Crise climática: do aquecimento à ebulição global Com o novo cenário, desastres ambientais serão cada vez mais frequentes ao longo dos anos e países do Pacífico sentenciados ao afogamento
Por Amanda Furniel, Beatriz Alencar, Felipe Assis, João Curi e Laura Melo
Alerta de ebulição global Este ano já é um dos mais quentes já registrados, atrás apenas de 2016 e 2020. De acordo com a Climatempo, julho foi considerado o mês mais quente na história do planeta, com temperaturas até 1,5°C mais altas do que a média pré-industrial e em torno de 0,75°C mais alta do que a média analisada entre 1991 e 2020. A concentração tão elevada de gases de efeito
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© Climate Analyzer
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ano de 2023 chegou como um dos mais quentes de toda a história. Ao que tudo indica, o mundo atravessa uma nova fase além do aquecimento do globo: chegou-se à era da ebulição global, termo utilizado para alertar sobre os riscos e a gravidade da aceleração desse processo, que está em curso há 180 anos. A nomenclatura foi cunhada pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, durante uma coletiva em julho deste ano. O termo corresponde às consequências climáticas testemunhadas de maneiras drásticas este ano, como as ondas frequentes de calor, ciclones extratropicais e a seca na Amazônia. “A única surpresa é a velocidade das mudanças climáticas, que já estavam aqui. É assustador e é apenas o início”, alerta Guterres, em uma entrevista para o National Geographic Brasil. “A era da ebulição global chegou”. O Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no ano passado, comprova que os seres humanos foram os principais indutores do aumento da temperatura do planeta. O uso dos gases de efeito estufa, gerados pela queima de combustíveis fósseis ou pelo agronegócio, é um dos maiores causadores do aquecimento global e pouco existem medidas que combatam fatores. No Brasil, a região Sul enfrenta tempestades e alagamentos nunca vistos anteriormente, os povos indígenas sofrem com a falta de alimento e o agronegócio, com o aumento das temperaturas, encara dificuldades no cultivo. Durante o mês de agosto, a cidade de São Paulo apresentou as maiores temperaturas históricas desse período, com 34ºC. Em setembro, chegou a 36ºC. Enquanto isso, outras cidades como Cuiabá, no Mato Grosso, e Oeiras, no Piauí, chegaram a ultrapassar 40ºC.
A linha preta pesada no topo mostra que em julho de 2023 a Terra atingiu a temperatura geral mais alta já registrada. As temperaturas do ar de dois metros são compiladas através de uma série de medições em todo o mundo de temperaturas de 2 metros (cerca de 6 1/2 pés) acima da superfície da Terra
estufa tem desencadeado um processo de aumento da temperatura média da Terra. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) estimou, em 98%, que pelo menos um dos próximos cinco anos seja o mais quente já registrado, ultrapassando temporariamente a marca de 1,5°C acima da média pré-industrial. O secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, reitera a urgência de reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEEs). Especialistas afirmam que o principal fator de aumento das temperaturas são as emissões antropogênicas: as geradas pelo homem. Desde a Revolução Industrial, o aumento do dióxido de carbono (CO2) na atmosfera segue uma linha constante e, desde então, é possível observar profundas alterações nas dinâmicas climáticas. O CO2 e o metano são alguns dos gases de longa duração que aquecem o planeta e, devido à taxa excedente alavancada por ação humana, provocam um aumento anual na temperatura média da Terra. Com o modelo de uma sociedade de consumo, a aceleração foi valorizada nas linhas produtivas e isso afetou as relações de trabalho, bem como o (des)tratamento da natureza. O antropólogo Almires Guarani aponta que o termo “emergência climática” não
abrange todos os problemas ambientais em curso no planeta. “Não é o clima, por si só, que chegou a esse ponto”, declara. “O que nós vemos hoje é resultado dos últimos 300 anos, da Revolução Industrial, e daquilo que foi chamado de progresso, mas que desmata, polui rios, enche cada vez mais o planeta de boi”. No Brasil, não é difícil reconhecer que grande parte da cobertura florestal hoje é campo ou cidade. Segundo levantamento da Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o bioma que abriga cerca de 70% da população brasileira e produz 50% dos alimentos consumidos no país sofre com um desmatamento equivalente a um Parque Ibirapuera (SP) a cada três dias. “A natureza, desde que ela foi separada da cultura, se transformou nisso”, alerta o antropólogo. “O que o homem fez foi um naturicídio, um climatocídio, e vai piorar cada vez mais”. As mudanças climáticas extremas impactam a saúde, a economia e, principalmente, o meio ambiente. Guterres destaca a necessidade dos países desenvolvidos se comprometerem a atingir emissões líquidas nulas até 2040, enquanto as economias emergentes têm
CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP