Contraponto - Edição 138

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O debate continua: descriminalização do aborto no Brasil e na América Latina Pauta volta ao STF e reacende as luzes sobre a discussão em território nacional

© Sônia Xavier

Por Laura Vieira, Luiza Miranda, Maria Eduarda dos Anjos, Milena Camargo e Sônia Xavier

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descriminalização do aborto no Brasil reapareceu no Supremo Tribunal Federal (STF) no mês de setembro, com a votação de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF 442, que propõe a liberação da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação. Às vésperas de se finalizar seu mandato na presidência da Corte, Rosa Weber iniciou a votação no Plenário virtual. A magistrada destacou que a perspectiva adotada para lidar com os problemas do aborto não é a política estatal ideal. A ministra argumentou que o código penal que criminalizou o aborto “de forma absoluta” em 1940 era o mesmo que excluía as mulheres da condição de “sujeito de direito”. Após o voto favorável, o julgamento foi suspenso por pedido de vistas do ministro Luís Roberto Barroso e prosseguirá em sessão presencial no Plenário, em data a ser definida. No Brasil, as únicas três situações em que o aborto não é considerado crime são em casos de estupro; quando a gestação gera risco de vida para a gestante e quando se é constatada anencefalia fetal. As condenações atuais referentes ao aborto, são baseadas no Código Penal de 1940. O artigo 124 prevê pena de detenção de um a três anos para quem “provocar aborto em si mesma ou consentir que outra pessoa o provoque”. E o artigo 126 estipula reclusão de um a quatro anos para quem provocar o aborto com o consentimento da gestante. Entre os anos de 2014 e 2021, foram abertos 2.533 processos criminais classificados como “aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento” na justiça brasileira, em primeira instância, segundo dados do sistema ‘Justiça em Números’, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Donas do próprio corpo Apesar das discussões sobre o aborto terem reacendido recentemente, o movimento pela descriminalização no país é antigo, pautado pelo menos desde a década de 90. Porém o fortalecimento dos movimentos feministas e o crescente apoio popular contribuíram para a manutenção do tema nos debates. “O movimento acumula há anos esse debate, a falta de direitos reprodutivos é

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Luna Borges, diretora do Fòs Feminista, afirma que existe uma certa banalização da morte materna e que esse é um dos desafios a serem enfrentados

de outras ondas do feminismo. É importante o movimento não sair da rua, no sentido de não deixar de colocar a importância de falar disso, porque senão a gente está sempre recomeçando”, diz Maria Clara Ferreira, integrante do movimento Frente de São Paulo contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto. Ferreira enfatizou a necessidade de esclarecimento dos termos legalização e descriminalização. Segundo ela apesar de ser um passo para tal, a legalização é algo mais profundo que engloba, entre outras coisas, educação sexual e políticas de atendimento de saúde, enquanto a descriminalização, que diz respeito à ADPF 442, figura como a retirada do aborto do Código Penal.

O perigo da criminalização Além da descriminalização dos corpos que realizam o aborto, Luna Borges, diretora da Fòs Feminista, acredita que uma mudança radical na normalização da fragilidade de direitos reprodutivos já conquistados se faz necessária. “As pessoas normalizam, por exemplo, a mortalidade

materna, a gente primeiro tem que mudar radicalmente essa normalização de fragilização de direitos”. Um relatório da Pesquisa Nacional de Aborto (PAN), 2021, constatou que 52% das mulheres fizeram seu primeiro aborto com 19 anos ou menos. A pesquisa estima que uma a cada sete mulheres realizou um aos 40 e cerca de 10% realizaram pelo menos um aborto na vida. Os dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) revelam 109 casos de óbito materno durante os anos de 2020 a 2021, considerando os tipos de aborto da lista e suas tentativas falhas. O sistema também informa que as internações hospitalares referentes a processos utilizados no pós-aborto como o “esvaziamento de útero pós-aborto por aspiração manual intrauterina (AMIU)” e “curetagem pós-abortamento/puerperal”, somaram 364.174 casos, no período de 2020 a fevereiro de 2022. Em entrevista ao Contraponto, Beatriz [nome fictício] conta que realizou o aborto quando tinha 22 anos, depois de 8 semanas de gestação. Ela menciona

CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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