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ANO VIII • Nº 34 • abril/junho de 2008

Conjuntura

Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ArtigoS Agricultura: cenário e perspectivas José Luiz Pagnussat

Cenário econômico e o crescimento do Brasil

A boa governança e a ética na administração pública no desenvolvimento do Brasil José Matias-Pereira

Grau de investimento Carlos Eduardo de Freitas

Correção monetária dos preços e insumos e a conceituação de valor de mercado Luis Martius Holanda Bezerra Breno José Albuquerque Lima

Demanda mundial de carne bovina tem provocado o desmatamento na Amazônia Júlio Miragaya

ISSN 1677-0668

ENTREVISTA O presidente da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (Sober), Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho, fala sobre as causas da elevação atual dos preços agrícolas

A crise nos EUA, o crescimento dos preços agrícolas, a volta da inflação, o encolhimento da balança comercial e a incerteza dos empresários podem afetar o desenvolvimento dos países


O Instituto Brasiliense de Estudos da Economia Regional (IBRASE) foi criado e está em funcionamento desde 18 de abril de 2000. Sua constituição foi motivada e norteada pela necessidade de promover e realizar pesquisas, estatísticas e estudos de relevância sobre a economia do Distrito Federal e do Centro-Oeste como um todo. Suas atenções estão voltadas tanto para o setor público como para a iniciativa privada. O IBRASE conta com quadro diversificado e especializado de economistas cadastrados, todos registrados e em situação regular perante o Conselho Regional de Economia do Distrito Federal. Além de estudos e pesquisas, o IBRASE promove seminários, cursos e outros eventos.

Estudos e pesquisas econômicas e sociais

Oportunidades de negócio

Planejamento e políticas governamentais

Projetos

Assessoria e consultoria econômica

Avaliações

Entidades associadas: Corecon/DF – Conselho Regional de Economia do Distrito Federal • Sindecon/DF –Sindicato dos Economistas do Distrito Federal • ACDF – Associação Comercial do Distrito Federal • Dieese/DF – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos •Fecomércio – Federação das Indústrias do Distrito Federal •CUT/DF – Cental Única dos Trabalhadores do DF • Sebrae/DF – Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas do Distrito Federal • IEL/DF – Instituto Euvaldo Lodi • Fibra – Federação das Indústrias de Brasília • UnB – Universidade de Brasília • UCB – Universidade Católica de Brasília • UniDF – Centro Universitário do Distrito Federal • Cesubra – Centro de Ensino Superior de Brasília • Faculdade Euro-Americana

(61) 3964.8364


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Nesta edição

Conjuntura Revista de

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Agricultura: cenário e perspectivas

José Luiz Pagnussat

18

A boa governança e a ética na administração pública no desenvolvimento do Brasil

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO VIII • Nº 34 • abril/junho de 2008

2 editorial 3 entrevista

José Matias-Pereira

Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho

30

26 capa

Carlos Eduardo de Freitas

Cenário econômico e o crescimento do Brasil

Grau de investimento

41

Correção monetária dos preços e insumos e a conceituação de valor de mercado

Luis Martius Holanda Bezerra Breno José Albuquerque Lima

47

Demanda mundial de carne bovina tem provocado o desmatamento na Amazônia

Júlio Miragaya

A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de R$ 70,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.


Conjuntura

Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

Editor responsável Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Conselho editorial André Nunes Humberto Vendelino Richter José Fernando Cosentino Tavares José Luiz Pagnussat José Roberto Novaes de Almeida Júlio Flávio Gameiro Miragaya Maurício Barata de Paula Pinto Mônica Beraldo Fabrício da Silva Jornalista responsável Daniela Lima (Reg. DRT/DF: 4926) Redação Daniela Lima Revisão Érica Soares Dourado (1198/PA) Editoração eletrônica www.arsventura.com.br Tiragem: 4.000 Periodicidade: trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Vice-presidente José Luiz Pagnussat Conselheiros efetivos Evilásio da Silva Salvador Homero Gustavo Regionaldo Lima José Luiz Pagnussat Júlio Flávio Gameiro Miragaya Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Maurício Barata de Paula Pinto Max Leno de Almeida Mônica Beraldo Fabrício da Silva Roberto Bocaccio Piscitelli Conselheiros suplentes André Nunes Érton Birk Teixeira Guilherme Costa Delgado Junia Rodrigues de Alencar Newton Ferreira da Silva Marques Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Ronalde Silva Lins Victor José Hohl Equipe do Corecon Angeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Ismar Marques Teixeira Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares Estagiários Mayara Bruno Ferreira (ensino médio) Rodrigo Nascente de Oliveira (Economia) End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

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Editorial

A economia brasileira vem demonstrando forte solidez frente às turbulências na economia mundial. A crise da maior economia do mundo, os EUA, não alterou os robustos fundamentos macroeconômicos brasileiros e o terceiro choque do petróleo, acompanhado de explosão dos preços internacionais dos alimentos, vem sendo enfrentado com relativa moderação nas políticas contencionistas, pequena ampliação da meta de superávit primário, de 3,8% para 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB), e leve aumento das taxas de juros nominais, insuficientes para neutralizar a queda real da taxa Selic. No primeiro semestre, o bom desempenho da economia foi puxado por um mercado interno aquecido com a expansão do crédito, que proporcionou um elevado déficit em transações correntes de US$ 17,3 bilhões, coberto pelo Investimento Direto Estrangeiro. O governo, por outro lado, foi mais cauteloso, gerou uma economia recorde. O superávit primário das contas públicas no primeiro semestre do ano foi de R$ 86,1 bilhões, o que equivale a 6,2% do PIB. O cenário é de otimismo. As previsões de crescimento da economia brasileira continuam positivas, mesmo com a desaceleração das economias americana e mundial. A taxa de inflação se mantém dentro do limite da meta, mas há riscos de aumento da inflação, dado os mecanismos de indexação ainda presentes na economia brasileira e o relativo aquecimento do mercado interno. Estes são temas abordados nos artigos e matérias desta revista, que tem como destaque a alta dos preços internacionais dos alimentos e o seu impacto sobre a inflação brasileira. A entrevista com o professor Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho, presidente da Sober, e o artigo do professor José Luiz Pagnussat, analisam as causas e as principais tendências dos preços dos alimentos. Há uma expectativa dos autores de que a crise dos alimentos seja uma oportunidade de mercado para os produtos brasileiros, que enfrentam historicamente forte protecionismo dos países ricos. Já o artigo do professor Júlio Miragaya traz a preocupação de que o aumento da demanda mundial de carne bovina e os bons preços no mercado internacional estão estimulando os pecuaristas brasileiros a ampliarem a fronteira agrícola para a Amazônia, o que, na avaliação do professor, tem provocado aumento do desmatamento na região. Outro tema da revista é a elevação do Brasil à condição de investment grade (grau de investimento). O tema é desenvolvido no excelente artigo do professor Carlos Eduardo de Freitas, que analisa a influência para todo o conjunto da economia do país, em especial sobre o Investimento Direto Estrangeiro. Na avaliação do professor, o “grau de investimento atrairá um conjunto de investidores de maior qualidade”. Fica o convite para a leitura dos artigos e matérias da revista que inclui, ainda, outros temas como o excelente artigo do professor José Matias-­Pereira, que analisa os reflexos da boa governança e da ética na administração pública no desenvolvimento do Brasil.


Entrevista

preços agrícolas Em entrevista à Revista de Conjuntura Econômica, do Corecon-DF, o presidente da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (Sober), Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho, fala sobre as causas da elevação atual dos preços agrícolas. Joaquim Bento é professor titular do Departamento de Economia Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Agrária. Atua, principalmente, nos temas: algodão, agricultura, integração econômica, comércio internacional, agricultura brasileira e modelos aplicados de equilíbrio geral.

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Demanda mundial influencia na elevação dos


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A interligação existente nos mercados financeiros, onde as commodities agrícolas participam hoje ativamente, também torna a especulação um fator de pressão nos ciclos de alta. Deve-se notar, que este último fator não exerceria grande influência sobre os preços em um cenário de oferta mais folgada. A escassez relativa inicial parece ser, de fato, o principal fator da elevação dos preços. Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho

Conjuntura - Quais os motivos do aumento dos pre-

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Conjuntura

ços agrícolas mundiais? Seriam os biocombustíveis, aumento da demanda ou somente especulação? Joaquim Bento Filho - O mais correto parece ser admitir que os três fatores mencionados têm a sua parcela de influência na elevação atual dos preços agrícolas, havendo ainda um importante fator adicional, freqüen­ temente esquecido. Vejamos inicialmente os três fatores mencionados. O que parece estar na base do fenômeno é a rápida elevação da demanda mundial, em um contexto de baixos estoques de alimentos. A razão dessa elevação, já bem conhecida, são o aumento na demanda nos países em desenvolvimento. Como a resposta da oferta agrícola é sempre mais lenta, tem-se aí o início de um cenário de altas dos preços. A este cenário inicial vem-se somar a pressão adicional derivada da decisão dos países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos, de aumentarem a sua produção de biocombustíveis. Além da redução direta na oferta de milho para fins alimentares e de produção de rações para alimentação animal, isto causa uma cadeia de substituições de uso da terra que reduz a oferta de outros produtos alimentares. E, finalmente, a interligação existente nos mercados financeiros, onde as commodities agrícolas participam hoje ativamente, também torna a especulação um fator de pressão nos ciclos de alta. Mas, deve-se notar, contudo, que este último fator não exerceria grande influência sobre os preços em um cenário de oferta mais folgada. A escassez relativa inicial, portanto, parece ser, de fato, o principal fator da elevação dos preços.

O grande elemento ausente nessa discussão até aqui é a forte elevação nos custos de produção da agricultura causada pela elevação dos preços do petróleo. Apenas para se ter uma idéia, o fertilizante, que representa algo como 60% do custo operacional de produção de milho, por exemplo, teve os preços triplicados desde o final do ano passado. Outro exemplo é que o CEPEA/ESALQ/USP divulgou, recentemente, um estudo sobre o custo de produção do boi gordo no Brasil. A conclusão é que o custo atingiu, neste mês, um pico histórico. Conjuntura - Em sua opinião, até quando os preços dos alimentos estarão em alta? Joaquim Bento Filho - Como se viu acima, alguns fatores, associados a essa elevação de preços, são conjunturais e outros mais estruturais. Entre os estruturais está a forte elevação do preço do petróleo. Muitos analistas concordam que a era do petróleo barato chegou ao fim. Se isso for verdade, o mesmo pode ser dito a respeito dos preços dos alimentos. Mesmo que a oferta de alimentos comece a reagir nos próximos anos, estimulada pelos preços elevados, o limite inferior dos preços estará estabelecido pelo custo de produção, que não vai baixar se o preço do petróleo não cair. Dessa forma, aparentemente, estamos diante de uma mudança nos patamares de preços da agricultura para cima. É provável que eles se reajustem para baixo no médio prazo, mas não muito, uma vez que os preços dos alimentos estão sempre muito correlacionados aos preços do petróleo.


Conjuntura - Quais os produtos mais afetados? Joaquim Bento Filho - Os produtos alimentares em geral, especialmente o arroz, o trigo, o complexo “carnes” e a soja, cujo preço é muito influenciado pelos preços dos produtos do complexo “carnes”. Conjuntura – Por que os preços dos fertilizantes ­­­­­do­braram? Joaquim Bento Filho - Os fertilizantes são um dos mais

importantes insumos agrícolas. O aumento na demanda de alimentos, ao pressionar a oferta, elevou muito a demanda por fertilizantes. Mas, novamente, não se deve esquecer que esses produtos têm os preços atrelados aos preços do petróleo, tanto para a produção direta dos mesmos, fertilizantes nitrogenados, quanto como insumo importante na extração, solubilização da matéria-prima e transporte do produto, que é volumoso. Além disso, sendo a extração primária de fertilizantes fosfatados e potássicos derivada da mineração, a elevação da oferta depende também de investimentos que exigem tempo para surtir efeito. Conjuntura - Qual a relação do aumento dos preços agrícolas com as mudanças no cenário econômico ­brasileiro? Joaquim Bento Filho - A relação é apenas parcial, uma vez que, como se viu, as pressões principais são de natureza global e de elevação dos preços do petróleo. Com exceção de alguns produtos consumidos apenas domesticamente, como é o caso do feijão, os demais produtos da cesta básica têm hoje os preços formados no mercado internacional, sendo o preço doméstico um reflexo daquele. Mesmo a carne bovina, que em um passado não muito distante tinha o processo de formação de preços basicamente doméstico, é hoje uma importante commodity transacionada no mercado externo.

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Conjuntura - Qual o reflexo para a agropecuária ­brasileira? Joaquim Bento Filho - Ao contrário da maioria dos demais países em desenvolvimento, o Brasil é um exportador líquido de alimentos. Além disso, e também ao contrário dos demais, é o único país que ainda possui um elevado estoque de terras agricultáveis. Isso é verdade mesmo se não se considera a elevação do estoque físico de terra, uma vez que ainda há muita terra já desmatada a ser aproveitada com maior eficiência, a fronteira intensiva. O Brasil, portanto, é, em termos agregados, um ganhador líquido desse processo de elevação de preços agrícolas, o que quer dizer que isso representa um forte estímulo à atividade agropecuária no país. Setorialmente, ganham a agropecuária e as pessoas que nela trabalham, e perdem os consumidores daqueles produtos.


Artigo Agricultura: cenário e perspectivas José Luiz Pagnussat Introdução

Revista de

Conjuntura

É grande a controvérsia sobre as causas da elevação dos preços agrícolas no mercado internacional. Os principais líderes mundiais e os dirigentes de organismos multilaterais têm apresentado diagnósticos diferenciados e, em muitos casos, equivocados. Há um destaque exagerado para as pressões de demanda decorrentes de aumentos no consumo de alimentos nas economias emergentes, em especial na China e Índia, e para a produção de biocombustíveis, que estaria demandando parte da produção de milho nos EUA. São poucas as referências para os problemas do lado da oferta, como os preços baixos em 2005 e 2006 e a elevação dos custos de produção, que desestimularam os agricultores, e os problemas climáticos, que afetaram a produção e reduziram os estoques mundiais de cereais nos últimos anos. As freqüentes secas, furacões, inundações e outros problemas climáticos determinaram importantes perdas de produção em grandes produtores: China, EUA, Europa, Austrália, além de alguns países africanos, da América Central e Caribe, e até no Brasil. É pouco mencionado, também, o componente financeiro especulativo do aumento de preços. As incertezas econômicas derivadas da crise no mercado norteamericano subprime levaram investidores a buscarem refúgio nos fundos de commodities, tanto agrícolas como não-agrícolas. Neste caso, em especial petróleo e metálicas, desde 2006, e commodities agrícolas, a partir de 2007. O peso do componente financeiro, na atual flutuação de preços agrícolas, é ainda maior em razão do impacto no custo de produção, via aumento do preço do petróleo, com a explosão dos preços dos fertilizantes e o aumento de preço do diesel e do frete.

Outro ponto de divergência se refere ao cenário de preços altos, com previsões entre dois e dez anos. A FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), por exemplo, calcula que, em termos gerais, os preços dos alimentos seguirão altos uns dez anos ou mais. Esse cenário pessimista é, também, o discurso de alguns líderes mundiais. Travestidos de neomalthusianos, eles têm ignorado a evidência histórica e a tendência secular de queda dos preços dos alimentos. No século XX, a queda dos preços dos alimentos, em termos reais, superou a 50%, ou seja, os preços no final do século passado eram menos da metade dos preços do começo do século e continuaram caindo neste início do século XXI. É verdade que, nesses 108 anos, observam-se grandes oscilações nos preços dos produtos alimentícios, com elevações acentuadas nos períodos das grandes guerras e nos dois primeiros choques do petróleo, e quedas no início dos anos 30 (com a grande depressão econômica) e nos anos 80 (com a crise econômica). Mas, a tendência de longo prazo é de queda acentuada nos preços dos alimentos. Entre as razões da queda histórica dos preços dos produtos agrícolas foram determinantes as reduções nos custos de produção e transporte e os ganhos de produtividade, além do baixo crescimento da demanda por alimentos, dada a baixa elasticidade de renda da demanda por alimentos, a sua tendência de declínio com o crescimento da economia. Ou seja, a demanda por produtos agrícolas cresce a uma taxa menor que a dos demais setores da economia e a proporção da renda das famílias gasta com alimentos é cada vez menor. A deterioração dos termos de intercâmbio contra os produtos primários é um dos argumentos importantes da teoria do subdesenvolvimento, formulada por Raul ­Prebisch e


O “tsunami” de preços de commodities começou com o petróleo e produtos minerais, que lideraram as pressões inflacionárias até meados de 2007, e alcança os produtos agrícolas, mais recentemente. O impacto sobre a inflação atingiu a maioria dos países do mundo, em especial os países importadores de petróleo e de alimentos. O petróleo iniciou uma recuperação de preços a partir de 2004, abandonando a denominada banda de preços, entre US$ 22 e US$ 28 o barril, que predominou durante alguns anos. Nos anos recentes, entretanto, assumiu uma trajetória explosiva que parece não ter limite, chegando a superar US$ 150. Já as commodities metálicas iniciaram o ciclo de alta em 2006, mas já dão sinais de arrefecimento dos preços desde março deste ano. As commodities agrícolas iniciaram a escalada de preços a partir do segundo semestre de 2007. O índice de preços de alimentos da FAO, que considera os preços internacionais e engloba 55 commodities agrícolas, teve alta de 51,3% entre maio de 2007 e maio de 2008, mas apresenta reduções a partir de março. Os preços que mais subiram foram dos cereais, enquanto que os preços do açúcar e da carne aumentaram menos. O índice da FAO desagregado mostra essas diferenças: no período de maio de 2007 a maio de 2008, subiram os preços da carne (21,85%), laticínios (79,05%), cereais (90,91%), óleos e gorduras (73,91%) e açúcar

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O petróleo iniciou uma recuperação de preços a partir de 2004, abandonando a denominada banda de preços, entre US$ 22 e US$ 28 o barril, que predominou durante alguns anos. Nos anos recentes, entretanto, assumiu uma trajetória explosiva que parece não ter limite, chegando a superar US$ 150.

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A escalada dos preços das commodities

(28,10%). Ampliando o campo de observação para até o ano de 2000, observa-se que a elevação média dos preços dos alimentos foi de 134,6%, sendo que subiram os preços da carne (45%), laticínios (150%), cereais (213,8%), óleos e gorduras (288,9%) e açúcar (47,6%). Nesse mesmo período, o índice do Commodity Research Bureau (CRB) de produtos primários agrícolas, subíndice grãos e oleaginosas, registrou alta de 55,83% em suas cotações mundiais. Mas, segundo o professor José Graziano da Silva, “ao ampliar o campo de observação a um intervalo maior, entre 1974 e 2004, a revista The Economist constatou um retrocesso acumulado de 75% na média dos preços de 24 produtos primários agrícolas”. É interessante observar que, entre março de 2004 e novembro de 2005, os preços dos grãos e oleaginosas, medidos pelo índice CRB, recuaram 33,8%. Se compararmos os picos do índice CRB de grãos e oleaginosas, de outubro de 1974 e de março de 2004, observamos uma pequena queda nos preços nesse período, o que amplia a defasagem do preço observado em 2005 em relação ao pico de preço de 1974.

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Celso Furtado. Na análise do professor José Graziano da Silva é “um dos dentes da engrenagem histórica do subdesenvolvimento, fenômeno que não caracteriza uma fase do desenvolvimento, mas uma forma específica e distorcida de inserção das economias periféricas no sistema capitalista mundial”. O discurso desses líderes mundiais é claramente político e reflete a posição dos países ricos na “Rodada de Doha”, cujo impasse está na intransigência em relação à redução dos subsídios agrícolas e abertura dos mercados para os países pobres. Este artigo se propõe a analisar o cenário de aumento dos preços e suas principais causas, a situação de abastecimento mundial, os reflexos para os preços dos produtos agrícolas no mercado interno brasileiro e as perspectivas para o agronegócio brasileiro.


O subíndice CRB para os gêneros alimentícios, no período de junho de 2007 a junho de 2008, teve alta de 38,7%. Esse índice teve picos praticamente iguais em novembro de 1974, outubro de 1980 e abril de 2004. Nesses picos, os preços dos gêneros alimentícios estiveram superiores em mais de 20% aos preços observados em março de 2006 e em torno de 33,8% abaixo do preço observado em junho deste ano. Esses dados revelam que o plantio das safras de 2006 e 2007 se deu em plena depressão dos preços, enquanto que os preços dos fertilizantes e os combustíveis já iniciavam sua escalada, acompanhando o petróleo. Mostram, ainda, que o cenário atual de explosão de preços é mais agressivo que os observados nas crises anteriores e coincide com o crescimento dos investimentos no mercado futuro de commodities. Esse índice cresceu 256,2% no período de janeiro de 1947 a junho de 2008. Nesse período, a inflação americana, medida pelo índice de preços ao consumidor, foi de 915%. O Gráfico 1 mostra a evolução do subíndice CRB para os gêneros alimentícios. É interessante observar que o primeiro choque do petróleo e os problemas de safra no período, aparentemente, elevaram o pata-

mar de preços nominais dos gêneros alimentícios. Entretanto, em termos reais, nos anos que se seguiram os preços agrícolas foram corroídos pela inflação. Nesse sentido, é plausível levantar a hipótese que o cenário atual, 3º choque do petróleo e problemas climáticos, pode elevar o patamar de preços nominais dos gêneros alimentícios, dado que a elevação da inflação alcança os demais produtos e tende a materializar um novo equilíbrio. Mas, em termos reais, a elevação de preços dos alimentos é transitória. Só haverá uma mudança estrutural duradoura se as elevações de custos de produção forem permanentes, em especial os preços dos fertilizantes e óleo diesel, ou seja, pressupõem a manutenção de preços do petróleo elevados. Quanto aos problemas climáticos, os agricultores, certamente, poderão se adaptar, como mostra a história, a diferentes choques climáticos. É claro que mudanças mais severas, relacionadas ao aquecimento global (El Niño, La Niña, etc), que aumentam a freqüência e a gravidade dos fenômenos, poderiam gerar maior instabilidade na produção e, em conseqüência, nos preços, o que exigiria estoques maiores para normalização do abastecimento e estabilização dos preços.

Gráfico 1 – Índice CRB Alimentos CRB Foodstuffs Sub-Index (1967=100) – Monthly close (January 1947/June 2008)

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Conjuntura

Fonte: Commodity Research Bureau.


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Poucas grandes empresas transnacionais controlam os insumos (sementes, defensivos, fertilizantes), a agroindústria e o comércio da produção agrícola no mundo. Nos últimos anos houve um processo de concentração e centralização do setor, com a união de empresas e aquisição e subordinação de outras empresas medianas.

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Os preços dos alimentos são normalmente instáveis em razão das características e condições particulares do setor e dos produtos: sazonalidade da produção, concentração da oferta em um curto período de tempo; elevada imobilização de recursos e em períodos superiores aos normalmente exigidos nas atividades comerciais e industriais; e altos riscos econômicos das atividades rurais – com a incerteza do clima, os problemas fitossanitários – ataques de pragas, doenças, etc – e o risco de preço, dada a incerteza dos preços na safra com o longo tempo entre a decisão de plantio e a colheita dos produtos. Tais fatores são fonte de instabilidade transitória. A variação sazonal ocorre dentro do ano. No período de safra os preços são baixos e na entressafra tendem a se elevar. Ocorrem, ainda, para alguns produtos, variações relacionadas ao ciclo do produto. A carne é um bom exemplo: os preços estiveram defasados nos últimos anos, levando ao abate crescente de matrizes e depressão ainda maior dos preços. O abate excessivo de matrizes reduziu a criação e o ciclo se reverte, com elevação de preços e a conseqüente recomposição do rebanho de matrizes que reduz ainda mais a oferta de carne e pressiona o preço. Os novos rebanhos de matrizes aumentarão a oferta de carne no médio prazo e os preços iniciam sua trajetória de queda, repetindo novamente o ciclo. Mas, as grandes variações na produção e nos preços estão relacionadas com os problemas climáticos, os ataques de pragas e doenças, além dos erros de planejamento da produção – os sinais de mercado no período de plantio podem desestimular ou estimular excessivamente os produtores, invertendo os preços no período de colheita (“risco de preço”). Tal instabilidade é potencializada pela baixa elasticidade-preço da demanda por alimentos – pequenas variações na produção determinam grandes variações nos preços -, visto que são bens essenciais. Os preços sobem muito nos anos de quebras de safras e nos anos de safras elevadas tendem a cair excessivamente, quebrando os agricultores. Outro fator de incerteza nas atividades rurais são as relações econômicas desiguais com os demais setores, dado que o setor rural é formado por um grande número de pequenas unidades de produção (concorrência

perfeita) que compra insumos e vende seus produtos a grandes grupos econômicos nacionais e multinacionais (oligopólios). Poucas grandes empresas transnacionais controlam os insumos (sementes, defensivos, fertilizantes), a agroindústria e, também, o comércio da produção agrícola no mundo. Nos últimos anos houve um processo de concentração e centralização do setor, com a união de empresas e aquisição e subordinação de outras empresas medianas. Essas empresas, nos últimos dois anos, 2006 e 2007, tiveram aumento extraordinário em seus lucros líquidos. Do lado da demanda, observa-se que a expansão do consumo por produtos agropecuários não foi historicamente determinante de aumentos de preços, pelo contrário, foi um limitador do crescimento do setor. Os crescimentos da população e da renda são fatores estruturais e previsíveis de crescimento da demanda por alimentos. A expansão da indústria e o surgimento de novas matérias-primas, caso dos biocombustíveis hoje,

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Fontes de instabilidade dos preços dos alimentos


com menor previsibilidade, sempre foram rapidamente supridos pelo setor rural. Os fatores estruturais que podem determinar alterações permanentes nos preços se relacionam à produtividade e aos custos de produção. A produtividade das lavouras teve crescimento extraordinário com a pesquisa de novas variedades, novas técnicas de plantio, o desenvolvimento da indústria de fertilizantes e a ativa indústria de defensivos agrícolas. Os custos de produção se reduziram, também, pelo desenvolvimento dos transportes e pela mecanização da agricultura. Tais fatores explicam grande parte da expansão da produção e redução histórica dos preços dos alimentos. Neste contexto, a elevação do preço dos fertilizantes e do diesel tem impacto importante nos preços dos produtos. Os fertilizantes representam uma parte importante dos custos de produção que, para alguns produtos, supera a 50%, e o diesel afeta os custos de produção e de transportes dos produtos, encarecendo o preço aos consumidores.

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A verdade é que o aumento no preço futuro tem impacto imediato no preço à vista e na economia real. Ao investir em contratos no mercado futuro, o investidor assume o compromisso de comprar ou vender um produto (soja, milho, boi, petróleo) por determinado preço em uma data pré-definida.

Causas do atual aumento dos preços dos alimentos O cenário atual de elevação significativa dos preços dos alimentos tem várias hipóteses explicativas: a desvalorização mundial do dólar, afetando as cotações que buscam compensar as perdas; a dificuldade de aumentar a produção rapidamente, com a quebra de safras, devido a seguidos problemas climáticos e à depressão dos preços até 2006; o aumento da demanda em grandes e populosas economias, como a China e a Índia, e a ampliação do fluxo e da intensidade do comércio de alimentos e de matérias-primas; a elevação do preço dos fertilizantes e do custo dos transportes, com o aumento do petróleo; o desenvolvimento da nova indústria dos biocombustíveis, que ampliou a demanda de milho em anos de quebra de safra; os estoques de alimentos com níveis relativamente baixos, etc. Mas, certamente, dois fatores estão no centro da atual elevação de preços: a especulação financeira e a intervenção imprudente dos governos nos mercados agrícolas. De um lado, os países ricos subsidiam fortemente seus agricultores, inibindo a expansão da produção nos países pobres em razão da dificuldade de acesso aos mercados; de outro lado, os países pobres congelam preços de alimentos e proíbem exportações nas altas de preços mundiais, o que potencializa as crises de abastecimentos. O aumento dos investimentos no mercado futuro de commodities tem impacto significativo na volatilidade dos preços, dado que esse é um mercado pequeno e atraiu parte dos grandes investidores que fugiram dos riscos do subprime. Esses grandes investidores (fundos de pensão coorporativos e do governo, fundos soberanos, entre outros) provocaram um choque de demanda no mercado futuro e distorceram os preços. Os preços em alta atraem mais especuladores, agravando a distorção. Segundo o ministro da Fazenda, entre 2003 e março de 2008, as aplicações em commodities subiram de US$ 13 bilhões para US$ 260 bilhões. A verdade é que o aumento no preço futuro tem impacto imediato no preço à vista e na economia real. Ao investir em contratos no mercado futuro, o investidor assume o compromisso de comprar ou vender um produto (soja, milho, boi, petróleo, por exemplo) por determinado preço em uma data pré-definida. O crescimento dessa demanda pressiona os preços futuros e afeta as expectativas na formação do preço de mercado. Configura-se


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Fonte: apresentação do ministro Guido Mantega no Conselho Político, julho de 2008.

uma nova bolha especulativa, pois os compradores não desejam os produtos, mas apenas os ganhos financeiros com as aplicações. A conseqüência é que tal especulação poderá gerar mais instabilidade, com alternância de explosões de preços a cada revés na produção, e fortes depressões nos preços nos anos de boas safras. Em relação aos problemas de abastecimento mundial, observa-se para os dois principais alimentos (trigo e arroz) e as duas principais matérias-primas (milho e soja) que os estoques estão baixos. No caso de arroz, milho e trigo se reduziram em média 42,9%, entre 2000 e 2008, e a relação estoques sobre o consumo se reduziu em média 50%. Já no caso da soja em grãos houve elevação de 8,7% nos estoques. Os dados para 2008 não são, ainda, definitivos, mas refletem as safras de verão do Hemisfério Sul e de inverno do Hemisfério Norte, já colhidas, e as safras em desenvolvimento de inverno e verão (Hemisférios Sul e Norte, respectivamente). A produção mundial cresceu para os quatro produtos analisados, entre 2000 e 2008, com destaque para o crescimento da produção de soja e milho (36,24% e 30,01%, respectivamente). Enquanto a produção de arroz e trigo, nesses oito anos, cresceu pouco acima de 4% (4,65% e 4,27%, respectivamente), refletindo o crescimento menor do consumo desses dois produtos – arroz (6,98%) e trigo (6,38%) –, a demanda de soja foi a de maior crescimento (46,3%), seguida do milho (28,77%), duas matérias-primas

básicas de várias cadeias produtivas, em especial, a criação de frangos e porcos e na produção de leite e confinamento de bois. No caso do milho, o crescimento do consumo nos EUA foi um pouco superior no período (38,7%), mas o crescimento do consumo no resto do mundo (deduzido o dos EUA) também foi elevado (24,13%). No período de 2000 a 2008, os estoques americanos caíram para os quatro produtos e a produção caiu para o trigo, arroz e soja e cresceu para o milho, apesar dos problemas climáticos observados nesses últimos anos. O consumo de trigo caiu de forma consistente em todo o período e o de milho cresceu de forma acentuada. Em síntese, observa-se no período uma alternância com anos de produção acima do consumo e anos de demanda superior à produção mundial. Mas, com predominância de relativo desequilíbrio entre oferta e demanda. A conseqüência foi a redução dos estoques mundiais, em especial, dos dois principais alimentos (trigo e arroz) e da principal matéria-prima (milho), que estão baixos em 2008 e têm previsão de manutenção em 2009, com pequena recuperação para o trigo e o arroz, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA/ WASDE - United States Department of Agriculture/ World Agricultural Supply and Demand Estimates). É claro que o planejamento do plantio da safra de 2009 ainda está no início para a primeira safra (verão no Sul e inverno no Norte do Hemisfério) e as previsões são muito preliminares.


Tabela 1 – Ofertas e demandas americana e mundial de arroz, milho, soja e trigo (em milhões de toneladas)

Produto

EUA

Mundial

EUA

Mundial

EUA

Mundial

Estoque/ consumo mundial (%)

145,0

36,43

2000/01

5,9

398,7

3,7

394,5

0,9

149,2

37,82

2001/02

6,7

399,1

3,9

412,0

1,2

136,4

33,11

2002/03

6,5

377,5

3,5

407,3

0,8

103,6

25,44

2003/04

6,4

391,5

3,7

413,7

0,8

81,2

19,63

2004/05

7,5

401,3

3,9

409,3

1,2

73,2

17,88

2005/06

7,1

418,3

3,8

415,8

1,4

75,7

18,21

Safra 1999/00

ARROZ

MILHO

SOJA EM GRÃOS

Revista de

Conjuntura

12 TRIGO

Produção

6,5

408,7

Consumo

3,9

398,0

Estoque final

0,9

2006/07

6,2

420,1

4,1

420,1

1,3

75,7

18,02

2007/08(*)

6,3

427,7

4,0

425,8

0,7

77,6

18,22

2008/09(**)

6,3

431,4

4,0

427,5

0,6

81,5

19,06

Var. % 2000/08

-3,08

4,65

2,56

6,98

-22,22

-46,48

-49,99

1999/00

239,6

607,5

192,5

604,9

43,6

193,0

31,91

2000/01

251,9

590,5

198,1

610,2

48,2

173,3

28,40

2001/02

241,4

600,1

200,9

623,5

40,6

150,3

24,11

2002/03

227,8

603,4

200,8

628,1

27,6

125,6

20,00

2003/04

256,3

627,4

211,6

649,0

24,3

104,9

16,16

2004/05

299,9

715,8

224,7

689,0

53,7

132,1

19,17

2005/06

282,3

699,0

232,1

705,9

50,0

125,1

17,72

2006/07

267,6

713,1

230,8

728,1

33,1

110,2

15,14 15,55

2007/08(*)

332,1

789,8

267,0

778,9

36,4

121,1

2008/09(**)

298,1

775,3

267,0

793,1

17,1

103,3

13,02

Var. % 2000/08

38,61

30,01

38,70

28,77

-16,51

-37,25

-51,27

1999/00

72,2

160,6

42,9

159,6

7,9

31,0

19,42

2000/01

75,1

176,0

44,6

171,9

6,7

34,4

20,01

2001/02

78,7

184,8

46,3

184,5

5,7

36,1

19,57

2002/03

75,0

196,8

44,0

191,4

4,9

43,6

22,78

2003/04

66,8

186,6

41,6

189,3

3,1

37,8

19,97

2004/05

85,0

215,8

46,2

204,8

7,0

47,5

23,19

2005/06)

83,4

220,5

47,3

215,3

12,2

53,3

24,76

2006/07)

86,8

236,6

49,2

225,2

15,6

62,4

27,71

2007/08(*)

70,4

218,8

50,1

233,5

3,4

49,3

21,11 21,05

2008/09(**)

84,5

240,7

50,1

239,4

4,8

50,4

Var. % 2000/08

-2,49

36,24

16,78

46,30

-56,96

59,03

8,70

1999/00

62,5

585,8

35,4

585,0

25,9

208,9

35,71

2000/01

60,6

581,5

36,2

583,9

23,9

206,4

35,35

2001/02

53,0

581,1

32,4

585,2

21,2

201,8

34,48

2002/03

43,7

568,4

30,5

603,9

13,4

166,3

27,54

2003/04

63,8

553,8

32,5

588,6

14,9

132,1

22,44

2004/05

58,7

625,7

31,8

606,9

14,7

150,9

24,86

2005/06

57,3

620,9

31,4

624,7

15,6

147,1

23,55

2006/07)

49,3

596,0

31,0

616,5

12,4

126,6

20,54

2007/08(*)

56,3

610,8

29,9

622,3

6,9

115,1

18,50

2008/09(**)

66,2

662,9

35,4

646,0

13,3

132,1

20,45

Var. % 2000/08

-9,92

4,27

-15,54

6,38

-73,36

-44,90

-48,19

Fonte: World Agricultural Supply and Demand Estimates - USDA. Jun/08. (*) Estimativa. (**) Projeção.


O Brasil e o choque de preços O impacto da explosão de preços internacionais de alimentos no Brasil ocorre de forma menos intensa em razão da desvalorização cambial – o preço em dólar dos produtos subiu muito, mas, como o dólar se desvalorizou no mercado interno, são necessários menos reais para comprar o mesmo produto. O impacto ocorre de forma diferenciado, dadas três situações de produtos: primeiro, os produtos que a produção nacional não é suficiente, necessitando importação para abastecimento interno -

‘‘

aos mercados gera insegurança nos investimentos.

‘‘

A expectativa é de ampliação dos investimentos e, portanto, da produção, com recuperação gradativa dos estoques mundiais. Nesse sentido, o desfecho na “Rodada de Doha” é determinante para os agricultores dos países ricos e pobres.

caso do trigo e do arroz. O impacto é direto com o preço internacional determinando o preço doméstico. Segundo, os produtos agrícolas de exportação, que têm cotação internacional no mercado interno, deduzidos os custos do comércio. Terceiro, os demais produtos que têm contágio diferenciado em função do grau de substituição e de dependência com os produtos cotados no mercado internacional. Há ainda os produtos que não são afetados pelo mercado internacional, mas que tiveram problemas de safra, como é o caso do feijão. O fato é que os índices mostram uma inflação alta no grupo de alimentos: o IPC (Índice de Preços ao Consumidor), da Fundação Getúlio Vargas, no grupo alimentação, subiu 8,46% no primeiro semestre de 2008 e 13,97% em 12 meses. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE, grupo alimentos, acumula alta de 8,64%, enquanto que os produtos não-alimentícios subiram 2,26% no ano. Tanto os produtos de exportação como os produtos básicos ficaram mais caros. Subiram o preço do arroz, feijão, pão, leite, carne, etc. No primeiro semestre de 2008, o

abril / junho / 2008

Há capacidade, ainda em 2009, de elevação significativa da produção. As decisões de produção seguem a lógica da eficiência econômica, portanto, da expectativa de receitas (preços) versos os custos de produção (fertilizantes). No primeiro caso, o cenário de preços é positivo para os agricultores em 2009, entretanto, os custos estão elevados, mas ainda há espaço para ganhos marginais com a ampliação do uso de insumos modernos (sementes melhoradas, fertilizantes e defensivos). Quanto ao cenário de preços, as previsões mais consistentes são do governo americano, que estima que os altos preços dos alimentos ao redor do mundo devem persistir por mais dois ou três anos até que os estoques mundiais sejam reabastecidos. Não há consistência nas declarações de dirigentes do Banco Mundial (Bird) de que os preços dos alimentos continuarão altos nos próximos sete ou oito anos. Muito menos de dirigentes da FAO que prevêem um cenário de dez anos de preços altos. O cenário mais provável é de redução dos preços em um prazo menor, dado o componente especulativo, com a ampliação dos investimentos no mercado futuro. Do lado da oferta, mesmo que mantidas as decisões de plantio de anos anteriores, há grande probabilidade de ampliação da produção, pois não deverão se repetir tantos problemas climáticos nos países grandes produtores. A expectativa é de ampliação dos investimentos e, portanto, da produção, com recuperação gradativa dos estoques mundiais. Nesse sentido, o desfecho na “Rodada de Doha” é determinante para os agricultores dos países ricos e pobres. A perspectiva de redução dos subsídios inibe os investimentos dos agricultores nos países ricos, enquanto que nos países pobres a incerteza de acesso

13


Tabela 2 – Balanço entre oferta e demanda brasileira para 2008 (em mil toneladas) Estoque inicial

Produção

Importação

Suprimento

Consumo

Exportação

Estoque final

Produção - consumo

Algodão (pluma)

382,3

1.556,9

60,0

1.999,2

1.050,0

520,0

429,2

506,9

Arroz em casca

2.022,7

12.284,0

600,0

14.906,7

13.000,0

700,0

1.206,7

(716,0)

Feijão

382,0

3.415,5

70,0

3.867,5

3.400,0

30,0

437,5

15,5

Milho

6.600,2

57.481,2

600,0

64.681,4

44.000,0

11.553,7

9.127,7

13.481,2

Soja em grãos

3.675,6

59.843,0

100,0

63.618,6

35.050,0

25.750,0

2.818,6

24.793,0

Farelo de soja

2.282,7

24.948,0

50,0

27.280,7

11.800,0

13.200,0

2.280,7

13.148,0

Óleo de soja

275,1

6.156,0

40,0

6.471,1

4.100,0

2.120,0

251,1

2.056,0

Trigo

221,3

5.279,7

5.300,0

10.801,0

10.250,0

20,0

531,0

(4.970,3)

Produto

Fonte: CONAB. Levantamento: jul/2008.

Revista de

Conjuntura

14

a­ rroz subiu 38,21%, dada a necessidade de importação de 5% do consumo e os preços mundiais altos com a quebra na produção na Ásia. O pão francês também subiu (20,95%), assim como o macarrão (16,11%) e a farinha de trigo (25,46%), enfim, todos os derivados do trigo subiram muito no Brasil, dada a dependência de importação de mais de 50% do trigo consumido e os preços altos no mercado internacional, além da crise na Argentina, principal fornecedor brasileiro, com o prolongado confronto entre agricultores e governo e as restrições à exportação de trigo. Subiram também os preços dos produtos de exportação: óleo de soja (26,45%), fubá de milho (12,52%), carnes de boi (10,14%), em especial as carnes de segunda, e leites e derivados (4,05%), enquanto o frango teve queda de preço no ano (-0,88%). A carne bovina tem uma expectativa de continuidade na elevação dos preços com o início da entressafra, o aumento na demanda mundial e a redução na expansão da oferta doméstica para recompor o rebanho de matrizes. A mesma tendência deve seguir o leite, que

Outros alimentos, tipicamente de mercado interno, também tiveram aumentos significativos de preços no primeiro semestre: tomate (106,41%), cebola (48,42%), cenoura (39,77%), batata-inglesa (7,76%), hortaliças e verduras (7,36%) e ovo de galinha (13,67%). Poucos alimentos tiveram preços estabilizados no primeiro semestre, entre eles as frutas, com alta de 1,09%, e pescados, 1,56%. O cenário, entretanto, é de relativa redução da maioria dos preços, dado que o abastecimento brasileiro está garantido em 2008. A Tabela 2 mostra o quadro de suprimento dos principais produtos. No caso do trigo, a necessidade de importação será menor que em outros anos, dada a expansão da produção nacional. O arroz tem estoque inicial elevado e previsão de importação suplementar. Está com um quadro de suprimento superior ao consumo em mais de 1,9 milhão de toneladas. Soja, milho e algodão têm grandes excedentes para exportação. O abastecimento interno não tem grandes percalços, mas os preços acompanham o mercado

enfrenta o período de entressafra. O preço do feijão chegou a subir mais de 100%, mas vem oscilando muito desde o final de 2007. Neste ano, o feijão preto subiu (57,73%), mas o carioca caiu (-1,45%) e o fradinho também caiu (-32,30%).

internacional. Já o abastecimento do feijão, apesar do excedente previsto com bom estoque final, terá instabilidades dado o comportamento da produção entre as regiões do país: a produção cresceu no Nordeste, mas caiu no Centro-Sul.


‘‘

A produção de feijão tem previsão de aumento no ano (2,3%), mas houve problema de abastecimento com a redução de 19,9% na primeira safra. Ocorreu diminuição da área plantada em 15,8% em razão dos baixos preços do produto na safra anterior e dos problemas climáticos na época de plantio.

‘‘

Segundo o IBGE, em 2008, a produção nacional de grãos será de 144,3 milhões de toneladas, crescimento de 8,4% em relação à safra de 2007. A estimativa da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) é de 142,42 milhões de toneladas, crescimento de 8,1%. Segundo a CONAB, 96,8% dos grãos (137,90 milhões de toneladas) são produzidos na safra de verão e 3,2% (4,53 milhões de toneladas), na safra de inverno. Portanto, quase toda a safra de 2008 já foi colhida. A soja e o milho respondem por 82,4% (117,3 milhões de toneladas) da produção. O arroz é o terceiro em produção, com 12,3 milhões de toneladas. Houve crescimento da produção para todas as principais culturas, com destaque para a previsão de crescimento do trigo (71,2%) e do milho (11,9%). Contribuíram para o aumento o uso mais intenso de tecnologia e as condições climáticas melhores, em especial na Região Sul, que vinha de quebras de safras seguidas. Mesmo assim, houve perdas de produção em função da estiagem em algumas áreas. A produção de feijão tem previsão de aumento no ano (2,3%), mas houve problema de abastecimento com a redução de 19,9% na primeira safra. Ocorreu diminuição da área plantada em 15,8% em razão dos baixos preços do produto na safra anterior e dos problemas climáticos na época de plantio - atraso no início das chuvas, estiagens prolongadas e baixas temperaturas no início da implantação da cultura nos principais estados produtores (CONAB, 2008). A tendência é de normalização do abastecimento com o aumento da produção das segunda e terceira safras.

A estimativa da CONAB é que a oferta de feijão se recuperou com o crescimento de 38,2% na segunda safra e há previsão positiva para a terceira safra, dadas as boas condições climáticas da região Nordeste, com um bom regime de chuvas, e previsão de boa produtividade nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, devido à presença de lavouras altamente tecnificadas e irrigadas. A cana-de-açúcar manteve, em 2008, a trajetória de crescimento da produção. Segundo o IBGE, o

Tabela 3 – Estimativa da produção de grãos. Safras 2006/2007 e 2007/2008 (em mil toneladas) Produtos

Safra 2006/07

Safra 2007/08

% 2008/07

Área

Produção

Área

Produção

Área

Produção

Algodão em Caroço

1.096,8

2.383,6

1.086,1

2.439,4

(1,0)

2,3

Arroz

2.967,4

11.315,9

2.891,6

12.284,0

(2,6)

8,6

Feijão

4.087,8

3.339,8

3.915,1

3.415,5

(4,2)

2,3

Milho

14.054,9

51.369,7

14.748,6

57.481,3

4,9

11,9

Soja

20.686,8

58.391,8

21.222,7

59.843,0

2,6

2,5

Trigo

1.757,5

2.233,7

1.818,9

3.824,0

3,5

71,2

Demais produtos

1.561,4

2.716,1

1.487,8

3.137,1

(4,7)

15,5

BRASIL

46.212,6

131.750,6

47.170,8

142.424,3

2,1

8,1

Fonte: CONAB. Levantamento: jul/2008.

abril / junho / 2008

Nova supersafra

15


crescimen­­to­­­ será de 14,0%, prevista em 588,0 milhões de toneladas. O café também teve um crescimento elevado na produção (27,3%). A safra está estimada em 46,1 milhões de sacas de 60 kg (2.764.016 toneladas). Outros produtos importantes tiveram variações na produção em 2008. Cresceu a produção de cacau (3,5%), sorgo (27,6%) e batata-inglesa (6,1%). Caiu a produção de laranja (-2,8%), algodão herbáceo (-2,5), mandioca (-0,9%) e cebola (-4,2%). A área plantada para produção de grãos na safra 2007/08 foi de 47,2 milhões de ha, crescimento de 2,1% em relação a 2007 (CONAB, 2008). A área ocupada é menor, pois a safra de inverno é produzida em áreas cultivadas no verão e alguns produtos são cultivados mais de uma vez no ano, é o caso das culturas irrigadas, das segunda e terceira safras de feijão e milho, etc. Ou

‘‘ Conjuntura Revista de

Considerações finais

O cenário de preços altos dos produtos agrícolas é uma oportunidade para o agronegócio brasileiro, que tem um potencial de crescimento sustentável elevado, considerando a elevada competitividade da agropecuária brasileira, a área agricultável potencial, o sistema de pesquisa, a apropriação de tecnologia pelos agricultores, etc.

‘‘

16

seja, a área ocupada na produção de grãos (algodão, amendoim, arroz, feijão, girassol, mamona, milho, soja, sorgo, aveia, centeio, cevada, trigo e triticale) gira em torno de 40 milhões de hectares. A área total de lavouras no Brasil, segundo o Censo Agropecuário de 2006 do IBGE, é de 76,7 milhões de ha. Em 1985, a área de lavouras era de 52,1 milhões de ha. A área ocupada gira em torno de 60 milhões de ha. Ou seja, a área de lavouras ocupa 7% do território (851 milhões de ha). No levantamento da produção do IBGE, em junho/08, as culturas com maiores áreas nessa safra são, em milhões: soja (21,2 milhões de hectares), milho (14,4), cana-de-açúcar (7,6), feijão (3,8), arroz (2,9), trigo (2,3), café (2,2), mandioca (1,9), algodão herbáceo (1,1), laranja (0,80), sorgo (0,77) e cacau (0,68).

O cenário de preços altos dos produtos agrícolas é uma oportunidade para o agronegócio brasileiro, que tem um potencial de crescimento sustentável elevado, considerando a elevada competitividade da agropecuária brasileira, a área agricultável potencial, o sistema de pesquisa, a apropriação de tecnologia pelos agricultores, etc. O Brasil se destaca ainda pela grande fronteira agrícola que pode ser incorporada à produção. Hoje, a área cultivada pela agricultura gira em torno de, apenas, 60 milhões de hectares (7% do território). O cerrado tem área total em torno de 204 milhões de hectares, sendo estimado como área agricultável mais de 125 milhões de hectares, e estão sendo utilizados 45 milhões em pastagens cultivadas e culturas anuais e perenes (inclusive florestas). O potencial de produção de grãos, carnes e frutas supera três vezes a produção atual. O semi-árido (caatinga), com cerca de 84 milhões de hectares, poderia triplicar a atual área irrigada e a produção de frutas, além de quadruplicar a produção de carne de caprinos. Os demais biomas também têm potencial de expansão da produção de forma sustentável. Área total em milhões: Bioma Amazônico (419,7 milhões de hectares), Mata Atlântica (111), Pampa (17,6) e o Pantanal (15). O sistema de pesquisa agropecuário brasileiro está entre os melhores do mundo, com resultados


A teoria de Malthus, de 1798, vai continuar enterrada­. Nem a população cresce a taxas geométricas nem a produção agrícola cresce a taxas aritméticas. As taxas de crescimento demográfico são cada vez menores e a produtividade agrícola vem atendendo a maior parte do crescimento da demanda por alimentos. O cenário futuro é de abundância e não de fome, como previa Malthus. Bibliografia Banco Central, Relatório de Inflação, volume 10, nº 2. Brasília: Bacen, 2008. CONAB, Acompanhamento da safra brasileira: grãos – décimo levantamento, julho 2008. Brasília: CONAB, 2008. IBGE, Censo Agropecuário, Rio de Janeiro: IBGE, 2006 IBGE, Indicadores IBGE - Estatística da Produção Agrícola, Rio de Janeiro: IBGE, junho de 2008 FURTADO, Celso, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. MALTHUS, Thomas R. (1798), Ensaios Sobre o Princípio da População. São Paulo, Abril Cultural, 1989. (Os Economistas). PREBISCH, Raul (1949), “O Desenvolvimento Econômico da América Latina e seus Principais Problemas”, in: Revista Brasileira de Economia, 3(4), dez 1949: 47-111 SILVA, José Graziano da, Fatores transitórios e estruturais na explosão dos preços (disponível em www.cartamaior. com.br/templates)

José Luiz Pagnussat Vice-presidente do Corecon/DF e ex-presidente do COFECON e ANGE.

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­ xtraordinários para a maioria das culturas. Os agricule tores brasileiros dominam as melhores técnicas e são altamente competitivos no mundo. Os resultados podem ser comprovados pelo aumento da produtividade na produção de grãos, que mais que dobrou entre 1990 e 2008 (101,8%). Nesse período, a produção de grãos cresceu 144,4%, e a área cultivada, 21,12%. Portanto, os ganhos de produtividade foram responsáveis por 79,88% do aumento na produção no período. Alguns passos importantes estão sendo dados no sentido de viabilizar a expansão da produção e aproveitar o cenário externo favorável: a decisão política do governo de apoiar a expansão do agronegócio, o plano de safra 2008/2009, a renegociação da dívida dos agricultores, além do programa de biocombustíveis brasileiro. Os riscos estão associados, principalmente, às restrições de acesso ao mercado dos países ricos, caso a “Rodada de Doha” não tenha uma conclusão positiva, pois, o cenário de preços altos é transitório e o mercado acessível é incerto, enquanto que a expansão da estrutura produtiva é permanente, podendo levar a um longo período de preços baixos no mercado interno e crise no setor. Nesse sentido, a agroenergia é hoje a alternativa mais segura de mercado acessível e em crescimento. O cenário internacional é de instabilidade nos preços dos alimentos, como sempre foi, mas certamente a tendência de declínio será retomada, dados os fatores estruturais que influenciam o setor: o baixo crescimento da demanda, os ganhos de produtividade com as novas tecnologias e a continuidade nas reduções de custos, considerando que extensas áreas de terra no mundo são cultivadas, ainda, por gente que usa enxadas e a maior parte das pastagens é nativa. O potencial de expansão da produção mundial é, ainda, elevado. As vantagens brasileiras estão mais na competitividade do setor rural do que nas áreas disponíveis no Brasil. Há extensas áreas desocupadas nos Estados Unidos. São extensas as áreas cultiváveis vazias na África e em outras regiões do mundo. Acrescente-se, por outro lado que, nos últimos 50 anos, a área per capita necessária se reduziu pela metade. Era pouco mais de um hectare e hoje se situa em 0,5 hectare, considerando a área total agricultável. Entre 1961 e 2000, a área com culturas anuais cresceu apenas 10% no mundo, enquanto a população quase dobrou.

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Artigo A boa governança e a ética na administração pública no desenvolvimento do Brasil José Matias-Pereira

Introdução

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O tema abordado neste artigo – os reflexos da boa governança e da ética na administração pública no desenvolvimento do Brasil – situa-se no campo da reflexão política que busca investigar a relação de causalidade entre o poder político, o poder econômico e o poder social, instâncias paralelas de mando que, em geral, cristalizamse em sínteses instáveis. Assim, formulamos a seguinte pergunta: o processo de desenvolvimento socioeconômico e o fortalecimento da democracia no Brasil dependem da boa governança e da ética na administração pública? Nesse sentido, temos como principal objetivo evidenciar que o desenvolvimento socioeconômico e o fortalecimento da democracia no Brasil passam pela prática da boa governança e da ética na administração pública. Assim, aceitamos, neste artigo, que elas se apresentam como variáveis importantes para permitir que o Brasil possa continuar avançando no seu processo de desenvolvimento socioeconômico e na consolidação da democracia. O referencial teórico deste artigo está apoiado na teoria­ da Nova Economia Institucional, em particular nos

trabalhos de Douglass C. North, “Institutions, Institutional Change and Economic Performance”, de 19901; e MatiasPereira (2006, 2007, 2008). Reforma do Estado e a crise fiscal Constata-se que, todos os Estados modernos se dedicam à redistribuição da renda, à gestão macroeconômica e à regulação de mercados. A diferença está nas prioridades dadas por cada país na utilização dessas funções, que tende a variar ao longo da história (Matias-Pereira, 2006). É oportuno recordar que as teorias político-econômicas modernas do Estado identificam três formas de intervenção pública na economia: redistribuição de renda, estabilização macroeconômica e regulação de mercados. O processo de redistribuição de renda abrange todas as transferências de recursos de um grupo de indivíduos, regiões ou países para um outro grupo, bem como o atendimento de setores específicos e especiais. Esse é o caso, por exemplo, da educação primária, do seguro social, entre outros, que os governos obrigam os cidadãos a consumirem ou a utilizarem. A política de estabilização macroeconômica tem como objetivo alcançar e manter níveis adequados de crescimento econômico e

O neoinstitucionalismo pode ser definido como um enfoque que inclui vários modelos que enfatizam a importância crucial das regras sociais para a interação social (Matias-Pereira, 2007, p. 9). 1


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A reforma do Estado surgiu como uma resposta à ineficiência do velho modelo estatal e às demandas sociais crescentes de uma emergente sociedade democrática e plural no final do século XX. A necessidade de reduzir a presença do Estado na economia e a aceleração do fenômeno da globalização foram os fatores indutores nesse movimento.

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crise fiscal e pelo esgotamento do modelo de substituição das importações, inseridos no modelo burocrático de intervenção econômica e social. Além disso, o aparelho do Estado concentrava e centralizava funções, com a rigidez dos procedimentos, excessivamente complicados pelo excesso de normas e regulamentos. Após um primeiro momento de omissão, somente em meados dos anos 90 começam a ser feitas as reformas estruturais do Estado brasileiro, com o ideal de superação da crise e com a esperança de resgatar a autonomia financeira e a capacidade do Estado de implementar políticas públicas. Assim, são traçadas as seguintes diretrizes gerais: ajustamento duradouro; reformas econômicas orientadas para o mercado que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a concorrência interna e criem condições para o enfrentamento da

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de ­emprego. Para atingir esse objetivo, o governo utiliza como principais instrumentos as políticas fiscal, monetária, cambial e industrial. Por sua vez, as políticas reguladoras têm como propósito corrigir distintos tipos de falhas de mercado como, por exemplo, o poder de monopólio, a provisão insuficiente de bens públicos, entre outras. Isso pode ser constatado quando analisamos a estruturação do “Estado de bem-estar” após a Segunda Guerra Mundial, que foi priorizado pelas políticas de redistribuição e de gestão macroeconômica implantadas pela maioria dos governos da Europa Ocidental. A crise fiscal que atingiu, na década de 70, esse Estado positivo, que tinha o papel de planejar, produzir bens e serviços e como empregador de última instância, revelou o esgotamento desse modelo. No final dos anos 70, começou a surgir em seu lugar um novo modelo que passou a priorizar a desregulação, a privatização, a liberalização e a reforma das estruturas de bem-estar. Nesse contexto, verifica-se que a reforma do Estado surgiu como uma resposta à ineficiência do velho modelo estatal e às demandas sociais crescentes de uma emergente sociedade democrática e plural no final do século XX. A necessidade de reduzir a presença do Estado na economia e a aceleração do fenômeno da globalização foram os fatores indutores nesse movimento. Criaramse novas necessidades e desafios para os Estados, especialmente no que se refere à conciliação de um modelo orientado para o mercado de modo a garantir o seu perfeito funcionamento e que atendesse às necessidades dos membros da sociedade na nova roupagem de cliente-cidadão, com a prestação de serviços de qualidade a custos mais baixos. Deve-se recordar que o Estado brasileiro, em razão do modelo desenvolvimentista adotado, extrapolou a alçada de suas funções básicas para atuar com grande peso na esfera produtiva. Contudo, esse grande Estado, com presença marcante na economia nacional, não conseguiu atender com eficiência a sobrecarga de demandas a ele dirigida, especialmente na área social. Existem indícios de que essa deformação nas funções do Estado contribuiu para enfraquecer o sistema de controle e, dessa forma, facilitou o avanço do fenômeno da corrupção no país. Embora presente desde os anos 70, a crise do Estado brasileiro somente veio à tona a partir da segunda metade dos anos 80. Esse acontecimento foi evidenciado pela

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c­ ompetição internacional; reforma da previdência social; inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; e reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua governança (governance), isto é, melhorar a capacidade governamental de implementação das políticas públicas (MARE, 1995) 2. Evolução dos modelos de gerenciamento ­governamental A crise que se abateu sobre o Estado na década de 70 permitiu o surgimento de novas idéias sobre a forma de gerenciamento governamental. Deve-se registrar que desde o início da década de 80 o modelo burocrático we-

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A crise que se abateu sobre o Estado na década de 70 permitiu o surgimento de novas idéias sobre a forma de gerenciamento governamental. Deve-se registrar que desde o início da década de 80 o modelo burocrático weberiano da administração pública vinha demonstrando estar se esgotando como instrumento para atender os anseios dos administradores públicos e dos cidadãos.

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beriano da administração pública vinha demonstrando estar se esgotando como instrumento para atender os anseios dos administradores públicos e, principalmente, dos cidadãos, além de não se adequar ao novo contexto de restrições aos gastos públicos. Nesse cenário, surge o modelo gerencial da administração pública implementado no governo de Margareth Thatcher, na Grã-Bretanha. Tendo como lema “rolling back the state”, o governo conservador de Thatcher disseminou o conceito de managerialism - entendido como a adoção de práticas estritamente gerenciais privadas dentro do setor público – no qual buscava continuamente a qualidade, descentralização e avaliação dos serviços públicos. Esse modelo gerencial puro foi o primeiro a propor medidas efetivas em relação à crise do modelo burocrático weberiano. Esse novo modelo tinha como objetivo a produtividade, por meio da economia e da eficiência da administração pública. O papel da população no processo de gestão era considerado secundário, ou seja, de simples contribuinte. Esse modelo, a partir de meados da década de 80, começa a se mostrar incapaz para atender todas as demandas da sociedade. Isso exigiu que fosse efetivada uma mudança na dinâmica intra-organizacional do setor público, visto que era preciso dar maior ênfase à flexibilidade da gestão. Assim, a principal mudança foi a transição de uma lógica de planejamento para uma lógica estratégica. Na lógica do planejamento prevalecia o conceito de plano que, a partir da racionalidade técnica, desenvolve o melhor programa a ser seguido. Na lógica estratégica, as relações com os atores envolvidos são levadas em conta em cada política a fim de desenhar cenários que possibilitem a flexibilidade necessária para alterações e desvios não programados nos projetos governamentais (Crozier, 1992, p. 93). A mudança seguinte, considerada a mais significativa, foi a adoção de serviços públicos voltados para os anseios dos clientes/consumidores, acompanhado de uma busca contínua pela qualidade desses serviços. Foi a partir dessas duas características que surgiu o consumer­ ism, modelo que buscava, essencialmente, a efetividade e a qualidade e que tratava o usuário do serviço público como clientes/consumidores dos serviços públicos.

O Plano Diretor do Brasil (MARE, 1995) contempla cinco dimensões da reforma do Estado: o ajuste fiscal; reformas econômicas orientadas para o mercado; reforma da previdência social; inovação dos instrumentos de política social; e reforma do aparelho do Estado, visando a aumentar a governance. Essas dimensões, no seu conjunto, caracterizam as reformas estruturais do país. 2


talecimento da democracia, bem como de legitimação do esforço de modernização da administração pública, 3

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1998, p. 18). É oportuno ressaltar que a mudança dos objetivos – de efetividade/qualidade para accountability/equidade – é motivada pela mudança na maneira de enfocar o ­público-alvo, ou seja, os consumidores passam a ser visua­lizados como cidadãos. Isso implica que passam a ser detentores de direitos e deveres para com o Estado e os demais cidadãos. Outro aspecto relevante do PSO é que se baseia na descentralização dos serviços públicos. Isso, porque em governos descentralizados, tornar-se mais fácil introduzir a accountability, bem como a participação dos cidadãos nas políticas públicas. A justificativa central para defender o governo no âmbito local não está no fato dele ser um bom meio para promover os serviços públicos necessários, mas sim nele poder tornar os cidadãos capazes de participar mais ativamente das decisões que afetam a sociedade como um todo. A agregação da participação popular e da accountability contribuiu de maneira efetiva para a evolução do atual debate sobre a administração pública. Fica evidenciado, por sua vez, que o Brasil, ao buscar estruturar o seu aparelho do Estado, propõe-se a ser, além de eficiente, orientado por valores gerados pela própria sociedade, sob as óticas da democracia e do pluralismo. Assim, a questão da transparência das ações governamentais surge como uma prática indispensável para o processo de desenvolvimento socioeconômico e o for-

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Fica evidenciado que o Brasil, ao buscar estruturar o seu aparelho do Estado, propõese a ser, além de eficiente, orientado por valores gerados pela própria sociedade, sob as óticas da democracia e do pluralismo. Assim, a questão da transparência das ações governamentais surge como uma prática indispensável para o processo de desenvolvimento socioeconômico e o fortalecimento da democracia.

especialmente nas questões que envolvem os resultados e a responsabilidade dos funcionários (Matias-Pereira, 2007, p. 45-52)3. Controle social e transparência no Brasil

A proposta de elevar o nível de transparência do Estado brasileiro foi incluída na agenda política de controle social com o fim do período de autoritarismo, que vigorou de 1964 a 1985. A transparência do Estado, expressa na possibilidade de acesso do cidadão à informação governamental, constituía um requisito fundamental. Definida como um direito e, ao mesmo tempo, projeto de igualdade, o acesso à informação governamental somouse a outras perspectivas democratizantes.

Matias-Pereira, José. (2007). Manual de Gestão Pública Contemporânea. São Paulo: Atlas.

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Deve-se ressaltar, entretanto, que a ótica do cliente/consumidor é limitada, pois cidadão é um conceito que engloba a cidadania, ou seja, implica direitos e deveres e não somente a liberdade de escolher os serviços públicos. (Abrucio, 1997). Esse conceito, entre outros problemas, também não atende ao princípio da eqüidade, um dos pilares da administração pública, uma vez que os consumidores podem se transformar em grupos de interesses específicos. Isso exigiu a necessidade de se introduzir a preocupação com a eqüidade nos serviços públicos. Como resposta para essa demanda surgiu o terceiro modelo, denominado Public Service Orientation (PSO). Esse modelo, além da eqüidade, buscou incorporar a questão da accountability, ou seja, a transparência e a responsabilização da administração pública (Behn,

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É perceptível que a prática da democracia no Brasil tem se manifestado, entre outros aspectos, pela cobrança cada vez mais intensa de ética e transparência na condução dos negócios públicos. Visando responder a essas demandas, os instrumentos já existentes na administração federal foram reforçados e outros foram criados.

a essas ­demandas, os instrumentos já existentes na administração federal foram reforçados e outros foram criados. Em nível de discurso, o governo demonstra que está consciente que a corrupção drena recursos que seriam destinados a produzir e realizar bens e serviços públicos em favor da sociedade, a gerar negócios e a criar e manter empregos. A corrupção e a malversação das verbas e recursos públicos são enormes obstáculos ao desenvolvimento nacional porque implicam diretamente na redução da atividade econômica e na diminuição da qualidade de vida da população (Matias-Pereira, 2005). Na prática, entretanto, em que pese os avanços, a transparência das ações do governo ainda encontra-se distante do ideal. Isso pode ser medido, por exemplo, quando examinamos os resultados dos recursos aplica-

A democratização do Estado tinha como um dos pressupostos o controle do seu aparelho pela sociedade civil. A esse respeito argumenta Bresser Pereira (2001, p. 43) que “eficiência administrativa e democracia são dois objetivos políticos maiores da sociedade contemporânea, ainda que vistos como contraditórios pelo saber convencional. Pois bem, uma tese fundamental que orientou a Reforma Gerencial de 1995 contradiz tal saber: a maior eficiência por ela buscada só se efetivará se o regime político for democrático”. É perceptível que a prática da democracia no Brasil tem se manifestado, entre outros aspectos, pela cobrança cada vez mais intensa de ética e transparência na condução dos negócios públicos. Visando responder 4

dos na área social no país (cerca de 15% do PIB), considerados em proporção com o PIB em 2006 (Matias-Pereira, 2006)4. Os resultados obtidos mostram que há má gestão na aplicação dos recursos do Estado, conseqüência da corrupção e da forma distorcida dos gastos que estão associados a tais atividades. Esse é um problema público no qual se constata o grande desperdício na gestão do gasto social no Brasil e seu papel como instrumento de reprodução das desigualdades existentes, todo ele derivado de seu impacto redistributivo nulo, na melhor das hipóteses, quando não, regressivo. Nesse contexto, é oportuno recordar que o Estado moderno é constituído por agentes públicos que arrecadam legalmente fundos privados da sociedade. A deflagração desse processo gera estímulos para que os diversos setores organizados da sociedade procurem desviar rendas em benefício próprio. Conforme observa Silva (2001, p. 5), a instituição do Estado carrega, implicitamente, um conflito distributivo potencial entre os agentes privados que tentam se fazer representar politicamente através de grupos de pressão. Essas práticas podem ser acompanhadas pela defesa dos interesses privados dos próprios agentes públicos. Com um sistema legal estabelecido, pode-se minimizar a possibilidade de privatização dos recursos públicos decorrentes do conflito distributivo entre todos os agentes da sociedade. Assim, a busca da transparência nos países democráticos exige a criação de instituições de controle, direito e

Matias-Pereira, José. (2006). Finanças Públicas: A política orçamentária no Brasil. 3. Ed. São Paulo: Atlas.


A preocupação com a questão dos impactos da corrupção na economia não é uma coisa recente. Muitos autores como, por exemplo, Robert Merton, Samuel Huntington e Nicolo Machiavelli, se ocuparam em estudar os seus efeitos sobre a sociedade. Verifica-se que os efeitos negativos sobre o desenvolvimento econômico e político são bastante perceptíveis quando a corrupção compromete o direito de propriedade, o império da lei e os incentivos aos investimentos (Rose-Ackerman, 1978). Por outro lado, está evidenciado que uma sociedade com corrupção generalizada, mais cedo ou mais tarde, será submetida a crises de legitimidade no seu sistema político, especialmente em termos de queda nos níveis de credibilidade de seus políticos e de suas instituições. A preocupação com as implicações da corrupção tende, em grande parte, a ser vista sob o enfoque político. O custo político é alto porque as instituições quando são vistas como corruptas são desacreditadas e não têm apoio da população. A idéia da associação política para realizar o bem comum torna-se um eufemismo para encobrir a convivência cínica de egoístas não assumidos (Speck, 2000, p. 31). É perceptível, entretanto, que além dos danos políticos, a corrupção provoca conseqüências econômicas relevantes. O fenômeno da corrupção geralmente vem acompanhado por estruturas institucionais ineficientes, as quais contribuem para diminuir a efetividade dos investimentos públicos e privados. Em países onde é generalizada a corrupção, de cada unidade monetária investida boa parte é desperdiçada, o que implica em um investimento, de fato, menor. A corrupção também pode onerar a riqueza de uma nação e seu crescimento econômico ao

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A corrupção também pode onerar a riqueza de uma nação e seu crescimento econômico ao afugentar novos investimentos, ao criar incerteza quanto à apropriação dos direitos privados e sociais. O risco político e institucional é sempre levado em conta pelos investidores internacionais e domésticos.

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Efeitos políticos e econômicos da corrupção

afugentar novos investimentos, ao criar incerteza quanto à apropriação dos direitos privados e sociais. O risco político e institucional é sempre levado em conta pelos investidores internacionais e domésticos. Quando esse risco é elevado, projetos de investimentos são adiados ou até cancelados. Em casos extremos, a corrupção crônica leva países a crises políticas permanentes que acabam em golpes de estado ou em guerras civis5. Os exemplos mais emblemáticos na atualidade, que se enquadram perfeitamente nesse cenário descrito, estão presentes nas crises econômica, política e social de diversos países da América Latina (Matias Pereira, 2005). Percebe-se, por sua vez, que no enorme elenco de instituições estatais, as que regulam os direitos de propriedade e sustentam os contratos são as mais importantes

Silva, Marcos Fernandes Gonçalves. (2000), “Corrupção e desempenho econômico”, em Bruno Wilhelm Speck, Cláudio Weber Abramo e outros, Os Custos da Corrupção, Cadernos Adenauer, Fundação Konrad Adenauer, num. 10, São Paulo, pp. 63-77. 5

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garantia do bem público. Nesse sentido, torna-se possível argumentar que a luta contra a corrupção no Brasil, a princípio, tem que ser enfrentada pelo Estado como uma ação permanente, como medida indispensável para garantir a moralidade, a partir da percepção de que a sua prática mina o respeito aos princípios democráticos e às instituições.

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para conseguir mercados eficientes. Essas podem adotar a forma de leis formais sancionadas pelo Estado, bem como através de usos e costumes locais. Sua relevância está relacionada ao fato de que reduzem os custos de transação e de informação na economia. As instituições estruturam os incentivos para a inovação, a produção e o intercâmbio, razão pela qual podemos afirmar que podem impedir ou fomentar o crescimento e o desenvolvimento. Nesse sentido, argumenta North (1990) que as instituições são as regras do jogo em uma sociedade, são as limitações ideadas pelo homem que dão forma à interação humana. Por conseguinte, estruturam incentivos no intercâmbio humano, seja político, social ou econômico. Assim, as instituições devem ser criadas e reforçadas para diminuir os custos de transação e para fomentar o desenvolvimento econômico. Verifica-se, na prática, que mesmo construídas com esse propósito podem chegar a se converter em nichos de corrupção quando os indivíduos que as dirigem se deparam com um conflito de interesses entre o público e o privado.

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É possível especular que falta aos governantes uma forte vontade política para a definição de um conjunto coerente de princípios gerais e estratégias, que englobe todas as iniciativas governamentais na busca da boa governança e da ética na administração pública.

Conclusões Observa-se que o desenvolvimento socioeconômico do Brasil passa pela prática da boa governança e da ética na administração pública. Nesse sentido, a transparência nas ações governamentais – que se apresenta como uma política de fortalecimento das instituições e da democracia -, torna mais democráticas as relações entre o Estado e sociedade civil. O fortalecimento das relações do Estado com os cidadãos nos países desenvolvidos constitui-se em importante investimento destinado a aperfeiçoar o processo de formulação de políticas e em elemento fundamental da boa governança, permitindo ao governo obter novas fontes de idéias relevantes, informações e recursos para a tomada de decisão. Essa contribuição tem sido vista como importante também para a construção da confiança pública no governo, elevando a qualidade da democracia e fortalecendo a capacidade cívica. Esses esforços contribuem para o fortalecimento da democracia representativa na qual os parlamentos desempenham papel de destaque. No fortalecimento de suas relações com os cidadãos, fica evidenciado que os governos devem assegurar que: a informação seja completa, objetiva, confiável, relevante e de fácil acesso e compreensão; as consultas tenham objetivas claras e regras definindo os limites de seu exercício, assim como contemplem a obrigação do governo em prestar contas sobre sua forma de utilizar as contribuições do cidadão; e a participação proporcione tempo e flexibilidade suficientes para permitir a elaboração de novas idéias e propostas pelos cidadãos e de mecanismos para integrá-las nos processos de formulação das políticas governamentais. A desconexão nas relações Estado/sociedade pode explicar, em parte, porque o Brasil continua a se posicionar entre os países com deficiências de governança e elevados níveis de corrupção. É possível especular que falta aos governantes uma forte vontade política para a definição de um conjunto coerente de princípios gerais e estratégias, que englobe todas as iniciativas governamentais na busca da boa governança e da ética na administração pública. Isso nos permite concluir que, sem essas medidas e ações, as instituições, a democracia e o desenvolvimento socioeconômico do Brasil ficam fragilizados.


Abrucio, Fernando Luiz (1997), O impacto do modelo gerencial na administração pública: um breve estudo sobre a experiência internacional recente, Cadernos ENAP Nº. 10, Brasília. Crozier, M. (1989): Estado modesto. Estado moderno: Uma estratégia para uma outra mudança, Funcep, Brasília. _______. (1992), Cómo reformar al Estado. Tres países, tres estrategias: Suecia, Japón y Estados Unidos, Fondo de Cultura Econômica, México. ELLIOTT, Kimberley Ann. (1997). “Corruption as an International Policy Problem: Overview and Recommendations”,in ELLIOTT, Kimberley Ann, Corruption and the Global Economy. Washington: Institut for International Economics. HUNTINGTON, S. P. (1968), Political order in changing societies, Yale University Press. MALEN SEÑA, J. F. (2002). La Corrupción: Aspectos Éticos, Económicos, Políticos y Jurídicos. Barcelona: Ed. Gedisa. MATIAS-PEREIRA, J. Reforma do Estado e Controle da Corrupção no Brasil. Caderno Pesquisa em Administração. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 1-17, abril/junho 2005. Disponível em: http://www. ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/v12n2art1_ult.pdf MATIAS-PEREIRA, J. (2006). Finanças Públicas: A política orçamentária no Brasil. 3. Ed. São Paulo: Atlas. MATIAS-PEREIRA, J. (2007). Manual de Gestão Pública Contemporâneo. São Paulo: Atlas. MATIAS-PEREIRA,J.(2008).Curso de Administração Pública. São Paulo: Atlas. MAURO, Paolo. (1995). “Corruption and Growth”. Quarterly Journal of Economics, 110-3, August, pp.681-712. MERTON, Robert K. (1964). Teoria y estructuras sociales, Fondo de Cultura Económica, México-Buenos Aires. NORTH, Douglass C. (1990). Institutions, Institutional Change and Economic Performance. New York: Cambridge University Press. NORTH,Douglass.(1993),Instituciones,Cambio Institucional y Desarrollo Económico, Fondo de Cultura Econômica, México. OCDE. (1997). Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, OCDE, Paris. ______. (2001). Cidadãos como parceiros: Informação,

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José Matias-Pereira Professor-pesquisador associado do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade de Brasília. Doutor em Ciência Política – área de Governo e Administração Pública – pela Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidade Complutense de Madri, Espanha. Pós-doutor em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

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Referências

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Mudanças no cenário e o desenvolvimento d por Daniela Lima “A estabilidade macroeconômica é fundamental para o desenvolvimento do Brasil. Após um longo período de condições econômicas favoráveis para o crescimento, o país navega novamente sob águas turbulentas, enfrentando as incertezas nos cenários externo e interno, com a desaceleração da economia dos países centrais, por um lado, e o aquecimento da demanda interna, por outro. Entretanto, apesar do ambiente de incertezas, as perspectivas ainda são favoráveis para a economia brasileira. Os

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bons fundamentos macroeconômicos, que garantiram a classificação de grau de investimento, a dotação em recursos naturais, que beneficia o país em um contexto de boom de commodities, e as estabilidades política e institucional são aspectos favoráveis para a atração de investimentos. De fato, os investimentos externos, tanto de curto prazo como os produtivos, continuam apresentando crescimento. O último dado de crescimento do PIB mostra que o investimento é o grupo mais dinâmico da demanda agregada”.Esta declaração foi feita pelo especialista em oscilações do mercado, chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), e ex-presidente do Banco Central, Carlos Thadeu de Freitas Gomes. As mudanças no cenário econômico devido à crise nos EUA, o crescimento dos preços agrícolas e de energia, a volta da inflação, o encolhimento da balança comercial e a incerteza dos empresários, certamente, vão afetar o crescimento de todos os países. Na avaliação da economista Maria de Lourdes Mollo, professora da Universidade de Brasília (UnB), o crescimento mundial mais fraco reduz a demanda por produtos brasileiros, o que agrava o problema das contas externas, já complicado com a valorização do real. Por outro lado, o crescimento dos preços em geral influirá nos custos de produção e na inflação. O economista Felipe Ohana, consultor sócio da OF Consultoria Econômica, também acredita que as mudanças no cenário econômico do Brasil podem comprometer o desenvolvimento econômico do país. Segundo ele, há uma esperada redução na atividade econômica da Europa e EUA, impactando a demanda interna e o valor dos ativos.“A inflação externa só não apresenta impacto pior porque parte dela (a que afeta algumas


commodities) tem sido benéfica para o balanço de pagamentos e para a atividade doméstica. Mas há um conflito. A inflação que aumenta custos de transação não pode seguir beneficiando, ao mesmo tempo, a economia. Deve ser esperado que o freio na atividade prevaleça no médio prazo. A inflação interna, por outro lado, é significativa (observe-se a dispersão dos índices) e vai exigir ajustes. A Bolsa de Valores, com ganhos expressivos recentes, é candidata a sofrer ajustes fortes”, declara Ohana. As expectativas dos agentes econômicos são fundamentais para determinar o nível de investimentos do país. O que traz preocupação. De acordo com Carlos Thadeu de Freitas, os investimentos são imprescindíveis para aumentar a capacidade produtiva e reduzir os entraves para o crescimento econômico.“Até agora, os investimentos têm se mostrado resistentes à deterioração dos riscos. Os últimos dados do PIB mostram que houve crescimento expressivo dos investimentos no primeiro trimestre do ano. Isso porque a demanda continua robusta e vários setores têm operado no nível máximo histórico de utilização de capacidade instalada. Adicionalmente, apesar das pressões inflacionárias, o boom das commodities mantém os termos de troca favoráveis para o Brasil. Em suma, mesmo em face de choques de custos e aperto nos juros, as perspectivas ainda são favoráveis para muitos setores”,ressalta o ex-presidente do Banco Central. O Banco Central, há algum tempo, mostrou-se preocupado com as pressões inflacionárias provocadas pelo crescimento explosivo do crédito, pois o consumo é o principal propulsor do crescimento econômico atual. Para a professora da UnB, os brasileiros estão consumindo mais porque passaram anos com o emprego e a renda caindo e precisando reduzir o consumo exatamente por isso. “Mas esse consumo de agora, mais alto do que o anterior, já está sendo reduzido pelo próprio aumento de preços. Assim,

aumentar juros para reduzir ainda mais a demanda não apenas é desnecessário, mas acabará afetando negativamente a oferta e impedindo solução mais definitiva da inflação”. De acordo com o economista Carlos Thadeu de Freitas, as pressões inflacionárias não mais se limitam a alimentos. “Todos os núcleos de inflação, inclusive o de exclusão, acusam alta mais generalizada dos preços. A trajetória dos preços dos bens duráveis mostrou aceleração clara recentemente. Esse setor, que representava uma folga para a inflação, começa agora a refletir a apreciação menor do real e o aumento dos insumos (siderurgia, petroquímica e energia). Em 2006 e 2007, os bens duráveis apresentaram deflação, concentrada nos bens cuja dinâmica de preços sofre maior influência da taxa de câmbio. Já em 2008, essa categoria não ajudará tanto” explica. Na avaliação de Freitas, a política fiscal pro-cíclica, praticada pelo governo, tem colocado mais peso sobre a política monetária. Dessa forma, o melhor caminho para o

abril / junho / 2008

conômico podem afetar a economia brasileira

27


‘‘

Em 2006 e 2007, os bens duráveis apresentaram deflação, concentrada nos bens cuja dinâmica de preços sofre maior influência da taxa de câmbio. Já em 2008, essa categoria não ajudará tanto.

‘‘

Carlos Thadeu de Freitas

Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC)

Revista de

Conjuntura

28

governo Lula seguir, diante do cenário econômico atual, seria uma redução do crescimento do gasto público com o objetivo de diminuir seus efeitos expansionistas, de maneira que não comprometa os investimentos públicos. Ele explica, ainda, que a continuidade do regime de metas de inflação, associado à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), metas para superávit primário e câmbio flutuante, funcionam como um piloto automático para garantir o sucesso atual da política econômica. Já Maria Mollo defende que o melhor caminho seria garantir o crescimento que o país vinha tendo. Para ela, o crescimento não apenas permite incluir produtivamente mais gente, sendo por isso mais justo, mas também porque já era moderado, quando comparado com a história de crescimento e, finalmente, porque ele estava relacionado, sobretudo, com aumento dos investimentos que geram uma maior capacidade produtiva da economia e contribuem para aumentar a oferta e reduzir pressões de preços. A alta dos alimentos Para Carlos Thadeu de Freitas, a inflação de alimentos é um fenômeno mundial que se deve a um conjunto de fatores: a maior demanda por alimentos devido ao crescimento da renda per capita de países emergentes, choques de oferta, com quebra de safra na produção de

grãos, crescimento insuficiente da produção, especulação no mercado financeiro com derivativos de commodities, entre outros. A alta do petróleo também exerce forte influência sob esses preços, pois esse corresponde ao principal insumo agrícola, na sua produção e transporte. Freitas defende que o aumento é devido, principalmente, à alta das commodities agrícolas e energéticas em ambiente de demanda interna aquecida. Felipe Ohana observa que há um componente importado (e.g. o preço da carne), embora com seu impacto suavizado pela valorização cambial. E há o componente associado ao aquecimento da demanda (aquecimento da demanda entendido como crescimento do PIB acima do crescimento do PIB potencial). Na base desse fenômeno está o aumento das remunerações acima do crescimento da produtividade. A volta da inflação “A inflação pode subir em vista do crescimento dos preços como um todo, no mundo inteiro”. É o que alerta a professora Maria Mollo. E ela vai além. “Contudo, o que mais me preocupa, nesse momento, são os efeitos da política monetária, que vem tratando nossa inflação como de demanda, quando ela é de custos. Ninguém tem dúvida de que reduzir demanda em qualquer hipótese acaba tendo reflexo negativo sobre os preços e isso pode reduzir a inflação. No entanto, quando se quer reduzir demanda, com o aumento da taxa de juros, e a inflação não é de demanda, ou não é ela que é responsável pelo aumento de preços, a contração que se faz no andamento da economia, para reduzir essa demanda, passa a ser muito grande, com um custo social elevado em termos de redução do emprego ou aumento do desemprego. Além disso, o reflexo do aumento da taxa de juros só se fará sentir em termos de desemprego com um atraso de seis a oito meses. Assim, nem sempre as pessoas percebem que os problemas foram causados por uma política monetária apertada demais”. Para o especialista Carlos Thadeu de Freitas, o retorno da inflação é uma realidade. “O cenário de inflação no Brasil deteriorou significativamente nos últimos meses. Esse movimento tem sido presenciado em diversos países e se concentra em produtos alimentícios. No caso do IPCA, a escalada de preços tem sido espalhada entre os setores, fato que traz uma preocupação


O encolhimento do saldo da balança comercial Para Felipe Ohana, o principal risco seria a desvalorização real abrupta do câmbio, alterando, no curto prazo e de forma insustentável, o valor dos ativos na economia nacional. Segundo Carlos Thadeu de Freitas, pela primeira vez, em cinco anos, haverá déficit em transações correntes. Para ele, a curto e médio prazos, isso não será um problema, pois a entrada de recursos via conta capital, seja na forma de investimentos diretos ou por capitais de curto prazo, será suficiente para

cobrir a necessidade de financiamento externo. Além disso, a vulnerabilidade externa diminuiu consideravelmente nos últimos anos. O país está credor em dólar, o que significa que uma desvalorização do real terá impacto de redução na dívida pública. Freitas analisa que o nível atual de reservas é mais que suficiente para cobrir as obrigações externas de curto prazo, contudo, um recrudescimento do cenário externo seria preocupante no longo prazo, na medida em que poderia reverter a situação do câmbio. Para o economista, o real forte foi um forte aliado para a política monetária. Maria Mollo segue dentro da mesma linha de pensamento. “O saldo da balança comercial é conseqüência, principalmente, da valorização da nossa moeda diante de uma taxa de juros muito alta, campeã em relação aos demais países. Ela atrai recursos externos em dólar para obter juros altos, o que aumenta a oferta de dólares, reduz o valor do dólar em termos de reais, sobrevalorizando a nossa moeda. Isso prejudica nossas exportações e estimula as importações, resultando em situação desfavorável da nossa balança comercial. Assim, também esse problema está relacionado com a política monetária brasileira de juros elevados”, finaliza.

abril / junho / 2008

adicional para a autoridade monetária. Existe uma relação positiva entre a dispersão e a média de preços que pode estar associada a um nível maior de inflação no curto-médio prazo. Em todo caso, há uma intensa discussão sobre a sustentabilidade dos aumentos das commodities em relação a um ritmo maior esperado de crescimento da atividade nas economias centrais. Um fato crucial nesse ambiente é que as economias emergentes são as que mais sofrem, uma vez que possuem maior peso de alimentos e energia na sua cesta de consumo”, afirma.

29


Artigo Grau de investimento Carlos Eduardo de Freitas

Em 30 de abril de 2008 a Standard & Poor’s (S&P) promoveu o Brasil à condição de investment grade (grau de investimento). Um mês depois, 29 de maio, foi a vez da Fitch Ratings fazer a mesma coisa. Duas das três grandes empresas internacionais de classificação de riscos haviam, portanto, elevado o Brasil ao seleto clube dos países­ cujos títulos de dívida são considerados papéis de investimento. A terceira, a Moody’s, continua a classificar o Brasil no grau especulativo, entendendo que a dívida soberana do país encerra ainda riscos substantivos quando vista de uma perspectiva de prazo mais longo. As classificações mencionadas acima se referem ao risco soberano de longo prazo do governo federal – risco da República – em moeda estrangeira. Essa nota influencia todo o conjunto da economia. Dentro do país, cada empresa terá sua condição própria de risco, mas o ambiente de investimento melhora para todas com a promoção da República. As aberturas de capital se tornam mais acessíveis e o custo de capital se reduz para as empresas brasileiras.

Revista de

Conjuntura

30

O rating das empresas acaba sempre balizado pelo rating soberano. Em última análise, ainda que as empresas tenham capacidade própria de pagamento, existe o risco de transferência, isto é, de transferir caixa de suas sedes e bases de operação, localizadas no Brasil, para o exterior, para fazer frente a obrigações em moedas estrangeiras. Para esse efeito é necessário adquirir divisas, processo que será tanto mais fluido quanto maior for a normalidade do mercado de câmbio. O funcionamento livre, tranqüilo e com regras estáveis do mercado de câmbio depende dos equilíbrios externo e interno da economia, variáveis que guardam uma relação de certa forma biunívoca com a solvência do governo central.

Avalanche de dólares O grande benefício do grau de investimento, então, é que ele reduz a percepção de risco do país e, ipso facto, a taxa de câmbio de equilíbrio se valoriza. O investimento se torna mais barato. A capacidade de produção e a produtividade da economia se elevam. Porém, isso provoca, internamente, rearranjos das vantagens competitivas e sempre há setores ou grupos que se julgam prejudicados. Por isso, a promoção do Brasil ao grau de investimento trouxe inquietação a alguns segmentos industriais. O receio se relaciona à possibilidade de uma enxurrada de recursos do exterior, contribuindo para apreciar ainda mais a taxa de câmbio. O grau de investimento atrairá um conjunto de investidores de maior qualidade, como os grandes fundos de pensão norte-americanos. Isso reforçará o atendimento a demandas de capital de prazo longo para iniciativas econômicas de maior alcance. Não influirá nos fluxos relacionados à arbitragem de taxas de juros que sempre estiveram presentes, mesmo com os ratings “BB” ou “B” das empresas S&P e Fitch, ou com os ratings Ba, B1, B2 e B3 da Moody’s (Tabela 5). Arbitragem de juros, ingresso de capitais e valorização de câmbio Assim mesmo, os dados disponíveis parecem rejeitar a hipótese de que os fluxos de capitais para o Brasil nos últimos anos tenham obedecido, fundamentalmente, a arbitragens de juros. Claro que o diferencial de juros sempre exerce influência, mas o que os dados não


abril / junho / 2008

Gráfico 1 – Índice da Taxa de Câmbio Efetiva Real (dez/02 a jun/08) 180 160 140 120

31

100 80 60 40 20 abr/08

dez/07

ago/07

abr/07

dez/06

ago/06

abr/06

dez/05

ago/05

abr/05

dez/04

ago/04

abr/04

dez/03

ago/03

abr/03

dez/02

0

Fonte: Banco Central. Índice composto por 15 moedas ponderadas pela participação nas exportações brasileiras.

Gráfico 2 – Índice da Taxa de Câmbio Efetiva Real (fev/04 a jun/08) 160 140 120 100 80 60 40 20

Fonte: Banco Central. Índice composto por 15 moedas ponderadas pela participação nas exportações brasileiras.

mai/08

fev/08

nov/07

ago/07

mai/07

fev/07

nov/06

ago/06

mai/06

fev/06

nov/05

ago/05

mai/05

fev/05

nov/04

ago/04

mai/04

fev/04

0


c­ orroboram é a hipótese de que as arbitragens de juros tenham sido per si os agentes determinantes do aumento da oferta de divisas nos mercados cambiários brasileiros de 2003 a 2008 e da tendência sustentada de apreciação cambial que se observa desde então (Gráfico 1). O Gráfico 2 mostra a trajetória de valorização da taxa de câmbio em período mais recente, entre fevereiro de 2004 e junho de 2008. Ao longo desses quatro anos e meio (52 meses, para sermos exatos), a taxa de câmbio efetiva real apreciou-se 41%. Entretanto, a velocidade de apreciação apresentou dois momentos distintos. Na primeira fase, de fevereiro de 2004 a março de 2006, o câmbio valorizou-se a uma taxa de 1,47%a.m.. Na segunda, entre março de 2006 e junho de 2008, graças às elevadas compras de dólares do Banco Central, o ritmo reduziu-se

para 0,6%a.m., embora os superávits globais do balanço de pagamentos tenham literalmente explodido a partir de 2006 (Tabela 1). As intervenções do Banco Central, comprando divisas, evitaram o que seria uma brutal aceleração da velocidade de valorização do real, que teria acarretado volatilidade cambial indesejável. As reservas internacionais refletiram a política do Banco Central e aumentaram de US$ 54 bilhões para US$ 180 bilhões entre dezembro de 2005 e dezembro de 2007. Cresceram US$ 126 bilhões (135%) em apenas dois anos (Tabela 2). Em 2003, 2004 e 2005 o aumento de reservas – US$ 16 bilhões acumulados nos três anos – explicou-se ­basicamente pelos superávits de transações correntes que somaram US$ 30 bilhões no triênio, contra um su-

Tabela 1 – Balanço de pagamentos do Brasil (US$ milhões)

2003

2004

2005

2006

2007

1. Transações correntes

4.177

11.679

13.985

13.621

1.461

2. Conta de capital e financeira (=3+4+5+6)

5.111

-7.523

-9.464

15.982

89.155

3. Investimentos diretos líquidos (brasileiros no exterior e estrangeiros no Brasil)

9.894

8.339

12.550

-9.420

27.518

4. Investimentos estrangeiros em carteira (líquido total)

5.129

-3.996

6.655

9.051

48.104

2.094

1.236

5.421

5.859

24.613

272

101

689

11.042

20.482

4.2.1. Médio & longo prazos

163

38

413

6.971

13.548

4.2.2. Curto prazo

109

63

276

4.070

6.933

2.762

-5.333

545

-7.850

3.009

179

-755

-1.771

523

286

-10.091

-11.111

-26.898

15.829

13.247

7. Erros & omissões

-793

-1.912

-201

965

-3.131

8. Resultado global do balanço de pagamentos (=1+2+7)

8 496

2 244

4 319

30 569

87 484

4.1. Ações negociadas no país (líquido) 4.2. Títulos de renda fixa negociados no país (líquido)

4.3. Ações e títulos de renda fixa negociados no exterior

Revista de

Conjuntura

32

5. Investimentos brasileiros em carteira 6. Demais operações (incluem transferências de patrimônio, outros itens da conta de capital e demais rubricas da conta financeira: organismos, empréstimos, créditos comerciais, etc.)

Fonte dos dados: Banco Central. Elaboração do autor.


2002

37.823

2003

49.296

2004

52.935

2005

53.799

2006

85.839

2007

180.334

Fonte: Banco Central. Conceito de liquidez internacional.

Em 2006, os investimentos diretos e os investimentos em carteira praticamente se anularam. Em 2007, ambos explodiram, em parte antecipando a elevação da economia brasileira ao grau de investimento, e em parte como resultado da decisão do governo de isentar de tributação a aquisição de títulos da dívida pública mobiliária federal no mercado interno, em reais, por não residentes. Essa medida, tomada no primeiro semestre de 2006, provocou o crescimento extraordinário da entrada líquida de recursos externos para aplicação em renda fixa já em 2006, que saltou da média anual de US$ 354 milhões no triênio 2003/2005 para US$ 11 bilhões em 2006 e para US$ 20,5 bilhões em 2007 (Tabela 1).

‘‘

Tabela 2 – Reservas internacionais (US$ milhões)

‘‘

Em 2008, de janeiro a maio, observou-se um recuo nesses ingressos líquidos quando comparados ao mesmo período de 2007. Isso se explica pelo aumento substantivo dos investimentos brasileiros no exterior, que saltaram de US$ 6 bilhões para US$ 12 bilhões nos primeiros cinco meses de 2008.

O fluxo líquido de investimentos diretos - US$ 27,5 bilhões em 2007 -, superior inclusive à soma dos valores do quadriênio 2003/2006, pode ser explicado pelas expectativas de ascensão ao grau de investimento, devidamente antecipado pelo mercado. Em 2008, de janeiro a maio, observou-se um recuo nesses ingressos líquidos quando comparados ao mesmo período de 2007. Isso se explica pelo aumento substantivo dos investimentos brasileiros no exterior, que saltaram de US$ 6 bilhões para US$ 12 bilhões nos primeiros cinco meses de 2008, comparativamente a 2007. Ao mesmo tempo, os retornos de capitais brasileiros, que somaram US$ 9,5 bilhões em 2007, caíram para US$ 4,7 bilhões em 2008. Os investimentos diretos estrangeiros líquidos no Brasil aumentaram de US$ 10,5 bilhões para US$ 14 bilhões, de 2007 para 2008. Tudo somado, a entrada líquida de investimentos diretos, consideradas tanto­ as inversões estrangeiras no país como as brasileiras no exterior, caiu de US$ 14 bilhões para US$6 bilhões nos cinco primeiros meses do ano. Os fluxos destinados às aplicações em renda fixa no país ainda se mantiveram elevados nos primeiros meses de 2008, atingindo US$ 9,3 bilhões de janeiro a maio, valor praticamente igual ao observado em 2007 – US$ 9,6 bilhões (Tabela 3). Entretanto, a mudança de atitude

abril / junho / 2008

perávit global acumulado de somente US$ 15 bilhões. A conta financeira e de capital foi deficitária em 2004 e 2005 (Tabela 1, linha nº2). Em 2006, a conta corrente ainda teve contribuição expressiva para o superávit global (44%). A conta financeira respondeu por 56%, com US$ 16 bilhões de saldo positivo, graças à rubrica “Outros investimentos”, contabilizada no item “Demais operações” (Tabelas 1 e 3, linhas 6). A inversão de sinal desse item, que sai de US$ 27 bilhões negativos em 2005 para US$ 16 bilhões positivos em 2006, explica-se por três razões mais importantes: o saldo negativo de 2005 esteve fortemente influenciado pela liquidação de uma só vez do empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) – US$ 23,3 bilhões; a virada de 2006 refletiu duas coisas: (i) a aceleração da tomada de créditos comerciais de curto prazo, em função da elevação das exportações e também da valorização do câmbio; a realização de lucros com a arbitragem de juros mediante uso mais intenso das linhas comerciais é maneira tradicional de compensar taxas de câmbio mais valorizadas; e (ii) a maior tomada de empréstimos junto a organismos financeiros internacionais.

33


Tabela 3 – Balanço de pagamentos do Brasil (US$ milhões)

2007 mai

2007 jan-mai

2008 mai

2008 jan-mai

1. Transações correntes

-151

1.897

-649

-14.717

2. Conta de capital e financeira (=3+4+5+6)

15.828

50.203

3.689

32.979

3. Investimentos diretos líquidos (brasileiros no exterior e estrangeiros no Brasil).

1.265

14.041

-127

6.409

4. Investimentos estrangeiros em carteira (líquido total)

4.791

19.393

2.273

12.878

4.1. Ações negociadas no país (líquido)

1.630

5.784

1.518

5.443

4.2. Títulos de renda fixa negociados no país (líquido)

2.998

9.593

36

9.263

4.2.1. Médio & longo prazos

1.996

6.235

34

7.489

4.2.2. Curto prazo

1.001

3.358

3

1.774

163

4.016

719

-1.829

-316

-120

275

13

10.087

16.890

1.267

13.679

-143

-1.235

991

-1.641

15.535

50.865

4.030

16.620

4.3. Ações e títulos de renda fixa negociados no exterior 5. Investimentos brasileiros em carteira 6. Demais operações (incluem transferências de patrimônio, outros itens da conta de capital e as demais rubricas da conta financeira - empréstimos, créditos comerciais, derivativos, etc.) 7. Erros & omissões 8. Resultado global do balanço de pagamentos (=1+2+7) Fonte dos dados: Banco Central. Elaboração do autor.

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do governo, decidindo taxar com o IOF as aplicações em títulos da dívida pública mobiliária federal, fez com que os ingressos despencassem. Já no mês de maio de 2008, as entradas líquidas para aplicações em renda fixa soma-

déficit na casa dos US$ 35 bilhões no exercício. No entanto, a última Pesquisa Focus disponível (18/07) indica que a expectativa média do mercado para o déficit em conta corrente em 2008 é de US$

ram insignificantes US$ 36 milhões, que se comparam a US$ 3 bilhões no mesmo mês de 2007. A conta corrente inverteu o sinal aceleradamente. Entretanto, não se prognostica um crescimento persistente do déficit ao mesmo ritmo observado nesse início de 2008. O déficit em transações correntes atingiu US$ 14,7 bilhões, equivalentes a 2,57% do PIB nos primeiros cinco meses de 2008. Uma simples extrapolação desse valor para o ano resultaria na projeção de

24,06 bilhões, o que equivaleria a 1,59% do PIB. Mesmo que essa percepção do mercado esteja subestimada, e aparentemente está1, existe certo consenso de que a velocidade de crescimento do déficit de transações correntes deve diminuir. Não vemos, portanto, evidências de que a valorização da taxa de câmbio nos últimos cinco anos esteja associada propriamente à arbitragem de juros. O fenômeno observado entre 2006 e o início de 2008, quando os fluxos

O déficit médio mensal teria que baixar dos US$ 2,94 bilhões, observados de janeiro a maio, para US$ 1,34 bilhão nos sete meses de junho a dezembro. Os sinais de desaceleração da absorção registrados por alguns departamentos econômicos de bancos e por equipes de consultorias, mesmo que se confirmem, ainda parecem muito tênues para justificar queda de 55% no valor dos déficits mensais. 1


Desse modo, além da redução da percepção internacional de risco, a apreciação, que ora se verifica, decorre também da mudança nos termos do comércio internacional do Brasil, refletida nos ganhos de relações de troca – 17% entre janeiro de 2003 e junho de 2008 (Gráfico 3) – e no aumento do quantum exportado – crescimento de 84% no mesmo período (Gráfico 4). A balança comercial já registrava superávit elevado em 2002 – US$ 13 bilhões (Tabela 4). A conjugação da valorização das relações de troca com o aumento da demanda externa associada à capacidade ociosa doméstica resultou em impressionante crescimento do saldo comercial – 254% entre 2002 e 2006. Somente em 2007 é que a aceleração das importações começou finalmente a afetar o superávit da balança comercial. Tabela 4 – Balança comercial (saldos) Ano

US$ milhões

2002

13.121,3

2003

24.793,9

2004

33.640,5

2005

44.702,9

2006

46.456,6

2007

40.028,2

Fonte: Banco Central.

‘‘

Valorização cambial e grau de investimento

‘‘

Em primeiro lugar, é sempre bom lembrar que o Brasil está na última categoria do grau de investimento – “segurança média baixa”, no pior grau, isto é,“BBB-“ na classificação das empresas S&P e Fitch. Existem 10 classificações de grau de investimento. O Brasil está na 10ª. Em segundo lugar, para a Moody’s o Brasil ainda é um risco especulativo.

Assim, a taxa de câmbio está procurando novo patamar de equilíbrio. Esse novo patamar possivelmente registrará, na ausência de fatos novos, uma relação de câmbio mais valorizada do que a que se observou nas últimas décadas. O país está mais rico pela valorização de seus produtos, é mais produtivo e, principalmente, tem mais estabilidade econômica, que é o alicerce para que se torne ainda mais produtivo. O grau de investimento não é irreversível

A recente promoção ao grau de investimento é o coroamento de um esforço em contexto favorável. Assim, deve ser entendida e, sem dúvida, comemorada, mas é importante ter em mente algumas cautelas. Em primeiro lugar, é sempre bom lembrar que o Brasil está na última categoria do grau de investimento – “segurança média baixa”,no pior grau, isto é,“BBB-“ na classificação das empresas S&P e Fitch. Existem 10 classificações de grau de investimento. O Brasil está na 10ª. Em segundo lugar, para a Moody’s o Brasil ainda é um risco especulativo. Trata-se de um país de risco Ba1, a 1ª classificação das sete

abril / junho / 2008

de recursos do exterior para aplicações de renda fixa no país atingiram valores extravagantes, se explica pela vantagem tributária episódica oferecida naquele período. A aceleração do uso de linhas de crédito comerciais de curto prazo pelos exportadores em 2006 e 2007 se caracteriza mais como um mecanismo de comércio exterior do que como uma arbitragem pura e simples. Claro que o spread entre juros internos e externos estimula a contratação das linhas, como de resto sempre ocorreu no Brasil. Além disso, a valorização do câmbio também estimulou o processo, mas é fundamental ter em mente que o aumento desse tipo de crédito só é, e foi possível, por causa do aumento das exportações nos últimos anos – quantum e preço – e, por conseguinte, depende e é limitado pelo potencial de crescimento das vendas externas.

35


Revista de

Fonte: Funcex.

jul/08

jan/08

jul/07

jan/07

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36

jul/03

jan/03

Conjuntura

mai/08

jan/08

set/07

mai/07

jan/07

set/06

mai/06

jan/06

set/05

mai/05

jan/05

set/04

mai/04

jan/04

set/03

mai/03

jan/03

Gráfico 3 – Relações de troca 110

105

100

95

90

85

80

Fonte: Funcex.

Gráfico 4 – Índice de Quantum das Exportações

140

120

100

80

60

40

20

0


Rating

Classificação

Moody’s

Standard & Poor’s

Fitch

Segurança máxima

Aaa/AAA

Alemanha, Austrália, Áustria, Canadá, Cingapura, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Japão, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia e Suíça

Mesmos países da Moody’s exceto Japão e Nova Zelândia

Mesmos países de Moody’s exceto Austrália, Japão e Nova Zelândia

Alta segurança

Aa1/AA+

Bélgica, Islândia

Bélgica, Nova Zelândia.

Austrália, Bélgica, Nova Zelândia.

Alta segurança

Aa2/AA

Catar, Emirados, Eslovênia, Hong-Kong, Itália, Kuwait e Portugal

Abnu Dhabi, Eslovênia, Hong-Kong e Japão

Mesmos da Standard & Poor’s acrescentando Portugal

Alta segurança

Aa3/AA-

Macau, Taiwan

Arábia Saudita, Catar, Kuwait, Portugal e Taiwan

Itália e Kuwait

Segurança média alta

A1/A+

Arábia Saudita, China, Eslováquia, Estônia, Grécia, Israel, República Tcheca

Chile e Itália

Arábia Saudita, China, Coréia, Islândia, República Tcheca e Taiwan

Segurança média alta

A2/A

Bahrein, Botswana, Chile, Coréia, Hungria, Letônia, Lituânia, Omã e Polônia

Bahrein, Botswana, China, Coréia, Eslováquia, Estônia, Grécia, Islândia, Israel, Omã e República Tcheca

Bahrein, Chile, Eslováquia, Estônia, Grécia, Israel e Lituânia

Segurança média alta

A3/A-

Malásia

Lituânia, Malásia, Polônia, Trinidad e Tobago

Malásia e Polônia

Segurança média baixa

Baa1/BBB+

África do Sul, México, Tailândia, Trinidad e Tobago

África do Sul, Barbados, Bulgária, Hungria, Letônia, México, Rússia e Tailândia

África do Sul, Hungria, Letônia, México, Rússia e Tailândia

Segurança média baixa

Baa2/BBB

Barbados, Cazaquistão, Rússia e Tunísia

Croácia e Tunísia

Bulgária, Cazaquistão, Romênia e Tunísia

Segurança média baixa

Baa3/BBB-

Bulgária, Croácia, El Salvador, Índia e Romênia

Brasil, Cazaquistão, Índia e Romênia

Brasil, Croácia, índia, Marrocos, Namíbia e Peru

Especulativo

Ba1/BB+

Azerbaijão, Brasil, Costa Rica, Egito, Marrocos e Panamá

Colômbia, Egito, El Salvador, Macedônia, Marrocos, Montenegro, Panamá e Peru

Azerbaijão, Colômbia, Egito, El Salvador, Guatemala

Especulativo

Ba2/BB

Armênia, Colômbia, Guatemala, Jordânia, Montenegro, Peru

Costa Rica, Guatemala, Jordânia, Vietnã

Costa Rica, Filipinas, Indonésia

Ba3/BB-

Indonésia, Turquia, Vietnã

Filipinas, Gabão, Indonésia, Mongólia, Nigéria, Sérvia, Turquia, Ucrânia, Venezuela

Armênia, Gabão, Geórgia, Lesoto, Nigéria, Sérvia, Turquia, Ucrânia, Uruguai, Venezuela, Vietnã

Altamente especulativo

B1/B+

Albânia, Bielo-Rússia, Filipinas, Jamaica, Mongólia, Papua Nova Guiné, Suriname, Ucrânia e Uruguai

Argentina, Bielo-Rússia, Camboja, Gana, Geórgia, Moçambique, Papua Nova Guiné, República Dominicana, Senegal, Sri Lanka, Suriname, Uruguai

Cabo Verde, Gana, Jamaica, Mongólia, Papua Nova Guiné, Quênia, Sri Lanka

Altamente especulativo

B2/B

Bósnia-Herzegóvina, Camboja, Honduras, Paquistão, Republica Dominicana, Turquemenistão, Venezuela

Belize, Benin, Burkina Faso, Camarões, Ilhas Frigi, Jamaica, Madagascar, Mali

Benin, Camarões, Moçambique, República Dominicana, Suriname, Uganda

Altamente especulativo

B3/B-

Argentina, Bolívia, Equador, Líbano, Paraguai

Bolívia, Equador

Bolívia, Líbano, Malawi, Mali, República Moldova, Ruanda

Risco muito alto

Caa1/CCC+

Belize, Cuba, Nicarágua, República Moldova

Líbano

Especulativo

Obs.: (1) deixaram de ser considerados alguns países de pequena expressão econômica como, por exemplo, paraísos fiscais. (2) As classificações do tipo Aaa, Aa1, Aa2, A1, A2, A3, Baa1, Baa2, Ba1, Caa1, etc. se referem à Moody’s. As outras, do tipo AAA, AA+, AA, AA-, A+, BBB+, BBB-, BB+, etc. , se referem às agências S&P e Fitch. Fonte: Dados de domínio público. Coletados, organizados e gentilmente cedidos pelo Banco Central. Elaboração do autor.

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Tabela 5 – Ratings soberanos para dívida de longo prazo em moeda estrangeira (informações referentes a 29.05.2008)

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Revista de

Conjuntura

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categorias de risco especulativo. Encontra-se a um degrau apenas do grau de investimento do ponto de vista da Moody’s, mas a agência informa não ter planos de promover o Brasil por ora. Alega que a dívida pública é elevada. A da Índia é bem maior e, no entanto, a agência a classifica como Baa2, o seu primeiro nível do grau de investimento. Justifica a posição alegando que a dívida soberana da Índia comporta prazos mais longos. Em terceiro, pode ser rebaixado. A Tabela 6 mostra países que foram rebaixados do grau de investimento. Por exemplo, a Colômbia foi rebaixada pelas três agências entre junho de 1999 e março de 2000. Nunca mais voltou ao grau de investimento. É BB+ pelas S&P e Fitch, mas fica com Ba2 pela Moody’s. Com o Uruguai aconteceu algo pior. Ao longo do primeiro semestre de 2002 foi rebaixado, também por unanimidade. Hoje, amarga posição inferior à da Colômbia: é BB- pela Fitch, mas pela S&P e Moody’s é, simplesmente, B+ e B1, respectivamente. A Índia, rebaixada pela S&P em 1991, só voltou ao seleto clube dos países com grau de investimento em 2007. Permaneceu 16 anos no limbo. De modo que é preciso ter cuidado com a política econômica. O Brasil levou algo como três anos (1983 a 1986) para reconhecer que vivia um problema de hiperinflação ou de quase hiperinflação, e que sem um processo de desindexação não haveria como colocar em prática políticas econômicas de estabilização. Porém, mais 13 anos foram necessários (1986-1999) para que as elites dirigentes compreendessem que a desindexação tinha apenas o limitado papel, preliminar, de pavimentar o caminho para as políticas monetária e fiscal. Desses 13 anos, oito foram consumidos para desacreditar os controles de preços e as políticas de rendas (1986 a 1994). Finalmente, para entender que o congelamento da taxa de câmbio tem vida efêmera, durando enquanto permite o endividamento externo, gastaram-se cinco anos. O grande salto teve lugar com a introdução da política de metas de inflação em 1999 e com a gestão austera dos instrumentos monetários – taxa básica de juros (Selic) e encaixes compulsórios – e fiscais – superávit primário, isto é, geração de economia fiscal para o serviço da dívida. Essas políticas de austeridade dominaram todo o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso e o primeiro mandato do presidente Lula. Os resultados começaram a aparecer. Ampliação do crédito,

Tabela 6 – Países rebaixados do grau de investimento ao nível de risco especulativo Países

Moody’s

S&P

Fitch

Colômbia

jun/99

set/99

mar/00

Coréia

(1)

dez/97 (2)

dez/97 (2)

Croácia

abr/99 (2)

Egito

(3)

mai/02

ago/02

Eslováquia

(3)

set/98

dez/98

Índia

(4)

mai/91

(4)

Indonésia

dez/97

dez/97

dez/97

Malásia

set/98 (2)

Tailândia

dez/97

(3)

Turquia

abr/04

mar/94

(3)

Uruguai

mai/02

fev/02

mar/02

(1) Não era classificada pela Moody’s antes da crise de 1997. (2) País posteriormente reconduzido ao grau de investimento. (3) País classificado como risco especulativo desde a 1ª classificação. (4) País classificado como risco especulativo na 1ª classificação, posteriormente promovido a grau de investimento. Fonte: Dados de domínio público. Coletados, organizados e gentilmente cedidos pelo Banco Central.

renascimento dos financiamentos imobiliários, aumento da taxa global de investimento e crescimento do PIB, com melhora na distribuição de renda. No qüinqüênio 2004/2008 a taxa de crescimento do PIB per capita deverá alcançar 3,12%a.a., muito próxima da observada na década de 1960 – 3,19%a.a. e, significativamente, acima das verificadas nas décadas de 80 e 90, -0,56%a.a. (negativa) e 1,06%a.a., respectivamente. É claro que o perfil da expansão econômica mundial ajudou, e muito. O crescimento da demanda pelos produtos em que o Brasil detém vantagens competitivas inequívocas resultou em aumento do quantum exportado de 46%, de 2003 para 2008 (primeiro semestre de 2008 contra primeiro semestre de 2003). Na comparação do período de 12 meses, de julho de 2007 a junho de 2008, com o ano calendário de 2003, a expansão seria de 41% (Gráfico 4). Nesses mesmos períodos os preços das exportações cresceram, respectivamente, 87% (primeiro semestre 2008 vis-à-vis primeiro semestre 2003) e 73% (julho 2007 a junho 2008 contra ano calendário de 2003).


05/06 e a de 24/07, e subido os juros básicos em algo como 50 basis points. Os índices de preços divulgados em junho sugerem uma pressão inflacionária mais forte que a esperada pelos economistas em geral e, quiçá, pelo próprio Banco Central. O Índice de Preços por Atacado Disponibilidade Interna da Fundação Getúlio Vargas (IPA-DI) acusou inflação de 17,9% para os 12 meses terminados em junho de 2008. Eventualmente, poderia o Banco Central ter pensado em também subir os encaixes obrigatórios dos bancos para frear a expansão dos empréstimos. Há que se reconhecer que se registram reduções na velocidade de crescimento da absorção doméstica e mesmo de índices de preços (o IPCA-15 recuou de 0,90% em junho para 0,63% em julho). Mas até que ponto refletem tendências firmes, não se pode ainda afirmar, sendo mais provável que essas variáveis ainda oscilem de mês para mês (os famosos random walks) até eventualmente entrarem em rotas convergentes e coerentes com as metas de inflação traçadas pelo governo.

Gráfico 5 – Índice de preços das exportações 160 140 120 100 80 60 40 20

Fonte: Funcex.

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0

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Mas, ciclos econômicos existem. De 2007 para 2008 os Estados Unidos entraram em um processo de contração econômica (crise dos empréstimos hipotecários – subprime). A inflação de preços de commodities contaminou a economia mundial como um todo, espraiou-se pelos demais setores produtivos e alcançou o Brasil. A conjuntura econômica mundial tornou-se menos favorável. Desenha-se um quadro que combina certo grau de contração da demanda com inflação e desgaste do dólar enquanto moeda de reserva. Isso requer ações de política monetária e fiscal. E o Banco Central reagiu. Aumentou a taxa de juros Selic por 0,5 pontos de percentagem (50 basis points), em reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM), de 17/04/08. Deu outros 50 basis points em 05/06/08 e, finalmente, 75 basis points em 24/07/08. Mas deveria ter aumentado mais a taxa básica de juros? Olhando em perspectiva, talvez sim; poderia ter feito 100 basis points na reunião de 24/07, e/ou ter chamado uma reunião extraordinária entre a reunião ordinária de

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Nessas circunstâncias, seria recomendável elevar o superávit primário para ajudar a conter a absorção. É fato que, no período jan/mai do corrente ano de 2008, o superávit primário global do setor público alcançou impressionantes 6,55% do PIB2, resultando em um superávit nominal de 0,34% do PIB. Dado que o déficit do balanço de pagamentos em transações correntes atingiu 2,57% do PIB no mesmo período, infere-se que o déficit do setor privado deve ter atingido 2,91% do PIB. Ou seja, o déficit com o exterior é todo ele oriundo do setor privado. Isso, nada obstante, caberia considerar a hipótese de um superávit primário anticíclico, que aumentaria nos períodos de expansão do ciclo para poder cair nas fases de contração econômica. A economia brasileira se

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Conjuntura

40

encontra ainda em fase ascendente do ciclo, haja vista a arrecadação tributária que vem batendo recordes sucessivos. E assim mesmo desfalcada da CPMF, compensada apenas parcialmente pelo aumento do IOF sobre empréstimos e pela CSSL cobrada dos bancos. Entretanto, o governo, pela voz até do presidente da República, vem reafirmando que não iria além da elevação da meta de superávit primário por 0,5 pontos de percentagem do PIB, já anunciada pelo ministro da Fazenda ao tratar do projeto do fundo soberano. Ou seja, subir a meta de 3,8% do PIB para 4,3%, sem nada adicional. Parece um esforço insuficiente para uma fase de expansão como a que está em curso atualmente. É claro que o Banco Central dispõe de estatísticas abrangentes e detalhadas do nível de atividade econômica e mesmo de indicadores qualitativos. Tem modelos de previsão sofisticados em que relaciona a taxa de juros Selic e o superávit primário com o hiato do PIB3 e o hiato do PIB com a inflação. Mas, ainda assim, esses sinais não são tranqüilizadores. São até mesmo contraditórios com o comportamento rigoroso do governo quanto à qualidade da política macroeconômica que se observou até 2006/2007.

Podem até sugerir algum grau de tergiversação em relação a medidas necessárias a preservar os equilíbrio interno e externo da economia. Seria importante que o governo retomasse a trilha anterior de rigidez no trato da política macro. Um rebaixamento pela S&P ou pela Fitch seria muito negativo para o país e para o governo, ainda mais quando a Moody’s ainda não seguiu as outras agências e não se sabe se e quando o fará. Não seria bom que o futuro desse razão à Moody’s.

Carlos Eduardo de Freitas* Economista do CORECON *Agradeço aos economistas do Banco Central, Thiago Said, do depatarmento econômico, os esclarecimentos sobre itens do balanço de pagamentos, e Alexandre Pundek, consultor da Presidência, os dados e informações sobre os ratings e as agências.

Como houve demora na liberação do orçamento do exercício de 2008, não se tem informações precisas de quanto existiria de represamento nesse superávit acumulado até maio de 6,55% do PIB. Certamente, há represamentos, de modo que ele deve cair ao longo do restante do ano. Os aumentos de juros básicos repercutirão sobre o resultado nominal e o setor público passará a ter um déficit global, repartindo com o setor privado as responsabilidades pelo déficit de transações correntes. 2

O hiato do PIB é a diferença entre o PIB potencial e o PIB efetivo. À medida que se estreita essa diferença, ou mesmo o PIB efetivo ultrapassa transitoriamente o PIB potencial, as pressões inflacionárias se tornam mais preocupantes, exigindo medidas corretivas. 3


Correção monetária dos preços e insumos e a conceituação de valor de mercado Luis Martius Holanda Bezerra Breno José Albuquerque Lima

Introdução O SINAPI foi criado e implantado em 1969 pelo Banco Nacional da Habitação, tendo como objetivo a produção de informações de custos e índices de ­forma sistematizada e com abrangência nacional, ficando o IBGE como responsável pela coleta de preços e salários. Atualmente, a CAIXA é responsável pela base técnica de engenharia do sistema (projetos, serviços/ quantitativos, especificações e composições), sendo que no setor público é usado pela própria CAIXA e outros órgãos como, por exemplo, Tribunal de Contas da União – TCU, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico – IPHAN, Fundação Nacional da Saúde – FUNASA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e Ministério da Defesa. A aplicação do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil, mantido pela Caixa Econômica Federal, deixa transparecer algumas dúvidas e contradições de natureza técnica que ­passaram despercebidas à Lei de Diretrizes Orçamentária – LDO quando da adoção desses índices e custos a partir do exercício de 2002, merecendo uma reflexão mais aprofundada quando da análise dos custos e preços praticados, especialmente ao se referir às

obras de saneamento básico. E, por fim, são relatadas as conclusões. Diferenças entre preço e custo Preliminarmente, a abordagem do tema central indica a boa técnica que oportuna se faz às conceituações de reajuste, revisão e correção monetária dos contratos firmados sob a égide da adoção de preços baseados nos custos e índices pesquisados através do SINAPI, até porque naquele sistema se confunde preço com custo. É comum confundirem-se nas análises, induzidas pelo sistema SINAPI e para cumprir a LDO, dois conceitos importantes: custo e preço, não se dando também a relevância devida à diferença sutil entre valor de mercado e preço. No intuito de fundamentar melhor um posicionamento sustentável acerca da matéria objeto desse artigo, indispensável se torna à recorrência a alguns estudiosos do assunto que, de forma prática e objetiva, emitem suas valiosas apreciações. Se nos apoiarmos no magistério de Antônio Carlos Cintra do Amaral, do Centro de Estudos sobre Licitações­ e Contratos – CELC, em “Os Conceitos de Reajuste, Revisão e Correção Monetária de Preços nos

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Artigo

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Contratos Administrativos”, p.p. 1 a 6 – comentário no 35, de 01/04/2001, teremos, de forma razoável e clara, a diferenciação procurada. Diz o renomado mestre no trabalho citado: “São conceitos juridicamente distintos: a) Reajuste; b) Revisão; e c) Correção monetária. d) Qualquer que seja a modalidade adotada, a função da cláusula de reajuste é evitar que o contrato venha ter, na fase de execução, sua equação econômica rompida, ruptura essa decorrente de elevação dos custos e insumos utilizados.” É importante observar que, nos contratos de obras menores, cujo prazo de execução não ultrapassa a um ano, legalmente não é possível incluir-se cláusula de reajuste, mas, também, faz-se mister observar que a inexistência de cláusula de reajuste não afasta a possibilidade de revisão de preços. Ao fazer alusão ao conceito de reajuste, o autor citado observa com a propriedade que lhe é peculiar:

Gráfico 1 – Evolução do SINAPI – 2002 a 2008

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Conjuntura

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Três aspectos relevantes devem ser acentuados em relação a esse conceito: (a) partindo da noção de que a contratação, pelo setor público, constitui um processo do qual são etapas: (a) o planejamento; (b) a licitação; (c) a celebração do contrato; e (d) a execução do objeto contratual, verifica-se que a questão do reajuste se coloca na etapa de planejamento, em que se escolhe a cláusula que (eu), se considere o índice que melhor refletirá a realidade do contrato, e, que, por isso, (é) será incluído no edital de licitação; b) a cláusula de reajuste diz respeito à equação econômica do contrato e não à sua equação financeira; e c) a adoção de uma cláusula de reajuste, por melhor que seja sua escolha, não passa de uma tentativa de assegurar a equação econômica do contrato.


a) enquanto a cláusula de reajuste se insere na etapa de planejamento da contratação, a revisão se coloca na etapa de execução do objeto contratual; e b) a revisão de preços tanto pode dizer respeito à equação econômica quanto à financeira. A revisão diz respeito à equação econômica do contrato quando, por exemplo, nele se insere, na etapa de execução, uma cláusula de reajuste de preços não estabelecida no início. Ou se altera a fórmula ou os índices adotados. Ou quando se reavaliam as ponderações. Ou, ainda, quando os preços inicialmente contratados são adaptados à realidade “atual” do mercado. Fica patente, pois, que se deve agir com muita cautela na definição dos custos e preços, e, tal cuidado se inicia pela pesquisa local, com vista à definição do preço “atual” de mercado. Prefixarem-se custos ou preços com base em pesquisa genérica, cujos itens pesquisados têm abrangência reduzida, como ocorre com o SINAPI, em relação às obras de saneamento, torna-se temerário e, quase sempre, leva à necessidade futura da revisão contratual. Em nosso entender, é exatamente o que se vem passando quando se adotam os custos do SINAPI como balizadores dos orçamentos das obras de saneamento para obedecer à imposição da LDO. O SINAPI, historicamente, é um Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil criado

A revisão diz respeito à equação financeira do contrato quando, por exemplo, se revê o cálculo das despesas financeiras. A cláusula de reajuste tem, portanto, caráter prospectivo. A revisão opera no sentido presente, mas, a partir de uma visão retrospectiva. Se o contrato não tem cláusula de reajuste, ou a cláusula nele contida revela-se em desacordo com a realidade, pode caracterizar-se o poder ou mesmo o dever da administração de: a) incluir no contrato uma cláusula de reajuste;­

‘‘

O SINAPI, historicamente, é um Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil criado pelo BNH – Banco Nacional da Habitação para estabelecer índices e preços para as obras civis destinadas a habitações populares construídas pelas antigas companhias de habitação (COHAB) e destinadas a populações de baixa renda.

‘‘

Conceito distinto é o de revisão de preços. A função da revisão de preços é restabelecer o equilíbrio econômico e financeiro do contrato, contenha este ou não cláusula de reajuste (grifou-se); Acentue-se:

pelo BNH – Banco Nacional da Habitação para estabelecer índices e preços para as obras civis destinadas a habitações populares construídas pelas antigas companhias de habitação (COHAB) e destinadas a populações de baixa renda. Adiante na obra citada, o autor detalha com maior clareza:

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Fica assim, claramente conceituado o reajuste que, por lapso de interpretação, muitas vezes é confundido com a “revisão de preços”. Com respeito à “revisão de preços”, ensina o mestre:

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‘‘

A adoção de custos e preços que não reflitam os custos e preços do mercado, necessariamente, levará a administração à pratica da revisão contratual. Ainda no campo conceitual, em virtude da importância para o seu entendimento pleno, compete fazer a importante distinção entre preço e custo, distinção essa a que parece haver escapado tanto ao SINAPI quanto à LDO.

‘‘

b) rever a cláusula existente; ou

c) recompor os preços praticados, aumentando-os ou reduzindo-os, conforme o caso. Em todas essas hipóteses, trata-se de revisão com vista a restabelecer o equilíbrio econômico do contrato. A revisão do contrato, quer para adequação econômica quer financeira, pode decorrer de:

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Conjuntura

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a) alteração do contrato pela administração; b) fato do príncipe; ou c) fato superveniente que enseje a aplicação da teoria da imprevisão. A adoção de custos e preços que não reflitam os custos e preços do mercado, necessariamente, levará a administração à pratica da revisão contratual. Ainda no campo conceitual, em virtude da importância para o seu entendimento pleno, compete fazer a impor-

tante distinção entre preço e custo, distinção essa a que parece haver escapado tanto ao SINAPI quanto à LDO. Por oportuno, verificamos que a LDO, no período de 2003 a 2009, ao referir-se, no caput dos Artigos 93 (2003); 101 (2004); 105 (2005); 112 (2006), 115 (2007), 115 (2008) e 109 (PLDO 2009), à aplicação dos recursos dos orçamentos da União, assim determina: Os custos unitários de materiais e serviços de obras executadas com recursos dos orçamentos da União não poderão ser superiores à mediana daqueles constantes do Sistema Nacional de Pesquisas de Custos e Índices da Construção Civil – SINAPI, mantido pela Caixa Econômica Federal, que deverá disponibilizar tais informações na Internet. Ora, a lei não contém palavras inúteis e se refere a custos e não a preços, como por equívoco alguns possam interpretar. (É) Necessário se faz frisar que ninguém contrata ou constrói pelo custo, mas pelo preço, e que, em nenhum momento, o SINAPI ou a LDO fazem alusão a preços, mas apenas a custos. A propósito dos custos e sua distinção dos preços, cabe registrar, citando Ferraz (2002), “Licitações: Estudos e Práticas”: Cabe ressaltar que preço e custo são conceitos distintos. Custo é denominação dada à importância necessária à execução direta de uma obra ou serviço. Preço é a expressão monetária equivalente ao total da proposta comercial formulada pelo licitante (preço de venda). Os custos diretos para obras e serviços de engenharia são os que se relacionam propriamente com a execução dos serviços que fazem parte da obra. Englobam despesas com material, mãode-obra empregada na execução dos serviços, além de encargos sociais e serviços de terceiros e equipamentos utilizados diretamente na obra.


A afirmação do autor citado está de acordo com a maioria dos analistas de mercado, sobretudo no mercado imobiliário, (eu apontaria) apontando-se, como melhor estimador do preço de mercado, o valor correspondente à média aritmética dos preços praticados em dado momento. Há-se, portanto, que ponderar o cuidado que se deve ter para que não se compare preços com custos utilizando o SINAPI, pois, além da sua fragilidade na área de saneamento, é um índice de custo e não de preço. Portanto, se impõe a obtenção de preços locais e, através da sua média aritmética, fazer a comparação com os preços ofertados nas licitações e que, futuramente, passarão a ser preços contratados. Isso posto, as análises de custos e preços que devem ser feitas para a execução das obras de engenharia que

‘‘

O BDI, como sabido por aqueles que militam na área de engenharia de obras, não pode ser fixado a priori, visto que varia de obra para obra e de empresa para empresa, daí o SINAPI não poder servir de índice de preços, mas, de custos, e a LDO, ao elegê-lo como referencial obrigatório, está a confundir custos com preços, já que as obras são executadas pelo preço e não pelo custo.

‘‘

É comum confundir-se valor de mercado com preço. É bom salientar que o preço é a quantidade de dinheiro que se paga em uma transação, podendo ser superior ou inferior ao valor de mercado.

Contudo, como os preços praticados pelo mercado estão sempre se realizando, ora abaixo, ora acima do valor de mercado, na prática estima-se o valor de mercado como média dos preços.

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Vê-se, assim, o quão é importante frisar que, ao analisar os preços de uma obra, deve-se ter o cuidado de não cometer o lapso (em) que corriqueiramente é cometido, especialmente por profissionais neófitos ou sem o devido conhecimento do assunto que, ao procederem a estudo dos preços, ao invés de se basearem no preço global (Art. 6º, VIII,“a”, da Lei no 8666/93), se voltam para a análise de custos unitários que, isoladamente, não representam a realidade dos preços praticados. É comum observar-se em análises realizadas que o analista menos experiente elege itens isolados de preços e os compara com custos, fato que tem ocasionado conclusões equivocadas sobre o faturamento de obras. O autor, anteriormente citado, pondera com bastante propriedade que uma proposta comercial que corresponde ao preço de venda indica o Benefício e Despesas Indiretas – BDI por ser uma taxa aplicada aos custos diretos. O BDI é uma taxa que se aplica aos custos diretos (custos unitários) de uma obra ou serviço de engenharia para garantir o preço de venda (preço global). Sua apreciação apresenta complexidade, pois a cada obra corresponde uma taxa, cujas variáveis são: tipo de obra, porte (vulto) da obra e sua complexidade local. O BDI, como sabido por aqueles que militam na área de engenharia de obras, não pode ser fixado a priori, visto que varia de obra para obra e de empresa para empresa, daí o SINAPI não poder servir de índice de preços, mas, de custos, e a LDO, ao elegê-lo como referencial obrigatório, está a confundir custos com preços, já que as obras são executadas pelo preço e não pelo custo. Importante se torna consignar que a convicção que se deve ter com relação à avaliação dos preços é fundamental para que se pratiquem preços compatíveis com o mercado, sendo, portanto, os preços de mercado o referencial coerente com as circunstâncias das obras, e, portanto, o referencial mais próximo da realidade. O engenheiro Rubens Alves Dantas, em “Engenharia de Avaliações”, faz uma válida apreciação sobre preços de mercado, assim ensinando:

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hão de ser realizadas com o objetivo primordial de determinar se o preço global praticado é compatível com o mercado local, ou seja, deve-se procurar consolidar uma idéia de preço de mercado com vista à verificação da compatibilidade e coerência do preço da obra analisada. Outro fato que não vem merecendo a devida importância, tanto pela LDO que recomenda o SINAPI quanto pelos executores das obras, em nível de serviço público, é a insipiência do SINAPI com relação às obras de saneamento. Se verificada a LDO 2007 - Lei no 11.439, de 29, de dezembro de 2006, no Art. 115, § 2º, observaremos, com meridiana clareza, a fragilidade do SINAPI para utilização em obras de saneamento, mas, mesmo assim, é o índice recomendado: Art. 115, § 2º A Caixa Econômica Federal promoverá, com base nas informações prestadas pelos órgãos públicos federais de cada setor, a ampliação dos tipos de empreendimentos atualmente abrangidos pelo sistema, de modo a contemplar os principais tipos de obras públicas contratadas, em especial as obras rodoviárias, ferroviárias, hidroviárias, portuárias, aeroportuárias e de edificações, saneamento, barragens, irrigação e linhas de transmissão. (grifou-se)

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A leitura do § 2º, do Art. 115 da LDO, permite que se conclua pela insipiência do SINAPI como balizador dos custos das obras de saneamento. Ora, se a Caixa Econômica Federal, como explicitado no § 2º sob análise, promoverá, com base nas informações dos órgãos públicos, a ampliação dos tipos de empreendimentos de modo a contemplar os principais tipos de obras públicas contratadas, e no elenco das obras a serem contempladas se encontram as de saneamento, é óbvio que, para elas, até 2007 ainda não eram contemplados custos no SINAPI ou, se eram, não mereciam confiança ou se mostravam quantitativamente insuficientes, como até hoje se mostram. Já no § 3º, do mesmo Art. 115, observa-se mais uma demonstração de desconhecimento das obras de sanea­ mento pelos próprios elaboradores do dispositivo legal que determina:

“§ 3º Nos casos ainda não abrangidos pelo sistema, poderá ser usado, em substituição ao SINAPI, o Custo Unitário Básico – CUB.” Mais uma vez não são contemplados os custos para as obras de saneamento, visto que o CUB apresenta Custos Unitários Básicos de edificações residenciais, comerciais e industriais, não preenchendo, pois, as lacunas existentes no SINAPI com relação às obras de saneamento. Enfim, a leitura das tabelas do SINAPI e da LDO, que recomenda sua utilização, indica que em nenhum momento se utiliza a palavra preço, mas sempre se refere a custos, mesmo sabendo que se licita, contrata e constrói pelo preço e não pelo custo, residindo aí um lapso na origem, que há de ser reparado para que possa o SINAPI servir como índice oficial a adotar, ressalvando-se ainda que, conforme demonstrado, o índice ideal é o preço praticado no mercado local. Bibliografia AMARAL, Antônio Carlos Cintra, Os Conceitos de Reajuste, Revisão e Correção Monetária de Preços nos Contratos Administrativos, p.p. 1 a 6 – Comentário no 35, de 01, de abril de 2001, São Paulo, 2001 DANTAS, Rubens Alves, Engenharia de Avaliações: Uma Introdução à Metodologia Científica, São Paulo, Ed. PINI, p.11, 1998. FERRAZ, Luciano, Licitações: Estudos e Práticas, 2ª Edição, São Paulo, Ed Esplanada, 272 p., 2002

Luis Martius Holanda Bezerra Engenheiro civil e sanitarista, consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD lotado na auditoria interna da FUNASA/MS.

Breno José Albuquerque Lima Mestre em Economia de Empresas pela UCB e analista de planejamento e orçamento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.


Demanda mundial de carne bovina tem provocado o desmatamento na Amazônia

47

Júlio Miragaya A questão ambiental tem assumido, nos últimos anos, uma importância cada vez maior no Brasil e no mundo, com a Amazônia ocupando uma posição singular. A área desmatada na região cresce de forma acelerada, tendo saltado de 300 mil Km², em 1980, (5,9% do território total de 5,1 milhões Km²) para 430 mil Km², em 1990, alcançando 733 mil Km² em 2008 (14,4% do total). Esse avanço do desmatamento tem suscitado diversas interpretações de suas reais causas e responsabilidades e, na ausência de uma investigação mais apurada, tem gerado alguns mitos. Um desses mitos é de que o avanço da soja e até mesmo da cana-de-açúcar têm sido responsáveis pelo desmatamento no Bioma Amazônico. O fato é que a soja, assim como outros grãos, como milho, arroz, algodão e sorgo, e mesmo a cana-de-açúcar foram, de fato, responsáveis nas últimas três décadas pelo desmatamento de extensas áreas, mas de áreas do Bioma Cerrado, constatação que não se aplica, contudo, ao Bioma Amazônico. A responsabilidade da soja, de forma direta ou indireta, assim como de outros grãos e da cana-de-açúcar no avanço do desmatamento na Amazônia brasileira, é imensamente inferior à da pecuária bovina, esta sim a grande responsável pelo desmatamento na região. Quando se apura a variação da área ocupada pelas culturas agrícolas no Brasil no período em análise, observa-se que, entre 1990 e 2006, houve uma expansão da área de lavouras no país da ordem de 11,2 milhões de hectares, com uma queda de 800 mil hectares na área das lavouras permanentes e um acréscimo de 12,0 milhões de hectares nas lavouras temporárias. Mais de 60% dessa expansão se deu na Amazônia Legal, particularmente no Mato Grosso, mas todas as demais macrorregiões, exce-

to o Nordeste, apresentaram crescimento na área. A cultura da soja respondeu pela quase totalidade desse crescimento, passando de 11,6 milhões para 22,1 milhões de hectares, e quase metade desse acréscimo ocorreu na Amazônia Legal (de 1,6 milhão para 6,7 milhões). Em relação à cana-de-açúcar, a área cultivada no Brasil aumentou de 4,3 milhões para 6,2 milhões de hectares entre 1990 e 2006, sendo que na Amazônia Legal a área passou de 120 mil para 260 mil hectares. Houve expansão também nas áreas ocupadas com sorgo e milho, verificando-se decréscimos nas áreas de arroz, feijão, trigo e algodão. Quanto à pecuária, estimulada, sobretudo, pelo mercado internacional, a produção de carne bovina no país cresceu quase 90% entre 1990 e 2006, implicando em uma expansão do rebanho da ordem de 40%. O Gráfico 1 revela que nesses 16 anos houve um incremento de 58,8 milhões de cabeças no rebanho nacional e, desse total, nada menos que 81% (47,5 milhões) Gráfico 1 – Participação no aumento efetivo bovino entre 1980 e 2005 (%)

AM, RR, AP 1,2%

Outros Estados 19,5%

RO 16%

MA 4,2% PA 19,8% MT 29,3%

TO 6,1%

abril / junho / 2008

Artigo

AC 3,2%


nos nove estados da Amazônia Legal, cujo efetivo cresceu 181%, saltando de 26,3 milhões, em 1990, para 73,7 milhões, em 2006, fazendo com que sua participação no total nacional duplicasse de 17,8% para 35,8%. Em termos absolutos, os seis estados com maior expansão do rebanho bovino entre 1990 e 2006 estão todos na Amazônia Legal, com destaque maior para Mato Grosso (acréscimo de 17,0 milhões de cabeças), Pará (11,3 milhões) e Rondônia (9,8 milhões). Em segundo plano, aparecem Tocantins (3,45 milhões), Maranhão (2,7 milhões) e Acre (2,05 milhões). O Gráfico 2 mostra que, em termos de ritmo de crescimento, os mais acentuados foram em Rondônia (568%) e no Acre (513%), secundados por Mato Grosso e Pará, ambos com incremento de quase 200%. Em um patamar inferior aparecem Amazonas, Tocantins e Maranhão.

Em relação à área de pastagens, ocorreu uma expansão­ no país, entre 1990 e 2006, de 19,3 milhões de hectares. Diferentemente, contudo, das culturas temporárias, ocorreu decréscimo em todas as macrorregiões, com exceção da Amazônia Legal, que apresentou um excepcional crescimento de 33 milhões de hectares (Gráfico 3). As variações dentro dessa região se deram, entretanto, de forma bastante diferenciada. A expansão da pecuária bovina na Amazônia tem se concentrado ao longo de um extenso arco que, no sentido oeste-leste, inicia-se no Leste acreano, envolve todo o território de Rondônia e o Noroeste e extremo Norte mato-grossense (Amazônia Meridional), prolongando-se pelo Nordeste mato-grossense, Sudeste paraense, Oeste tocantinense e Sudoeste maranhense (Amazônia Oriental). Prevalecem, nesse arco, as áreas do Bioma Amazônico,

Gráfico 2 – Taxa de crescimento do efetivo bovino entre 1990 e 2005 (em %) 600 500 400 300 200 100 0

RO AC MT PA Amazônia Legal

AM

TO

MA

RR

AP

C. Oeste

Sul Sudeste Norte

Gráfico 3 – Variação das áreas de pastagens entre 1990 e 2005 (1000 hectares) 40000 35000

Revista de

Conjuntura

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30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 -5000 -10000

Amazônia Legal

Centro Oeste (exceto MT)

Nordeste (exceto MA)

Sudeste

Sul


abril / junho / 2008

SUB-REGIÕES E SUB-ÁREAS DA AMAZÔNIA LEGAL E DO CERRADO LIMÍTROFE

49 LEGENDA Cerrado setentrional Cerrado meridional Amazônia extremo sul Amazônia meridional/oriental Amazônia central Amazônia setentrional

mas também se encontram áreas do Bioma Cerrado e áreas de transição entre os dois biomas. Formada por oito mesorregiões geográficas do IBGE (sendo que a Norte mato-grossense apenas parcialmente), a região possui 1,4 milhão Km² (16,4% do território nacional), tendo apresentado o excepcional crescimento de 270% em seu rebanho bovino entre 1990 e 2006, passando de 13,9 milhões (9,4% do total do país) para 50,1 milhões de cabeças (24,3% do total). O crescimento de 36,2 milhões de cabeças representou nada menos que 76% do crescimento de toda a Amazônia Legal e por 62% do acréscimo em todo o país. A região já recebeu diversas denominações como “Arco do Desmatamento”, “Arco do Fogo” ou “Arco do Povoamento Adensado”, mas talvez a expressão mais adequada seja “Arco da Pecuária Bovina” ou, simplesmente,“Arco do Boi”. Em relação à área ocupada, as pastagens nessa região totalizavam 22,7 milhões de hectares em 1990, saltando para 50,8 milhões em 2006, uma expansão de 28,15 milhões de hectares. No mesmo período, a área ocupada com soja nessa região evoluiu de 230 mil para 1,72 milhão de hectares; a área ocupada pela cana-de-açúcar evoluiu de 14 mil para 27 mil hectares; e a área ocupa-

da por outras culturas relevantes (arroz, milho, algodão, sorgo­) passou de 365 mil para 600 mil hectares. Em todo o Brasil, entre 1990 e 2006, cerca de 33,5 milhões de hectares foram incorporados à atividade agropecuária, sendo que 12,0 milhões como áreas de lavouras e 21,5 milhões como pastagens. Ocorre que somente na Amazônia Legal ocorreu uma incorporação de 41,5 milhões de hectares à atividade agrária, com 7,2 milhões nas lavouras e 34,3 milhões em pastagens, sendo que no restante do país incorporaram-se 4,8 milhões à área de lavouras, mas reduziu-se em 12,8 milhões a área de pastagens. Em relação ao chamado “Arco do Boi”, de um total de 29,9 milhões de hectares incorporados à atividade agrária, apenas 5,7% foi de áreas de lavoura (1,75 milhão de hectares), sendo que 94,3% foram novas áreas de pastagens (28,15 milhões). Em suma, o impacto direto causado pela soja, assim como pelas demais culturas temporárias, no desmatamento nessa região é absolutamente inexpressivo, comparativamente ao gerado pela atividade pecuária. Impacto mais expressivo decorreu do efeito indireto causado pela expansão da soja, da cana-de-açúcar


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As exportações tiveram um excepcional aumento de 1.565% entre 1990 e 2005, saltando de 109,9 mil toneladas para 1,829 milhão de toneladas. Deve-se destacar que as exportações assumem maior dinamismo a partir de 1998, coincidindo com um maior crescimento do efetivo bovino brasileiro, particularmente na Amazônia.

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e de outras culturas temporárias em outras regiões do país, provocando o deslocamento da pecuária bovina para a Amazônia e, particularmente, para o “Arco do Boi”, mas mesmo esse movimento deve ser relativizado, pois tal expansão se deu, sobretudo, sobre antigas áreas de pastagens nas regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, onde houve uma redução nas áreas de pastagens equivalente ou superior ao acréscimo na área ocupada por lavouras. Tal redução decorreu, sobretudo, dos ganhos de produtividade da atividade pecuária e muito pouco da pressão exercida pela expansão da soja ou de qualquer outra cultura. A análise objetiva dos números revela que o forte incremento da pecuária bovina na Amazônia, nos últimos 16 anos, deveu-se muito pouco à pressão exercida pela soja, pela cana-de-açúcar ou por outros grãos. Que fator, então, estimulou tal incremento? A resposta é a excepcional expansão da demanda pela carne bovina brasileira no mercado mundial. Se entre 1990 e 2006 o efetivo de bovinos no país cresceu 40%, o aumento da produtividade proporcionou uma ex-

pansão da produção de carne bovina de cerca de 90% no mesmo período. Ocorreu, contudo, um crescimento da demanda interna bem abaixo da produção (pouco mais de 60%, passando de 4,3 para mais de 7 milhões de toneladas), proporcionando um enorme excedente, que teve como destino o mercado externo. As exportações tiveram um excepcional aumento de 1.565% entre 1990 e 2005, saltando de 109,9 mil toneladas para 1,829 milhão de toneladas. Deve-se destacar que as exportações assumem maior dinamismo a partir de 1998, coincidindo com um maior crescimento do efetivo bovino brasileiro, particularmente na Amazônia. E qual é o atual contexto do mercado mundial de carne bovina? A produção mundial tem crescido em ritmo moderado, com crescimento concentrado em dois países: China e Brasil. Alguns poucos países apresentam uma expansão moderada (Índia, Austrália, México, Canadá e Paquistão) e a maioria tem produção estagnada ou mesmo em regressão. Tal panorama se reflete no mercado internacional. As importações mundiais alcançaram 8,3 milhões de toneladas em 2005, e não tem apresentado um dinamismo dos mais relevantes. Ocorre que os fornecedores desse mercado são muito concentrados, e com tendência de se concentrar ainda mais. Os países europeus exportadores (França, Alemanha, Irlanda, Holanda, Polônia e Ucrânia) apresentam forte propensão à estagnação de suas exportações, o mesmo ocorrendo com o Canadá e o Paraguai. Já a Nova Zelândia e o Uruguai apresentaram bom desempenho das exportações no período, mas a diminuta disponibilidade de terras para expansão do rebanho impõe fortes restrições à continuidade desse crescimento. Nos cinco países restantes, todos de grande extensão territorial, o panorama é diferenciado. A Índia experimentou forte expansão de suas exportações, mas o moderado crescimento da produção implica em uma participação ainda tímida no mercado internacional de carne bovina. Já a Austrália apresentou também forte incremento nas exportações, mas nos últimos anos a produção tem crescido em um ritmo mais lento, implicando em uma desaceleração no ritmo de crescimento das suas vendas externas e mesmo em um recuo. A Argentina aumentou suas exportações de 300 mil toneladas, em 1990, para 1,3 milhão, em 2005, expansão ocor-


2000 1500 1000 500

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0 -500

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Gráfico 4 – Variação das exportações líquida mundial de carne bovina entre 2000 e 2005 (em milhares de toneladas)

Brasil

Argentina

Índia

N. Zelândia

Uruguai

França

Alemanha

Irlanda

Canadá

Austrália

rida em função da forte retração no consumo interno,

A forte expansão da pecuária bovina na Amazônia

pois a produção acha-se estagnada desde 1990. Com a recuperação em curso da economia argentina, é previsível a estagnação das exportações argentinas. Mas o fato mais relevante nesse mercado é o comportamento dos Estados Unidos. Até meados da década de 1990, eram os principais exportadores mundiais, mas estão em processo de conversão em importadores do produto, abrindo uma enorme oportunidade para os demais países exportadores. O país que melhor ocupou esse espaço foi o Brasil, saindo da condição de importador líquido de carne bovina, em 1990, para o primeiro posto entre os exportadores, em 2005. De uma participação residual no mercado mundial até 2000, o país passou a responder por quase 22% desse mercado em 2005. Em suma, a Argentina e, principalmente, o Brasil têm sido os principais beneficiários nesse mercado. Entre 2000 e 2005 as exportações dos 15 principais países exportadores cresceram em 1,64 milhão de toneladas. Como as exportações norte-americanas caíram em 1,15 milhão de toneladas e as dos outros 12 países em seu conjunto cresceram apenas 20 mil toneladas, o mercado mundial ficou à mercê dos dois grandes países sul-americanos, com as exportações argentinas crescendo em 870 mil toneladas e as brasileiras, em 1,72 milhão (Gráfico 4). A análise do processo de utilização das terras em curso no Brasil e na Amazônia e da dinâmica do mercado mundial de carne bovina torna irrefutável não somente a maior responsabilidade pecuária bovina pelo desmatamento no Bioma Amazônico, mas também a séria ameaça que ela representa.

Meridional e Oriental é decorrente, sobretudo, do baixo custo da terra e da melhor adaptabilidade dessa atividade a condições adversas em termos de infra-estrutura de transportes e de energia existentes na região. A “responsabilização” da soja e da cana-de-açúcar (de forma direta ou indireta) pelo desmatamento na Amazônia, além de equivocada, ao gerar um diagnóstico

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A análise do processo de utilização das terras em curso no Brasil e na Amazônia e da dinâmica do mercado mundial de carne bovina torna irrefutável não somente a maior responsabilidade pecuária bovina pelo desmatamento no Bioma Amazônico, mas também a séria ameaça que ela representa.

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“a) Promoção do ordenamento do território,

Avançar, portanto, na tecnificação da atividade pecuária e na consolidação de sua cadeia produtiva (indústrias frigoríficas, curtumes, laticínios, etc.) é um dos caminhos desejáveis para o desenvolvimento da região e de sua população, assim como a trilha para obstruir a abertura de novas áreas para atividades agrárias.

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distorcido, impede que se apontem as diretrizes e estratégias adequadas para combater o problema. O panorama do mercado mundial de carne bovina, como visto, mostra-se absolutamente “aberto” à produção brasileira, e tal situação pode levar a uma intensificação do desmatamento na Amazônia Meridional e Oriental, e, mais preocupante ainda, seu deslocamento para a sub-região da Amazônia Central (eixo da Transamazônica). A intensificação do ritmo de crescimento

Revista de

Conjuntura

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do rebanho na região a partir de 2000 (entre 1990 e 2000, a taxa média de crescimento anual foi de 8,1%, e entre 2000 e 2006, de 10,7%) tem relação direta com a intensificação no ritmo de exportações de carne bovina ocorrida a partir de 2000. Tal situação requer uma especial atenção das políticas públicas de planejamento e ordenamento territorial, mediante a adoção de diretrizes e estratégias condizentes com as necessidades de um desenvolvimento ambientalmente sustentável. Essas diretrizes e estratégias estão descritas de forma objetiva no Plano Amazônia Sustentável (PAS), cujas duas principais diretrizes no eixo de ordenamento territorial propõem:

mediante a regularização fundiária, a proteção dos ecossistemas, os direitos das populações tradicionais e a melhor destinação das terras para a exploração produtiva”; “b) Minimização do desmatamento ilegal associado à transformação da estrutura produtiva regional, impedindo-se a replicação do padrão extensivo de uso do solo que caracterizou a economia de fronteira na Amazônia nas últimas décadas”.

Para a sub-região, aqui definida como Amazônia Central (eixo da Transamazônica), o PAS preconiza a manutenção da “floresta em pé”, com sua exploração em bases sustentáveis, promovendo o “fechamento” das três principais frentes de expansão da “fronteira” agropecuária amazônica (São Félix do Xingu, BR-163 e Noroeste mato-grossense), mediante a criação de mosaicos de unidades de conservação (mais de 15 milhões de hectares tiveram essa destinação entre 2003 e 2008) associadas a terras indígenas, que funcionariam como verdadeiros “cordões sanitários” para a contenção de frentes de expansão desordenada da “fronteira”. Para a “Arco do Boi” (Amazônia Meridional e Amazônia Oriental) a estratégia propõe “focalizar a consolidação do desenvolvimento, dando suporte à intensificação das atividades dinâmicas não-predatórias, prevenindo fenômenos de abandono para novas fronteiras e priorizando a recuperação de áreas alteradas por desmatamento e criação extensiva, assim como de áreas abandonadas”. Avançar, portanto, na tecnificação da atividade pecuária e na consolidação de sua cadeia produtiva (indústrias frigoríficas, curtumes, laticínios, etc.) é um dos caminhos desejáveis para o desenvolvimento da região e de sua população, assim como a trilha para obstruir a abertura de novas áreas para atividades agrárias, implicando no desmatamento ainda maior da floresta amazônica.

Júlio Miragaya Economista, coordenador-geral de planejamento e gestão territorial do Ministério da Integração Nacional.


XV PRÊMIO CORECON-DF DE ECONOMIA Monografias

2008

Serão premiadas as três melhores monografias aprovadas nos Cursos de Graduação do DF

1º Lugar: R$ 5.000,00 2º Lugar: R$ 3.000,00 3º Lugar: R$ 2.000,00 Até três monografias selecionadas em cada Faculdade, deverão ser encaminhadas pelos respectivos Departamentos de Economia, até 01/09/2008, desde que aprovadas nos doze meses anteriores à inscrição. Poderá haver, também, inscrição de monografias diretamente pelo autor, desde que tenha recomendação escrita do orientador.

INFORMAÇÕES: (61) 3964-8366, 3964-8368 e 3223-1429 www.corecondf.org.br Apoio: Conselho Federal de Economia – COFECON


Não quebre a corrente!

Não quebre a corrente! O Corecon/DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas.

Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

Participe!

A conquista é de todos.

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DF SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br


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