Contraponto - Edição 138

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Greve atinge a melhor universidade da América Latina Classificada entre as 100 melhores do mundo, a Universidade de São Paulo sofre com a falta de professores, péssimas condições do conjunto residencial e outros problemas Artur Maciel, Julio Cesar Ferreira e Isabela Lago Miranda

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© Artur Maciel

m setembro estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) decidiram entrar em greve mais uma vez. As paralisações são recorrentes desde 2002 e, normalmente, têm as faculdades de humanas à frente, como também a ECA (Escola de Comunicações e Artes). A movimentação das faculdades alcançou outros institutos da universidade, que aderiram à greve geral três dias depois. A Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp) também pausou as próprias atividades. A interrupção ocorreu em decorrência de relatos de alunos sobre a impossibilidade de prosseguir com as aulas devido à ausência de docentes. Conforme o Anuário Estatístico da USP, mais de 900 professores foram desligados entre 2014 e 2022. Posicionada, segundo o ranking da QS World University, entre as 100 melhores universidades do mundo, a USP tem diversos problemas estruturais, como superlotação dos ônibus circulares, condições precárias do conjunto residencial (Crusp), falta de professores em diversas unidades e disciplinas, escassez de diversidade e dificuldade para a utilização de alguns espaços. Desde o final de setembro, estudantes da Letras realizam uma série de mobilizações pela contratação de docentes. Segundo um dossiê publicado neste ano, pelo Caell (Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários “Oswald de Andrade”), o curso de Letras, que é um dos mais precarizados da universidade, precisa da

No curso de Artes Visuais, 11 disciplinas foram canceladas neste semestre por falta de professores, o equivalente a um terço da carga horária do curso. O motivo do cancelamento teria sido a não renovação do contrato de três professores temporários e a ausência de docentes disponíveis para assumir as vagas. O resultado foi uma marcha pelos prédios, reivindicando os requisitos iguais aos da FFLCH. Mesmo com a movimentação dos estudantes, a reitoria não acatou o pedido. Além da contratação de docentes, a ECA tem também manifestado outros temores, como o medo da privatização dos espaços e a sensação de abandono da comunidade acadêmica.

contratação imediata de, no mínimo, 80 professores, e de 114 para o funcionamento pleno das aulas. Diante do cenário, habilitações linguísticas como o armênio e o coreano não têm aulas. A escassez de docentes se tornou um obstáculo para os alunos que buscam cursar as disciplinas obrigatórias, essenciais para a conclusão do curso dentro do prazo previsto, bem como para a realização de disciplinas optativas visando uma formação abrangente. Julia Silva, estudante da Letras, explicou que o problema não está somente na ausência de professores, mas também na precarização das políticas de permanência, o que coloca barreiras na graduação. “Dentro das nossas demandas, a moradia estudantil é uma das principais. O campus da USP Leste [EACH] não tem moradia, a Sanfran [Faculdade de Direito] tem, mas não consegue comportar alunos de outras faculdades”, compartilha Silva. A graduanda relatou que só tem o Crusp como moradia, mas que o conjunto é cheio de problemas: estrutura precária, principalmente de cozinha e lavanderia; vazamentos hidráulicos; os blocos K e L foram fechados para reforma e nunca mais foram reabertos. Com 60 anos de existência, o Crusp, atualmente, abriga cerca de 1.600 indivíduos, sendo 300 deles irregulares. Alunos relataram agravamento das condições vulneráveis das instalações durante o período de isolamento decorrente da pandemia de Covid-19. Algumas das queixas foram: ausência de água, internet e medidas sanitárias. De acordo com informe da USP, estudantes que moram no Crusp recebem auxílio de R$300.

Outras faculdades aderem à greve Apesar das reivindicações variarem conforme o curso, a principal entre os estudantes e a Adusp, é a admissão de professores e a reativação da contratação ‘gatilho’ – que consiste na reposição de aposentadorias, falecimentos e exonerações de professores e funcionários de forma automática. No decorrer da greve, outras faculdades aderiram ao movimento, como a EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), Instituto de Psicologia (IP), a Faculdade de Economia e Administração (FEA), e a Escola Politécnica (Poli), este que não entrava em greve há décadas; além de outros institutos pertencentes à USP, como a Faculdade de Direito. “Eu senti muito contraste do que as pessoas me falavam do que era a USP com o que eu estou vendo aqui. Com a falta de professores, de funcionários, você se questiona: ‘Nossa, essa é a melhor universidade do Brasil e da América Latina?’. Foi um choque”, afirma o calouro do curso de Arquitetura e Urbanismo, André Zumba. A contratação de professores é uma pauta unânime em todos os cursos que aderiram à greve, mas outros institutos também exigem o uso pleno do espaço estudantil, cotas PPI (pretos, pardos e indígenas) para contratação de docentes, cotas trans, melhorias nas políticas de permanência, construção de creche, além da contratação de funcionários técnicos, que auxiliam os estudantes a manusearem equipamentos e máquinas específicas e essenciais para um melhor aproveitamento do curso.

Lambe-lambe ironizando o posicionamento da USP no ranking de melhor universidade da América Latina durante a greve

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CONTRAPONTO Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo – PUC-SP


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