25-revista

Page 1

ISSN 1677-0668 Revista Editada pelo CORECON/DF ANO VII - Nº 25 - JAN/MAR de 2006

ARTIGOS A certificação Kimberley na exportação de diamantes brutos Miguel Antonio Cedraz Nery

A operação “tapa-buracos” do Governo Lula

PÁGINA: 09 Controvérsias acerca do Resultado da Previdência Social Luciano Fazio

PÁGINA: 11 O Risco-país, espoliação e submissão Maria Lucia Fattorelli Carneiro e Rodrigo Vieira de Ávila

PÁGINA: 21

Carga Tributária Federal Aumentou em 2005

A Revista de Conjuntura do CORECON/DF entrevista o professor adjunto do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques da Silva, que fala da situação de calamidade das rodovias do País. Veja entrevista

PÁGINA: 30

PÁGINAS: 5 a 8

Departamento de Estudos Técnicos do Unafisco Sindical



Revista Editada pelo CORECON/DF - ANO VII - nº 25 - JAN/MAR DE 2006

EDITORIAL .....�

.....4

ENTREVISTA PAULO CESAR MARQUES DA SILVA A operação “tapa-buracos” do Governo Lula ......................................................................5

ARTIGOS MIGUEL ANTONIO CEDRAZ NERY A certificação Kimberley na exportação de diamantes brutos.........................................................9 LUCIANO FAZIO Controvérsias acerca do Resultado da Previdência Social ................................................ 11 MARIA LUCIA FATTORELLI CARNEIRO RODRIGO VIEIRA DE ÁVILA O Risco País, espoliação e submissão ................................................................................21 DEPARTAMENTO DE ESTUDOS TÉCNICOS DO UNAFISCO SINDICAL Carga Tributária Federal Aumentou em 2005 ...............................................................................30 JUSÇANIO UMBELINO DE SOUZA Desempenho do mercado de trabalho em 2005 reflete a boa performance da economia do Distrito Federal ........................................................35 ADEMIR FIGUEIREDO ILMAR FERREIRA SILVA Valorização do Salário Mínimo: um imperativo da ética econômica e social .............................39 DIEESE Protocolo de Intenções (fac-símile)..................................................................................................44

A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o CORECON-DF. O valor da assinatura é de R$ 70,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.

Revista de conjuntura

3

jan/mar de 2006


EXPEDIENTE

EDITORIAL

Órgão Oficial do CORECON-DF Editor Responsável: Roberto Bocaccio Piscitelli Conselho Editorial: Mônica Beraldo Fabrício da Silva, Evilásio da Silva Salvador, Roberto Bocaccio Piscitelli, Humberto Vendelino Richter, Maurício Barata de Paula Pinto, Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo, Victor José Hohl, José Aroudo Mota, Júlio Miragaya e André Nunes. Jornalista Responsável: Daniela Lima - Reg. DRT/DF: 4926 Redação: Daniela Lima Editoração Eletrônica: Ars Ventura Imagem & Comunicação www.arsventura.com.br Tiragem: 4.000 Periodicidade: Trimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição das entidades. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO – DF Presidente: Mônica Beraldo Fabrício da Silva Vice-Presidente: Evilásio da Silva Salvador Conselheiros Efetivos: Mônica Beraldo Fabrício da Silva, José Aroudo Mota, Victor José Hohl, Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira, Maria Cristina de Araújo, Evilásio da Silva Salvador, José Luiz Pagnussat e Júlio Flávio Gameiro Miragaya. Conselheiros Suplentes: André Nunes, Homero Gustavo Reginaldo Lima, José Luiz Xavier, Jusçanio Umbelino de Souza, Gilson Duarte dos Santos, Mario Sérgio Fernandez Sallorenzo, Junia Rodrigues de Alencar e Ronalde Silva Lins. Equipe do CORECON: Iraídes Godinho de Sales, Ismar Marques Teixeira, Michele Cantuária Soares, Jamildo Cezário Gomes e Angeilton Francisco Lima Faleiro. End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70300-907 – Brasília –DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: corecondf@corecondf.org.br Site: www.corecondf.org.br Horário de Funcionamento: das 8:00 as 18:00 horas (sem intervalo)

O CORECON/DF realizou seminário com a participação da imprensa do Distrito Federal e outros veículos nacionais, para discutir o ritmo atual de crescimento do PIB brasileiro. Embora ocupemos hoje a 11ª colocação em termos de tamanho do PIB - colocação que, diga-se de passagem, está influenciada pelo câmbio supervalorizado -, estimado em R$ 1.937,6 bilhões, quando dividimos esse valor pela população, de 184,2 milhões, caímos para o 72º lugar no ranking do PIB per capita. Se essa renda fosse distribuída igualmente, cada habitante ganharia R$ 10.520,00 por ano. Mas, mais que os valores absolutos ou considerados num período específico, o que mais tem chamado a atenção é o ritmo de crescimento do País, em particular quando comparado às economias desenvolvidas e às chamadas emergentes. De 2004 para 2005, crescemos 2,3%, que é pouco mais que a média dos últimos 25 anos. Nessas “duas décadas e meia perdidas”, tivemos altos e baixos. Quando verificamos o crescimento histórico brasileiro, considerado o período pósguerra, deparamos com um número extraordinário: de 1943 a 1980, a taxa média anual de crescimento do PIB foi de 7,34%. Comparando-se, agora, a taxa média de crescimento brasileiro, nos últimos três anos, com a média de regiões selecionadas, constata-se que estamos a menos da metade da média dos emergentes: 2,5% contra 6%. Temos puxado a média da América Latina para baixo (4,3% sem o Brasil). Mas mais melancólica é a modestíssima evolução do PIB per capita (considerandose, além do mais, a péssima distribuição de renda no Brasil). Na média dos últimos 25 anos, ficamos em 0,5%. No período de 1943 a 1980, alcançamos 4,5%; entre 1967 e 1980, chegou-se a quase 6,0%. A média dos emergentes nos últimos três anos, foi também de 4,5%. Vejamos, agora, quanto tempo seria preciso para, nesta marcha, alcançarmos o nível de outros países. Fez-se uma projeção otimista, considerando a média mais recente (governo Lula), superior à do período 1995/2002, 1,03% em relação a 0,78%. Começando pela Noruega, que tem o PIB per capita mais elevado do mundo - US$ 52.030 -, no ritmo mais favorável levaríamos 276 anos para alcançá-la; no ritmo menos favorável, 364 anos. Se voltássemos à marca anual (histórica) de 4,5% - a exemplo do ritmo atual dos emergentes -, precisaríamos de 65 anos. Compare-se, agora, a nossa situação com Portugal: esses períodos seriam de, respectivamente, 150, 195 e 35 anos. No caso do México, esses números corresponderiam a 77, 101 e 18 anos, respectivamente. Decididamente, a perspectiva não é alentadora, porém talvez sirva de reflexão para repensarmos nosso modelo de desenvolvimento, e começarmos a questionar as verdades absolutas insistentemente repetidas pelos integrantes da(s) equipe(s) econômica(s) e reproduzidas pela grande mídia (ou será o contrário?). Não temos a ilusão de acreditar que o crescimento mais acelerado vá resolver todos os nossos problemas, em particular os de repartição da renda; todavia, não parece haver dúvidas de que se constitui num pré-requisito para, entre outras coisas, aumentar os investimentos, sobretudo na infra-estrutura, e executar programas sociais mais consistentes e continuados. Parodiando o ex-Presidente Médici, o País não vai tão bem, mas os bancos e as grandes corporações, nacionais e transnacionais, obtêm lucros recordistas. Em outra ponta do tripé, o Estado abocanha fatias crescentes dos agentes privados em forma de tributos e tarifas: perto de 38% do PIB em 2005. É fácil concluir que a terceira ponta está desequilibrada; é onde se encontra a maioria: micro e pequenas empresas, trabalhadores em geral, estes com uma parcela cada vez menos da renda nacional. Os indicadores mais importantes, na visão do mercado, parecem expressar melhor a vitalidade do capital que a situação sócio-econômica interna do País: índices das bolsas, risco-país, valor de negociação dos títulos públicos brasileiros. Para esses formadores de opinião, os fundamentos econômicos são sólidos. Na seleta relação da Revista Forbes, o número de brasileiros com fortuna pessoal superior a US$ 1 bilhão triplicou de cinco para quinze. Aqui dentro, é cada vez maior o número de pessoas que precisam do bolsafamília para sobreviver. Projeto de governo, stricto sensu, há algum tempo não temos. Projeto de Estado, há muito mais tempo. E este é a sociedade que terá de formular.

Revista de conjuntura

4

jan/mar de 2006


ENTREVISTA

A operação “tapa-buracos” do Governo Lula Em entrevista para a Revista de Conjuntura do CORECON/DF, o professor adjunto do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Cesar Marques da Silva, doutor em transportes pela University College London (Grã Bretanha), fala sobre a situação de calamidade das rodovias brasileiras e aborda também a questão política para a infra-estrutura rodoviária. Atualmente, o Professor desenvolve pesquisa sobre circulação e segurança viária.

Entrevista: Daniela Lima Colaboração: Roberto Bocaccio Piscitelli

Revista de conjuntura

5

jan/mar de 2006


“A situação é realmente calamitosa, mas está longe de ser imprevisível. O estado atual das rodovias é resultado de um processo de deterioração progressiva que elas vêm sofrendo há muitos anos. Portanto, é difícil justificar a dispensa de licitação pela impossibilidade de se ter submetido o programa a um planejamento”. Conjuntura - A Operação “tapaburacos” é mesmo urgente ou era imprevisível? Por que só agora foi percebida como inadiável? Paulo César M. da Silva - A formação de buracos em rodovias pavimentadas com asfalto não acontece da noite para o dia. É um processo longo e seus primeiros sinais são facilmente detectáveis. O buraco é o último estágio de um defeito na base da rodovia, que, por sua vez, pode ter diferentes causas. A primeira, aquela que a maior parte de nós costuma achar que é preponderante, está relacionada a problemas construtivos, como uma base mal feita ou o emprego de material inadequado, por exemplo. Na verdade, esse é o problema menos comum, embora ocorra em alguns casos. Outra causa possível é o aparecimento de fissuras no revestimento asfáltico, que pode acontecer

por esforços de variados tipos. A fissura representa uma ruptura da impermeabilização proporcionada pela capa asfáltica, ocasionando a penetração de água que deteriora a base. Se as fissuras forem seladas logo que aparecerem, a base não será comprometida e o buraco não surgirá. Outras vezes, o que compromete a base é o excesso de peso por eixo dos veículos, afundando o leito da via. Então surgem as fissuras popularmente conhecidas como couro de jacaré, também permitindo a penetração de água. Além de tudo isso, a própria idade do revestimento torna-o poroso, mais uma vez permitindo que a água comprometa a base. Tudo isso é previsível, detectável ou evitável. A fiscalização da obra evita construções fora das especificações, a fiscalização do peso dos veículos evita os afundamentos, a inspeção

Revista de conjuntura

6

constante identifica e permite selar as trincas e um programa regular de gerenciamento recupera o revestimento antes de os defeitos aparecerem. A operação “tapaburacos” só se faz necessária porque nenhuma dessas medidas foi tomada na hora apropriada, mas não creio que foi exatamente percebida como inadiável pelo governo. O que houve, sim, foi que o problema ganhou mais visibilidade com as férias de verão e o conseqüente aumento do uso das rodovias por parte de segmentos sociais formadores de opinião. Conjuntura - A situação se caracteriza como de emergência ou calamidade pública, a ponto de justificar a dispensa de licitação? Quais são os riscos de se realizarem obras dessa magnitude sem licitação? Paulo César M. da Silva - Esse é um ponto interessante. A situação é realmente calamitosa, mas está longe de ser imprevisível. O estado atual das rodovias é resultado de um processo de deterioração progressiva que elas vêm sofrendo há muitos anos. Portanto, é difícil justificar a dispensa de licitação pela impossibilidade de se ter submetido o programa a um planejamento. Mesmo tendo sido constatada a urgência das obras, um período de, digamos, seis meses teria sido suficiente para a realização de licitações e a assinatura de contratos, ainda que

jan/mar de 2006


para executar os mesmos serviços previstos na operação “tapa buracos”. Como o quadro já é grave há muitos anos, tudo poderia ter sido feito e até já estar concluído antes das chuvas e das férias de verão. Além disso, é de se presumir que as licitações proporcionariam preços menores. Por outro lado, porém, teria sido mais uma irresponsabilidade deixar perdurar ainda por alguns meses o estado em que a malha se encontrava. Conjuntura - À primeira vista, as empresas selecionadas são as mais indicadas? Num prazo tão curto e na extensão em que as obras estão sendo realizadas é possível fazer um bom acompanhamento e controle da qualidade e da adequação dos serviços? Paulo César M. da Silva - As empresas contratadas são aquelas que já atuam no ramo. Além disso, nos casos em que empresas já estavam trabalhando em outros trechos da mesma rodovia, o governo optou por aditar os contratos para incluir os novos trechos, reduzindo custos de mobilização de equipamento e mão-deobra. Portanto, não há por que desconfiar de que outras empresas poderiam ser mais indicadas para os serviços. Resta, entretanto, o problema da capacidade de fiscalização. À primeira vista, o DNIT tem, sim, estrutura suficiente para realizar esse acompanhamento. Aliás, se

porventura não tiver, é preciso que se capacite para tal o mais brevemente possível, porque cuidar da malha rodoviária é sua atribuição legal, com ou sem operações “tapa-buracos”. Conjuntura - A época e as circunstâncias são as mais oportunas? É possível que as obras não sejam duradouras ou que os serviços tenham de ser realizados novamente a curto prazo? Paulo César M. da Silva - A característica mais marcante da operação “tapa-buracos” é que o tipo de reparos programados está mais próximo de remendos do que de recuperação. Na grande maioria dos trechos incluídos na operação, não é exatamente a infra-estrutura que está sendo recuperada, mas apenas a trafegabilidade em sua superfície. Isso quer dizer que não se pode mesmo esperar

Revista de conjuntura

7

durabilidade desses serviços. Sua vida útil é muito curta, e assim seria, mesmo que eles fossem executados em outra estação do ano. O fato é que, antes do final da vida útil dos remendos, ou seja, ao longo de 2006, o governo terá que dar início a um programa de restauração propriamente dita da infra-estrutura. Caso contrário, logo ouviremos outra vez as tentativas de justificar nova operação-remendo. Conjuntura - De um modo geral, as estradas brasileiras são mal construídas ou falta manutenção? Paulo César M. da Silva - Não se pode dizer de forma generalizada que as rodovias brasileiras são mal projetadas ou mal construídas. Mas nenhuma obra, seja rodoviária ou não, pode prescindir de

jan/mar de 2006


um programa de conservação. Mudanças nas especificações podem reduzir custos de manutenção, mas aumentam os custos de construção. E viceversa. Mas não há alternativa que elimine a necessidade de manutenção. Mesmo as rodovias pavimentadas com concreto, que muitas pessoas julgam prescindir de manutenção, requerem, por exemplo, a eliminação de falhas nas juntas. Essas falhas permitem a penetração de água e a conseqüente erosão da base em que as placas de concreto estão apoiadas. O resultado pode ser tanto o deslocamento como a própria quebra das placas. Conjuntura - Na sua opinião, quais seriam as linhas principais de uma política para o setor e quais são as dificuldades mais evidentes para a consecução de seus objetivos? Paulo César M. da Silva - A linha de uma política justa para

a infra-estrutura rodoviária é a mesma necessária para qualquer setor da infra-estrutura estratégica do Brasil. O poder público precisa reconhecer o que é a infra-estrutura crítica, aquela cuja existência viabiliza o desenvolvimento independente do País. Feito isso, o planejamento, a operação, a conservação e a expansão dessa infra-estrutura crítica devem ser assumidos como funções do Estado, a serem desempenhadas com recursos públicos. De certa forma, é preciso inverter o raciocínio que predomina nos altos escalões da República e dos seus entes federativos. A adoção das políticas neoliberais por sucessivos governos brasileiros levou-os a abandonar os conceitos de infra-estrutura crítica, no contexto do desmonte do Estado. O que no passado foi tratado como estruturante da economia nacional passou à condição de resultante das leis de mercado; a mesma

Revista de conjuntura

8

renúncia do Estado a seu papel estratégico, que levou ao apagão de 2001/2002 no setor elétrico, levou ao colapso de 2005/2006 no setor rodoviário. As duas histórias são crônicas de crises anunciadas. Inverter essa lógica significa fazer o Estado reassumir suas funções e cuidar da infra-estrutura como um investimento, e não como uma despesa. Uma malha rodoviária de boa qualidade significa redução dos custos de transporte, o que tem como conseqüências tanto o aumento da competitividade dos produtos brasileiros nos mercados internacionais como a distribuição mais eqüitativa da riqueza nacional. Isso é o inverso, por exemplo, da lógica das concessões rodoviárias, que não reduzem os custos de transporte, porque a redução dos custos operacionais proporcionada pela melhor qualidade da rodovia é neutralizada pelos gastos com pedágio. Além disso, rodovias com baixos volumes de tráfego (mas nem por isso menos estratégicas para o desenvolvimento das regiões que servem) são economicamente inviáveis para a concessão e, portanto, excluídas, a priori, da malha candidata a ter boa qualidade. A malha rodoviária crítica é um patrimônio público e precisa ser tratada com uma política pública, não com as leis de mercado.

jan/mar de 2006


ARTIGO

A certificação Kimberley na exportação de diamantes brutos Miguel Antonio Cedraz Nery* Em meados de 2003, o Brasil efetuou a sua adesão ao Processo de Certificação do Kimberley (SCPK), no sentido de regularizar as exportações e importações dos diamantes, provando ser uma ação eficaz do Estado de combate aos descaminhos das pedras aqui produzidas. Em princípio, o SCPK exigiu apenas que cada Governo certificasse que os diamantes brutos exportados tivessem origem do respectivo país e que, fundamentalmente, não fossem de áreas em guerra ou de conflitos pelo poder. A regulamentação brasileira, no entanto, foi além das exigências do SCPK e determinou que os lotes a serem certificados para exportação fossem vinculados a áreas com produções autorizadas pelo DNPM, devidamente comprovadas por meio da cadeia sucessória de notas fiscais do produtor ao exportador. Após a adesão do Brasil ao SCPK, o valor das exportações brasileiras oficiais passou de US$ 8 milhões, em 2001, para US$ 18,9 milhões, em 2005, representando apenas 0,2% em quantidade. Pela alta informalidade da produção de garimpos, entendeuse que a adesão ao SCPK seria

uma oportunidade para se efetuar a regularização de áreas de lavras garimpeiras, o que vem sendo feito com sucesso em vários Estados. Na análise de um lote de diamantes, pode-se apenas inferir a procedência geográfica. Alguém, de má fé, poderia acrescentar a um determinado lote de mesma origem uma ou mais pedras de outra região, tornando-se difícil a sua distinção. Ao Estado cabe emitir a CPK com base na regularidade das suas concessões e permissões e na presunção de boa fé do declarante, até que se prove o contrário. Com a operação carbono empreendida pela Polícia Federal e a Receita Federal, o DNPM adotou várias providências, que incluem: a suspensão temporária de todas as emissões de Certificados e a não-validação de três emitidos e não exportados; a instalação de uma comissão de auditoria para fiscalizar e apurar a regularidade dos procedimentos até então praticados nas emissões; a instauração de Processo Administrativo Disciplinar; além da própria exoneração do Chefe do Distrito de Minas Gerais. Desde que saíram denúncias na imprensa sobre supostas

Revista de conjuntura

9

fraudes, o DNPM orientou a que as Certificações de Kimberley não ocorressem sem que fossem realizadas vistorias nas áreas produtoras, informadas pelo exportador, para comprovar a existência de fluxo regular de extração. Tal medida não evitaria, mas diminuiria possíveis irregularidades em relação à origem do diamante. O procedimento de emissão dos certificados como vinha ocorrendo visava à agilidade processual, na medida em que se considerava que a origem das pedras é um ato declaratório do exportador, cabendo-lhe a responsabilidade civil e penal por eventual fraude. Assim, mesmo tendo evitado a saída por contrabando ou descaminho, com a implantação do SCPK no Brasil, isto não teria impedido que eventualmente ocorresse a exportação de diamantes de origem irregular, que, se ocorreu, foi de inteira responsabilidade do exportador, caso tenha instruído o seu requerimento do CPK com notas fiscais fraudulentas, passando, assim, o problema a ser caso de polícia ou um problema fiscal, devendo ser apurado pela Polícia Federal e Receita Federal. No Brasil, o Certificado Kim-

jan/mar de 2006


berley foi impresso pela Casa da Moeda, é preenchido rigorosamente pelo DNPM em Brasília, com base em informações declaradas pelo exportador, sendo encaminhado ao Distrito/DNPM, para vistoria e lacre do lote de diamantes. O preenchimento prévio em Brasília não obriga os fiscais a lacrarem o lote se for constatada alguma irregularidade, devendo o certificado retornar a Brasília para ser invalidado. Segundo denúncia da ONG Parternship África Canadá PAC, haveria indícios de fraude no Certificado Kimberley nº 64. Após a denúncia, a área foi vistoriada pelo então Chefe do 3o Distrito – MG, que assinou laudo informando serem inverídicas as denúncias. Tendo em vista o suposto envolvimento do Chefe do 3o Distrito com o caso, que na ocasião vistoriou a área referente ao CPK 64, o DNPM está realizando nova vistoria nas áreas localizadas na região apontada pelo relatório do PAC, para apurar a denúncia, bem como nas áreas dos demais processos vinculados a cada um dos 183 certificados emitidos. Quanto à afirmação veiculada na imprensa sobre a suspensão da certificação Kimberley no Brasil, cabe informar que não existe, até o momento, nenhuma manifestação da coordenação do SCPK nesse sentido. Entende-se que as medidas de aperfeiçoamento da

certificação brasileira a serem propostas e adotadas pelo DNPM serão suficientes para garantir a permanência do Brasil no grupo de 40 países que possuem autorização para comercializar diamantes brutos no mercado internacional. O DNPM discorda da PAC quando afirma que o sistema brasileiro criado foi apenas para oferecer uma conformidade simbólica às certificações. O pro-

Revista de conjuntura

cesso de CPK no Brasil é lícito do ponto de vista da instrução do requerimento e permite ao Poder Público controlar inclusive a eventual existência de fraudes. Há concordância de que existem dificuldades em sua implementação e possíveis vulnerabilidades nos sistemas de controle; todavia, por meio de medidas saneadoras introduzidas pelo DNPM, a certificação brasileira será cada vez mais fortalecida.

*Miguel Antonio Cedraz Nery Engenheiro de Minas e Diretor-Geral do Departamento Nacional de Produção Mineral, do Ministério de Minas e Energia

10

jan/mar de 2006


ARTIGO

Controvérsias acerca do Resultado da Previdência Social Luciano Fazio*

INTRODUÇÃO Na última década, os acesos debates nacionais sobre a Previdência Social (PS) têm focado principalmente seu financiamento. A alegada precariedade do equilíbrio financeiro do sistema tem constituído a principal justificativa governamental do processo de reforma do Regime Geral da Previdência Social (RGPS)1, o que destaca a relevância não apenas técnica, mas também política da definição do resultado da PS. A primeira seção do presente artigo aborda brevemente os entendimentos históricos acerca da Previdência Social, que embasam as diferentes compreensões do financiamento dessa política pública. A segunda analisa o resultado previdenciário, indicador elaborado pelo Ministério da Previdência Social (MPS) para descrever o equilíbrio do RGPS, mostrando que ele é parcial e in1

suficiente, pois desconsidera parcelas de receitas da Seguridade Social previstas pela Constituição Federal, sem adequada base legislativa. Ainda, esse indicador desconsidera a devida relação com outras políticas públicas e com o orçamento da Seguridade Social (SS). 1. PREVIDÊNCIA SOCIAL: ENTRE SEGURO E POLÍTICA DE COMBATE À POBREZA 1.1 O modelo bismarckiano É consenso datar o nascimento da PS na 2ª metade do século XIX, quando o movimento operário alemão obteve a participação de empregadores e do Estado no financiamento de um seguro social, que atendia a trabalhadores de categorias profissionais específicas. Tal sistema, conhecido também sob o nome

de modelo bismarckiano, era: (a) contributivo, ou seja, atendia os trabalhadores que realizassem contribuições previdenciárias; (b) administrado por empregadores e trabalhadores; e (c) organizado por meio do regime financeiro de capitalização coletiva dos recursos arrecadados. Paulatinamente, esse modelo estendeu-se a outras categorias profissionais e também pelo mundo. Hoje, 172 países adotam sistemas previdenciários (conjuntos de políticas públicas de amparo aos trabalhadores em situações de perda ou insuficiência de rendimentos em função da incapacidade, temporária ou permanente, de obter proventos através do trabalho), segundo a International Social Security Association. No Brasil, a lei Elói Chaves (1923), que regulamentou a previdência dos ferroviários nos moldes do seguro social bismarckiano, é tida como o marco inicial do

É o principal siste� a garantir as situações de incapacidade, de tempo de contribuição, de encargos familiares, prisão e morte do trabalhador, por meio de benefícios previdenciários. Não são contemplados pelo RGPS os servidores públicos de cargo efetivo, abrangidos pelos regimes próprios de Previdência. O outro regime é o de previdência complementar, de caráter facultativo.

Revista de conjuntura

11

jan/mar de 2006


“Um novo modelo de sistema previdenciário foi introduzido pelo Plano Beveridge, adotado na GrãBretanha após a 2ª Guerra Mundial, visando unificar nacionalmente os sistemas de assistência social, seguro-desemprego, saúde, habitação, auxílio aos aprendizes, auxílio à maternidade, saláriofamília e aposentadorias”. sistema previdenciário nacional. A PS brasileira, portanto, também nasceu fragmentada e heterogênea, pois cada categoria profissional criava sua Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) em nível local, com benefícios variando de Caixa para Caixa. Os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP), que sucederam às CAPs, a partir da década de 30, também mantiveram tais características, mesmo sendo organizados em base nacional. Voltado a garantir os benefícios contratados pelos contribuintes, mesmo recebendo contribuições estatais, privada era a lógica do sistema previdenciário de inspiração bismarckiana. Os cidadãos sem condição financeira, ou aqueles cuja categoria não tinha constituído CAP ou IAP, engrossavam as fileiras dos “sem previdência social”. 1.2 O Plano Beveridge Um novo modelo de sistema previdenciário foi introduzido pelo

Plano Beveridge, adotado na Grã Bretanha após a 2ª Guerra Mundial, visando unificar nacionalmente os sistemas de assistência social, seguro-desemprego, saúde, habitação, auxílio aos aprendizes, auxílio à maternidade, salário-família e aposentadorias. O objetivo principal do Plano era o combate à miséria, “quaisquer que sejam suas circunstâncias”. Dessa forma, ele rompeu com a anterior tradição britânica, de subordinar o acesso aos serviços e benefícios sociais a humilhantes comprovações oficiais de indigência, de modo que os benefícios sociais tornaram-se devidos à população, dentro de uma lógica de garantia de renda mínima e de serviços sociais básicos, mesmo aos cidadãos sem a capacidade contributiva suficiente para custear os mesmos. Esse Plano foi pensado com vistas à construção da chamada Seguridade Social, dimensão sócio-econômica da democracia política.

Revista de conjuntura

12

1.3 Avanços na Previdência Social brasileira de 1988 No Brasil, a Constituição Federal de 1988, além de unificar os regimes urbano e rural da PS, inspirou-se no conceito de SS, entendida como o conjunto das políticas sociais de saúde, assistência e previdência social. Conceitualmente, ensaiou-se a passagem de “seguro” para “direito social”. Financeiramente, instituiu-se o Orçamento da Seguridade Social (OSS), onde, ao lado das contribuições de empregados e empregadores sobre folha de salários, foram criadas novas contribuições sociais incidentes sobre: (i) a receita ou faturamento das empresas, mediante a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); (ii) o lucro das empresas, mediante a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); (iii) a atividade financeira, através da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF); (iv) a renda líquida dos concursos e prognósticos. Contudo, a referência à SS ficou incompleta, pois o acesso aos benefícios previdenciários permaneceu condicionado ao critério contributivo, de modo que os benefícios previdenciários não foram garantidos unicamente com base nas necessidades dos cidadãos. Em particular, o caput do art. 201 da CF, que define tais benefícios, na redação de outubro de 1988, especifica que: “Art. 201 - Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão nos termos da lei: I – cobertura dos eventos de

jan/mar de 2006


doença, invalidez, morte e idade avançada; II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV – salário-família e auxílioreclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes (...)” (Grifo nosso.) Mesmo assim, a CF de 1988 avançou rumo à universalização da cobertura do sistema previdenciário nacional, principalmente afrouxando os vínculos entre benefícios e contribuições, com destaque para a introdução da figura do segurado especial, que contempla o trabalhador rural em regime de economia familiar, com forma diferenciada de contribuição (atualmente estipulada em 2,2% da comercialização de sua produção). Houve progressos também quanto à uniformidade dos benefícios, princípio inspirador do Plano Beveridge, pois a CF de 1988 fixou o salário mínimo como piso dos benefícios previdenciários, e equiparou os benefícios e serviços entre populações urbanas e rurais (art. 194). 2. O FINANCIAMENTO DO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL Pelo artigo 165 da CF, existem três orçamentos distintos da União: (1) o fiscal; (2) o das empresas estatais; e (3) o da Seguridade Social. A explícita segregação dos recursos implica

em maior independência recíproca entre os três âmbitos federais. A exigência constitucional de receitas específicas para suportar as despesas de cada âmbito introduziu uma forte garantia de que os recursos para as ações integradas de saúde, assistência e previdência social não sejam facilmente remanejados para outras finalidades. Com efeito, em função do parágrafo 5º do art.165 da CF, qualquer alteração na definição e na utilização das receitas do OSS para o custeio do funcionamento da máquina da União (orçamento fiscal) ou para orçamento das estatais federais é possível apenas mediante emenda constitucional, sendo exigida maioria qualificada e votação em dois turnos para sua aprovação, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. A CF 88 garante à SS a “diversidade da base de financiamento” (art. 194), em sintonia com a doutrina beveridgeana, encarregando

o Poder Público de organizar a SS, em conformidade com esse objetivo. Avançando no detalhamento dessa diretriz, segundo o art. 195, “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão

“A Constituição Federal de 1988 avançou rumo à universalização da cobertura do sistema previdenciário nacional, principalmente afrouxando os vínculos entre benefícios e contribuições, com destaque para a introdução da figura do segurado especial, que contempla o trabalhador rural em regime de economia familiar, com forma diferenciada de contribuição”.

Revista de conjuntura

13

jan/mar de 2006


concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III – sobre a receita de concursos de prognóstico.” (Grifo nosso.) Observe-se que o citado artigo constitucional não subordina a fruição dos serviços e benefícios da SS à contribuição, como seria de se esperar se essas ações fossem serviços e benefícios contratados de forma privada. Ou seja, pela CF a Seguridade Social tem natureza redistributiva ou, com os termos utilizados pela Lei Maior, financiadas por “toda a sociedade”, as políticas da SS visam à “universalidade da cobertura e do atendimento”, conforme o art. 194. Também a previdência social é redistributiva, como explicado pelo professor Dércio Garcia Munhoz, no Seminário Internacional “Previdência Social e Pública: Desafios Para Sua Preservação” (Câmara dos Deputados, Brasília, 25-26/10/01): o RGPS constitui um “sistema de transferências interclasses, intersetoriais e inter-regionais”, ao adotar o financiamento em regime de repartição simples. 3. A DEFINIÇÃO DE RESULTADO PREVIDENCIÁRIO PELO MINISTÉRIO Em 2002, em publicação institucional do MPS, o próprio Secretário de Previdência Social da época, Sr. Vinicius Carvalho Pinheiro, defendeu a tese pela qual, “apesar de fazer parte da seguridade social, o RGPS constitui-se em um todo independente, com seus princípios, fundamentos

jurídicos, receitas e despesas” (PINHEIRO at alii, 2002). Por conseqüência, para o Executivo Federal existe uma contabilidade previdenciária separada daquela da SS, sendo que a separação se dá com base nas chamadas “despesas previdenciárias” e “receitas previdenciárias”. Tal entendimento foi a premissa da definição de resultado do RGPS, mantida até hoje pelo MPS, apesar da mudança de governo e das trocas de titulares da Pasta. Para o MPS, as despesas previdenciárias são as decorrentes do pagamento dos benefícios previstos no art. 18 da Lei nº 8.213, de 24/07/91, para os trabalhado-

res urbanos e rurais, a saber: i) aposentadoria (por invalidez, idade, tempo de contribuição e especial); ii) auxílio-doença; iii) salário-família; iv) salário-maternidade; v) auxílio-acidente; vi) pensão por morte; vii) auxílio-reclusão. O Informe de Previdência Social de janeiro 2002, publicado pelo MPS, constitui a única publicação do Ministério a definir quais receitas da SS devem ser entendidas como previdenciárias (ver o Quadro 1). Observe-se que todas as “receitas previdenciárias” es-

Quadro 1 a. b.

c.

d.

e.

f.

Contribuição dos Empregadores e dos Trabalhadores para a Seguridade Social, incidente sobre folha de salários. Contribuição de Pessoa Física, arrecadada pelos contribuintes individuais, facultativos, empregados domésticos e segurados especiais. Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES), instituído pela Lei nº 9.317, de 05/12/1996, com recolhimento em Guia da Previdência Social (GPS) ou repasse da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Entidades Filantrópicas, recolhimentos de empregados de empresas ligadas às áreas de assistência social, saúde e educação e que obtiveram isenção da cota patronal, pelo artigo 55 da Lei nº 8.212/91. Órgãos do Poder Público, recolhimentos em GPS ou retenção do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou do Fundo de Participação dos Estados (FPE), relativos aos servidores vinculados ao RGPS. Clubes de Futebol, contribuição de associação desportiva que mantém equipe de futebol profissional, referente a 5% da receita bruta decorrente de espetáculos desportivos, patrocínios, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e transmissão de espetáculos desportivos (parágrafo 11 do art. 22 da Lei nº 8.212/91).

Revista de conjuntura

14

jan/mar de 2006


g.

h.

i.

j.

k.

Comercialização da Produção Rural, contribuição recolhida pelo produtor rural, seja ele pessoa física, jurídica, agroindústria, e adquirentes da produção rural, sobre a comercialização dessa produção. Retenção (11%), retenção e recolhimento ao INSS pelo contratante de 11% do valor bruto registrado em nota fiscal decorrente de serviços prestados mediante empreitada e cessão de mão-de-obra. Reclamatória trabalhista: contribuições previdenciárias efetuadas em conseqüência de sentenças ou acordos homologados pela Justiça do Trabalho. Receitas de Recuperação de Crédito, onde são lançados todos os pagamentos de débitos com o INSS, destacando-se: o Fundo Nacional de Saúde (FNS), onde é lançado o repasse da dívida dos hospitais junto à Previdência; os Certificados da Dívida Pública (CDP), resgatados junto ao Tesouro Nacional. (Trata-se de pagamento de dívidas através de títulos emitidos pela União. Os títulos, adquiridos em leilão, geralmente com deságio, são utilizados para pagamento ao INSS pelo valor de face.) O Fundo de Incentivo ao Ensino Superior (FIES), repasse ao INSS da dívida das Universidades junto à Previdência, creditado através do FIES; o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), instituído pela Lei nº. 9.994, de 10/04/2000, alterada pela Lei nº 10.189 de 14/02/2001, que promove a regularização dos créditos da União decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria de Receita Federal e pelo INSS; os Depósitos Judiciais/Extrajudiciais, recolhimento em GPS ou repasse à STN, sendo que a Lei nº 9.703/98 obriga ao depósito de 30% da parcela do crédito previdenciário das pessoas jurídicas que ingressarem com ações contra a Previdência; a Quitação de débitos administrativos ou judiciais não incluídos nos programas de recuperação acima mencionados; os Parcelamentos Convencionais, pagamento parcelado de débitos administrativos ou judiciais não incluídos nos programas de recuperação acima mencionados; as Amortizações de Débitos – Retenção FPM/FPE: retenção do Fundo de Participação dos Municípios ou do Fundo de Participação dos Estados para amortização de dívidas com o INSS, dos Municípios, Estados e Distrito Federal, e respectivas autarquias e fundações. Outras Receitas.

Revista de conjuntura

15

tão relacionadas à contribuição sobre folha de salários ou aos rendimentos do trabalho, seja de forma direta, seja através de instrumentos contributivos simplificados para as micro e pequenas empresas, da renegociação e/ou quitação de dívidas, exceção feita para a contribuição dos produtores rurais, dos clubes profissionais de futebol e das outras receitas, em que é adotada outra base de contribuição. Mesmo que de grandes conseqüências para a execução das políticas públicas, a identificação das “receitas previdenciárias” constitui apenas uma decisão administrativa do Executivo Federal. Ela é desprovida de explícito respaldo no texto da CF e nas Leis de Custeio e de Benefícios da PS (Leis nos 8.212 e 8.213, de 1991). Os dirigentes do Ministério apresentam justificativas pobres para sua definição, a saber: (a) essa seria “prática histórica” do Ministério; e (b) o inciso XI do art. 167, que proíbe a utilização da contribuição de empregados e empregadores incidente sobre a folha de salários, prevista pelo Orçamento da SS, para pagamentos diferentes dos benefícios previdenciários do RGPS. No entanto, falta fundamento à interpretação ministerial de que esse inciso impediria a utilização das demais receitas do OSS para o pagamento de benefícios da PS. Se, de um lado, o inciso IV do art. 50 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04/03/2001) dispõe que: “as receitas e despesas previdenciárias serão apresentadas em demonstrativos financeiros e orçamentários específicos”, por

jan/mar de 2006


“Segregar contabilmente o RGPS da Seguridade Social possibilita produzir os superávits da SS mais expressivos, tendo por principal conseqüência devolver ao Governo Federal aquela liberdade na utilização dos “recursos sociais”, impedida pela introdução de Orçamento específico da SS”. outro lado, também essa lei complementar não define as receitas previdenciárias. Com base nas premissas expostas, o Ministério calcula e divulga mensalmente o resultado do RGPS, ou resultado previdenciário, definido pela diferença entre receitas e despesas previdenciárias desse regime. Quando esse resultado é positivo, é chamado de superávit; vice-versa, diz-se haver déficit. Essa definição do MPS alinha-se a uma concepção doutrinária conservadora de seguro social (próxima ao modelo bismarckiano), sem sintonia com a CF de 1988, que criou as contribuições sobre faturamento, lucro, movimentação financeira, e destinou parcela das receitas dos concursos de prognósticos para financiar a ampliação dos direitos sociais dos cidadãos, incluindo os previdenciários. Além de proporcionar um diagnóstico distorcido do equi-

líbrio financeiro da PS, essa definição de resultado do RGPS permite que o Ministério utilize as receitas “não-previdenciárias” da SS apenas para cobrir eventuais déficits do RGPS, legitimando a prática de não utilizá-las, por via-de-regra, para o custeio das despesas previdenciárias. 4. QUESTIONAMENTOS DA DEFINIÇÃO DE RESULTADO DO RGPS No debate nacional acerca da Previdência Social, a definição ministerial do resultado do RGPS tem sido objeto de contestações metodológicas de grande significado político. 4.1 A contestação da própria definição do resultado do RGPS Defendida principalmente pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social - ANFIP, a crítica mais contun-

Revista de conjuntura

16

dente questiona diretamente a legitimidade de segregar receitas previdenciárias e não-previdenciárias. Ilustrativa é a seguinte assertiva da ANFIP (2003, p. 29): “A Constituição Federal estabelece um processo múltiplo de financiamento da seguridade social, sem qualquer especialização.” (Grifo nosso.) Essa contestação inspira-se na defesa intransigente do Estado do Bem-Estar Social, em sintonia com a doutrina beveridgeana, pela qual a Previdência Social (PS) é parte integrante e indissolúvel da Seguridade Social (SS) e está comprometida com os princípios da universalização. Em função disso, o RGPS deve ser necessariamente financiado também pelo aporte de recursos públicos, sem que esse seja considerado extraordinário ou anômalo. Nessa linha interpretativa, não caberia calcular o resultado do RGPS, sendo que apenas o resultado da SS é previsto pela CF, entendido como a diferença entre suas Receitas e Despesas, conforme o disposto pelos artigos 194 e 195 da CF. Segregar contabilmente o RGPS da Seguridade Social possibilita produzir os superávits da SS mais expressivos, tendo por principal conseqüência devolver ao Governo Federal aquela liberdade na utilização dos “recursos sociais”, impedida pela introdução de Orçamento específico da SS. Com efeito, a falta de destinação planejadamente previdenciária das “outras receitas” do OSS (as das contribuições sociais COFINS, CSLL e CPMF) permite que o Executivo

jan/mar de 2006


limite sua utilização à cobertura do “déficit” do RGPS, gerando o superávit da SS, esse, sim, a ser utilizado livremente pelo Governo Federal. Em 2003, conforme informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI), as receitas de COFINS, CSLL, CPMF somaram R$ 96,91 bilhões, mas apenas R$ 62,40 bilhões financiaram a Seguridade Social, sendo que R$ 34,51 bilhões (35,61% do total) foram destinados a custear despesas do orçamento fiscal ou foram retidos no Tesouro. 4.2 A Contestação da Desvinculação de Receitas da União Entre os fatores que provocaram o déficit do RGPS em 2003 há também a subtração de recursos do OSS antes da apuração do resultado previdenciário. Isso ocorre em virtude da Desvinculação de Receitas da União (DRU), introduzida pela EC nº 27/2000 para o período de 2000 a 2003, art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT): “É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no período de 2000 a 2003, vinte por cento da arrecadação de impostos e contribuições sociais da União, já instituídos ou que vierem a ser criados no referido período, seus adicionais e respectivos acréscimos legais”. Tal desvinculação foi estendida para o período de 2004 a 2007, por meio da EC nº 42/2003 Enquanto dispositivo de desvinculação de receitas sociais de sua destinação constitucional, a DRU foi antecedida por meca-

nismos do mesmo gênero desde 1994, a saber: • o Fundo Social de Emergência (FSE), instituído pela EC de Revisão nº 1, de 1994, e que vigorou em 1994 e 1995; • o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), criado pela EC nº 10, de 1996, antes do término da vigência do FSE, previsto para os exercícios de 1996 e 1997, mas prorrogado até 31.12.1999, em virtude da EC nº 17, de 1997. Como instrumento de administração, a DRU permite uma prática de gestão de recursos públicos pouco transparente, pois, conforme o economista Eugênio Fraga (2000, p. 26), ao não criar nenhum fundo, “ainda, que somente contábil, como era o FEF”, implica que “o Executivo pode ver-se, agora, desobrigado de publicar o demonstrativo bimestral de execução orçamentária de que trata o § 3º do art.71 do ADCT”.

O impacto da DRU não é maior em função do inciso XI do art. 167 da Constituição, pelo qual só podem ser utilizadas para o pagamento dos benefícios do RGPS as contribuições sociais dos trabalhadores e empregadores sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho, bem como dos demais segurados da previdência social. Com base no parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212/91, que dispõe sobre a organização da seguridade social e seu plano de custeio, as receitas “previdenciárias” afetadas pela DRU são as contribuições sobre a comercialização rural e as dos clube de futebol. Em 2003, o impacto redutor da DRU sobre as receitas previdenciárias correntes foi de R$ 414 milhões, conforme ilustrado pela Tabela 1, reduzindo o valor do déficit do RGPS divulgado pelo MPAS, de R$ 26.405 milhões para R$ 25.991 milhões.

“O impacto da DRU não é maior em função do inciso XI do art. 167 da Constituição, pelo qual só podem ser utilizadas para o pagamento dos benefícios do RGPS as contribuições sociais dos trabalhadores e empregadores sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho, bem como dos demais segurados da previdência social”.

Revista de conjuntura

17

jan/mar de 2006


Tabela 1 - Receitas Previdenciárias Correntes em 2003 sem o impacto da DRU (em R$ milhões correntes) Realizado

Realizado sem DRU

Pessoa Física

3.932,80

3.932,80

SIMPLES - Recolhimento em GPS

2.644,90

2.644,90

SIMPLES - Repasse STN

3.393,60

3.393,60

Empresas em Geral

56.337,50

56.337,50

890,80

890,80

Órgãos Poder Público - Recolhimento em GPS

3.520,20

3.520,20

Órgãos Poder Público - Retenção FPE/FPM

3.283,50

3.283,50

21,60

27,00

Comercialização da Produção Rural

1.635,10

2.043,88

Retenção (11%)

Entidades Filantrópicas

Clubes de Futebol

4.778,10

4.778,10

Reclamatória Trabalhista

789,10

789,10

Outras Receitas

93,90

93,90

81.321,10

81.735,28

Total Fonte: INSS, em “Informe de Previdência Social”, janeiro de 2004, p.10 Elaboração Própria

Financeiramente, a DRU não provoca uma diminuição significativa das receitas previdenciárias. Entretanto, de um ponto de vista metodológico, ela fere a lógica administrativa que embasa a própria definição de resultado do RGPS, ao impedir que seja efetuada com clareza a identificação e a conseqüente segregação das receitas e despesas de natureza previdenciária. 4.3 A contestação aos benefícios “assistenciais” e subsídios Entre as principais explicações do resultado deficitário do RGPS, alguns analistas apontam as despesas com benefícios de natureza mais assistencial do que previdenciária e os subsídios pagos pelo INSS, mas que teriam origem em outras políticas públicas. Esse é o entendimento de Raul Velloso, economista e espe-

cialista em contas públicas, em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo” de julho de 2003. Ele defende a segregação das duas políticas públicas, com base na natureza contributiva que caracteriza a previdência social, mas que a assistência não possui. Velloso sustenta que a concessão de benefícios mínimos, em decorrência de uma “obrigação do Estado de dar às camadas menos favorecidas da população aquilo que elas não conseguem acumular”, constituiria assistência social, requerendo um tratamento específico e, por conseqüência, seria incorreto o registro desse tipo de programas juntamente com as receitas e as despesas do Regime Geral de Previdência Social. Em particular, são contestadas explicitamente a contabilização previdenciária das despesas decorrentes da inclusão no RGPS da previdência rural e a

Revista de conjuntura

18

adoção do salário mínimo como piso dos benefícios previdenciários. Para ele, tais despesas deveriam fazer parte apenas do OSS, sendo cobertas com recursos não previdenciários. Ao contestar a unificação da previdência urbana e rural e a uniformidade do piso dos benefícios (o salário mínimo), visa-se desfazer as principais mudanças introduzidas pela Constituição Federal de 1988, a partir de uma concepção de previdência social como seguro, que, mesmo administrado pelo Estado, deveria ser gerido em uma lógica privada e não universal. Se adotada apenas a principal proposta de alteração da metodologia de cálculo defendida por esta posição, ou seja, a segregação da previdência rural do RGPS, haveria forte redução do déficit do RGPS de 2003, que ficaria em apenas R$ 8,20 bilhões

jan/mar de 2006


(foi de R$ 26,40 bilhões). Esse resultado é obtido subtraindo das “despesas previdenciárias” os R$ 20,91 bilhões de benefícios previdenciários rurais daquele exercício, e das “receitas previdenciárias” o R$ 1,64 bilhões, que corresponde às contribuições sobre a comercialização rural de 2003. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 5.1 Pela importância do resultado do RGPS na avaliação da previdência social brasileira, a definição desse indicador deveria ser efetuada por meio de lei, que é um instrumento transparente e não facilmente mutável, e que requer um amplo debate por parte dos representantes da sociedade nacional. 5.2 A definição ministerial de resultado do RGPS não segue as definições introduzidas em 1988 na Constituição Federal, que avançou no desenho das políticas sociais, adotando como referência a Seguridade Social, com orçamento próprio. Pelo contrário, segue uma lógica conservadora, inspirada na concepção bismarckiana de seguro social, que força o equilíbrio financeiro do sistema, com base quase exclusiva nas contribuições sobre folha de salário. 5.3 Sem adequada base legal e em parcial contradição com a Constituição Federal de 1988, o resultado previdenciário do MPS é altamente questionável. Essa situação desqualifica a utilização desse indicador como principal elemento para a definição de política social do Governo Federal. 5.4 O MPS ignora as fragili-

dades doutrinárias e legislativas de seu indicador, e trata do assunto sem isenção, ao divulgar mensalmente com grande ênfase o déficit do RGPS (R$ 26,99 bilhões, em 2003) e ao omitir sistematicamente o resultado superavitário da SS (R$ 31,73 bilhões, em 2003), mesmo que este último tenha uma clara e incontestável definição constitucional. A falta de transparência e o viés ideológico dessa prática não cabem, a nosso ver, na administração pública de um Estado democrático. Com efeito, essa postura não é sem conseqüências: • permite ao Executivo federal utilizar receitas do OSS para custear despesas do Orçamento Fiscal ou para gerar superávits primários; • impede a discussão acerca da trajetória crescente das alíquotas de contribuição previdenciária nacional ao longo do século XX. Elas passaram dos 3% de 1923 para os 8% de 1960, até

atingir o patamar de 11% do lado do trabalhador e 20% do lado do empregador (em vigor desde julho de 1989). Essas alíquotas são entre as mais elevadas no cenário mundial (nos EUA elas são de 6,2%, na Alemanha, de 9,3% e no Japão, de 8,25%). 5.5 Os recursos para as políticas sociais são reduzidos também por meio da Desvinculação de Receitas da União, que fere a principal premissa na definição do resultado do RGPS, ou seja, a identificação e a segregação de receitas e despesas previdenciárias. 5.6 A proposta de que o resultado do RGPS seja apurado expurgando as receitas e as despesas daquela parte da previdência social “sem natureza contributiva”, a nosso ver, fundamenta-se em uma visão limitada, que não aceita a lógica pública e universal da previdência social. Em particular, essa proposta discrimina entre aqueles que podem

“Os recursos para as políticas sociais são reduzidos também por meio da Desvinculação de Receitas da União, que fere a principal premissa na definição do resultado do RGPS, ou seja, a identificação e a segregação de receitas e despesas previdenciárias”.

Revista de conjuntura

19

jan/mar de 2006


custear seu benefício e os demais, eliminando em boa medida o caráter redistributivo da Previdência Social. A bem da verdade, é importante registrar que essa posição é defendida por alguns economistas, mas não recebeu apoio do Ministério, nem no atual governo federal nem no anterior. 5.7 A um Governo que se elegeu com base nas bandeiras de combate à pobreza e à concentração de renda, cabe alertar que a

Previdência Social constitui-se no maior programa social do País e que a atual definição ministerial de seu resultado acaba apresentan-

do-a artificialmente como insustentável, abrindo o caminho para retrocessos nas políticas sociais do Estado brasileiro.

* Luciano Fazio

Matemático e especialista em Previdência pela FGV-Brasília. O autor agradece ao economista Evilásio Salvador pelas contribuições críticas na elaboração do texto.

Referências Bibliográficas ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Alternativa de financiamento (uma contribuição para o debate). In: Ministério da previdência Social. Base de Financiamento da Previdência Social. Brasília: 2003, p. 271 ________________________________________________________________________. Análise da Seguridade Social em 2003. Brasília: ANFIP, 2004, p. 31 BEVERIDGE, Sir William. O Plano Beveridge: Relatório sobre o Seguro Social e Serviços Afins. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1943, p. 458 FRAGA, Eugênio. A DRU e as Receitas Sociais Vinculadas. Revista de Conjuntura. Brasília. Ano I. nº 01, p.26-35, jan./mar.2000. Ministério da Previdência Social. Saldo Previdenciário e Arrecadação. In: Informe de Previdência Social. Vol. 16 nº 01. Ministério da Previdência Social, jan. 2004, p.09-15. PINHEIRO, Vinícius C.; ARRUDA, Geraldo A.; SANTANA, Rafael L. Previdência Social em 2001. In: Informe de Previdência Social. Vol. 14 nº 01. Ministério da Previdência e Assistência Social, jan. 2002, p.01-15. SEMINÁRIO INTERNACIONAL “PREVIDÊNCIA SOCIAL E PÚBLICA – DESAFIOS PARA SUA PRESERVAÇÃO”, 2001, Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2003, p.343. VELLOSO, Raul. INSS Não Tem Déficit, Afirma Economista. Folha de S.Paulo, São Paulo, 07 jul. 2003, p A6. Entrevista concedida a Cláudia Trevisan e Rafael Cariello.

Revista de conjuntura

20

jan/mar de 2006


ARTIGO

O Risco País, espoliação e submissão Maria Lucia Fattorelli Carneiro* Rodrigo Vieira de Ávila* Introdução Há anos, o Brasil tem adotado políticas econômicas e monetárias afinadas com o pensamento e os interesses neoliberais, visando conquistar a credibilidade dos mercados e agentes financeiros. Um dos instrumentos que aferem essa “credibilidade” é o chamado “risco-País”, arbitrado pelo banco JP Morgan e demais agências internacionais. Esse risco está associado à capacidade do país em responder aos encargos financeiros do seu endividamento – público e privado - e de assegurar a livre saída dos capitais estrangeiros no país. Embora seja costumeiramente apresentado como um índice objetivo, essa aferição carrega um alto grau de subjetivismo. É preciso ressaltar também que essa subjetividade envolve outros fatores além da capacidade de os países pagarem suas dívidas, como os interesses defendidos pelas próprias instituições que arbitram tal “risco”, não somente o interesse genérico do grande capital, mas ainda o interesse específico dos investimentos que essas

mesmas agências administram diretamente. Em janeiro deste ano, a mesma Morgan Stanley foi condenada numa ação reparatória, por ter divulgado relatório desfavorável à empresa LVMH, maior empresa de artigos de luxo do mundo. Conforme comprovado, a Stanley estava ajudando diretamente a empresa Gucci, rival da LVMH (vide Box).

Embora a condução da política econômica em nosso país tenha sempre correspondido às exigências do FMI e satisfeito, na prática, os interesses do grande capital - ou seja, o tal “risco” não se tenha implementado durante todos esses anos –, o país pagou caro, muito caro, pelas referências criadas por essas instituições. No entanto, em

Morgan Stanley é condenado Jornal do Brasil, 13 de janeiro de 2004

PARIS - O banco americano Morgan Stanley foi condenado ontem a pagar 30 milhões de euros (cerca de US$ 38 milhões) de indenização à LVMH, maior empresa de artigos de luxo do mundo, controladora de marcas como Louis Vuitton e Möet & Chandom, por ter produzido um relatório desfavorável à companhia. A sentença do juiz Gilbert Costes, do Tribunal de Comércio de Paris, foi considerada ‘’totalmente equivocada’’ pelo banco, que afirmou que vai recorrer da decisão. No julgamento de Costes, o Morgan Stanley cometeu ‘’grave falta em detrimento da LVMH, causando prejuízo moral e material à imagem’’ da empresa. O relatório, produzido por Claire Kent, analista mais respeitada para o setor, afirmava que as ações do grupo estavam superavaliadas e foi divulgado na época em que o banco ajudava a rival Gucci a rechaçar oferta de compra da LVMH.

Revista de conjuntura

Com agências Bloomberg e EFE

21

jan/mar de 2006


“Os credores alegam que esse adicional de juros serve para compensar o risco de não receberem de volta o que emprestaram para os países em desenvolvimento. Segundo esta “regra”, o risco aumentará sempre que as políticas dos governos forem desfavoráveis aos credores”. que pese o alto grau de sacrifício econômico e social a que foi induzido o País, não houve qualquer questionamento quanto à responsabilidade pelo procedimento dessas instituições, que tantos danos financeiros têm causado às nossas contas públicas, além do dano moral diante do receio provocado em eventuais investidores. O presente trabalho tem o objetivo de levantar questões preliminares, buscando embasar a formação de uma consciência que permita aos diversos países desvincular-se das amarras e restrições impostas pelas agências no processo de avaliação de risco. E –, por que não ?–, avançar ainda na formulação de ações reparatórias, a exemplo da que condenou a Agência Morgan Stanley, por ter submetido a sua avaliação a interesses que administrava. Em que consiste o “riscopaís”? O risco país é medido pela parcela adicional de juros a que o

devedor se submete em determinada operação, quando comparado a uma semelhante (mesmo valor e mesmas condições de prazo e pagamento) efetuada com o Tesouro norte-americano. Os credores alegam que esse adicional de juros serve para compensar o risco de não receberem de volta o que emprestaram para os países em desenvolvimento. Segundo esta “regra”, o risco aumentará sempre que as políticas dos governos forem desfavoráveis aos credores. A medida deste “risco” é apresentada na abertura dos principais noticiários com tamanha importância que faz parecer que toda a economia doméstica, na imensa maioria dos lares do país, está aplicada em títulos brasileiros que circulam no mercado internacional. A verdade é bem diferente. O massacre de informações sobre o desempenho das bolsas, dos mercados futuros e sobre as cotações dos títulos e o risco-país demonstra o grau de financeirização da nossa economia, e como

Revista de conjuntura

22

a mídia quer fazer parecer que essas informações encontram-se dentre as mais importantes para o conhecimento e o domínio geral. Essa economia que a mídia traduz não é a economia do emprego, da produção, da renda, enfim, da chamada “economia real”. A mídia traduz as informações da economia da especulação, dos ganhos financeiros. Essas notícias são veiculadas para que as pessoas julguem o seu próprio governo pela queda do risco-país e pela subida das bolsas, e não pelo aumento no desemprego ou pela queda do PIB, e ainda não percebam como esse novo modo de total liberdade para a circulação de bens e de capitais levou ao aumento da desigualdade social, à precarização do trabalho, à fome e à miséria. O propósito dessa hierarquização de valores é o de submeter os governos e a sociedade aos interesses do grande capital financeiro. Aparentemente, a análise que compõe o risco-país atende a critérios objetivos, pautados na percepção do mercado financeiro sobre as dificuldades que o país apresenta para honrar os seus compromissos internacionais, não só relativos ao seu endividamento, como também as que derivam dos investimentos estrangeiros que ele abriga. Porém, essa avaliação é bem mais ampla e envolve ainda outros fatores. De fato, todo ano, os juros impostos ao Brasil pelos credores são bem maiores que os exigidos por estes mesmos credores ao governo dos Estados Unidos. No gráfico adiante, verifica-se que o componente-risco responde pela maior parte da taxa de juros exigidos pelos credores.

jan/mar de 2006


Mas o sobe-e-desce do risco não consegue ser explicado somente a partir desse “temor” dos credores. O dinheiro, embora uma mercadoria especialíssima, também está sujeito a eventos de excesso de oferta ou de demanda. Ao longo de 2002, por exemplo, ainda sob o rescaldo das fraudes nas bolsas nos EUA e na Europa, os investidores, que estavam recompondo suas perdas, retraíram as suas remessas aos países dependentes. Esse movimento contracionista do crédito e de aversão ao risco elevou o prêmio pago por todos os tomadores, independentemente de suas condições objetivas ou de como elas eram percebidas pelos donos do dinheiro. Em sentido contrário, em 2003, os baixos juros praticados pelos países centrais, muitas vezes incapazes de cobrir a própria desvalorização da moeda, aumentaram substancialmente a disponibilidade de créditos e, como que por milagre, os riscos dos diversos países caíram, não só no Brasil, como em países que recentemente

suspenderam pagamentos relativos a suas dívidas, a exemplo do México, Coréia, Tailândia, Indonésia, Rússia e Uruguai. Mesmo o risco da Argentina, em plena moratória, caiu. O gráfico 2 mostra essa evolução. A linha mais escura (“Embi+”) significa o risco dos países emergentes, calculado pelo Banco JP

Morgan, a partir da média dos riscos de diversos países, média essa ponderada de acordo com a participação de cada país no mercado internacional de títulos. Temos também uma tabela que mostra a redução significativa em 2003 dos riscos de todos os países que compõem o cálculo do banco JP Morgan.

Nota: neste gráfico o risco está medido por pontos básicos, o que significa os juros vezes 100. Ou seja: um risco de 500 significa que o país deve pagar uma taxa de juros de 5% acima da taxa paga pelos títulos americanos.

Revista de conjuntura

23

jan/mar de 2006


Tabela 1 - Variação percentual do Risco-país em 2003, em pontos básicos

Variação Anual do Risco País País 1 Brasil 2 Nigéria 3 Egito 4 Ucrânia 5 Polônia 6 Marrocos 7 Malásia 8 Equador 9 Turquia 10 Peru 11 Venezuela 12 Rússia 13 EMBI + 14 África do Sul 15 México 16 Bulgária 17 Colômbia 18 Panamá 19 Filipinas 20 Argentina

Risco Jan2003

Risco Dez2003

Variação no ano

1438 2215 383 668 178 390 166 1796 687 606 1119 472 759 233 324 288 640 439 524 6355

463 733 138 258 69 160 71 799 309 312 593 257 418 142 199 177 431 335 415 5739

-67,8% -66,9% -64,0% -61,4% -61,2% -59,0% -57,2% -55,5% -55,0% -48,5% -47,0% -45,6% -44,9% -39,1% -38,6% -38,5% -32,7% -23,7% -20,8% -9,7%

Tabela retirada do Relatório Mensal do Risco País, da Global Invest, dez/2003 Nota: nesta tabela o risco está medido por pontos básicos, o que significa os juros vezes 100. Ou seja: um risco de 500 significa que o país deve pagar uma taxa de juros de 5% acima da taxa paga pelos títulos americanos.

Gráfico 3

Revista de conjuntura

24

Logo, verifica-se que a oscilação do risco-país é explicada pela disposição dos credores a direcionarem seus capitais aos países do 3o Mundo, e não pela execução de determinadas políticas pelos governos dos países devedores. O gráfico 3 mostra essa correlação nitidamente. Nele é comparado o índice do risco dos países emergentes com o fluxo de capitais para estes países. Vê-se que o fluxo apresenta um comportamento exatamente inverso ao do risco. Evidencia-se assim a correlação inversa entre o risco estipulado para os países emergentes e o fluxo de capital para estes últimos. Quando os países apresentavam risco inferior a 6% (até meados de 1998), havia fluxo positivo de recursos. Desde então, o fluxo é eminentemente negativo. É marcante também o exemplo do ocorrido em abril de 2004, quando a simples ameaça de alta das taxas de juros norteamericanas, que tenderia a tornar mais escassa a oferta de recursos para os países “emergentes”, fez as agências JP Morgan, Citigroup e Merril Lynch rebaixarem a classificação dos títulos brasileiros. Portanto, podemos dizer que o risco apurado guarda maior correlação com os eventos da conjuntura internacional do que com questões específicas de cada país. A exigência do pagamento do risco não encontra amparo em normas de direito internacional e também não obedece a uma lógica ou coerência matemática, pois todos os compromissos têm sido cumpridos religiosamente, sendo o Brasil um dos maiores remuneradores do capital estrangeiro durante todos estes anos. O

jan/mar de 2006


“risco”, determinado pelo banco JP Morgan e algumas agências internacionais, é mais uma criação artificiosa e serve de instrumento para a cobrança desse adicional. Se jamais se implementou, por que continuar a pagar esse adicional? Na verdade, este tem sido um mecanismo oneroso, que contribui para o crescimento descontrolado da dívida externa. A Chantagem Mas o risco não nos afeta somente no lado financeiro. O Risco-país funciona, também, como uma forma de chantagem aos governos, forçando-os a adotar as políticas adequadas aos credores. O Gráfico 1 aponta uma brusca elevação do “risco-Brasil” no período pré-eleitoral, no 2o semestre de 2002, quando o então candidato à Presidência da República, Lula, subia nas pesquisas eleitorais. Para condicionar o comportamento deste candidato favorito, o “mercado” passou a exigir altas taxas de juros para comprar títulos de nossa dívida. Assim, em 25 de junho de 2002, quando o riscopaís já atingia níveis altíssimos, Lula divulga a chamada “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual disse expressamente:

dente, prosseguiu cumprindo a mesma política econômica, de forma ainda mais ortodoxa, com superávits primários mais elevados e remuneração ainda mais generosa aos investidores, aquela avaliação de risco configurou-se totalmente equivocada. Entretanto, ela provocou uma série de conseqüências para o País, que teve sua dívida aumentada, dificuldade de colocação de seus títulos no mercado financeiro, foi empurrado para o oneroso acordo com o FMI (setembro/2002), que por sua vez pautou política e economicamente a agenda do País com as reformas da Previdência, Tributária, Lei de Falências, independência do Banco Central... Todos estes custos tiveram de ser arcados pelo País. E as agências que se equivocaram? Os juros internos brasileiros: por que tão altos? Tão importantes quanto o adicional de risco que onera nossa dívida externa, as altas taxas de juros que incidem sobre nossa

dívida interna também causam enormes danos às contas públicas. A fim de atrair o capital estrangeiro, o Brasil vem praticando uma das maiores taxas de juros do mundo. Até Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, dizia que a taxa de juros interna do Brasil deveria ser alta o suficiente para atrair os investidores internacionais. Portanto, deveria cobrir os juros pagos pelo governo americano, o risco Brasil e a desvalorização cambial, evitando que os investidores preferissem destinar seu dinheiro a outros países. Porém, se observarmos o gráfico a seguir, veremos que tal raciocínio não se sustenta. A linha mais clara representa os juros efetivamente praticados pelo Banco Central, enquanto a linha mais escura (Selic - GF, em referência à estimativa de Gustavo Franco) representa a soma do risco-país, desvalorização cambial e juro americano. No período de 1995 a 1998, a taxa de juros supera e muito esse conjunto de variáveis.

“Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos.” Apesar disto, o risco-país continuou a subir, apenas tendo baixado em novembro, após as eleições. Ora, se o referido candidato, ao eleger-se e tornar-se presi-

Fonte: Banco Central, FED e JP Morgan Selic: acumulada no mês anualizada Selic GF: soma do risco-país, desvalorização cambial anual e juro americano

Revista de conjuntura

25

jan/mar de 2006


Com as crises do México (virada de 1994/95), Ásia (1997) e Rússia (1998), a taxa Selic foi aumentada a níveis que dificilmente são explicados por qualquer teoria. Com que critérios o Banco Central elevou os juros àqueles níveis, o que levou o País a ter uma dívida pública impagável? Em 1998, os credores já detinham uma quantidade considerável de títulos indexados ao câmbio. A forte desvalorização cambial que se avizinhava (e que realmente ocorreu em 1999) levou o governo a ofertar maciçamente títulos indexados à variação do dólar, para eliminar o risco dos capitais estrangeiros detentores de títulos da dívida interna brasileira. Portanto, no período de 1999 a 2002, apesar de as taxas de juros se encontrarem abaixo dos juros projetados por Franco, as taxas efetivamente pagas pelo Brasil foram bem maiores, pois se cobriu, aos in-

vestidores, a variação cambial. E, finalmente, em 2003, voltamos a experimentar taxas de juros excessivamente altas, face à valorização da moeda nacional. Desta forma, caso a explicação de Franco fosse correta, deveríamos ter praticado taxas de juros negativas, uma vez que houve uma valorização de 21% do real frente ao dólar em 2003. Porém, prosseguimos com uma das taxas de juros mais altas do mundo. Mas, afinal, por que nossas taxas de juros são tão altas? Nos últimos anos, a política de juros tem-se prestado a vários fins, como o atingimento das metas inflacionárias, a atração do capital externo e a geração de superávits na balança comercial através da recessão, que comprime as necessidades de importação e desvia a produção interna para as exportações. Desta forma, raros são os momentos em que há espaço para a queda da taxa.

“Segundo o DIEESE, a inflação acumulada nos primeiros 8 anos do Plano Real (jul/94 a jun/2002) foi de 126%. Porém, se tomarmos apenas os preços deter-minados em condições de oligo-pólio, a inflação do período foi de 215,1%. Os preços administrados pelo governo subiram mais ainda: 238,1%, ou seja, quase o dobro da média geral de inflação”. Revista de conjuntura

26

No caso das metas inflacionárias, as altas dos juros reduzem a taxa de inflação à medida que comprimem a atividade econômica e, por conseguinte, a renda dos trabalhadores. Porém, este expediente é inócuo para o controle dos preços administrados pelo governo, e pouco eficaz na contenção dos preços formados em condições de oligopólio, que sobem bem mais que a taxa média de inflação. Segundo o DIEESE, a inflação acumulada nos primeiros 8 anos do Plano Real (jul/94 a jun/2002) foi de 126%. Porém, se tomarmos apenas os preços determinados em condições de oligopólio, a inflação do período foi de 215,1%. Os preços administrados pelo governo subiram mais ainda: 238,1%, ou seja, quase o dobro da média geral de inflação. Um estudo de 2002, do próprio Banco Central (“Os Preços Administrados e a Inflação no Brasil”, de Francisco Figueiredo e Thaís Ferreira), verificou que nada menos que 49,1% da inflação ocorrida de 1995 a 2002 foram devidos aos preços administrados, a despeito de esses possuírem um peso de menos de 30% no cálculo do IPCA. Desta forma, as taxas de juros são capazes de reduzir apenas uma pequena parte dos preços no país, ou seja, aqueles determinados em condições de concorrência. Por conseguinte, estas taxas devem ser mantidas em níveis bastante altos, para que os preços concorrenciais sejam fortemente reduzidos, na tentativa de manter a média geral da inflação dentro das metas estabelecidas. Assim, esta política monetária e cambial - altas taxas de juros para se tentar controlar a inflação e atrair capital externo para se

jan/mar de 2006


cumprir os compromissos externos – teve um custo: o aumento sem precedentes da dívida pública brasileira. O Risco-País realimenta a dívida Ao contrário de funcionar como um mecanismo de prevenção de crises da dívida, o mecanismo do risco, na verdade, realimenta o processo de endividamento. As políticas ditadas pelos investidores, tais como privatização e desnacionalização, juros altos – que alimentam a recessão –, e a liberdade de envio de lucros, juros e demais remessas para outros países tornam o país mais refém de seu endividamento e das avaliações de risco. Temos adiante outro gráfico, que demonstra como o Brasil, submetido a essa lógica, passou a remeter muito mais lucros e juros para o exterior após 1995, quando o modelo neoliberal foi aprofundado pelo governo Fernando Henrique. Para disponibilizarmos tamanha quantidade de divisas, temos de ampliar a captação de dólares. Nota-se, também, no gráfico, a alta remessa de juros na crise da dívida do início da década de 80, quando o País já se encontrava sob supervisão do Fundo Monetário Internacional. A imposição, pelos credores, da política de altos juros internos ocasionou o aumento exponencial da dívida interna, e a recessão que experimentamos, contribuindo para o crescimento da relação dívida/PIB. A imposição do riscopaís aos títulos da dívida externa também ocasiona, em última análise, o próprio crescimento descontrolado de nosso débito exter-

no, dificultando o pagamento por parte dos países endividados. Conclusão Por tudo isso, verifica-se que o Risco-país é mais um mecanismo de espoliação das riquezas dos países do Terceiro Mundo. Entendemos que, se o risco atribuído pelas “agências internacionais” não se efetivou, e temos sido os melhores e mais generosos remuneradores de capital do Planeta, o que pagamos a título de risco, ao longo das últimas décadas, foi INDEVIDO, e essas parcelas devem ser consideradas como pagamento antecipado do principal, abatendo o valor da dívida ou até sendo devolvidas. Por outro lado, há que se questionar o poder dessas agências in-

ternacionais de risco, bem como as regras para tais “cálculos”. A maior potência econômica do mundo é também o país mais endividado, e seu risco é considerado ZERO. Mesmo depois de os EE.UU. sofrerem violento ataque terrorista, e após repetidos anúncios de fraudes contábeis nos balanços das maiores corporações norte-americanas, VERDADEIROS ESCÂNDALOS ECONÔMICOS E FINANCEIROS, que causaram enormes prejuízos, tanto a investidores estrangeiros como aos próprios americanos, o risco-USA continua zero! Há muita inconsistência nesse parâmetro do risco-país, que tanto tem prejudicado o Brasil. A posição em que classificam o Brasil é ridícula, se comparada à nossa condição de excelente pagador. *Maria Lucia Fattorelli Carneiro

Auditora-fiscal da Receita Federal e Segunda-vice presidente do Unafisco Sindical

Revista de conjuntura

*Rodrigo Vieira de Ávila

Economista do Unafisco Sindical

27

jan/mar de 2006


C o n v ê n i o s d e Assistência e outros Atualizado em 10/02/2006

- Setor Comercial Sul, Brasília-DF, CEP 70.318-900 - Fone: (61) 3036-2780. E-MAIL: multi@multicopiasgrafica.com.br. Vantagens: desconto de 15% para pagamento a vista em todos os serviços oferecidos pela empresa.

NOVOS CONVÊNIOS •

Pousada Diamantina Avenida José Ferreira Ferro, 97, Bairro Praia do Morro Vermelho, na cidade de Guarapari-ES. 29.216-080. Fones: (27) 3361-5651. SITE: www.pousadadiamantina.com.br. E-MAIL: pousadadiamantina@ terra.com.br e pousadadiamantina@hotmail.com. Vantagens: 20% de desconto nas hospedagens sobre tarifa-balcão.

Sol Odontologia Integrada SRTVN Quadra 701, Conjunto C, Bloco “A”, Sala 426 – Centro Empresarial Norte – Asa Norte. Brasília-DF. Fone: (61) 3202-6858. E-mail: dutrasantana@hotmail.com. Vantagens: 30% de desconto sobre a tabela dos valores de referência para procedimentos odontológicos (VRPO) da ABO-DF (Associação Brasiliense de Odontologia). Especialidades elencadas para o convênio: prevenção, dentística, prótese, ortodontia, odontopediatria, cirurgia, endondotia. Obs: consultas com hora marcada.

Correio Braziliense SIG Quadra 02, número 340. Brasília-DF. Telefone: (61) 32141085/1092. Contato: Ana Paula Lacerda ou Rafaela Viana. E-MAIL: ana.lacerda@correioweb.com.br. Vantagens: descontos de até 39,99% na adesão a uma nova assinatura do Jornal.

Atlântica Hotels International – Metropolitan Flat Brasília SHN Quadra 02, Bloco H. Brasília-DF. 70710-300. Telefone: (61) 3961-3500. SITE: www.atlanticahotels.com.br. E-MAIL: reservas@ metropolitanflat.com.br. Vantagens: descontos acordados para os associados a toda a rede Atlântica Hotels, inclusive no Metropolitan Flat, de Brasília. Estão relacionados em arquivo, no site do CORECON-DF, em “convênios”. A Atlântica Hotels possui hotéis em Brasília-DF, São Paulo-SP, Recife-PE, Porto Alegre-RS, Londrina-PR, Fortaleza-CE, GoiâniaGO, Minas Gerais-MG, Espírito Santo-ES, Curitiba-PR, Aracaju-SE, Natal-RN, Macaé-RJ.

CONVÊNIOS RECENTES •

Structura Qualificação Profissional SAAN Quadra 02, Lote 105. Brasília-DF. Telefone: (61) 3202-4145. Contato: João Bosco Ribeiro (Coordenador BSB) ou Renata Lessa (Monitora BSB). SITE: www.fgvsp.br/gvnet. E-MAIL: structura@uol. com.br. Vantagens: descontos de 10% na inscrição para até dez associados; acima desse número será oferecido 20% de desconto.

GI & P – Escola de negócios SHS Qd. 06, Conjunto A, Bloco C, Sala 1.413, Ed. Brasil XXI – Setor Hoteleiro Sul - Brasília-DF. CEP 70.316-000. Telefax: (61) 39646404/05. SITE: www.grupogip.com.br. ou www.gipeducacao.com.br. E-MAIL: ursula@grupogip.com.br. ou ediralves@grupogip.com.br. Vantagens: descontos corporativos nas pós-graduações lato sensu e nos MBA’s, no percentual de 15% para até 5 alunos, de 20%, de 6 a 10 alunos, e de 25%, de 11 alunos em diante, em cada turma. Descontos também em todos os cursos livres de pequena média e curta durações que sejam abertos ao público, nos mesmos percentuais acima em relação aos respectivos preços cheios.

Clínica Odontológica Santiago Paiva Ltda SCS Quadra 04, Lote A, Número 49, Sala 502/504 - Edifício Embaixador - Setor Comercial Sul. Fone: (61) 3233-4092, 32231936 ou 3223-4469. Vantagens: 10% de desconto sobre a tabela dos valores de referência para procedimentos odontológicos (VRPO) da ABO-DF (Associação Brasiliense de Odontologia). Especialidades elencadas para o convênio: consultoria inicial, estética do sorriso, clareamento, prótese, ortodontia, odontopedíatria, cirurgia, endondotia. Obs: consultas com hora marcada.

Clínica Pediátrica 0 a 18 SEPS 710/910, Sala 326 - Centro Clínico Via Brasil - Asa Sul. Fone: (61) 3244-9329 ou 3442-8326. Vantagens: 40% de desconto nas consultas de pediatria geral e endocrinologia pediátrica, e 20% de desconto nas consultas de homeopatia pediátrica. Obs: consultas com hora marcada.

Theriaga - Farmácia de Manipulação W3 Sul Qd. 507, Bloco B, Lojas 09/10. Cep: 70.351-520. Fone: (61) 3443-4591 e Fax: (61) 3443-7126. Vantagens: compras de R$ 40,00 a R$ 89,00, 6% de desconto; compras de R$ 90,00 a R$ 159,00, 7% de desconto; compras acima de R$ 160,00, 11% de desconto. Obs: descontos não válidos para suplementos e medicamentos industrializados

IBEP - Instituto Brasil de Extensão e Pós-Graduação CLSW Qd. 301 Bloco “C”, Sala 61. Cep: 70.673-603. Setor Sudoeste. Fones: (61) 3341-2114 - Fax: (61) 3342-5668. SITE: www.ibepdf. com.br. E-MAIL: atendimento@ibepdf.com.br. Vantagens: preço especial para economistas regularmente registrados no curso de MBA em Empreendedorismo e Projetos Financeiros, que está disponível no site: www.corecondf.org.br/ convenios.asp (link para maiores informação no nome do curso) Obs: oportunidade de capacitação profissional. Todos os cursos possuem a disciplina Metodologia do Ensino Superior como opcional - 60h. Valor da matrícula para qualquer curso: R$ 110,00.

CONVÊNIOS RENOVADOS (benefícios adicionais) •

Ótica Paulo Santana Ltda SCLS 104, Bloco “C”, loja 01 - Asa Sul. Fone: (61) 3225-3288. Vantagens: 15% nas compras a vista sobre o preço de tabela. Faturamento pelo preço de tabela, com uma entrada mais quatro pagamentos, em 30, 60, 90 e 120 dias, sem acréscimo.

Associação dos Analistas e Profissionais de Investimentos do Mercado de Capitais - APIMEC SHCS CR QD 507 Bloco “C” Loja 21 – 2° Pavimento – Asa Sul – Brasília-DF. Fone: (61) 3443-4003. SITE: www.apimecdf.com.br. E-MAIL: apimecdf@apimecdf.com.br. Vantagens: para os economistas registrados e em dia com suas obrigações, descontos e/ou valores diferenciados em cursos, nas mesmas condições oferecidas aos próprios associados da entidade promotora.

Revitare – Centro de Estética Avenida W3 Sul, Qd. 516, Bl. “C”, Sl. 29. Fones: (61) 3245-3540 / 9103-3889. Vantagens: 20% de desconto para pagamento a vista nos tratamentos corporais; 10% de desconto para pagamento a vista no tratamento facial; ou, ainda, desconto de 10% para pagamento em até quatro vezes nos tratamentos corporais; avaliação corporal e facial grátis, e a primeira sessão de tratamento corporal grátis.

Instituto Mauá de Pesquisa e Educação Via EPTG CA Vicente Pires, 54, salas 101/132 - Taguatinga-DF. CEP 72.000-995 Fone: (61) 3397-5251. SITE: www.maua.com.br ; EMAIL: secretaria@mauadf.com.br. Vantagens: descontos de 20% sobre as mensalidades nos cursos de pós-graduação lato sensu.

CONVÊNIOS RECADASTRADOS •

Multicópias SCS Qd. 02, Bloco B, Sobrelojas 07 a 15 do Ed. Palácio do Comércio

Revista de conjuntura

28

Editora da UnB Fones: (61) 3226-7312 / 3226-6874. SITE: www.editora.unb.br. E-MAIL: livrariavirtual@editora.unb.br. Vantagens: 15% nas compras a vista em publicações da Editora UnB; 5% nas compras de publicações de terceiros (os descontos não se aplicam a produtos em promoção).

jan/mar de 2006

Mais informações no site: www.corecondf.org.br


Co n v ê n i o s d e Assistência e outros outr os •

Penna Fernandez, Safe Carneiro & Caldas Pereira Advogados Associados SHIS, QL 14, conjunto 07, casa 12, Lago Sul, Brasília/DF CEP: 71640-075. Fone: (61) 3364-3040 – E-MAIL: caldaspereira@calda spereira.adv.br. Vantagens: a banca oferece descontos progressivos na assinatura do Plano Corporativo de Assistência Jurídica. Hotel Mar del Plata, Praia Hotel e Victória Palace Hotel Av. Madre Maria Vilac, esq. Rua dos Eucaliptos, Canasvieiras - Florianópolis/SC. CEP 88.054-001. Ligações Nacionais: (48) 266-1949, 9982-0499. SITE: www.mardelplata.com.br e www. vitoriapalacehotel.com.br. E-MAIL: mardelplata@mardelplata.com.br . Vantagens: 20% de desconto no valor da tabela vigente no período de baixa temporada (15 de abril a 15 de dezembro), e desconto de 10% da tabela vigente no período de alta temporada (15 de dezembro a 15 de abril).

Hotel Quinta Santa Bárbara Situado à Rua do Bonfim, nº 1, Pirenopólis - Goiás. Fone: (62) 3311304. Vantagens: 20% para ocupações feitas no período de baixa temporada; 10% para ocupações feitas nos períodos de alta temporada, isto é, fins de semana, férias e feriados (os descontos não se aplicam às diárias de hospedagem em promoção).

Editora Contexto Cadastre-se no SITE: www.editoracontexto.com.br . E-MAIL: contexto@editoracontexto.com.br. Vantagens: 20% de desconto para livros de Economia.

Pousada Camelot Rodovia GO 118, Km 168, entrada da cidade de Alto Paraíso/ GO. Fones: (62) 3446-1581 (reservas) e 3446-1449. SITE: www. pousadacamelot.com.br. E-MAIL: pousadacamelot@pousadacamel ot.com.br. Vantagens: 15% de desconto nas hospedagens pelo preço de balcão a todo associado acompanhado de seus dependentes.

Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) Vantagens: as publicações encontram-se à disposição no CORECON-DF, com 30% de desconto para economistas em dia.

Instituto de Cooperação e Assistência Técnica da Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal – ICAT/AEUDF Fone: 3224-2905. SITE: www.aeudf.br . Vantagens: 10% de desconto nos cursos de pós-graduação.

Rede de Drogarias Rosário Fone: (61) 3212 1000. Vantagens: 8% de desconto pela tabela da Drogaria Rosário.

Convênio de cooperação e parceria CORECON-DF / CRA-DF Cooperação e parceria visando à soma de esforços e recursos, com o objetivo de promover a realização de cursos para os associados. Matrículas nas mesmas condições dos associados dos respectivos Conselhos.

Hotel Manhattan Plaza SHN Quadra 02 Bloco “A” - Setor Hoteleiro Norte/Asa Norte. Fone: (61) 3319-3543 e Fax: (61) 3328- 5685 (Manhattan Plaza Hotel) SITE:www.manhattan.com.br. E-MAIL:reservas@manhattan.com.br. Vantagens: 54% de desconto de 2ª a 6ª-feiras sobre a tarifa-balcão e 62% de 6ª a 2ª-feiras sobre a tarifa-balcão para os economistas de todo o Brasil registrados e em dia com suas obrigações, bastando para tal benefício apresentar sua carteira profissional. Hotel Kubitschek Plaza SHN Quadra 02 Bloco “E” - Setor Hoteleiro Norte/Asa Norte. Fone: (61) 3319-3543 e Fax: (61) 3328- 9366 (Kubitschek Plaza Hotel). SITE:www.kubitschek.com.br E-MAIL:reservas@kubitschek.com.br .

Revista de conjuntura

29

Vantagens: 54% de desconto de 2ª a 6ª-feiras sobre a tarifa-balcão e 62% de 6ª a 2ª-feiras sobre a tarifa-balcão para os economistas de todo o Brasil registrados e em dia com suas obrigações, bastando para tal benefício apresentar sua carteira profissional. •

Hotel Alvorada SHS Quadra 04 Bloco “A” - Setor Hoteleiro Sul/Asa Sul. Fone: 33221122. SITE: www.alvoradahotel.com.br. E-MAIL: reservas@alvoradahotel. com.br. Vantagens: 20 % de desconto na alta temporada sobre a tarifabalcão e 30% de desconto sobre a tarifa-balcão em baixa temporada para os economistas de todo o Brasil registrados e em dia com suas obrigações, bastando para tal benefício apresentar a carteira profissional.

Aracoara Hotel SHN Quadra 05 Bloco “C” - Setor Hoteleiro Norte/Asa Norte. Fone: (61) 3424-9222 e Fax: (61) 3424-9200 SITE: www.aracoara.com.br. E-MAIL: hotel@aracoara.com.br. Vantagens: 40% de desconto de 2ª a 6ª-feiras sobre a tarifabalcão e 50% de desconto de 6ª a 2ª-feiras sobre a tarifa-balcão. Essas vantagens são oferecidas aos economistas de todo o Brasil registrados e em dia com suas obrigações, bastando para tal benefício apresentar sua carteira profissional.

Hotel Porto da Ilha Rua Dom Jaime Câmara, 43 - Florianópolis/SC. Fone: (48) 33220007. SITE: www.portodailha.com.br. E-MAIL: hotelpi@matrix.com.br. Vantagens: descontos: 25% de segunda a sexta-feiras, e 28% sábado e domingo, sobre o valor da diária, com apresentação da carteira de identidade profissional.

Cambirela Hotel Av. Max Schramm, 2199 - Florianópolis/ SC. Fone: (48) 281-3100. SITE: www.cambirela.com.br . E-MAIL: cambirela@amauri.com.br . Vantagens: desconto: 30% sobre o valor da diária de balcão vigente, com apresentação da carteira de identidade profissional.

Baía Norte Palace Hotel Av. Rubens de Arruda Ramos, 220 - Florianópolis/SC. Fone: (48) 229-3144. SITE: www.baianorte.com.br . E-MAIL: reservas@baianorte.com.br . Vantagens: desconto de 25% sobre o valor da diária, com apresentação da carteira de identidade profissional.

Hotel Coronel Bertaso Av. Getúlio Dorneles Vargas, 52-S - Chapecó/SC. Fone: (49) 3224444. SITE: www.hotelbertaso.com.br. E-MAIL: reservas@hotelbertaso. com.br . Vantagens: desconto de 20% sobre o valor da diária, com apresentação da carteira de identidade profissional.

Coral Plaza Hotel Rua Felipe Schmidt, 1320 - Florianópolis/SC. Fone: (49) 225.6002. SITE: www.coralplaza.com.br. E-MAIL: coralplaza@westcoral.com. br . Vantagens: desconto de 40% sobre o valor da diária, com apresentação da carteira de identidade profissional.

Hotel Carlton SHS Quadra 05, Bloco “G” - Setor Hoteleiro Sul. Asa Sul. Tel: (61) 3224-8819 e Fax: (61) 3226-8109 (Carlton Hotel Brasília). SITE: www.carltonhotelbrasilia.com.br . E-MAIL: carlton@carltonhotel. com.br . Vantagens: desconto de 50% sobre as tarifas de hospedagembalcão de 2ª a 5ª-feiras e desconto de 60% sobre as tarifas de hospedagem-balcão de 6ª-feiras a domingos, com a apresentação da carteira de identidade profissional. Observação: sobre todas as tarifas acrescentar 10% de taxa de serviço.

jan/mar de 2006

Mais informações no site: www.corecondf.org.br


ARTIGO

Carga Tributária Federal Aumentou em 2005 Departamento de Estudos Técnicos do Unafisco Sindical*

1. A Secretaria da Receita Federal (SRF) divulgou o resultado da arrecadação das receitas federais de dezembro/2005. As receitas administradas pela SRF totalizaram R$ 347 bilhões em 2005, significando um crescimento real, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 8,02% em relação a 2004. Quando se incluem as receitas administradas por outros órgãos (exceto a receita previdenciária), a evolução real cai para 7,3%; mais do que o dobro do crescimento econômico projetado para 2005. Considerando a última estimativa do Produto Interno Bruto (PIB) do Ministério do Planejamento, de R$ 1,947 trilhão, a expectativa é de que a Carga Tributária Bruta federal tenha aumentado em 2005. O montante das receitas tributárias administradas pela SRF pelo conceito da arreca-

dação bruta, incluindo os acréscimos legais (multas,juros e correção monetária), evoluiu de 17% do PIB, em 2004, para 17,8% do PIB, em 2005. Com isso, a Carga Tributária Bruta federal totalizou 24,2%, em 2005, contra 23,6% do ano anterior. 2. A partir da divulgação dos resultados da arrecadação de dezembro/2005, é possível fazer uma análise do comportamento dos principais tributos arrecadados pela SRF em 2005, comparativamente com 2004. As receitas líquidas administradas pela SRF alcançaram o montante de R$ 333 bilhões, ou seja, 17,1% do PIB (previsão do PIB de R$ 1,947 trilhão). Esse resultado é superior ao planejado pelo governo para os próximos anos, de 16% do PIB. No início do ano, o governo previa uma receita de R$ 466,6 milhões em impostos

Revista de conjuntura

30

e contribuições federais, sendo R$ 316 bilhões de Receitas Administradas pela SRF (líquida de restituições e incentivos). Há, portanto, uma diferença de R$ 17 bilhões a maior, que pode ser explicada pelo desempenho da arrecadação do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e a não-concretização de perdas com a arrecadação do Imposto de Renda (IR) sobre a renda do trabalho. Importante ressaltar que, embora a estimativa de arrecadação tenha de ser conservadora para fazer face a eventuais imprevistos, essa prática de subavaliar a arrecadação permite ao governo uma grande margem de manobra para destinar seus recursos, uma vez que a arrecadação excedente é destinada, no Orçamento da União, a créditos adicionais. Paralelamente, o supe-

jan/mar de 2006


rávit primário de 2005 fechou bem acima da meta prevista pelo governo, com um resultado positivo de 4,97% do PIB, quando a meta oficial era 4,25% do PIB. 3. A receita com Imposto de Renda alcançou o montante de R$ 127,4 bilhões em 2005, representando cerca de 1/3 dos tributos arrecadados pela SRF. A receita com arrecadação do IRPJ das empresas (exceto setor financeiro) totalizou R$ 44,9 bilhões, um crescimento real de 25%, e, por conseguinte, a CSLL, que tem praticamente a mesma base tributável, apresentou crescimento real de 22%. O crescimento da arrecadação do IRPJ e da CSLL não se deve a uma maior tributação dos grandes lucros, pois não ocorreram modificações na legislação desses tributos. O que explica esse incremento na arrecadação é a extraordinária multiplicação dos lucros das empresas. A análise divulgada pela SRF revela que os setores de combustíveis, telecomunicações, extração de minerais metálicos, eletricidade, metalurgia básica e comércio atacadista apresentam crescimento real de 54%, pelo IPCA, no recolhimento de IRPJ e CSLL em 2005. Em relação ao desempenho econômico desses setores é possível constatar: a) que no setor de combustíveis, os altos preços do petróleo no mercado internacional (que atingiram cotações recordes em 2005) determinaram um aumento do lucro do setor. A Petrobras, por exemplo, aumentou seus lucros em 23% nos primeiros nove meses de 2005, em comparação ao mesmo período de 2004; b) no setor mineral, o aumento

“Os dados divulgados pela Receita revelam que o IRPJ recolhido pelas empresas financeiras cresceu em termos reais apenas 9,94% e a CSLL, 10,10%”. em 71% do preço do minério de ferro no mercado internacional, em maio de 2005, fez crescer o lucro das empresas do setor. Pelas projeções da Gap Asset Management, a Vale do Rio Doce deve encerrar o ano com lucro de R$ 12,5 bilhões, contra um lucro de R$ 6,4 bilhões em 2004; c) no tocante ao setor elétrico, a Consultoria Economática projeta para 2005 um lucro de R$ 8,32 bilhões, valor este 85% maior que o observado em 2004. O aumento nas tarifas e a queda do dólar influenciaram positivamente este resultado, haja vista que as duas grandes despesas do setor são indexadas à moeda americana: a compra de energia de Itaipu e as despesas financeiras, já que o setor é fortemente endividado em moeda estrangeira. O setor de telefonia também foi beneficiado pela queda no dólar e pelo aumento das tarifas; d) no setor siderúrgico, os lucros também aumentaram em relação a 2004. O aumento da demanda chinesa e americana provocou um aumento nos preços de todos os tipos de aço em mais de 50% em 2004. Um dos produtos mais ex-

Revista de conjuntura

31

portados pelo setor, a placa de aço, foi reajustado em 110% em 2004. 4. Apesar do aumento visível de lucros nos balanços dos bancos, a arrecadação de IRPJ desse setor é pequena em relação às demais empresas e às pessoas físicas, principalmente os trabalhadores assalariados. Os dados divulgados pela Receita revelam que o IRPJ recolhido pelas empresas financeiras cresceu em termos reais apenas 9,94% e a CSLL, 10,10%. Os bancos acumularam lucros de R$ 19,6 bilhões no período de janeiro a setembro de 2005, um aumento de 39% em relação a igual período de 2004, de acordo com os dados do Banco Central. O desempenho dos bancos privados nacionais, que acumularam R$ 11,6 bilhões de lucro, um crescimento de 42,5%, no mesmo período, foi superior à média do setor financeiro. Os resultados dos bancos são influenciados pelos elevados juros praticados no Brasil, o que assegurou R$ 64 bilhões no resultado da intermediação financeira, no período de janeiro a setembro de 2005. Os bancos recolheram de Imposto de Renda apenas R$ 7,5 bilhões, en-

jan/mar de 2006


quanto os trabalhadores pagaram, em 2005, R$ 44 bilhões em IR (IRPF mais IR sobre rendimentos do trabalho), representando 15% da receitas administradas pela SRF. O montante de tributos pagos pelo setor bancário atingiu R$ 18 bilhões, representando apenas 5% da arrecadação SRF. Portanto, os trabalhadores pagaram, em 2005, três vezes mais tributos que todo o setor financeiro da economia. 5. A arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre os Rendimentos do Trabalho alcançou o montante de R$ 36,6 bilhões, um aumento real de 6,4%. Esse desempenho, ao que tudo indica, deverá superar o crescimento real da massa salarial dos empregados com carteira de trabalho assinada nas principais regiões metropolitanas do País. O último dado disponível da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE (outubro/2005) mostra crescimento real da massa salarial, no período de janeiro a outubro de 2005, de 5,03% em relação ao mesmo período do ano anterior. A publicação “Indicadores Industriais da Confederação Nacional da Indústria (CNI)” do mês novem-

bro/2005 revela que a massa real de salários pagos pela indústria de transformação registrou no acumulado entre janeiro e novembro de 2005, ante o igual período de 2004, a expansão de 8,20%. Neste momento em que setores organizados da sociedade debatem a correção da tabela do Imposto de Renda (IR), cuja defasagem pelo IPCA é de 57,66% (1996 a 2005), é importante lembrar o posicionamento da SRF contra o reajuste de 10% na tabela do IR para 2005, alegando uma “perda de arrecadação” de R$ 2,5 bilhões. Na prática, em 2005, a arrecadação do Imposto de Renda sobre a renda do trabalho cresceu R$ 2,2 bilhões, já descontada a inflação do período, representando 10% das receitas administradas pela SRF. 6. A arrecadação com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) alcançou o montante de R$ 27 bilhões, em 2005, respondendo por 7,6% do total das Receitas Administradas pela SRF. Mas o desempenho não foi homogêneo no conjunto dos setores econômicos que sofrem incidência do IPI. Enquanto o IPI vinculado à importação decresceu 4,28%, graças à queda de 16,77% na taxa

Revista de conjuntura

32

média de câmbio, o IPI sobre automóveis evoluiu, em termos reais, 18,1%, influenciado pelo aumento de 8,1% no volume de vendas ao mercado interno. O IPI sobre bebidas cresceu, em valores reais, 9,9% refletindo, de acordo com a Receita Federal, o crescimento da arrecadação no segmento de cervejas e chopes. Os dados da indústria de cerveja revelam um crescimento de vendas de cervejas ao mercado interno de 6%, enquanto a arrecadação de IPI, em valores correntes, sobre a fabricação de cervejas/chopes foi 14,9%. A SRF credita o desempenho à obrigatoriedade de instalação dos medidores de vazão. O IPI sobre a fabricação de refrigerantes/refrescos decresceu, em valores correntes, 11,8%. O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) estima que a sonegação na indústria de refrigerantes chegue a 30% do volume produzido, o equivalente a R$ 620 milhões por ano. 7. Uma questão que tem sido pouco comentada nas análises divulgadas pela SRF é a arrecadação do Programa de Recuperação Fiscal (Refis) e do Parcelamento Especial (PAES). O Refis foi lançado em 2000, em meio a um processo de ajuste das contas públicas bra-

jan/mar de 2006


sileiras, e objetivando o aumento da arrecadação de qualquer forma. Com um ativo em torno de R$ 150 bilhões, devido à Receita Federal e ao INSS — incluída a dívida ativa —, a União implementou um pródigo programa de refinanciamento dos débitos com a Receita Federal e com o INSS. O governo alegava que era necessário socorrer empresas devedoras do Fisco, sobretudo as de pequeno porte. O resultado do Refis é um fracasso: das 129.166 empresas que optaram pelo refinanciamento, permanecem no Programa atualmente apenas 25.487, considerando as exclusões e reinclusões por medida judicial. Isso porque não pagaram a sua dívida. De forma que 80% das empresas foram excluídas do Refis, especialmente as pequenas. O prazo médio dos parcelamentos é de 140 anos. A arrecadação tem sido insignificante em 2005: apenas R$ 966 milhões, incluindo os créditos da SRF/PGFN e do INSS. Em 2004, a arrecadação do Refis foi de apenas R$ 1,1 bilhão e do PAES, R$ 2,7 bilhões. Na realidade, se o Refis foi concebido para alongar e liquidar o passivo tributário das pequenas e médias empresas, virou na prática uma ferramenta de planejamento tributário de grandes empresas. 8. A despeito das dificuldades econômicas de 2005, a arrecadação de impostos continua quebrando todos os recordes históricos, cresceu o dobro da economia (o PIB deverá registrar um crescimento abaixo de 3%) e reforça a injusta estrutura tributária brasileira. O Estado brasileiro é financiado principalmente pelos trabalhadores assalariados e pelas classes de menor poder aquisitivo, que são

responsáveis por 64% das receitas com impostos e contribuições arrecadados pela SRF. A população de baixa renda suporta uma elevada tributação indireta: 52% da arrecadação federal advêm de impostos cobrados sobre o consumo, ou seja, 10% do PIB. Os trabalhadores brasileiros recolheram em imposto de renda (IRPF mais IR sobre a renda do trabalho), em 2005, 12% da receita federal (exceto previdência), equivalendo a 2,3% do PIB. Esse excesso de arrecadação nos mostra que é um bom momento para a sociedade repensar os privilégios tributários concedidos nos últimos anos às rendas do capital, bem como rever a sua política de tributar excessivamente os trabalhadores assalariados e a população de baixa renda. Somente com a renúncia fiscal da dedução dos juros sobre o capital próprio das empresas, do lucro tributável do IRPJ e da CSLL, o Estado deixou de arrecadar R$ 3,7

bilhões em 2005. De acordo com os dados do Banco Central, as remessas líquidas de lucros e dividendos de multinacionais bateram recorde em 2005, atingindo US$ 12,7 bilhões, maior montante desde 1947. Essa situação só é possível devido à alta rentabilidade com os juros reais, o câmbio apreciado, a isenção de Imposto de Renda sobre remessas para o exterior, e a isenção de lucros e dividendos distribuídos. Convertendo o valor de US$ 12,7 bilhões à taxa de câmbio de R$ 2,34 (30/12/2005), chega-se ao montante de R$ 29,7 bilhões, que, se fossem tributados a uma alíquota de 15% (que vigorou até 1996), possibilitariam uma arrecadação tributária de R$ 4,5 bilhões. Enquanto isso, a tabela do Imposto de Renda, que chegou a isentar de imposto trabalhadores com renda de até 10,5 salários mínimos, em 1995, hoje isenta do imposto sobre a renda somente os rendimentos abaixo de 3,9 salários mínimos.

*Documento elaborado pelo UNAFISCO SINDICAL – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal – Depto. de Estudos Técnicos.

Revista de conjuntura

33

jan/mar de 2006


Quem tem informação tem poder Revista de Conjuntura, o melhor panorama sobre tudo que anda acontecendo.


ARTIGO

Desempenho do mercado de trabalho em 2005 reflete a boa performance da economia do Distrito Federal Jusçanio Umbelino de Souza*

A Pesquisa de Emprego e Desemprego – PED revelou que, em 2005, o mercado de trabalho no Distrito Federal apresentou desempenho positivo. O nível ocupacional cresceu 5,9%, possibilitando reduzir o quantitativo de desempregados em 6,1%. A taxa de desemprego caiu de 20,9%, em 2004, para 19,0% da População Economicamente Ativa – PEA, em 2005, salientando-se que também houve crescimento de 1,0% nos níveis de rendimento médio dos ocupados. Em termos demográficos, os dados da PED/DF apontam crescimento de 3,2% na População em Idade Ativa – PIA em 2005, comparativamente ao ano de 2004, a qual passou a contabilizar 1.862,6 mil pessoas residentes no Distrito Federal. Desse total, 1.203,1 mil equivalem à PEA, a qual revelou crescimento de 3,4% em relação ao ano anterior. A PEA feminina cresceu mais que a masculina, 4,0% e

2,8%, respectivamente. A boa performance do nível ocupacional em 2005 possibilitou ao Distrito Federal ultrapassar a marca de 1 milhão de pessoas ocupadas no final do ano e estabelecer a menor taxa de desemprego desde 1988. O aumento da ocupação em 2005 superou o ingresso de novos trabalhadores no mercado de trabalho e, por conseguinte, diminuiu o número de desempregados, que passou a contabilizar 228,4 mil pessoas. O aumento da ocupação e a redução do desemprego também foram acompanhados pelo aumento do número de pessoas inativas. O aumento da inatividade, nesse contexto, também pode ser interpretado como resultado positivo, ao refletir a saída do mercado de trabalho de pessoas que procuravam trabalho ou que estavam trabalhando não por opção, mas por extrema necessidade, como é o caso de jovens de 10 a 15 anos,

Revista de conjuntura

35

de várias donas de casa e idosos, obrigados a trabalhar para agregar renda. No tocante à redução do desemprego no DF em 2005, a PED mostra maior queda percentual no desemprego oculto pelo desalento (-18,8%), seguida do desemprego oculto pelo trabalho precário (-15,2%). No desemprego aberto a redução foi de 4,7%. O número de mulheres desempregadas diminuiu menos do que o de homens, muito embora a quantidade de mulheres ocupadas tenha aumentado mais que a de homens. A maior oferta de oportunidades para as mulheres certamente estimulou a procura por emprego, ocasionando maior taxa de desemprego entre as mulheres. O setor com maior incremento no nível ocupacional em 2005 foi a indústria de transformação, que registrou variação percentual positiva de 11,5% em relação a 2004. Na administração, o em-

jan/mar de 2006


prego cresceu 6,6%; no comércio e na construção civil a ocupação cresceu perto de 8,5% e no setor de serviços, 4,6%. Na média, foram mais de 54 mil novos postos de trabalho gerados, isso sem considerar os trabalhadores do Entorno que trabalham no DF. Na verdade, o desempenho positivo do emprego em 2005 no Distrito Federal, já iniciado em 2004, reproduz a boa performance da economia local, a qual vem atraindo vultosos e importantes investimentos privados. Parece que o Brasil empreendedor descobriu a viabilidade e vantagens oferecidas pela economia do Distrito Federal. No ano passado, importantes empresas do ramo de materiais de construção, de hipermercados e Shopping Centers foram abertos no DF, e várias outras inaugurações já estão agendadas. O resultado dessa dinâmica se materializou no aumento do emprego, significativamente observado no setor privado com carteira de trabalho assinada. Tem sido forte a formalização do emprego no DF. O setor privado está aumentando sua participação no PIB local, possibilitando maior autonomia econômica, ou

seja, menor dependência do setor público, sem desmerecer sua importância e influência na dinâmica de desenvolvimento do Distrito Federal. Estatísticas relativas ao ano 2005 publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apontam o Distrito Federal, juntamente com Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, como as unidades federativas com melhor desempenho econômico no País; desde a segunda metade dos anos 80, mais que dobraram suas economias, atraindo cada vez mais novos investimentos para a Região. Recentemente, foi realizada uma pesquisa pela PricewaterhouseCoopers, em 300 empresas representativas, a qual revelou que 65,1% delas responderam pretender concentrar seus investimentos no Centro-Oeste, e quase metade desses destinados ao aumento da produção ou construção de novas unidades industriais. Um bom exemplo da atratividade que a região Centro-Oeste vem mostrando, especialmente o Distrito Federal, sinalizando boas perspectivas para o crescimento econômico da Região nos próximos anos.

A Junta Comercial do Distrito Federal contabilizou um saldo de 7 mil novas empresas constituídas no DF em 2005 e o mesmo número em 2004. São empresas que estão apostando no sucesso de Brasília como economia de mercado. Certamente influi a condição de possuidora do melhor Índice de Desenvolvimento Humano – IDH do País, da maior renda per capita, de localização estratégica no Planalto Central, eqüidistante dos diversos Estados brasileiros, de ser a nona economia do País, sede dos Três Poderes; de ser possuidora de uma belíssima arquitetura urbanística e detentora de uma população com escolaridade acima da média nacional, que, somada à do Entorno representa mais de 3 milhões de consumidores. Estas características colocam o Distrito Federal como uma das regiões do País mais promissoras para se investir. Exemplo disso, além das empresas comerciais que estão instalando-se no DF, no campo imobiliário, pode-se citar o Setor Sudoeste e, mais recentemente, a Região Administrativa de Águas Claras.

Tabela 1

Revista de conjuntura

36

jan/mar de 2006


Tabela 2

Revista de conjuntura

37

jan/mar de 2006


Tabela 3

*Jusçanio Umbelino de Souza Diretor de Informação e Planejamento da Secretaria de Trabalho do DF

Revista de conjuntura

38

jan/mar de 2006


ARTIGO

Valorização do Salário Mínimo: um imperativo da ética econômica e social Ademir Figueiredo* Ilmar Ferreira Silva A valorização do salário mínimo brasileiro para além de um mero instrumento de política econômica tornou-se um imperativo baseado em uma (para não dizer em um mínimo de) ética social que seja capaz de combater a desigualdade distributiva, de promover um padrão digno de condição de vida dos trabalhadores, além de ser um instrumento de efetiva inclusão social. Tamanho desafio, em uma sociedade que historicamente teve suas relações de trabalho fundadas no escravismo e que “modernamente” tem estas baseadas num mercado de trabalho com oferta ilimitada de mão-de-obra, parece ser um objetivo impossível de ser atingido. Não obstante, frente às dificuldades impostas por este desafio, se, paralelamente ao avanço democrático da representação política, formos socialmente capazes de construir uma pauta que contemple também a democracia econômica, certamente este desafio poderá ser enfrentado a partir de uma política 1

de Estado cujas diretrizes devem ser negociadas com os atores sociais envolvidos, estabelecendo metas de recuperação do salário mínimo no curto, médio e longo prazos.1 Brasil: riqueza, desigualdade e pobreza O Brasil caracteriza-se por uma profunda desigualdade social e econômica, seja quando esta avaliação é feita por indicadores internos à Nação, seja quando a avaliação é feita numa perspectiva internacional.

Caso se considere o salário mínimo como um instrumento de avaliação distributiva, vê-se que o Brasil trilhou um caminho de aprofundamento da desigualdade, gerando riqueza sem distribuí-la de forma eqüitativa. O Gráfico 1 é revelador dessa afirmação, quando constatamos o grande abismo entre o crescimento do PIB per capita e o do salário mínimo, demonstrando a distância do valor que em média é criado na sociedade por cada pessoa, em relação ao que é considerado como o mínimo para a sobrevivência destas pessoas.

Gráfico 1

Para uma visão abrangente do tema, sugerimos a leitura do livro Salário Mínimo e Desenvolvimento/ Organizado por Paulo Eduardo de Andrade Baltar, Cláudio Salvadori Dedecca e José Dari Krein. Campinas, SP:UNICAMP.IE.2005.

Revista de conjuntura

39

jan/mar de 2006


Como resultado de um padrão de crescimento econômico concentrador e excludente, nosso País apresenta indicadores que revelam uma profunda desigualdade. A desigualdade da distribuição da renda pessoal pode ser vista através do índice de Gini, conforme mostra o Gráfico 2. No gráfico, observa-se que o índice de Gini é mais igualitário (mais próximo de zero) quando são considerados os segmentos de menor nível de renda da população. Contrariamente, a desigualdade acentua-se (mais próxima de um) significativamente quando se inclui o segmento dos 5% dos rendimentos individuais mais elevados. Agravando esse quadro distributivo, a distribuição funcional da renda tem apresentado um forte processo de concentração, favorecendo os detentores do capital em detrimento dos trabalhadores, que tiveram sua participação no bolo reduzida de 57%, em 1949, para 36%, em 2003. Dessa forma, o País apresenta, por um lado, uma forte desigualdade na distribuição da renda individual e, por outro, uma forte

concentração na renda funcional, gerando um processo altamente excludente da grande maioria da sua população. As variações do Salário Mínimo ao longo da História No Brasil, o salário mínimo foi instituído em 1º de maio de 1940, para vigorar a partir de 1º de julho daquele ano. Foram então definidos 14 níveis salariais diferentes, a serem aplicados em regiões delimitadas pelo Governo Federal, a partir de pesquisa nacional que permitiu aferir o valor mais freqüente das remunerações mais baixas praticadas em cada uma das áreas. Pouco a pouco, o salário mínimo foi sendo unificado por regiões geográficas, até chegar a ser o salário mínimo nacional, em 1984. A evolução de mais de meio século do salário mínimo no Brasil experimentou quatro fases bem distintas. A primeira fase, de consolidação, compreendeu o período que vai desde 1940 até 1951. Corrigido para valores de dezembro de 2005, o primeiro valor decretado

Revista de conjuntura

40

corresponderia a R$ 918,93. No ano de 1943, o salário mínimo foi reajustado duas vezes e, embora a lei previsse correções em períodos não superiores a três anos, permaneceu congelado até 1951. A queda violenta de seu poder de compra de 1946 até 1951 ocorreu simultaneamente ao desmonte dos controles da economia, parte dos objetivos da política liberal do governo Dutra. A segunda fase, de recuperação do salário mínimo, correspondeu ao período 1952 a 1964. Entre 1952 e 1959, houve um forte crescimento de seu poder aquisitivo, que chegou, em janeiro de 1959, ao maior valor da História: R$ 1.324,01 a preços de dezembro de 2005. De 1960 a 1964, seu valor permaneceu estável. O crescimento do salário de base na década de 50 ocorreu simultaneamente ao processo de industrialização no Brasil. Isso se deu tanto pelo compromisso do governo com uma melhor distribuição dos frutos do desenvolvimento, quanto em função das lutas sindicais travadas no período. A pauta de reivindicações incluía reajustes salariais, 13º salário – conquistado em 1962, salário-família – decretado em 1963, e as campanhas nacionais pelas reformas de base, registradas até 1964. A terceira fase, marcada pela contenção do salário mínimo, iniciou-se em 1965 e se prolongou até meados da década de 90. Durante o governo militar (1964 –1984), com a repressão ao movimento sindical, a eliminação da estabilidade no emprego e a política de arrocho salarial, o País caminhou para uma efetiva concentração de renda. Entre 1965 e 1974, o salário mínimo mantinha, na média anual,

jan/mar de 2006


apenas 69% do poder aquisitivo de 1940. A mudança da política salarial, a partir de 1974, e a introdução dos reajustes semestrais, em 1979, chegaram a sinalizar uma recuperação do valor real do salário mínimo até o ano de 1982 (21,2%). Ao longo da década seguinte – que passou para a História como a “década perdida” –, o salário mínimo retomou a trajetória de perda crescente do poder de compra. De 1983 a 1991, o poder aquisitivo do salário mínimo caiu acentuadamente, passando a valer, em média, apenas 43% do vigente em 1940. Essa tendência prolongou-se até 1994, quando chegou a valer um quarto do valor instituído em 1940. Finalmente, a partir de maio de 1995, quando valia um quarto do seu poder aquisitivo, o salário mínimo inicia um movimento de recuperação, que o levará a cerca de 40% de seu valor inicial, em abril de 2006, como mostra o Gráfico 3.

A abrangência do salário mínimo No Brasil, quase 40 milhões de pessoas têm o salário mínimo como referência dos seus rendimentos. Uma política de valorização do salário mínimo tem, assim, uma forte abrangência sobre o conjunto do mercado de trabalho, tanto formal quanto informal, bem como sobre os trabalhadores já aposentados que recebem um piso previdenciário, conforme ilustra a Tabela 1. Tabela 1

Total de pessoas que ganham até 1 salário mínimo

Brasil – 2004

Categoria Beneficiários INSS Empregados Conta-Própria Trabalhadores Domésticos Empregadores Total

Nº Pessoas. 16.005.542 11.296.591 7.888.102 4.462.962 198.506 39.851.703

Fonte: PNAD e Boletim Previdência. Elaboração: DIEESE

Revista de conjuntura

41

Também do ponto de vista regional, o salário mínimo tem forte expressão como referência de rendimento dos ocupados no mercado de trabalho, podendo ser considerado como um importante instrumento de combate à desigualdade regional da renda. No Nordeste, os trabalhadores que ganham até um salário mínimo representam 58% dos ocupados; no Norte representam cerca de 37% e, na média brasileira, 32%, conforme mostra a Tabela 2. Por uma política de recuperação do salário mínimo O salário mínimo é um importante instrumento de distribuição de renda. A maioria dos países desenvolvidos implantou políticas de valorização do salário mínimo, o que resultou na dinamização do mercado interno. No Brasil, a elevação do valor do salário mínimo significaria um crescimento da renda de parte das famílias de baixo poder aquisitivo, com impacto direto sobre o nível de atividade econômica, o que ativaria a economia através dos efeitos decorrentes do aumento do consumo. Outro objetivo, não menos importante, é minimizar, pela ação governamental, a tendência de o mercado de trabalho reduzir o valor dos salários na renda nacional, fixando um piso salarial capaz de garantir aos trabalhadores – especialmente aos menos qualificados – e suas famílias condições básicas de sobrevivência. Da mesma forma, a discussão sobre desenvolvimento sustentado no Brasil deve passar, necessariamente, pela diminuição

jan/mar de 2006


Tabela 2

Distribuição dos ocupados, por faixa de rendimento Grandes Regiões e Brasil - 2004 Regiões do Brasil

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil

Com rendimento acima de 2 SM.

Com rendimento até 2 SM.

Total

Até 1 SM.

Mais de 1 a 2 SM.

Total

1.418.619

2.075.457

3.494.076

2.162.671

5.656.747

%

25,1%

36,7%

61,8%

38,2%

100,0%

10.308.059

4.447.674

14.755.733

3.101.813

17.857.546

%

57,7%

24,9%

82,6%

17,4%

100,0%

1.987.531

1.789.610

3.777.141

1.542.825

5.319.966

%

37,4%

33,6%

71,0%

29,0%

100,0%

7.116.483

11.402.579

18.519.062

14.403.760

32.922.822

%

21,6%

34,6%

56,2%

43,8%

100,0%

2.524.798

4.401.115

6.925.913

5.198.710

12.124.623

%

20,8%

36,3%

57,1%

42,9%

100,0%

23.355.490

24.116.435

47.471.925

26.409.779

73.881.704

%

31,6%

32,6%

64,3%

35,7%

100,0%

Fonte: PNAD 2004. Elaboração: DIEESE. Obs: Exclui os sem rendimento e sem declaração.

da exclusão e da desigualdade social, incorporando um número cada vez maior de pessoas ao mercado. É quase impossível desenvolver uma política de correção de desigualdade de renda sem que se utilize o salário mínimo como um de seus principais instrumentos. A recuperação do poder de compra do salário mínimo aumentaria a renda das famílias, além de aquecer o mercado interno. Com isso, contribuiria para viabilizar o crescimento sustentado da

economia. Nos países desenvolvidos, a política de salário mínimo está inserida no conjunto de políticas sociais como o segurodesemprego, a aposentadoria e a renda mínima, garantida para pessoas com ou sem ocupação, e com rendimento abaixo da linha de pobreza – limite da condição de miséria. Em geral, nesses países o salário mínimo acaba por atingir um segmento bem reduzido de trabalhadores – jovens, temporários, pessoas

Revista de conjuntura

42

em treinamento ou com jornada reduzida –, dado que a maioria recebe acima deste valor, mesmo os menos qualificados. O crescimento econômico é importante para a elevação real do salário mínimo, de forma a permitir que a estrutura de produção suporte aumentos periódicos. Mas não é condição suficiente. A realidade brasileira serve perfeitamente como exemplo. O Gráfico 1 – que compara a trajetória da evolução do PIB per capita com a do salário mí-

jan/mar de 2006


nimo real –, demonstra o sentido inverso do crescimento destes indicadores. De 1940 até 2004, o PIB per capita cresceu cinco vezes, enquanto o salário mínimo real decresceu a menos de 1/3 do seu valor inicial. Através de um movimento unitário, seis centrais sindicais brasileiras (CAT – Central Autônoma dos Trabalhadores; CGT – Confederação Geral dos Trabalhadores; CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil; CUT – Central Única dos Trabalhadores; Força Sindical; e SDS – Social Democracia Sindical) deram início, em 2004, a uma campanha para elevar o salário mínimo. Com sua manutenção em 2005, a campanha conquistou a elevação do valor do salário mínimo – que passa a vigorar em abril deste ano – em termos reais, em cerca de 21%, o que significa cerca de 24% de aumento real no atual governo. Outro resultado muito importante dessa campanha foi o compromisso de retomada da Comissão Quadripartite (traba-

lhadores da ativa, aposentados, empresários e governo), que deverá discutir uma política de valorização do salário mínimo (veja protocolo em anexo). Segundo o cálculo do DIEESE – estimado com base nos preceitos constitucionais –, o valor do Salário Mínimo Necessário foi

de R$ 1.496,56 em janeiro de 2006. Dessa forma, a distância a ser percorrida para que o salário mínimo oficial de R$ 350,00 atinja aquele valor constitui um verdadeiro desafio democrático, com o objetivo de se chegar a um salário mínimo digno para os brasileiros.

*Ademir Figueiredo

Economista e Coordenador de Desenvolvimento e Estudos do DIEESE

Revista de conjuntura

*Ilmar Ferreira Silva

Economista e técnico do DIEESE

43

jan/mar de 2006


Protocolo de Intenções Dieese (fac-símile)

Revista de conjuntura

44

jan/mar de 2006


Revista de conjuntura

45

jan/mar de 2006


Revista de conjuntura

46

jan/mar de 2006


Revista de conjuntura

47

jan/mar de 2006


Revista de conjuntura

48

jan/mar de 2006


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.