Métodos e teorias aplicados no processo projetual do arquiteto Frank Gehry (Iniciação Científica)

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO COORDENADORIA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E INTEGRAÇÃO ACADÊMICA PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E EM DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E INOVAÇÃO

CHRISTIANA SANTOS GONÇALVES VIEIRA

RELATÓRIO FINAL

INICIAÇÃO CIENTÍFICA: PIBIC CNPq ( ), PIBIC CNPq Ações Afirmativas ( ), PIBIC UFPR TN ( ), PIBIC Fundação Araucária ( ), PIBIC Voluntária ( X ), Jovens Talentos ( ), PIBIC EM ( ).

INICIAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E INOVAÇÃO: PIBITI CNPq ( ), PIBITI UFPR TN ( ), PIBITI Funttel ou PIBITI Voluntária ( X ).

(Período no qual esteve vinculado ao Programa 08/2017 a 08/2018)

MÉTODOS E TEORIAS APLICADOS NO PROCESSO PROJETUAL DO ARQUITETO FRANK GEHRY

Relatório final apresentado à Coordenadoria de Iniciação Científica e Integração Acadêmica da Universidade Federal do Paraná por ocasião da conclusão das atividades de Iniciação Científica ou Iniciação em desenvolvimento tecnológico e Inovação - Edital 2017/2018 (ano de início e término do Edital).

Artur Ortega / Departamento de Arquitetura e Urbanismo Métodos e Teorias aplicados no Processo Projetual em Arquitetura

CURITIBA 2018

1. RESUMO A metodologia de projeto em arquitetura tem como finalidade orientar o processo de trabalho do arquiteto, o qual é amplo e complexo, e pode ser exercida de várias maneiras, sem que uma se sobreponha a outras. Nesse assunto não existe certo ou errado, apenas linhas de pensamento – que geram ações bastante distintas, as quais resultam em projetos ainda mais variados. O arquiteto canadense naturalizado americano Frank Gehry, agraciado com o Prêmio Pritzker em 1989, é reconhecido pela importância de sua obra para o panorama arquitetônico mundial, além de ser aclamado por sua originalidade e sua irreverência – apresentando uma coleção de obras icônicas que acabaram o consagrando como um dos arquitetos mais famosos do final do século XX. Assim, buscou-se discutir o método de Frank Gehry e descobrir, segundo falas dele próprio, as bases de seu processo projetual arquitetônico – a fim de sistematizar o seu processo criativo. Esse estudo objetiva, portanto, a investigação dos métodos e teorias do arquiteto, ou seja, propõe-se a averiguar os princípios e crenças que regem o produto final de sua arquitetura. A metodologia aplicada nessa pesquisa consiste na análise de entrevistas e publicações com falas do arquiteto, as quais são utilizadas para análise de três obras emblemáticas. A preocupação em se utilizar principalmente entrevistas como fonte advém da polêmica existente ao redor do profissional em questão – o qual gera alguns preconceitos acerca de sua figura excêntrica. A partir das obras analisadas: Casa Gehry (Santa Mônica - Estados Unidos da América, 1978), Walt Disney Concert Hall (Los Angeles - Estados Unidos da América, 1989-2003) e Museu Guggenheim de Bilbao (Bilbao - Espanha, 1997), pode-se perceber o processo de autoconhecimento pelo qual passou o arquiteto e a evolução de sua obra através da ousadia e experimentação. A essência de sua arquitetura reside no desprendimento de tradições, o qual o possibilitou atingir resultados icônicos e inéditos. Dessa maneira, ao refletir sobre o método projetual de Frank Gehry, as reflexões sobre o ato de projetar se ampliam e acarretam no questionamento das possíveis metodologias.

2. INTRODUÇÃO

A palavra projeto designa o ímpeto de realizar algo no futuro, um plano, ou um conjunto de ações que precede um produto. Assim, na arquitetura projeto seria o plano para a realização de um edifício. Esse processo é influenciado por fatores subjetivos agregados a cada indivíduo, se caracterizando assim por ser uma prática única que advém da ótica do arquiteto sobre o problema – acarretando em diversas metodologias distintas. Para Lawson (2011), projetar é pensar, imaginar e buscar soluções para os problemas, um processo pessoal e individual, que leva a diferentes formas de fazer, a diferentes processos e metodologias, decorrente da visão do projetista sobre a questão problema-solução. Dessa forma, pode-se afirmar que metodologia consiste no conjunto de métodos e técnicas com o objetivo de atingir o objetivo de converter esse processo em conhecimento científico e expressá-lo. Tendo isso em vista, estudar um arquiteto cujas obras são tão distintas das dos colegas parece importante. Pelo fato da arquitetura de Gehry ser diferente, é possível de se acreditar que o processo seria igualmente diverso. Assim, através de seu conjunto de obras e testemunhos procura-se traçar um esboço de no que consistiria o seu processo criativo.

Segundo Moneo (2008), ele não se interessa muito pelo método, pelo conceito.

Seu interesse reside na imersão em um processo no qual o arquiteto acaba, de modo dionisíaco, capturado entre o projeto e a construção. No documentário Sketches of Frank Gehry, de Sydney Pollack, esse preceito é confirmado, sendo que o arquiteto afirma que às vezes o processo é tão demorado, que no final da construção ele não gosta mais do edifício. Por isso, ele define como sua parte predileta de sua arquitetura “enquanto inacabada”. Diante dessa postura singular em frente a sua própria obra será possível compreender a profundidade de absorção do arquiteto na concepção de seus edifícios. Sendo a singularidade de sua obra o ponto de partida e justificativa desse estudo, tem-se como objetivo investigar o método criativo capaz de produzir essas obras ímpares.

3. FRANK GHERY Nascido em Toronto, Canadá, em 28 de fevereiro de 1929, Frank Gehry é descendente de judeus do leste europeu, e desde criança apreciou atividades ligadas à criação. Segundo o arquiteto relata no documentário, uma de suas maiores diversões era brincar de construir cidades com pedaços de madeira junto à sua avó. Seus pais também o influenciaram a atuar no lado artístico, sendo que desde sempre o incentivaram a desenhar, e sua mãe o levava ao museu frequentemente no Canadá.

Em 1946 sua família se mudou para Los Angeles (LA), sendo que logo em seguida se matriculou na Universidade de Southern California, na qual estudou arquitetura. Ainda estudante, teve a oportunidade de mostrar o seu trabalho para o arquiteto Richard Neutra, o que foi um grande incentivo para o jovem Gehry. Outro ponto decisivo para sua carreira, como o arquiteto narra (2006), foi uma palestra de Alvar Aalto à qual Gehry assistiu enquanto aluno de arquitetura.

Após um breve período em Paris, onde trabalhou para o arquiteto Andre Remondet, voltou para os EUA e se fixou em LA – fato crucial para sua carreira arquitetônica – onde iniciou o escritório que em 1967 se tornaria o Frank Gehry and Associates, e posteriormente em 2001 Gehry and Partners. O contexto sócioeconômico-cultural da cidade na época favorecia experimentações e, por se tratar de uma cidade em crescimento e aparentemente sem história, possuía muitas oportunidades para jovens arquitetos. LA é tão emblemática para a vida de Gehry que Moneo (2008), afirma que não é possível discuti-lo sem mencionar a cidade que alavancou sua carreira. Dentre seus primeiros trabalhos o mais importante vem a ser a obra de sua residência em Santa Mônica, a qual será abordada aqui posteriormente.

No documentário sobre o arquiteto, Gehry relata que sempre se deu melhor com artistas do que com arquitetos – pela razão de que ele se vê como artista e pela fraca recepção que recebeu dos colegas de profissão em LA. Menciona que arquitetos não compreendem a sua maneira livre de criar, pois utilizam como muleta projetual aspectos teoricamente racionais, tais como orçamento, cronograma e questões técnicas – que conforme ele são aspectos ausentes de objetividade. Assim, fez muitas relações com artistas que residiam – ou estavam de passagem – na cidade, o que de acordo com ele o engrandeceu com um enriquecimento de ideias inspirador, conforme menciona na entrevista que cedeu para Zaera-Polo (2018, p. 207): [...] “estava fazendo vários edifícios em Los Angeles, então ia para o local e encontrava os artistas olhando a construção: Bengston, Ed Moses, Kenneth Price, Larry Bell e todas essas pessoas que eu conhecia apenas pelo nome. Era uma sensação estranha que meu trabalho interessara essas pessoas – pessoas que eu admirava muito

mais do que admirava os arquitetos. Foi assim que aconteceu, e nos tornamos amigos.”

Ainda na entrevista, Gehry defende a arbitrariedade em seu ofício, pois segundo ele o projetista precisa e deve tomar as decisões, pois não há autoridade mais alta a recorrer. Com o tempo aprendeu a confiar em sua intuição, e sublinha que no ato de projetar o apoio dela é essencial para lançar uma ideia para frente (Zaera-Polo, 2018).

Devido à utilização de formas extremamente complexas, Gehry teve problemas na representação em duas dimensões. Como o principal instrumento de projeto desse arquiteto é a maquete, transpor suas ideias tridimensionais para os desenhos de execução da obra se tornaram um problema, o que o levou a utilizar o CATIA, software utilizado na indústria automotiva e aeronáutica. Essa jornada do arquiteto pelas mídias, desde o seu processo até sua representação final, também será abordada no estudo, de sorte que se acredita que esses fatores influenciaram em sua metodologia.

Com a análise de sua trajetória, distinguiram se alguns pontos essenciais para a análise de sua metodologia: a relação com Los Angeles; a experimentação; o conceito de ruptura; o contexto; e as maquetes, tópicos estes que serão abordados mais adiante.

3.1 A relação com Los Angeles “Às vezes me pergunto o que teria acontecido comigo se tivesse ficado em Toronto. Nunca se sabe”, sublinhando a importância que a cidade teve em sua carreira.

Ele ainda afirma (Zaera-polo, 2018, p. 218) que nos anos 50, quando chegou na cidade californiana, ela vivia o auge do espírito fast-food: [...] “Los Angeles era uma cidade em constante movimento, tudo acontecia muito rápido; não era necessário construir com materiais permanentes por causa do clima e do desenvolvimento acelerado. (...)

O sistema estava todo orientado para conseguir as coisas da forma mais imediata. Não havia infraestrutura, não havia estrutura legal, não havia história... Por isso pudemos responder rapidamente. Todo mundo queria fazer negócios. A política era expansionista e pluralista.

Los Angeles era uma espécie de tela em branco: era virgem.”

De acordo com Moneo (2008), o sucesso de Gehry está intrinsicamente atrelado ao meio do qual emergiu – local e contexto – já que no final dos anos 70 o movimento pós-moderno estava perdendo força nos EUA, o que levou o público americano a aplaudir de pé a sua arquitetura irreverente. O considerando como indivíduo livre, sem preconceitos e isento de convenções, os Estados Unidos da América o elevam como figura de pioneiro, disposto a conquistar e construir uma arquitetura nova. Essa atitude

desbravadora também é relacionada ao fato de Los Angeles, cidade que escolheu para morar e realizar vários trabalhos, não fornecer ao arquiteto uma base contextual rígida – já que é caracterizada pela celebração da inovação e do diferencial. O município em questão é extremamente atrelado à efemeridade, sendo que a “cidade está em constante movimento e admite um pluralismo generalizado” (Moneo, 2008, p. 234). Essa diversidade culmina em diversos grupos no mesmo espaço (étnicos, por exemplo), o que acarreta na luta pelas liberdades individuais. Essa individualidade é a principal característica da sociedade americana, e é fortemente refletida na obra do arquiteto.

Assim, através de sua arquitetura ele celebra o individualismo americano – espírito que a levou a se encaixar no país.

A arquitetura de Gehry como a conhecemos começa com a aceitação de LA, tendo em vista que lá, ser contextual, é ignorar o contexto. Moneo (2008) reforça que, o grande mérito desse início de carreira do arquiteto foi o fato de sua obra evidenciar a reflexão de como construir nessa cidade, de maneira que ele não somente construiu em Los Angeles, mas à maneira de Los Angeles. Assim, sem um entorno que justificasse suas escolhas, Gehry constrói uma obra livre de modelos e tipos, nem como imagens nem como ideais de edifícios. Sua arquitetura é como a cidade em que reside, sendo alheia ao monumental e tipológico, levando a marca – voluntária – do temporário e efêmero. Dessa maneira, a arquitetura de Frank Gehry se solidifica como a celebração da expressão do individualismo encontrado em LA e assim absorve características da sociedade americana – a qual o projetou para a posição de um dos arquitetos mais importantes do mundo.

3.2 A experimentação

No livro Arquitetura em diálogo (Zaera-polo, 2018), Gehry narra que fez sua graduação em uma escola de arquitetura convencional, na qual trabalhou com materiais elegantes e tradicionais, como mármore, madeira, metal, gesso, pedra – enquanto estudou os detalhes construtivos de Mies van der Rohe e Le Corbusier. Quando começou a carreira profissional, percebeu a dificuldade em alcançar esse tipo de detalhamento dentro dos orçamentos e prazos previstos pelos clientes – além da mão de obra não ser preparada para esse nível de perícia. Na época existiam muitos artistas que utilizavam sucatas para fazer suas obras, e isso influenciou o arquiteto a encontrar inspiração ao seu redor, um ambiente de arquitetura provisória e rápida, e passou a apreciar os elementos cotidianos. “Achei que poderia transformar a imperícia construtiva em virtude ao assumir sua qualidade visual, em todas as suas vertentes; entendê-la cores numa paleta” (Zaera-polo, 2018, p. 214). Nessa jornada experimentaria materiais

peculiares como os alambrados, os quais via anteriormente como um elemento de péssimo gosto estético – mas que o conquistaram por sua controvérsia. Este elemento, de acordo com Gehry, representa a incoerência das massas e assim é utilizado para demonstrar o paradoxo de como, apesar de ser esteticamente desagradável, está sempre presente nas construções de alto padrão – ao redor de quadras de tênis, por exemplo. Apesar de sua presença, nesse cenário passam desapercebidos, de sorte que todos vêem a quadra de tênis, e não o alambrado: “Como pode haver tal negação em massa e, em seguida, tal uso em massa?” (Zaera-polo, 2018, p. 215). Essa contradição o fascinou e o convenceu a utilizar o material em alguns projetos, como o Santa Monica Place em Los Angeles, a fim de tornar o entorno mais aceitável e encontrar as qualidades essenciais que faziam esse material atrativo.

A experimentação também se aplica às formas, como foi o caso de seu projeto Ron Davis House (1972), no qual se inspirou nas obras do próprio Davis, o qual era artista e cliente. “Eu estava fascinado pelo fato de que ele podia desenhá-las, mas não construí-las; ele não podia convertê-las em objetos tridimensionais” (Zaera-polo, 2018, p. 219). Como método experimental, “traçava” no terreno linhas tridimensionais com barbante, e dessa maneira gerava os espaços. Como resultado, obteve amplos espaços repletos de perspectivas abertas e distorcidas – os quais o ensinaram a manipulação plástica do ponto de vista. Moneo (2008) explica que, nesse projeto Gehry também esclarece o seu ímpeto de utilizar materiais diferentes – no caso chapas onduladas de aço – a fim de trabalhar a materialidade do edifício. Para o arquiteto americanocanadense, a pesquisa do potencial de materiais inusitados é fundamental, explorando continuamente diferentes texturas em seus projetos.

3.3 O conceito de ruptura

Em entrevista com Barbaralee Diamondstein, Gehry sublinha que gosta de fragmentar o seu trabalho no maior número de partes possível. Essa ruptura, entretanto, ultrapassa os limites da preocupação estética, de maneira que a fragmentação do programa de necessidades é característica importante de sua arquitetura – a qual permite uma análise programática mais livre. Para o arquiteto, o programa é a essência de um edifício, o ponto emblemático de um projeto – sendo que, de acordo com Moneo (2008), o desmembramento do programa na arquitetura de Gehry configura a origem da construção. A partir disso, Gehry articula as partes programáticas em figuras geométricas abstratas que darão forma à construção, enquanto às submete ao contexto em que serão inscritas. Enquanto aspecto plástico, busca a unidade formal, a qual geralmente atinge pelo invólucro – o qual dá ao espaço finitude. Tende a se concentrar

na manipulação da superfície envolvente, a qual, em seu ponto de vista, é o diferencial da arquitetura em contraste com a pintura ou escultura.

Em alguns projetos, como a Familian House em Santa Mônica (1977), um ímpeto desafiador o levou a montar quebra-cabeças formais em busca da ruptura estética.

Entretanto, ele conclui que seus resultados sempre são inferiores quando tenta, conscientemente, fazer escolhas diferentemente ao invés de seguir o seu “processo normal” (Zaera-polo, 2018, p. 225). Outra particularidade do processo conceitual desse arquiteto é que ele prefere o aspecto de edifícios ainda em construção, em relação aos finalizados. “Gostamos mais dos edifícios quando estão sendo construídos do que quando estão acabados. Edifícios construídos por pessoas comuns, quando estão em processo de construção, têm um aspecto interessante” (Moneo, 2008, p. 239).

Novamente a ruptura, dessa vez da construção – confirmando que, para Gehry, a parte mais importante de suas obras é o processo, pelo qual é completamente capturado.

3.4 O contexto

Segundo o arquiteto sublinha em entrevista (Zaera-Polo, 2018, p. 227): [...] “Penso de forma muito contextual. Por exemplo, na França se constroem edifícios com uma entrada, uma porte cochère, ou seja lá o que for, e uma cobertura que é inteiriça. Mas isso não significa que sejam necessariamente contextuais: muitos edifícios em Paris se separam das extremidades, não são completos, há uma peça faltando.

Mas ninguém vê isso, veem apenas o que esperam ver. Se meu trabalho é surpreendente para algumas pessoas é porque tento evitar essas concepções prévias e construir com base na realidade das coisas. Não porque eu seja muito imaginativo, mas sim muito realista.”

Gehry considera o seu trabalho contextual, mas tem consciência de que a opinião pública considera o oposto. Além disso, sempre que possível busca, ao construir um novo edifício, melhorar o contexto em que está inserido. A construção por si só deve possuir a sua expressão, mas o arquiteto acredita ser possível incluir ao invés de excluir.

Em entrevista a Hanno Rauterberg, (2008), Gehry afirma que ser um bom vizinho é prioridade em seus projetos, sendo que todos os seus prédios se relacionam com o local em que estão implantados. Ele procura, através de seus projetos, instaurar um relacionamento – ao invés de apenas pousar a construção no terreno com elemento estranho.

3.5 Maquetes

Em sua metodologia de projeto, Gehry preza pelo desmembramento do programa – e em seguida, distribui essas partes geometricamente. O próximo passo é submeter as figuras geométricas ao contexto no qual serão inseridas, para se adequarem ao entorno. Nesse momento é inserida no processo a produção de maquetes, na qual o arquiteto coloca sua presença direta e imediata, a qual é descrita por Moneo (2008, p. 237):

[...] “Uma vez estabelecida a coleção de peças que resolverão os diversos usos manifestados no programa, Gehry entra em cheio no campo de batalha do projeto, antecipando o seu futuro por meio da maquete (...) É importante dizer que para ele, as maquetes não são simplesmente reduções, versões em escala diferente de uma suposta realidade futura. As maquetes, como instrumentos do fazer são, em si mesmas, arquitetura.”

Através dessa produção de arquitetura em escala reduzida, Gehry procura manter, em cada elemento, a aura artística de uma obra de arte. O desafio aqui, como menciona o arquiteto no documentário Sketches of Frank Gehry (2006), é manter na construção o mesmo espírito das maquetes – que devido à pequena escala não deixam a arbitrariedade do arquiteto escapar. As suas obras trazem essa névoa do processo, das mãos do escultor cubista que as gerou. Essa névoa, explica Moneo (2008), defende a arquitetura de Gehry de sua fragilidade evidente, de sorte que terá como atribuição o valor de obra de arte única e singular. O arquiteto em questão carrega seus edifícios de durabilidade pelo seu valor, e não pela resistência material. Paradoxalmente, o espírito dura mais que a matéria. Dessa maneira, pode-se afirmar que Gehry trabalha como escultor.

Ele também se relaciona com outras mídias, como plantas e cortes, mas acredita que, apesar de parte fundamentais da representação, estão longe de serem importantes na concepção de seus projetos. Quando inicia um novo projeto, suas ideias para o edifício são desenhadas, propositalmente, de maneira imprecisa. Para ele, a construção se inicia com a produção de maquetes – sendo que saber fazer arquitetura é, em última instância, saber produzir maquetes.

Maquetes também são o veículo de comunicação da equipe para discutir sobre projetos. Em entrevista cedida para Webb (2003), ele confirma que os modelos de papel constroem o diálogo com os outros arquitetos e com os clientes, além de provocar a sua própria reflexão. Todas as maquetes produzidas ao longo do processo são exibidas para

os clientes, afim de revelar sua metodologia e expor a não arbitrariedade de suas decisões – advindas de um longo e árduo processo plástico. No filme documentário acerca de sua carreira é retratada essa trajetória, no qual Gehry, junto a Craig Webb (arquiteto de seu escritório) experimentam com recortes de papel. A partir de um modelo inicial, produzem inúmeras variações, com papeis cortados e colados, conotando um processo instintivo e experimental. Conforme acontecem as mudanças, o arquiteto canadense relata o que gosta ou desgosta sobre cada alteração, através da percepção tridimensional que elas permitem. Essas maquetes também evoluem na escala, iniciando como objetos escultóricos e podendo chegar à escala de interiores.

Finalmente, quando um consenso em relação ao projeto é atingido, o processo é finalizado – sendo que essa parte de sua metodologia pode demorar bastante, já que nela reside a parte mais importante de seu trabalho: a transformação de ideias e vontades em espaços.

4. ANÁLISE DAS OBRAS 4.1 Casa Gehry (Santa Mônica - Estados Unidos da América, 1978)

Fig. 1: Fachada de acesso da residência (Friedman e Lavin, 2009)

Para Moneo (2008, p. 249): “Neste caso, o ponto de partida é uma casa existente – uma casa que Berta esposa de Gehry, havia comprado. Ele aqui se apresenta como mais um americano, ligado ao lar e sua família. Demonstra-se satisfeito com a operação imobiliária de sua mulher e não deseja, de modo

algum, arruinar a casa que ela comprou com tanto entusiasmo. Então afirma: muito bem, vou ajeitá-la. E põe as mãos à obra.”

A partir de 1978, Gehry inicia a construção de uma série de casas unifamiliares, a qual terminará com a construção de sua própria residência, a Gehry House, na praia de Santa Mônica. A residência foi a obra que alavancou a carreira do arquiteto, sendo que, segundo entrevista cedida para Alejandro Zaera-Polo (2018), a maioria do público acredita que a sua carreira se iniciou com essa obra. Essa obra foi idealizada a partir de outra casa, adquirida pela esposa de Frank Gehry. Na intenção de adicionar à casa a personalidade do casal, Gehry propõe mudanças, adições espaciais feitas através de outros materiais. Friedman e Lavin (2009) defendem que o processo para esse projeto foi diferenciado, principalmente pelo fato de já existir uma construção no terreno. O arquiteto iniciou o processo criando uma lista com os pontos positivos e negativos do edifício, separando em itens.

Fig. 2: A residência que Berta Gehry comprou (Friedman e Lavin, 2009)

Fig. 3: Gehry e sua residência após finalizada (Friedman e Lavin, 2009)

5.1.1 A relação com Los Angeles

Gehry não se incomoda com o aspecto estético dos diferentes materiais se relacionando, e considera divertida a variedade formal encontrada no objeto. Essa obra comemora a arbitrariedade de sua obra, a qual projetou como Los Angeles: repleta de uniformidades e mudanças repentinas. Nesse projeto, assim como no Santa Monica Place, Gehry utiliza alambrados, experimentando com esse material que, apesar de estar presente em muitos elementos da vizinhança (quadras esportivas, barcos, trailers) causava estranheza e revolta nos vizinhos.

5.1.2 A experimentação

Segundo Moneo (2008, p. 246), nesse projeto fica evidente a pretensão de Gehry de experimentar através da retirada da pele do edifício. Dessa maneira, a estrutura fica em evidência, mostrando a verdadeira identidade construtiva. Através das chapas e dos alambrados, cria-se uma espécie de cubo explodido dentro da residência anteriormente tradicional. Ele experimenta através de um invólucro metálico que cria ambientes intersticiais, propondo uma relação mais permeável entre interior e exterior.

Fig. 4: Espaço intersticial na cozinha proposto pelo arquiteto (Friedman e Lavin, 2009)

5.1.3 O conceito de ruptura

Através da experimentação com outros materiais que adicionavam sua personalidade à residência, Gehry inicia a investigação por meio da tentativa de ruptura do programa de necessidades e da unidade formal. Obtém êxito na primeira, criando ambientes com funcionalidades distintas distribuídas geometricamente ao redor dos ambientes pré-existentes. Na segunda ele falha, de maneira que mesmo quando pretende quebrar a proposta através de materiais e formas distintas, acaba criando unidade enquanto forma. A sobreposição de materiais e ambientes rompem com a estética preliminar, entretanto ele o faz de maneira conjunta e acaba criando uma unidade, como cita em entrevista (Zaera-Polo, 2018, p. 225): “Quando comecei a desenhar a minha casa, fantasiei fazer cada janela como se tivesse sido projetada por um arquiteto diferente, uma do Mackintosh, uma do Rossi, uma do Corbu... Interessava-se a ideia de que a casa pudesse se tornar uma minicidade. Pensei que eu podia ser três arquitetos diferentes, mas é claro que não consegui: todas pareciam ser da mesma família, saídas da mesma mão. Não há escapatória. Posso tentar conscientemente fazer coisas diferentes, mas não ficarão tão boas quanto se forem feitas pelo meu processo normal”.

Figs. 5 e 6: Desenhos feitos durante a concepção do projeto (Friedman e Lavin, 2009)

Fig. 7 Axonométrica da residência, evidenciando a sobreposição do novo (Gravelle, 2015)

5.1.4 O contexto

A região em que a casa do arquiteto está inserida é fortemente residencial e tradicional, exibindo casas genéricas americanas. Gehry comenta que os vizinhos não gostam de sua casa esteticamente – apesar da residência ter reconhecimento internacional na história da arquitetura. Ela foi alvo de muitas reclamações no início, pois a consideravam esteticamente desagradável. Isso não abalou o projeto do arquiteto, que compreendeu o contexto na residência já existente. Como dessa vez trabalharia em cima de uma construção já consolidada, a compreendeu como contexto e a alterou conforme a ajustou ao novo programa e à nova estética.

5.1.5 Maquetes

Nesse projeto não é comentada a presença de maquetes no processo, já que foi o seu primeiro projeto com reconhecimento em Los Angeles. Entretanto, através da ideia de cubo explodido no interior da casa tradicional é possível de se afirmar que Gehry compreendeu o projeto como uma grande maquete 1:1, já que à medida que inseria as armações metálicas observava o resultado e se não gostava as trocava de posição. O processo descrito em sua produção de modelos ocorreu aqui, porém na própria construção.

5.2 Walt Disney Concert Hall (Los Angeles – Estados Unidos da América, 1989 - 2003)

Fig. 8: Walt Disney Concert Hall (Jones, 2013)

Apesar do projeto do Walt Disney Concert Hall ser bastante anterior ao de Bilbao, sua construção demorou uma década para ser concluída, sendo erguido posteriormente ao museu. Esse processo demorado, definido por Zaera-Polo (2018) como árduo, causa em Gehry bastante desconforto. No processo construtivo desse projeto ocorreram diversos contratempos, como o equívoco no projeto acústico por parte dos engenheiros do concurso e o posterior descolamento de placas devido à qualidade construtiva insatisfatória. Apesar do processo ter sido desgastante, resultou na utilização do software CATIA pelo escritório do arquiteto, o qual seria adotado como ferramenta construtiva principal do Gehry and Partners após esse processo.

5.2.1 A relação com Los Angeles

O projeto em questão tem como contexto a mesma cidade que recebeu o arquiteto e o consagrou nos Estados Unidos: Los Angeles. Entretanto, nessa fase de sua carreira Gehry está em seu auge, produzindo com grande liberdade e aderindo aos projetos a sua personalidade. O Walt Disney Concert Hall reflete a maneira à la Los Angeles de produzir arquitetura, descontextualizada e espontânea.

5.2.2 A experimentação

Alterações técnicas foram recorrentes no edifício devido à indecisão dos responsáveis técnicos pelo projeto acústico. Os projetistas não pareciam chegar a um senso comum sobre qual seria a solução acusticamente superior, o que modificou a forma do projeto algumas vezes. O arquiteto então decidiu convidar dois importantes engenheiros acústicos para conversar simultaneamente, e mais inconsistências surgiram. Assim, ele acabou escolhendo o japonês Yusuhisa Toyota, que segundo o testemunho do arquiteto era mais flexível. Esse processo tortuoso acabou acarretando em imprecisões nas paredes externas, que haviam sido idealizadas de maneira experimental por Gehry e equipe e encaixavam precisamente na primeira geometria proposta. Dessa maneira, o projeto ficou conflitante, o que levou algumas paredes a descolarem. Essa série de acontecimentos aborreceu o arquiteto, que afirma “ser muito doloroso falar sobre esse projeto, porque é muito difícil falar sobre os mortos” (ZaeraPolo, 2018, p. 234). Além disso também houve falta de verba, o que paralisou as obras novamente.

Apesar das dificuldades, o processo conceitual do Walt Disney Concert Hall explorou as superfícies curvas e acabou gerando uma profusão de peles1. A partir dele, Gehry assume uma nova postura em relação à unidade e fragmentação, o que influenciou posteriormente na arbitrariedade aplicada no projeto do Guggenheim de Bilbao – o qual é considerado a obra prima de sua carreira.

5.2.3 O conceito de ruptura

Pela inflexibilidade do programa da um grande auditório, nesse projeto Gehry aplicou a ruptura do programa nas outras áreas do projeto, como por exemplo no foyer.

1

Termo utilizado em Zaera-Polo, Alejandro. Arquitetura em diálogo. Ubu Editora LTDA-ME, São Paulo, 2018, p. 236

O espaço é fluido, desde o acesso do estacionamento até o lobby de entrada, passando pela cafeteria e loja de presentes e finalmente chegando no auditório, conforme relata Michael Webb (2003, p. 37). Esse passeio programático acontece sutilmente, de maneira que a utilização da luz natural e da “linguagem corporal” da construção são acolhedoras e convidam o usuário a adentrar. Dessa maneira, mais uma vez a quebra do programa e sua distribuição possuem consequências diretas no espaço vivenciado, trazendo grande sensação de movimento à construção.

5.2.3 O contexto

O contexto do projeto é novamente Los Angeles, tratando-se assim da zona de conforto do arquiteto. Entretanto, em busca de tratar cada projeto como singular, utilizase do programa um quanto tanto engessado (devido aos fatores técnicos de um auditório) e cria uma grandiosa escultura funcional, evidenciando novamente a habilidade adquirida através do desmembramento do programa e maestria plástica.

5.2.5 As maquetes

O Walt Disney Concert Hall possui formas curvilíneas e irregulares, nascidas de experimentações com maquetes – o método formal predominante no processo de Gehry. Essa característica gerou problemas no momento de representar o projeto para executá-lo – as superfícies, lisas e curvas, não eram representadas com êxito através da geometria euclidiana. Isso acarretou na complexidade construtiva, o que causou que as obras desse edifício ficassem paradas por mais de uma década. Assim, iniciou-se a procura, por parte do escritório Gehry and Partners por um software que representasse as geometrias complexas com exatidão.

Fig. 9: Rascunhos de Gehry para o Walt Disney Concert Hall (Jones, 2013)

Gehry e sua equipe iniciaram uma pesquisa em empresas de software a fim de viabilizar a execução de sua obra escultórica, narra Pedro Fiori Arantes (2012). Após uma tentativa fracassada em parceria com o MIT, descobriram o programa CATIA (Computer-Aided Three-Dimensional Interactive Application), da companhia francesa Dessault Systèmes – a qual nos anos 80 era líder no mercado automotivo e aeronáutico.

A terceira versão comercial do programa permitia que as formas paramétricas fossem confeccionadas a partir de membranas contínuas e suaves, como desejava o arquiteto.

Assim, utilizou-se o software na execução da obra “Peixe” (1991) em Barcelona como teste – no qual o êxito completo levou à uma quebra de paradigma na arquitetura mundial.

Como os projetos de Gehry nascem de maquetes físicas, alguns processos precisam ser realizados para transportar essas formas para o computador. Segundo Arantes (2012), são realizados dois procedimentos: nas formas menos complexas, a maquete é quadriculada e seus pontos de intersecção são lidos por um braço digitalizador a laser. Nas mais complexas, a maquete é escaneada por um aparelho de uso similar ao da tomografia médica. Em seguida, com as formas digitalizadas, é possível submetê-las ao sistema paramétrico do CATIA. Assim, o projeto todo é desenvolvido nesse modelo tridimensional, que ultrapassa o título de representação e atinge o status de simulação – podendo ser submetido à testes de acústica, desempenho energético, etc.

Figs. 10 e 11: Simulações realizadas no CATIA (Steele, 2001)

5.3 Museu Guggenheim de Bilbao (Bilbao - Espanha, 1997)

Fig. 8: O museu e sua relação com o rio (Pagnotta, 2013)

Conforme explica Moneo (2008, p. 277): “Se Bilbao de orgulhava de uma arquitetura em que predominava a razão, materializada nas construções industriais às margens de seu rio, e em cujo traçado se revelava a tradição urbana do século das luzes, agora a cidade se conscientiza de que aquele velho mundo que lhe satisfazia desaparecei e de que é preciso entrever um novo. Esta obra é, portanto, encarada como a representação do novo espírito pelo qual anseia essa nova cidade: a liberdade de Gehry é exibida como manifesto arquitetônico.”

De acordo com Pedro Fiori Arantes (2012), no projeto do Museu Guggenheim de Bilbao ressurge em Gehry o experimentalismo presente no início de sua carreira – como foi percebido na Casa Gehry – porém transformado. Aqui, os materiais cotidianos e a escala pequena de projeto foram substituídos por materiais nobres e monumentalidade.

Além de um fenômeno arquitetônico, Bilbao representa um “toque de Midas”2 na cidade em desenvolvimento – que no momento da obra vivia uma crise econômica – o qual gerou grande retorno financeiro e especulação para o mercado local. Dessa maneira, a capital do país Basco, anteriormente com grandes dificuldades econômicas, passa a ser vista como polo industrial, financeiro e cultural.

2

Termo utilizado em Arantes, Pedro Fiori. Arquitetura na era digital-financeira: desenho, canteiro e renda da forma. São Paulo, Editora 34, 2012, p. 32.

Fig. 9: Implantação do museu às margens do rio (Pagnotta, 2013)

5.3.1 A relação com Los Angeles Assim como em LA seus projetos eram focados no imediato e no individualismo – ambos reflexos na cultura americana, em Bilbao Gehry observa a cidade espanhola e projeta de acordo com suas necessidades e aptidões. A cidade californiana serviu para o arquiteto como laboratório, no qual experimentou projetar à maneira de LA, e levou essa característica a diante durante toda a sua carreira. A utilização das placas de titânio como material, além de representarem a materialidade pretendida para o edifício, também contextualizam a obra – de maneira que remetem à atividade portuária da cidade.

5.3.2 A experimentação

Essas placas, altamente utilizadas na indústria naval, apresentam a flexibilidade necessária para as superfícies previstas no projeto – e fornecem a leveza estética idealizada, mesmo se tratando de pesadas placas metálicas. Essa necessidade unida à ampla oferta local de titânio (devido à alta atividade marítima de Bilbao) gerou o cenário perfeito para a experimentação do novo material. Através do CATIA o arquiteto e sua equipe escanearam tridimensionalmente a maquete final, obtendo a forma de cada placa para a sua posterior confecção – sendo que pela razão de cada placa possuir

um desenho individual e único, o projeto consta com alto nível de complexidade construtiva, conforme relata Arantes (2012). Nesse projeto, o escritório de Gehry já havia utilizado o software algumas vezes, o que fez com que mesmo com altíssimo nível de complexidade construtiva ele fosse conduzido sem problemas.

Essa experimentação aconteceu também espacialmente, através das maquetes em grande escala – as quais permitem maior compreensão do espaço interno. Essas mudanças contínuas de escala, os saltos, as quebras, as interrupções e as luzes bombardeiam os sentidos e transformam a visita ao museu em uma contínua surpresa, explica Moneo (2008). Assim, o arquiteto atinge a dinamicidade formal tanto internamente quando externamente.

5.3.3 O conceito de ruptura

O projeto anterior a Bilbao, o Museu Vitra, auxiliou o arquiteto a consolidar o processo de ruptura do programa em obras de grande porte, o que acarretou na solidificação de sua metodologia, o que o levou a projetar com total liberdade em Bilbao.

Aqui, Gehry rompe com a Bilbao anteriormente antiga, e a apresenta como ela é atualmente: polo comercial e cidade turística. Para Moneo (2008), o Museu de Bilbao rompe com a antiga ideia que a cidade possuía sobre ela mesma, amplificando o conceito de liberdade.

5.3.4 O contexto

Desde o início, Gehry se sensibilizou com a realidade urbanística da cidade, e dessa maneira procurou a melhor maneira de implantar a ela sua arquitetura: próximo ao rio, conectando as duas margens. No surgimento no concurso, a intenção era propor a renovação do Edifício Alhóndiga. O arquiteto sugeriu, em reunião com o comitê, que o terreno fosse mudado para as margens do rio, e esse se tornou o ponto chave de seu projeto. Em entrevista (Zaera-polo, 2018), Gehry afirma que o projeto do Guggenheim de Bilbao é extremamente contextual, entretanto não no sentido convencional – como um movimento de jiu-jítsu, no qual tenta-se utilizar a energia da cidade a seu favor, para produzir algo novo. Através desse edifício, é construído um novo marco, símbolo de uma Bilbao renovada. Gehry não só utiliza-se do contexto para projetar como o acredita ser elo fundamental para qualquer projeto arquitetônico, como sublinha em entrevista publicada na El Croquis (2003). O arquiteto explica que, julgando a partir de publicações nas quais apresentam fotografias do museu isolado, ele aparenta não ser contextual.

Entretanto, isso ocorre devido à ausência do rio e da ponte na imagem, alvos principais

do processo de contextualização dessa obra. Ele conclui que essa relação obra paisagem só é sentida quando se vai até o local.

5.3.5 As maquetes Em Bilbao, Gehry foi até o local e desenhou alguns esboços – que, posteriormente foram considerados bastante precisos pelo arquiteto, como ele menciona em entrevista (Zaera-Polo, 2018, p. 230):

[...] “Tínhamos dez dias para terminar o projeto para o concurso. Fiz um esquema do programa e então comecei a fazer maquetes (...).

Desenvolvemos essa primeira ideia por meio de maquetes; fizemos uma por dia, e tiramos fotografias as maquetes do oitavo, nono e décimo dias, e as submeti ao concurso. Enviei todas as três para mostrar a direção que gostaríamos de seguir, em vez do produto acabado.”

Fig. 10: Esboços iniciais por Frank Gehry (Steele, 2001)

Fig. 11: Maquete em estágio final de projeto (Steele, 2001)

Depois da análise programática após a ruptura do programa de necessidades, Gehry distribuiu os usos em formas abstratas as quais em seguida se transformaram em três dimensões através das maquetes. Nesse projeto, sua metodologia de trabalho estava amadurecida, de maneira que conseguiu expressar, claramente, seus ímpetos formais para o museu em suas maquetes de estudo – o que acarretou no primeiro prêmio do concurso.

Reverenciado como um “êxito completo” por Rafael Moneo (2008), o Museu Guggenheim de Bilbao é considerado a obra prima da carreira de Frank Gehry, sendo que evidencia os maiores aspectos positivos de sua carreira em um único projeto. A irreverência diante de tradições adquirida através de sua relação com Los Angeles, a experimentação atingida através de materiais e formas complexas, a ruptura do programa, a intrínseca relação contextual e, por fim, a utilização metodológica de maquetes.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Um dos arquitetos mais influentes dos anos 80, Gehry se destaca por sua maneira livre de projetar. Isento de convenções e tradições, o arquiteto aprende em Los Angeles – cidade que escolheu para morar e solidificar diversas de suas obras – como absorver a identidade do entorno em sua arquitetura. Seu compromisso é com a qualidade e com o processo para atingi-la, no qual mergulha por completo. Através da experimentação, o arquiteto arrisca o aspecto final da obra em prol da caminhada projetual, durante a qual questiona e age, muitas vezes, de forma arbitrária. Por meio de invólucros e peles, o canadense constrói devaneios – os quais antes do software CATIA ficavam apenas no mundo das ideias. Sem amarras, porém com responsabilidade. Suas propostas são sempre contextuais, sendo essa, provavelmente, a característica mais oculta de sua metodologia. À primeira vista, Gehry preza por obras autorais, entretanto, tem como prioridade ser um bom vizinho, e não somente se adequar ao entorno consolidado, mas melhorálo. Romper é essencial em sua arquitetura, porém seu conceito de ruptura ultrapassa os modelos estéticos. Por meio da quebra do programa de necessidades e sua posterior análise minuciosa, o arquiteto constrói a sua obra. Por fim, ele explora formalmente suas ideias através de maquetes – que para ele são arquitetura em essência, pois já nascem de reflexões advindas do processo.

Suas formas escultóricas são advindas de sua concepção formal através de modelos, e não são o fim, mas sim o meio com qual o arquiteto atinge os resultados conceitual e arquitetônico desejados. De fato, o arquiteto encontra-se, por vezes, mais próximo à escultura do que à arquitetura, mas por mais inesperadas que sejam as formas exteriores de seus edifícios, os espaços internos sempre seguem a funcionalidade. Grande parte de seu processo de criação fica oculto, apesar de ele sempre mostrar o processo que o levou até a obra final. Assim, Gehry busca tratar cada projeto como único e dessa maneira produzir obras individuais e imaginativas, pertencentes ao contexto no qual estão inseridas.

Em conclusão, este relatório evidenciou a metodologia de um arquiteto que, absorto no processo criativo, prioriza a individualidade de suas obras e as preenche com valor de obra de arte, enquanto simultaneamente significa o processo em essência.

6. REFERÊNCIAS

ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura na era digital-financeira: Desenho, canteiro e renda da forma. São Paulo, Editora 34, 2012.

DIAMONSTEIN, Barbaralee. American Architecture Now 2. Vol. 2. Rizzoli International Publications, 1985.

FRIEDMAN, Mildred S. e LAVIN, Sylvia. Frank Gehry: the houses. Rizzoli International Publications, 2009.

GRAVELLE, Connor. “Gehry Residence Analysis”. Cargo collective Connor Gravelle.

Disponível em : http://cargocollective.com/connorgravelle/Gehry-Residence-Analysis .

Acesso Abril 2018.

JONES, Rennie. “AD Classics: Walt Disney Concert Hall”. Archdaily. Disponível em: https://www.archdaily.com/441358/ad-classics-walt-disney-concert-hall-frank-gehry.

Acesso Abril 2018.

LAWSON, Bryan. Como arquitetos e designers pensam. São Paulo, Oficina de Textos, 2011.

MONEO, Rafael. Inquietação teórica e estratégia projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos. São Paulo, Cosac Naify, 2008.

PAGNOTTA, Brian. “AD Classics: The Guggenheim Museum Bilbao”. Archdaily.

Disponível

em:

https://www.archdaily.com/422470/ad-classics-the-guggenheim-

museum-bilbao-frank-gehry. Acesso Abril 2018.

RAUTERBERG, Hanno. Entrevistas com arquitetos. São Paulo, Viana e Mosley Editora, 2008.

STEELE, James. Arquitectura y revolución digital. Cidade do México, GG México, 2001.

WEBB, Michael. Frank Gehry de A a Z. Revista El Croquis vol. 117. Madrid, 2003.

ZAERA-POLO, Alejandro. Arquitetura em diálogo. São Paulo, Editora Ubu LDTA ME, 2018.