, uma taxa de câmbio competitiva é fundamental para que o empresário nacional possa atender a demanda, tanto dos consumidores domésticos quanto dos consumidores do resto do mundo.

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Durante o governo da Presidente Dilma houve uma desvalorização bastante significativa da taxa de câmbio, a qual foi, sem sombra de dúvida, um dos fatores responsáveis pela manutenção da taxa de inflação em patamares sistematicamente superiores ao centro da meta de inflação (4,5% a.a), mas não foi o Real que se desvalorizou frente ao dólar, e sim o dólar que se desvalorizou frente a todas as moedas do mundo, inclusive o Real. Dessa forma, a taxa de câmbio entre o Real e as moedas de nossos demais parceiros comerciais se desvalorizou muito menos do que a taxa de câmbio dólar-real. Com efeito, dados do IPEADATA mostram que entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013 a taxa real efetiva de câmbio (uma medida do valor da moeda brasileira em comparação com as moedas dos 16 principais parceiros comerciais do Brasil) acumulou uma desvalorização de 33,64%, um número alto, mas inferior ao observado na taxa de câmbio dólar-real. O problema é que essa desvalorização da taxa real efetiva de câmbio não foi suficientemente grande para eliminar a sobrevalorização da taxa de câmbio que se processou na economia brasileira ao longo de toda a década passada. Com efeito, na comparação com junho de 2004 a taxa real efetiva de câmbio se encontrava sobrevalorizada em 23,85% em dezembro de 2013. Isso significa que, para voltar ao valor prevalecente em meados de 2004, a taxa de câmbio real-dólar deveria ser aproximadamente igual a R$ 2,90. O outro fator que limita a expansão do investimento é a elevada taxa real de juros prevalecente no Brasil. A taxa Selic representa a taxa de retorno da aplicação financeira livre de risco no Brasil, uma vez que ela é a que remunera as assim chamadas letras financeiras do tesouro, as quais são um tipo de título de dívida emitido pelo governo federal que tem liquidez diária. No momento em que escrevo este artigo a taxa Selic se encontra em 10,75% a.a. Supondo uma expectativa de inflação para os próximos 12 meses de 6%, então a taxa real de juros da aplicação financeira livre de risco na economia brasileira é igual a 4,48% a.a. Em poucos lugares do mundo uma aplicação livre de risco gera uma taxa de retorno tão alta. O efeito disso sobre a decisão de investimento é perverso. Como a taxa de juros das aplicações livre de risco é muito alta, os empresários só estarão dispostos a realizar aqueles projetos de

investimento cuja taxa de retorno supere a taxa de juros livre de risco por uma elevada margem (essa margem é o que se conhece como prêmio de risco). O problema é que, numa economia que se defronta com uma forte sobrevalorização cambial e que possui sérias deficiências de infraestrutura – problemas esses que se somam à incerteza oriunda da política macroeconômica que se comporta como uma “biruta de aeroporto” –, poucos são os projetos de investimento cuja taxa de retorno supera, por uma margem suficientemente grande para se tornar atrativa para os empresários, a taxa de juros livre de risco. A argumentação que conduzi até aqui aponta para o fato de que a permanência de uma taxa de câmbio valorizada e uma taxa de juros elevada atua no sentido de desestimular o investimento, o que termina por condenar a economia brasileira a uma taxa de crescimento medíocre. Nas próximas seções iremos discutir as razões da existência dessa armadilha câmbio-juros e o que podemos fazer para desmontá-la. As razões da Armadilha Câmbio-Juros Na primeira parte deste ensaio argumentei a respeito da persistência do desequilíbrio macroeconômico brasileiro, na forma de uma armadilha ou “equilíbrio ruim” de juros altos e câmbio valorizado. Argumentei também que a persistência desse desequilíbrio é a causa fundamental do desempenho medíocre da economia brasileira desde 2011. Na segunda parte deste ensaio irei tratar das razões da persistência da armadilha câmbio-juros, uma vez que o entendimento dessas razões é de importância fundamental para a formulação de uma política econômica que consiga desatar, de uma vez pra sempre, esse nó que impede o desenvolvimento do Brasil. Vamos começar com a questão dos juros. A temática da taxa de juros desperta no Brasil paixões similares as que se observam num jogo de futebol. Podemos identificar claramente dois times na disputa, os “Falcões”, que desejam que o BCB eleve a taxa de juros em qualquer circunstância e os “Pombos” que gritam pela redução da taxa de juros, igualmente em qualquer circunstância. Ai de quem tentar se posicionar nesse debate de forma menos “apaixonada”, procurando usar a razão, o bom-senso, a prudência e a teoria econômica para formar sua opinião a respeito de qual deve ser o curso


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Nos últimos anos avançamos apenas em duas frentes, quais sejam, a flexibilização do regime de metas de inflação e a redução da parcela da dívida pública indexada a Selic.

meta definida pelo CMN. Isso ocorre por dois motivos. Em primeiro lugar, as LFTs reduzem a eficácia do canal de juros na transmissão da política monetária ao distorcer a formação da estrutura a termo da taxa de juros. Por terem remuneração diária e elevada liquidez, as LFTs geram incentivos para que os agentes mantenham parte significativa de sua riqueza financeira no curto prazo, o que diminui o fluxo de recursos disponíveis para financiar projetos de investimento de longo prazo, cuja remuneração não estaria muito acima daquela oferecida pelas LFTs. Em segundo lugar, as LFTs restringem a eficácia do canal dos preços dos ativos na transmissão da política monetária. Elevações na taxa de juros fazem com que o preço dos títulos pré-fixados diminua. Essa diminuição implica perdas de capital para seus detentores e, portanto, redução de sua riqueza financeira, o que tende a diminuir o consumo. As LFTs, ao contrário, têm seu preço aumentado como decorrência de uma elevação da taxa de juros, de forma que esses títulos não sinalizariam corretamente para as famílias a direção desejada pela política monetária. (iii) Mix inadequado entre a política monetária e fiscal, uma vez que a política fiscal no Brasil (ao menos desde 2008) tem sido francamente expansionista em função do crescimento dos gastos primários do governo a uma taxa superior a do crescimento do PIB, o que obriga a política monetária a ser contracionista para evitar um crescimento excessivo da demanda agregada doméstica, a qual impediria a obtenção da meta de inflação. (iv) Rigidez excessiva do regime de metas de inflação brasileiro, o qual se baseou na sistemática de metas declinantes de inflação (até 2005) e na convergência da inflação para a meta ao longo do ano calendário (até 2010). A imposição de metas declinantes obrigava o BCB a manter a economia em estado de permanente semiestagnação para forçar assim uma elevação do hiato do produto, a qual permitiria uma queda gradual da inflação ao longo do tempo. A convergência para a meta ao longo do ano calendário reduzia o espaço de manobra para o BCB acomodar choques de oferta, obrigando a autoridade monetária a elevar os juros mesmo diante das pressões inflacionárias vindas do lado da oferta da economia. (v) Fragilidade financeira do Estado Brasileiro devido ao reduzido prazo de maturidade da dívida pública,

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desejado da política monetária. Quem assim o fizer corre o risco de ser mandado para a fogueira, sem direito à apelação, por ambos os times do campeonato da Selic. Por que a taxa de juros no Brasil é tão alta? A literatura relevante sobre o tema no Brasil aponta as seguintes causas: (i) Elevado grau de inércia inflacionária, devido à permanência de mecanismos formais de indexação de preços após o Plano Real. Quanto maior o grau de inércia inflacionária maior é a dosagem de juros requerida para fazer com que a inflação convirja para a meta definida pelo Conselho Monetário Nacional. Essa inércia foi aumentada durante o governo da Presidenta Dilma Rousseff por intermédio da institucionalização da regra de reajuste do salário mínimo, a qual atrela mecanicamente os reajustes do salário mínimo a inflação do ano anterior, acrescida da variação do PIB observada dois anos antes. (ii) Baixa eficácia da política monetária devido à existência de uma parcela considerável de títulos da dívida pública que são indexados à taxa básica de juros, as assim chamadas Letras Financeiras do Tesouro (LFTs). A existência das LFTs reduz a eficácia da política monetária, aumentando assim a dosagem de juros que é necessária para que a inflação convirja com respeito à

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a qual vence num prazo médio inferior a 40 meses. Os elevados pagamentos de juros e amortizações da dívida pública aumentam o poder de barganha dos demandantes de títulos, os quais podem exigir prêmios de juros mais altos por parte do Tesouro. Em função da indexação da dívida pela Selic, a política monetária é contaminada pela dívida pública, fazendo com que a taxa de juros que o Tesouro Nacional paga pelos títulos da dívida pública determine a taxa de juros usada no dia a dia pelo BCB para a regulação da liquidez da economia no mercado interbancário. Nos últimos anos avançamos apenas em duas frentes, quais sejam, a flexibilização do regime de metas de inflação e a redução da parcela da dívida pública indexada a Selic. Graças a isso, a taxa real de juros foi reduzida de aproximadamente 10% a.a em 2006 para algo como 5-6% a.a no início de 2014. Contudo, em outras frentes recuamos como, por exemplo, na questão da inércia inflacionária. O salário mínimo é agora formalmente indexado pela inflação passada. O aumento do grau de indexação formal da economia brasileira atua na direção contrária à queda da taxa de juros. Outra frente, na qual recuamos, foi o mix de política macroeconômica. Desde 2008 a política fiscal tem sido francamente expansionista, o que reduz o espaço de manobra para o BCB reduzir a taxa de juros sem comprometer a estabilidade da taxa de inflação. A meta de superávit primário não só foi reduzida – o que, por si só, já indica uma política fiscal expansionista – como ainda parece ser cada vez mais importante, para a sua obtenção, o uso de esquemas heterodoxos de “contabilidade criativa”. O uso de tais recursos mostra que a expansão fiscal é ainda maior do que a registrada nos números oficiais do governo, tornando mais difícil para o BCB manter a inflação na meta ao mesmo tempo em que tenta alcançar patamares mais baixos de taxa de juros. A fragilidade financeira do Estado Brasileiro continua inalterada em função da incapacidade que o Tesouro tem demonstrado em alongar o prazo de vencimento da dívida pública, assim como eliminar a participação, ainda expressiva, das letras financeiras do tesouro na composição da dívida pública federal. Agora vamos voltar nossa atenção para a questão do câmbio valorizado. Entre janeiro de 2003 e fevereiro de 2012 a taxa real efetiva de câmbio da economia

brasileira sofreu uma valorização de 37,32%. No mesmo período, a participação da indústria de transformação no PIB caiu de 18,01% para 14,59%. Os dados indicam de forma inexorável a ocorrência de um processo de desindustrialização da economia brasileira, causada, entre outros fatores, pela sobrevalorização da taxa real de câmbio. Embora os efeitos negativos da apreciação cambial sobre a indústria de transformação sejam relativamente consensuais entre os economistas, subsiste um debate sobre o que pode ser feito para lidar com o problema. Nesse contexto, podemos identificar claramente três posições distintas. Um primeiro grupo de economistas, mais ligado à ortodoxia liberal, muito próxima ao PSDB, acredita que a sobrevalorização cambial é um problema estrutural derivado da implementação, de jure, do Estado do Bem-Estar Social pela Constituição de 1988 e, de facto, pelo governo do PT desde 2003. As políticas de redistribuição de renda atuariam no sentido de produzir uma expansão dos gastos públicos, limitando assim os graus de liberdade do Setor Público para aumentar o superávit primário como proporção do PIB. Dessa forma, não seria possível operacionalizar a contração fiscal requerida para a desvalorização da taxa real de câmbio. Como a Sociedade brasileira teria feito uma escolha bem clara pelo Estado do BemEstar Social com a eleição de Lula e, posteriormente, Dilma; segue-se que a sobrevalorização cambial é irreversível e, por conseguinte, o país está condenado à desindustrialização. Um segundo grupo de economistas, fortemente ligado à equipe econômica do governo do PT, acredita que a valorização da taxa real de câmbio está relacionada com as transformações ocorridas na economia mundial, em particular a ascensão da China ao status de grande potência econômica. A demanda aparentemente insaciável da China por matérias-primas e commodities teria gerado uma elevação dos preços dos bens primários exportados pelo Brasil, atuando assim no sentido de produzir uma melhoria significativa dos termos de troca da economia brasileira. Essa melhoria teria resultado numa forte apreciação da taxa real de câmbio. Dado que a mudança na configuração mundial de poder econômico é um fato irreversível, a apreciação da taxa real de câmbio seria um fenômeno


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Outra frente, na qual recuamos, foi o mix de política macroeconômica. Desde 2008 a política fiscal tem sido francamente expansionista, o que reduz o espaço de manobra para o BCB reduzir a taxa de juros sem comprometer a estabilidade da taxa de inflação.

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mundial de 2008. Com efeito, no período 2003-2008 a correlação entre câmbio real e termos de troca era igual a -0,698; ao passo que no período 2009-2012 a correlação caiu para -0,3323, ou seja, menos da metade do que o observado no período anterior. Essa queda do coeficiente de correlação explica por que, após a crise de 2008, o aumento espetacular dos termos de troca da economia brasileira não resultou numa apreciação muito maior da taxa real de câmbio do que a que efetivamente observada. Por que a correlação entre câmbio e termos de troca caiu após a crise de 2008? A explicação é que, desde então, o governo e o BCB têm adotado um piso implícito para a taxa de câmbio, atuando de forma coordenada para evitar que o câmbio caia abaixo de certo nível crítico (índice 80 na série de câmbio real efetivo). Para tanto, o governo e o BCB tem usado vários instrumentos como, por exemplo, os controles de capitais e a política de incremento das reservas internacionais.

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de caráter permanente, sobre o qual a política econômica pouco pode fazer a respeito. Nesse contexto, a desindustrialização tem que ser enfrentada, não pela mudança na política cambial, a qual seria inócua sobre a dinâmica do câmbio real, mas pela volta ao protecionismo comercial prevalecente durante a vigência do modelo de industrialização por substituição de importações. Por fim, os economistas ligados ao “novo-desenvolvimentismo” – entre os quais eu me incluo – acreditam que a valorização da taxa real de câmbio nos últimos anos foi em decorrência, fundamentalmente, da adoção do “populismo cambial”, uma vez que a sobrevalorização da taxa real de câmbio produz um aumento temporário do salário real. O aumento do salário real nos últimos anos – embora insustentável a longo-prazo, pois não decorre do aumento de produtividade do trabalho, mas apenas da sobrevalorização do câmbio – tem se mostrado politicamente eficaz no sentido de garantir ao Partido dos Trabalhadores a vitória nos pleitos eleitorais. Nesse contexto, a desindustrialização tem que ser enfrentada, não pelo retorno do modelo protecionista dos anos 1970, mas pela mudança na política cambial. Uma análise dos dados da economia brasileira, no período em consideração, nos permite descartar, de imediato, a posição defendida pela ortodoxia liberal tucana. Com efeito, no período que estamos analisando (2003-2012), enquanto a taxa real de câmbio apresentava uma apreciação de 37,42%, o superávit primário do setor público (%PIB) permaneceu praticamente estável, aumentando míseros 2,14%. Daqui se segue que a política fiscal não pode ser culpada pela sobrevalorização do câmbio. O mesmo não pode ser dito a respeito dos termos de troca, os quais apresentaram uma valorização de 37,43% no período, guardando uma correlação de -0,6127 com a taxa real de câmbio. Isso não quer dizer, contudo, que a tendência à valorização dos termos de troca imponha uma tendência inexorável à sobrevalorização cambial. Isso porque, ao decompor o período 2003-2012 em dois subperíodos, a saber, 2003-2008 e 2009-2012, verifica-se que a correlação entre câmbio real e termos de troca caiu de forma abrupta após a erupção da crise econômica

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Mas se o governo e o BCB são capazes de impedir que o câmbio real se aprecie abaixo de um certo nível crítico, então eles também seriam capazes de produzir uma desvalorização administrada da taxa de câmbio, caso estivessem dispostos a fazê-lo. Daqui se segue que o câmbio sobrevalorizado é resultado de uma decisão do governo, ou seja, é o resultado do populismo cambial do governo do PT. Não interessa ao governo desvalorizar o câmbio, pois isso traria prejuízos eleitorais. Um Novo Regime de Política Macroeconômica Na seção anterior apresentei as razões da existência de uma armadilha juros altos-câmbio valorizado. Essa armadilha decorre da combinação perversa entre populismo cambial, persistência dos mecanismos formais e informais de indexação de preços e salários, baixa eficácia da política monetária devido à existência de uma fração significativa da dívida pública que é indexada a taxa de juros, crescimento dos gastos de consumo e de custeio do governo a um ritmo superior ao PIB nominal, o que gera uma poupança do setor público negligenciável ou negativa. O desmonte dessa armadilha não é, contudo, compatível com a manutenção do tripé macroeconômico herdado do período do Presidente Fernando Henrique Cardoso. É importante ressaltar, no entanto, que o tripé macroeconômico, constituído pela combinação entre

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O mesmo não pode ser dito a respeito dos termos de troca, os quais apresentaram uma valorização de 37,43% no período, guardando uma correlação de -0,6127 com a taxa real de câmbio.

meta de superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação foi muito bem sucedido no que se refere a alcançar os objetivos para os quais foi pensado. O tripé foi desenhado em 1999 para almejar três objetivos, a saber: estabilizar/reduzir a relação dívida pública/PIB, garantir a estabilidade da taxa de inflação e permitir que a política monetária fosse conduzida com vistas ao atendimento de objetivos domésticos, ao invés de ser desenhada em função das necessidades de ajuste do balanço de pagamentos. Esses três objetivos foram cumpridos e, sob esse ponto de vista, o tripé foi muito bem-sucedido. O tripé, contudo, não foi desenhado para viabilizar as condições macroeconômicas necessárias para o crescimento sustentado da economia brasileira; muito menos, para desmontar a armadilha câmbio-juros. Em particular, o tripé se mostrou compatível com a obtenção de uma poupança pública negligenciável ou negativa, com a deterioração crescente da competitividade externa da economia brasileira em função da apreciação crônica da taxa real de câmbio, com a manutenção da taxa real de juros em patamares elevados simultaneamente à obtenção de uma taxa de inflação superior a 5% a.a na média do período 2003-2012. A combinação entre poupança pública baixa ou negativa, câmbio apreciado, juro real elevado e inflação superior à média internacional resultaram numa taxa de investimento em torno de 18% nos últimos anos, valor esse compatível com um crescimento não inflacionário do PIB abaixo de 3% a.a. Alguns defensores mais radicais do tripé poderão argumentar que tudo o que a política macroeconômica pode fazer é garantir a estabilidade da taxa de inflação e a solvência das contas públicas. Para garantir um crescimento robusto no longo-prazo seria necessário adotar políticas do “lado da oferta da economia” com vistas a estimular o dinamismo da “produtividade total dos fatores de produção”. Nesse contexto, seria necessário criar um “choque de eficiência” na economia brasileira, o que demandaria uma abertura comercial irrestrita, com a redução unilateral de alíquotas de importação. Os efeitos deletérios dessa política sobre a indústria brasileira são considerados de segunda ou terceira ordem, pois a indústria é, segundo essa visão, um setor como qualquer outro.


A administração da taxa de câmbio deverá ser feita por intermédio da adoção de um sistema de bandas cambiais deslizantes, no qual o teto e o piso da banda sejam gradualmente desvalorizados ao longo do tempo de forma a obter uma taxa de câmbio competitiva a médio prazo. Esse sistema irá viabilizar um ajuste gradual da taxa de câmbio, ao invés de uma desvalorização súbita do câmbio. A implantação desse sistema irá requerer a adoção de controles temporários à saída de capitais do país, para impedir que a expectativa de desvalorização cambial leve a uma desvalorização abrupta da taxa de câmbio. A estabilidade da inflação a médio prazo será obtida pela combinação entre a austeridade gerada pelo novo regime fiscal e pela política salarial. Esta deverá ter como meta a obtenção de uma taxa de crescimento dos salários nominais a um ritmo aproximadamente igual à meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional e o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Uma forma de se obter esse resultado será por intermédio da introdução de uma Tax Income Policy, na qual o governo cobraria um imposto extraordinário sobre o lucro das empresas que concederem aumentos salariais acima do patamar dado pela meta de inflação e pelo crescimento da produtividade do trabalho. Um reforço importante na política salarial será a mudança na política de reajuste do salário mínimo (a qual pode ser realizada a partir de 2015). Sugerimos que o salário mínimo seja reajustado a uma taxa igual a meta de inflação acrescida de 2% a.a, valor esse que podemos considerar como uma estimativa a respeito do crescimento médio da produtividade do trabalho na economia brasileira no longo prazo. O objetivo da política salarial será fazer com que o custo unitário do trabalho em termos nominais aumente a uma taxa aproximadamente igual à meta de inflação, o que será um importante reforço no controle da taxa de inflação e na obtenção de uma taxa de câmbio competitiva a médio e longo-prazo. Deve-se ressaltar que essa política, de forma alguma, implica em “arrocho salarial” haja vista que ela é compatível com o crescimento do salário real a uma taxa aproximadamente igual ao ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Trata-se da única política salarial que é sustentável no longo-prazo.

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Economistas keynesianos como eu não compram esse argumento, uma vez que para nós o longo prazo é apenas uma sucessão de curtos-prazos, de maneira que a condução da política macroeconômica afeta, para o bem ou para o mal, o desempenho da economia a longo prazo. Sendo assim, qual seria a alternativa ao tripé? Minha proposta é que o próximo Presidente da República adote um regime macroeconômico baseado na obtenção de metas de superávit em conta-corrente do governo, câmbio administrado, extinção da parcela “selicada” da dívida pública, desindexação da economia e “moderação salarial”. A política fiscal seria baseada na obtenção de uma meta de superávit em conta-corrente do governo (igual a soma entre superávit primário e gastos de investimento menos o pagamento de juros da dívida), de maneira que o governo brasileiro finalmente abandonaria a postura fiscal Ponzi que possui há décadas, adotando assim a chamada “regra de ouro” da política fiscal, qual seja: “só te endividarás para financiar investimento”. Dessa forma, a política fiscal seria conduzida com vistas a gerar poupança pública positiva, fazendo com que eventuais déficits sejam resultados do excesso de investimento sobre poupança pública. Está claro que a transição para esse regime não pode ser imediata, mas deve ser feita gradualmente na forma de metas de superávit em conta-corrente crescentes ao longo de um período de 4 a 5 anos. A título de exemplo o governo poderia adotar uma meta de superávit em conta corrente de 0,5% do PIB em 2015 e aumentar gradualmente a mesma em 0,5% do PIB até alcançar 5% do PIB em 2025. Para que essa estratégia seja factível, será necessária a introdução de um limite ao ritmo de crescimento dos gastos de consumo e de custeio do governo. Mais especificamente, para que o superávit em conta corrente do governo aumente a um ritmo igual a 0,5% do PIB por ano, é necessário que os gastos correntes do governo aumentem a uma taxa igual à taxa de crescimento do PIB menos 0,5% ao ano. Considerando que, nas condições atuais da economia brasileira, o crescimento potencial do PIB é aproximadamente 3,5% ao ano, então a taxa máxima de crescimento dos gastos de consumo de governo será de 3% a.a.

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Qualquer outra coisa é puro e simples populismo. Voltemos, agora, nossa atenção para o problema dos juros. A redução da taxa básica de juros exige a extinção das Letras Financeiras do Tesouro (LFT´s) no bojo do ajuste fiscal engendrado pela adoção de um regime de metas de superávit em conta-corrente do governo, o que irá, finalmente, reduzir a fragilidade financeira do Estado Brasileiro. Com efeito, conforme vimos na seção anterior, uma razão fundamental para a persistência de um juro real tão elevado deve-se ao fato de que nosso país é, provavelmente, o único lugar do mundo onde o mercado monetário e o mercado de dívida pública estão umbilicalmente conectados por intermédio das LFT´s, a “jabuticaba” brasileira, as quais respondem por aproximadamente 20% da dívida mobiliária federal. A existência desses títulos faz com que a mesma taxa de juros que a autoridade monetária utiliza para colocar a inflação dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional seja a mesma taxa de juros que o Tesouro Nacional paga por uma fração considerável da dívida pública. Dessa forma, a taxa Selic é obrigada a cumprir duas funções dentro do sistema financeiro brasileiro: ela é a taxa de juros que regula os empréstimos no mercado interbancário, ao mesmo tempo que ela é a taxa pela qual o Tesouro Nacional consegue rolar uma parte significativa da dívida pública. Como a mesma taxa de juros precisa desempenhar duas funções, segue-se que a função de instrumento de política monetária acaba sendo contaminada pela função de rolagem da dívida pública federal, uma vez que o Banco Central não tem como fixar um valor da Selic para as operações no mercado interbancário e outro valor da Selic para as operações de rolagem da dívida pública. Nesse contexto, a fragilidade das contas públicas brasileiras acaba por fazer com que a taxa de juros requerida pelo mercado para a rolagem da dívida pública seja “excessivamente alta”, o que acaba se transmitindo, por arbitragem, para as operações normais de política monetária. Deve-se ressaltar que a tão propalada melhoria da situação fiscal do Estado Brasileiro após a implantação do tripé macroeconômico e após a adoção de expressivos superávits primários, é mais mito que fato. Com efeito, não só o setor público consolidado continua gerando expressivos déficits nominais (na casa de 3% a.a. em 2008 e 2009), como ainda os encargos financeiros da

dívida pública (juros e amortizações) superam em cerca de cinco vezes o montante de superávit primário gerado a cada ano. Dessa forma, o Estado Brasileiro ainda possui uma postura financeira Ponzi, o que eleva o risco de financiamento do Tesouro, aumentando enormemente o poder de mercado dos compradores de títulos, os quais podem exigir taxas de juros mais altas para a colocação dos papéis do governo. 5 Considerações Finais Em resumo, o desmonte da armadilha juros-câmbio, essencial para a retomada do crescimento econômico a taxas robustas, exige a adoção de um novo regime macroeconômico, que se distancia tanto do tripé macroeconômico herdado do período FHC como da (sic) nova matriz macroeconômica do governo da Presidente Dilma. O novo modelo macroeconômico aqui proposto deverá ser capaz de assegurar a obtenção simultânea dos seguintes objetivos: crescimento robusto do PIB, câmbio competitivo, taxa de inflação baixa e estável, taxa real de juros compatível com o padrão internacional, equilíbrio das finanças públicas e crescimento dos salários reais em linha com a produtividade do trabalho. Para obter esses objetivos, propomos a adoção de um “quadripé macroeconômico” composto por uma política fiscal baseada na obtenção de metas de superávit em conta-corrente do governo; regime de câmbio administrado baseado num sistema de bandas cambiais deslizantes com vistas a obtenção de uma taxa real de câmbio competitiva a médio e longo-prazo; política monetária baseada num regime flexível de metas de inflação, onde a extinção da parcela “selicada” permitirá o fim do contágio entre a política monetária e a política fiscal, e uma política salarial capaz de induzir o crescimento dos salários reais em linha com a produtividade do trabalho.

José Luis Oreiro jose.oreiro@ie.ufrj.br

Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador Nível IB do CNPq e líder do grupo de pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento” cadastrado no CNPq. Página pessoal: www.joseluisoreiro.com.br Blog: www.jlcoreiro.wordpress.com


A informação como insumo para o planejamento

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Artigo Antonio Pereira S. Marinho

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O binômio planejamento e informação representa o substrato das ações bem-sucedidas. É impossível conceber-se planejamento consistente sem a disponibilidade de informações que lhe deem sustentação. Ou seja, há uma interdependência. A propósito, Médici (1990) diz que, sem informação, não há planejamento. Mas, em muitos casos, sem a demanda pelo planejamento não há informação; pelo menos em forma visível e adequada. Podemos dizer então, com respaldo em Cleveland (1983), que a informação constitui sempre a base da organização e das ações humanas. De fato, a informação tornou-se uma necessidade crescente para qualquer setor da atividade. É o ponto de partida, revelando-se indispensável mesmo que a sua procura não seja ordenada ou sistemática, mas resultante apenas de decisões casuísticas e/ou intuitivas (Braga, 1996). O autor acrescenta ainda que as decisões da gestão moderna se dão a partir do maior número possível de informações. Importante salientar que não se trata de uma informação qualquer. É fundamental saber a fonte e o grau de confiabilidade. A informação também é de natureza seletiva: “muita informação, nenhuma informação. É a própria regra dos limiares da Teoria da Informação. É também a lei da memória que, para ser exercida com eficácia, deve se livrar do supérfluo” (Sfez,1996) Podemos assegurar que só planeja bem quem busca, na informação, o elemento norteador das suas ações. Cavalcanti (1995) dimensiona muito bem esta assertiva. No seu entendimento é descartada a chance de sucesso em uma ação sem planejamento fundamentado em informação. No dizer do autor, “a informação é condição essencial não apenas para o controle, mas para outras funções administrativas como a tomada de decisão, o planejamento etc.. A probabilidade do

acerto de uma decisão sem uma base em informações é praticamente nula. Como poderemos tomar uma decisão sem o conhecimento através de informações sobre o assunto?”. A sociedade atual é caracterizada como sociedade da informação. A Unesco, em relatório de 1998, comenta uma das principais características dessa sociedade, qual seja: usa a informação como um recurso econômico. Uma maior utilização da informação pelas organizações aumenta a sua eficiência, estimula a inovação, além de melhorar a qualidade dos bens e serviços que produzem. O relatório acrescenta ainda que a informação produz semelhante impacto na administração pública. Quer seja no nível nacional ou local, tem-se dado conta da importância dela para uma drástica mudança na forma de encaminhamento das ações. Ou seja: o uso da informação possibilita uma melhora geral de eficiência, a exemplo do que acontece na iniciativa privada. Teracine et al (2000) sustentam que as decisões de onde e como investir os recursos não podem ser ditadas apenas por um sentimento ou pelos interesses de grupos menores dentro da fábrica social. Todos os interessados devem dispor de iguais meios de acesso às mesmas informações. Importante chamar à atenção para um aspecto singular na nossa cultura: quando falamos de informações, somos remetidos quase que automaticamente às informações estatísticas, com as quais estamos mais familiarizados. Não podemos nos esquecer, entretanto, que as informações de natureza geográfica são de fundamental importância para o planejamento. O encontro do dado estatístico com o geográfico resulta na informação georreferenciada, que responde a quatro questões básicas em relação aos objetos do mundo


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real: Onde estão? O que são? Que relação existe entre os objetos? Quando ocorreram? Considerando a interdependência entre dado, informação e conhecimento, necessário se faz estabelecer a distinção entre estes três vocábulos, haja vista que na linguagem comum, por vezes estes termos são utilizados indistintamente. Sobre os três vocábulos, o filólogo e lexicógrafo Houaiss (2009) apresenta a seguinte tradução literal: Dado: aquilo que se conhece e a partir do qual se inicia a solução de um problema, a formulação de um juízo, o desenvolvimento de um raciocínio; informação capaz de ser processada por um computador. Informação: conjunto de conhecimentos reunidos sobre determinado assunto ou pessoa; Mensagem suscetível de ser tratada pelos meios informáticos; conteúdo dessa mensagem; Conhecimento: somatório do que se conhece; conjunto de informações e princípios armazenados pela humanidade. Como veremos a seguir, estes termos adquirem acepções próprias, quando tratados em contextos específicos, portanto, é necessária uma delimitação. Comecemos pelo primeiro vocábulo. Setzer (2008) diz que dado pode ser entendido como “um elemento da informação; um conjunto de letras, números ou dígitos que tomados isoladamente não transmitem nenhum conhecimento, ou seja, não possui significado. E, além disso, é descontextualizado. Segundo Davenport e Prusak (1998), Drucker (1999) apud Salgado (2007, p.23), o dado é simplesmente o fato capturado de uma entidade qualquer, que passa por um processo de organização e interpretação para geração da informação. Quanto à informação, Setzer (2008) diz que “é uma abstração informal (isto é, não pode ser formalizada através de uma teoria lógica ou matemática), que está na mente de alguém, representando algo significativo para essa pessoa. (...) não é possível processar informação diretamente em um computador. Para isso é necessário reduzi-la a dados”. Salgado (2007, p.23) resume de forma bastante didática: “informação é o resultado de dados combinados, estruturados ou contextualizados, passíveis de serem interpretados por quem deles faz uso.

Feitas estas importantes distinções, retornemos ao eixo da questão, qual seja a informação como insumo básico do planejamento. Campos (1988) destaca a sua relevância ao dizer que a informação é o ingrediente essencial da decisão. Não se pode pensar em uma situação decisória que dispense informação. A pessoa que decide precisa de informações para identificar problemas, para perceber oportunidades, apoios e restrições. A geração e a avaliação de alternativas não ocorrem sem uma base de informações. E prossegue nesse foco dizendo que a atividade de planejamento apoia-se na intensa busca e organização de informações voltadas para o diagnóstico e o estabelecimento de metas. Podemos dizer, então, que a informação é fundamental não apenas ao planejamento, mas ao próprio processo democrático. Nas palavras de Dowbor (2010), a informação aparece como uma condição chave da construção de processos democráticos de tomadas de decisão. Trata-se, pois, de um recurso precioso, e de um poderoso racionalizador das atividades sociais. Por fim, como incentivo à utilização da informação destaque-se a sua natureza essencial, qual seja, a não rivalidade; uma vez gerada, uma informação pode ser infinitamente usada. Esta característica reveste-se da singularidade de que o consumo de uma unidade do serviço não reduz a quantidade disponível para outros consumidores; mais ainda: a exclusão não é desejável, diante da inexistência de custos adicionais, em face do consumo ou utilização extra; o custo marginal de prover o bem para um consumidor adicional é zero para qualquer nível de produção. Tais recursos (não materiais e, portanto, intangíveis) não são esgotáveis. Além disso, o consumo dos mesmos não os destrói, e seu descarte geralmente não deixa vestígios físicos (Lastres, 2010). Cedê-los (mediante venda, por exemplo) não faz com que sejam perdidos. Ou seja, o uso exaustivo da informação nos diversos setores da atividade humana não diminui a sua disponibilidade. Pelo contrário, na medida em que é usada ou compartilhada a informação expande-se, o que representa um estímulo à sua utilização. Espera-se, portanto, que todos aqueles que têm em suas mãos a responsabilidade pelo planejamento, seja na iniciativa privada ou no setor público, percebam a


BRAGA, Ascenção. A gestão da Informação. Trabalho realizado a partir de Tese de Mestrado em Gestão Universidade da Beira Interior (1996), Beira, Portugal. Millenium on-line, n. 19, jun. 2000. Disponível em: <http://www.ipv.pt/millenium/Millenium_19.htm>. Acesso em: 2013. CAVALCANTI, Elmano P. Revolução da Informação: algumas reflexões. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n. 1, 2 sem., 1995. CLEVELAND, Harlan. A informação como um recurso. Diálogo. Tradução: Elcio de Cerqueira. Rio de Janeiro: USIS, 1983. DOWBOR, Ladislau. Sistema local de informação e cidadania. (Subprojeto das propostas de rede da RTS). Brasília, set. 2004. Disponível em: <www.rts.org.br/ biblioteca/sistema-local-de-informacao-e-cidadania> Acesso em: 12 dez. 2013. LASTRES Helena M. M. Informação e conhecimento na nova ordem mundial. Ci. Inf., Brasília, v. 28, n. 1, p. 72-78, jan. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ci/ v28n1/28n1a09.pdf> Acesso em: 2 out. 2013. MÉDICI, André Cézar. Sistema estatístico, planejamento e sociedade no Brasil (notas para discussão). Revista Brasileira de Estudos de População, Campinas, v. 7, n. 2, p. 191-206, jul./dez. 1990. SALGADO, Carla M. M. Uso da informação no desenvolvimento do território turístico de bonito - MS. 2007. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Local) - Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2007. SETZER, Valdemar W. Dado, Informação, Conhecimento e Competência. Disponível em: <http://www.ime.usp. br/~vwsetzer/dado-info.html>. Acesso em: 29 out. 2013. Este artigo é uma ampliação e atualização do artigo correspondente publicado na revista Datagrama, ele foi publicado em: SETZER, V. W. Os Meios Eletrônicos e a Educação: Uma Visão alternativa. São Paulo: Editora Escrituras, 2001. (Coleção Ensaios Transversais, v. 10) SFEZ, Lucien. Informação, saber e comunicação. Informare, Cad. Prog. Pós-Grado Cio Inf., Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 5-13, jan./jun. 1996. TERRACINE Edson B.; SILVA, José L. A.; FERNANDES T. A.; FONSECA, Cristian R.; SARLI, Paulo F. A Excelência da Informação no Planejamento Participativo. Disponível em: <www.campinas.sp.gov.br/governo/seplan/plano-diretor>. Acesso em: 12 dez. 2013.

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Referências bibliográficas

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Dessa forma, ampliaremos significativamente a probabilidade de sucesso nas ações de planejamento e toda sociedade será beneficiada.

Antonio Pereira S. Marinho apereiramarinho@hotmail.com

Mestre em Economia (UFS) Analista em Planejamento e Gestão da Informação (IBGE)

janeiro/abril de 2014

natureza fundamental da informação, que a compreendam como insumo básico e apropriem-se do grande estoque disponível de maneira ética e responsável. Dessa forma, ampliaremos significativamente a probabilidade de sucesso nas ações de planejamento e toda sociedade será beneficiada.

45


Artigo A transferência de recursos do tesouro nacional para o bndes não percebida pelas contas públicas Felipe Ohana

Revista de

Conjuntura

46

O presente artigo procura mostrar a transferência de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES não percebida pelas contas públicas. O artigo faz uma simulação de perda de capital do Tesouro Nacional dada as taxas de juros subsidiadas praticadas nas transferências ao Banco e demonstra, com exemplo, como funciona o mecanismo. As Contas do Tesouro Nacional - Perda de capital A MP 618 de 2013, convertida na lei nº 12 872 de outubro de 2013, autorizou a União a renegociar as operações de crédito com o BNDES, conforme o artigo 3º: Art. 3o Fica a União autorizada a renegociar as condições financeiras e contratuais das operações de crédito com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES firmadas com fundamento no art. 26 da Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, no art. 12 da Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, no art. 1º da Lei nº 11.688, de 4 de junho de 2008, e nos arts. 1º e 2º-A da Lei nº 11.948, de 16 de junho de 2009. Diz o artigo, ainda, que a taxa de juros deve, no mínimo, ser a TJLP. Como a maioria dos contratos assinados entre as partes estabelece taxa de juros de TJLP é de se presumir que parte da renegociação se dará por ampliação de prazo, uma vez que renegociar as condições contratuais inclui esta opção. Ressalta-se que, sempre que há tal ampliação, sem elevação da taxa de juros, o valor do crédito cai (ou seja, ocorre transferência de renda ao devedor). Informações prestadas pelo BNDES à Comissão de Orçamento do Congresso e as respostas aos requerimentos de informação feitos pela Mesa do Senado não indicam os prazos dos contratos, somente o valor e a taxa de juros.

Para se avaliar o montante da perda de capital do Tesouro Nacional supõe-se que o prazo dos contratos de empréstimos esteja entre 20 e 25 anos. O primeiro Quadro abaixo indica as informações básicas. O segundo, o resultado das quantificações das perdas, para cada prazo, supondo-se pagamento no sistema Price, com prestações constantes e anuais.

A leitura dos quadros O primeiro Quadro mostra, por exemplo, que em 2009, houve um contrato de empréstimo de R$ 13 bilhões, com taxa de juros de TJLP + 2,5% (equivalente a 8,75% a.a.), enquanto a SELIC corria a 11,7%. Nesse caso, diz o Quadro 2, a União perdeu entre R$ 2,35 bilhões (se o prazo da operação fosse de 20 anos) e R$ 2,61 bilhões (para o prazo de 25 anos), por ter emprestado com taxa subsidiada, em vez de quitar sua dívida, que corria a 11,7%. A perda total da União, pela prática do crédito subsidiado, está entre R$ 68,16 bilhões e R$ 76,8 bilhões, desde 2009, o que equivale a 21% ou 24% do total emprestado, dependendo do prazo do empréstimos. Uma perda que representa mais de 3 Bolsas Família anuais; 1,5 vezes o déficit da Previdência de 2013 ou o resultado primário do Governo Central (R$ 75,2 bilhões) deste mesmo ano. O Governo tem respondido a esta crítica com o seguinte argumento: a redução do custo de capital (taxas subsidiadas) alavanca o crescimento econômico, de onde se originam receitas fiscais que, de outra forma, não existiriam. Trata-se de um argumento de difícil comprovação e que não se presta a contestar o fundamento da crítica.


Saldo devedor em dezembro 2013 R$ bilhões

Linhas

Data da Captação

Captação R$ bilhões

Taxa de contrato (%)

TJLP do mês (% aa)

Selic do mês (% aa)

1

mar/09

13,00

TJLP+2,5

6,25

11,7

7,82

2

jun/09

26,00

TJLP+1

6,25

9,54

20,83

3

jul/09

16,30

TJLP

6

9

4

jul/09

8,70

USD+5,97

5

ago/09

8,54

TJLP

6

8,65

8,69

6

ago/09

21,23

TJLP

6

8,65

21,62

7

ago/09

6,24

TJLP

6

8,65

6,35

8

abr/10

74,20

TJLP

6

8,72

84,92

16,30 10,39

9

mai/10

5,80

TJLP

6

9,4

6,64

10

mar/11

5,25

TJLP

6

11,62

5,80

11

jun/11

30,00

TJLP

6

12,1

32,83

12

dez/11

15,00

TJLP

6

10,9

16,07

13

jan/12

10,00

TJLP

6

10,7

10,71

14

jun/12

10,00

TJLP

6

8,39

10,52

15

out/12

20,00

TJLP

5,5

7,23

20,79

16

dez/12

15,00

TJLP

5,5

7,16

15,48

17

jun/13

15,00

TJLP

5

7,9

15,00

18

dez/13

24,00

TJLP

5

9,9

24,03

Total

324,24

47

334,79

Fonte: Câmara dos Deputados/Comissão de Orçamento - demonstrativos trimestrais do BNDES

Quadro 2: Perda de Capital do Tesouro nos Empréstimos ao BNDES Linha

Data da Captação

Captação R$ bilhões

Deságio para prazo de 20 anos (% da captação)

Deságio para prazo de 20 anos em R$ bilhões

Deságio para prazo de 25 anos (% da captação)

Deságio para prazo de 25 anos em R$ bilhões

1

mar/09

13

18,09%

2,35

20,11%

2,61

2

jun/09

26

15,43%

4,01

17,44%

4,53

3

jul/09

16,297

20,41%

3,33

23,16%

3,77

4

jul/09

8,702

5

ago/09

8,535

18,39%

1,57

20,93%

1,79

6

ago/09

21,225

18,39%

3,90

20,93%

4,44

7

ago/09

6,238

18,39%

1,15

20,93%

1,31

8

abr/10

74,2

18,80%

13,95

21,38%

15,86

9

mai/10

5,8

22,63%

1,31

25,59%

1,48

10

mar/11

5,246

35,32%

1,85

36,99%

1,94

11

jun/11

30

35,28%

10,58

39,07%

11,72

12

dez/11

15

30,12%

4,52

33,64%

5,05

13

jan/12

10

29,19%

2,92

32,65%

3,27

14

jun/12

10

16,83%

1,68

19,20%

1,92

15

out/12

20

12,91%

2,58

14,89%

2,98

16

dez/12

15

12,44%

1,87

14,36%

2,15

17

jun/13

15

20,63%

3,09

23,61%

3,54

24

31,22%

7,49

35,10%

18

dez/13 Total

324,243

68,16

janeiro/abril de 2014

Quadro 1: Empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES - Informações básicas

8,42 76,80

Fonte: Câmara dos Deputados/Comissão de Orçamento - demonstrativos trimestrais do BNDES. Nota: As perdas correspondem ao valor presente do fluxo de pagamento do devedor, no prazo previsto, descontado pela taxa de custo de oportunidade do Tesouro (SELIC).


A crítica está no fato de haver transferências de recursos da União sem a devida contabilidade. Nenhum sistema de acompanhamento de despesas públicas, no País, é capaz de capturar esta informação. Portanto, a política fiscal - pode-se dizer - é opaca. O impacto expansionista dos R$ 76 bilhões é representativo. As autorizações para tais despesas deveriam estar previstas no orçamento, para ordenar as prioridades de gasto e conferir consistência à meta fiscal. Ainda assim, não seria suficiente. Os créditos da União deveriam, adicionalmente, pelas razões expostas, serem acompanhados, na forma de marcação a mercado para se conhecer integral e precisamente as eventuais transferências de recursos do setor público para o setor privado e, com isso, conseguir medir os movimentos da dívida federal líquida.

Como funciona o mecanismo: um exemplo

Revista de

Conjuntura

48

Suponha que a taxa de juros de mercado seja de 10% ao ano, numa economia sem inflação. Um credor (A) empresta R$ 100,00 ao BNDES por um ano, com taxa de juros de mercado. Outro credor (B) empresta a mesma quantia, também por um ano, a uma taxa de juros de 5% ao ano (uma taxa subsidiada). Ao final do ano, o credor (A) receberá o principal mais juros, no total de R$ 110,00, enquanto o credor (B) receberá somente R$ 105,00. Se isto acontecer, o credor (B) terminará o ano 4,55% mais pobre do que o credor (A) (=105/110). Percebendo o mau negócio, o credor (A) pode se interessar em vender este crédito contra o BNDES para outro credor. O eventual comprador, sabendo que ao final do ano receberá do devedor R$ 105,00, fará uma oferta de R$ 95,45 pelo crédito (=R$ 105/1,1). Com isso, o retorno de R$ 105 será 10% superior à quantia ofertada, o que equivale à taxa de juros de mercado. Em outros termos, o credor (B) só conseguiria sair da operação se vendesse o crédito de R$ 100,00 por R$ 95,45, perdendo R$ 4,55. Em suma, quando um credor pratica uma taxa de juros abaixo da taxa de mercado, ele perde capital. Esta conta adquire um apelo intuitivo quando se imagina que o credor (B), em vez de emprestar a uma taxa de 5%, poderia recomprar R$ 100,00 de sua dívida

em mercado, eliminando sua obrigação (pagamento) de R$ 110,00 ao final do ano.

Conclusão Em suma, as despesas públicas com os subsídios de taxa de juros: • Não são registradas no orçamento; • Não são contabilizadas no cálculo da dívida federal líquida e, portanto, no resultado primário; • A meta de resultado primário é, portanto, um faz de conta, pois trata-se de o Governo Federal executar despesas por fora do compromisso fiscal; • A renegociação proposta pela Lei nº 12 872 só irá agravar o quadro de descontrole. Os primeiros contratos a serem afetados são aqueles em negrito, no Quadro 2 (linhas 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8 e 9). Não é possível fomentar o crescimento econômico em meio à “desregulamentação” da macroeconomia, como acredita o Governo.

Felipe Ohana

fohana11@gmail.com Eduardo Felipe Ohana é Consultor Econômico e membro do grupo de conjuntura do CORECON/DF


janeiro/abril de 2014

49


Artigo Razões para o não rebaixamento Paulo Dantas Júlio Miragaya

Revista de

Conjuntura

50

Em 24 de março, a agência de rating Standard & Poor’s (S&P), sediada em Nova Iorque, rebaixou a “nota” conferida ao Brasil de “BBB” para “BBB-”. Os argumentos centrais apresentados pela S&P para tal decisão foram o baixo crescimento econômico do país, o insuficiente superávit primário, a elevada dívida pública e a vulnerabilidade externa, além de outros, como uma supostamente excessiva atuação dos bancos públicos. Inicialmente, deve-se mencionar a ausência de critérios na aplicação das variáveis. A economia do México, por exemplo, cresceu apenas 1,0% em 2013, menos da metade do crescimento do PIB do Brasil, mas sua nota foi mantida em um nível superior (A3). O superávit primário no Brasil, de 1,9% do PIB, foi considerado insuficiente, mas o Brasil é um dos países do G-20 com maior superávit primário. A dívida pública bruta brasileira, de 57% do PIB, é praticamente a metade da norte-americana (106%). Já a relação entre compromissos externos de curto prazo e de longo prazo vincendos sobre as reservas internacionais, que mede o grau de vulnerabilidade externa, é no Brasil de apenas 24%, contra 60% no México (A3), 127% no Chile (Aa3) e 136% na Polônia (A2), todos, portanto, com “nota” superior a do Brasil. Deve também ser questionada a não consideração pela agência de outras variáveis para determinar a saúde econômica e financeira de um país, tais como a geração de emprego, a elevação da renda média da população e a própria distribuição desta. O México, por exemplo, gerou apenas 200 mil em todo o ano de 2013, sete vezes menos dos que foram gerados no Brasil. Evidente que a situação econômica brasileira não é nada confortável, acumulando-se problemas conjunturais e estruturais, como a ampliação do déficit em

transações correntes, que em 2013 atingiu 3,5% do PIB. Ocorre que a S&P rebaixou a “nota” brasileira enquanto outras agências têm considerado os fundamentos econômicos do país como estáveis, não obstante os diversos problemas existentes, absolutamente alinhados com as dificuldades apresentadas pela quase totalidade dos países emergentes e, sobretudo, dos países centrais, em função da crise econômica mundial. As consequências advindas do rebaixamento conferido pela S&P são os evidentes prejuízos à economia nacional, elevando o custo de captação de financiamento externo por parte do governo federal e de diversas empresas nacionais. Isso, no limite, pode configurar um cenário propício a situações de ataques especulativos contra a economia brasileira. O substantivo ingresso de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), fonte essencial e desejável de financiamento de nosso balanço de pagamentos pode ser prejudicado com a medida da S&P. Aliás, a alegação de que investidores estrangeiros estão receosos de investir no Brasil cai por terra confrontada com o fato de termos sido o 4º país do mundo em recepção de investimentos externos em 2013, registrando o ingresso de mais de 60 bilhões de dólares. Deve-se registrar, ainda, que nas duas últimas semanas, até 31 de março, o Ibovespa subiu até nada menos que 12,1%, recuperando toda a perda ocorrida desde janeiro de 2014, em face, sobretudo, do ingresso na Bolsa de R$ 2,2 bilhões de investidores estrangeiros. Em suma, merece credibilidade uma agência que, às vésperas da quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, conferia uma nota elevada ao referido banco? A serviço do que estão essas agências?


Paulo Dantas

cofecon@cofecon.org.br Presidente do Conselho Federal de Economia - COFECON

janeiro/abril de 2014

O Presidente da Vale, Murilo Ferreira, em recente entrevista sobre relatório de analistas do mercado financeiro que apostavam numa crise financeira na China, afirmou que “A China tem as maiores reservas do mundo, 4 trilhões de dólares. Parece, para esses analistas, que quem tem dívida de 17,3 trilhões de dólares é a China. Mas não, são os EUA, de onde parte a maior parte desses relatórios”. Por todas essas razões, a reunião plenária do Conselho Federal de Economia, realizada em 29 de março, posicionou-se em total desacordo com o rebaixamento da “nota” conferida ao Brasil pela agência Standard & Poor’s.

51 Júlio Flávio Gameiro Miragaya juliomiragaya@yahoo.com.br

Membro da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia.


CONCURSOS QUESTÕES DE CONCURSOS DE ECONOMIA Seleção das questões e comentários: Econ. Hélio Socolik

hsocolik@gmail.com Economista pela UFRJ e Mestrado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas. Auditor-Fiscal da Receita Federal (aposentado). Professor de Macroeconomia, Microeconomia e Finanças Públicas em diversas faculdades e cursos reparatórios de concursos públicos.

1- (Auditor Público do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, 2011) A necessidade de atuação econômica do setor público prende-se à constatação de que o sistema de preços não consegue cumprir adequadamente algumas tarefas ou funções. Por exemplo, existem alguns bens e serviços que são indivisíveis em que o princípio da exclusão não é aplicável. Esta situação caracteriza qual das funções econômicas clássicas do setor público? a) Função distributiva. b) Função estabilizadora. c) Função alocativa. d) Todas as alternativas anteriores. e) Nenhuma das alternativas anteriores. Comentário: Costuma-se atribuir ao setor público determinadas funções, justamente para complementar a contribuição do setor privado para as tarefas que os sistemas econômicos necessitam cumprir, e que podem ser resumidas nas questões: o que, como e para quem produzir. A função alocativa trata justamente da oferta dos bens públicos, que o setor privado por suposição não atenderia com eficiência em razão das características desses bens de não exclusão e da não rivalidade no consumo. A função estabilizadora trata do conjunto de políticas que o governo tem de implementar para corrigir principalmente os problemas de desemprego e inflação, e também administrar níveis equilibrados de déficit e dívida pública e os resultados das transações com o exterior. A função distributiva trata das medidas tomadas pelo setor público para corrigir níveis considerados inaceitáveis de desigualdade na distribuição da renda e da riqueza, ao nível pessoal e entre regiões de um país. Gabarito: c 2- (Perito em Economia do Ministério Público da União, 2010) Julgue os itens subsequentes. a- A modificação de um dos preços (efeito preço) altera a inclinação da linha do orçamento. Comentário: A linha do orçamento é a representação gráfica da expressão R = p1x1 + p2x2, onde R é a renda, p é o preço e x é a quantidade dos bens 1 e 2. A equação pode ser colocada na forma x2 = R/ p2 – (p1/ p2 ) x1, onde se pode observar que a inclinação da linha é igual à razão entre os preços. Assim, qualquer modificação em um dos preços altera a sua inclinação. Resposta: Certo.

Revista de

Conjuntura

b- Em uma economia com inflação, quando os preços e a renda são reajustados na mesma proporção a linha do orçamento do consumidor desloca-se nessa mesma proporção. Comentário: Quando os preços são reajustados na mesma proporção a relação entre eles permanece a mesma e a inclinação da linha de orçamento é a mesma. Se a renda também é reajustada na mesma proporção a quantidade consumida de cada bem permanece a mesma. Portanto, a linha de orçamento não se altera. Vamos a um exemplo. Consideremos uma renda de $100 e os preços de dois bens, x e y, $10 e $5. As quantidades máximas consumidas de cada bem são, respectivamente, de 10 e de 20 unidades. Se a renda e os preços são reajustados em 10% a renda vai para $110 e os preços para $11 e $5,5. Em consequencia as quantidades máximas consumidas continuarão a ser, respectivamente, de 10 e de 20 unidades. Resposta: Errado. c- Os bens X e Y são complementares perfeitos quando a taxa marginal de substituição de um pelo outro é constante. Comentário: Bens complementares são aqueles que são consumidos simultaneamente, como café e açúcar, por exemplo. A taxa marginal de substituição de um bem por outro é a quantidade de um bem que pode ser trocada por unidades adicionais do outro com a mesma satisfação pelo consumidor. No caso de dois bens substitutos perfeitos, como canetas preta e azul, por exemplo, a substituição de uma caneta por outra pode ser feita sempre na mesma proporção, ou seja, a taxa marginal de substituição é constante. Mas no caso de bens complementares, no entanto, não se pode substituir um bem por outro sem perda de satisfação. Menos açúcar não pode ser substituído por mais café. Nesse caso, a taxa marginal de substituição assume duas situações: ou é zero ou é infinita. Resposta: Errado.




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