O Trecheiro - Setembro de 2012 #210

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IMPRESSO

Notícias do Povo da Rua

Ano XXI Setembro de 2012 - Nº 210

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - rederua@uol.com.br

Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

Os donos do Largo

Alderon Costa

Pessoas em situação de rua foram expulsas da frente da Faculdade São Francisco com violência para outro lado da rua, enquanto membros da Guarda Civil Metropolitana (GCM) permaneceram em frente da faculdade “espantando” do local possíveis moradores. No domingo, dia 9 de setembro de 2012, a GCM iniciou a operação, que ficou conhecida como “Operação Espantalho” para expulsar as pessoas em situação de rua da frente da Faculdade São Francisco no Largo São Francisco, centro de São Paulo. Segundo moradores do local, a ação foi sem diálogo e violenta. Para João Batista de Souza Neto, morador do Largo eles não explicaram nada e logo chegaram batendo. “Estamos todos com medo de represália mais tarde, porque quando eles tiram a farda vêm bater em todo mundo aqui”, denuncia João Batista. Nina Laurindo, do Núcleo de Direitos Humanos ligado ao Centro Nacional de Direitos Humanos da População de Rua esteve no local e ouviu as denúncias dos moradores para levar ao Ministério Público. Segundo ela, um dos moradores que apanhou não conseguiu fazer o boletim de ocorrência por ser morador de rua. Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo, também questionou a ação. “Só veio a GCM. Por que não vieram as pessoas

da saúde, da assistência social e das outras áreas do governo já que a decisão da operação foi de um gabinete de governo”? A GCM utilizou a Faculdade como espaço de apoio à operação. A reportagem presenciou os guardas civis entrando e saindo com a conivência dos seguranças. Ao gravar a saída do GCM com nome de Amaral, conhecido dos moradores da área como ex-rota, a reportagem foi intimidada. Este, ao ser filmado, tirou o celular e começou a andar em direção do repórter como se tivesse tirando fotos ou filmando. O fato foi denunciado ao inspetor Munhoz, coordenador da operação naquele momento, como tentativa de impedir o trabalho da imprensa. A reportagem do jornal O Trecheiro permaneceu no local até as 20 horas e presenciou a distribuição de lanches que chegou a reunir mais de 600 pessoas. Alguns guardas civis permaneceram ao lado da Faculdade de Direito, enquanto as pessoas em situação de rua permaneciam do outro lado da rua. A pergunta que todos se faziam era para que servem essas ações? E ainda, o que prefeitura pretende ao empurrar as pessoas de um lado para o outro? Segundo Armando Ferreira Aguiar, morador do Largo São Francisco, vários que ali moram vieram da Favela do Moinho que pegou fogo em dezembro de 2011.

Resistência contra a violência No dia 10 de setembro, um dia após o início da “Operação Espantalho”, a GCM e a Limpeza Urbana, com o apoio de peruas e caminhões preparavam-se para retirar os pertences e expulsar as pessoas em situação de rua do Largo São Francisco. No entanto, alunos da São Francisco, a Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo e outras organizações sociais juntaram-se contra essa limpeza e expulsão das pessoas e impediram a ação dos agentes municipais.

No dia 17 de setembro, alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco realizaram, também, um ato em protesto ao apoio de parcela da Faculdade e contra a ocupação da GCM do espaço utilizado pelas pessoas em situação de rua. Ana Tereza Moraes da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, lembrou que a solução está na implementação de várias políticas públicas e que os alunos da Faculdade do Largo São Francisco precisam

sair do prédio para conhecer o direito que acontece na rua. “Já passou da hora da gente sair do prédio e olhar a realidade. Os moradores de rua não são paisagem”, afirmou ela. Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, da Central dos Movimentos Populares, presente no ato, defendeu a importância da preservação do ser humano e não de prédios. “Se nós não preservamos os seres humanos, vamos preservar prédios para que?”, questionou Gegê.

Nota da GCM sobre a ação do dia 9 de setembro de 2012, no Largo São Francisco, onde as pessoas em situação de rua foram expulsas pela “Operação Espantalho”. “O Gabinete de Gestão Integrada de Segurança, por meio da Guarda Civil Metropolitana, e a Subprefeitura Sé foram à região do Largo São Francisco no domingo (09/09) atender reclamação de pichação do patrimônio histórico tombado no Largo São Francisco. Foram realizados serviços de manutenção do espaço público e zeladoria. Na ação, os guardas ofereceram abrigo às pessoas em situação de rua, que estavam na região. Duas pessoas em situação de rua que estavam acampadas junto ao prédio da Faculdade Largo São Francisco não aceitaram as orientações dos GCMs e agrediram os guardas civis. Foram conduzidos ao Distrito Policial onde foi lavrado o boletim de ocorrência. Um dos GCMs agredido, que levou uma mordida no braço, fez exame de corpo delito, configurando a agressão sofrida. Reforçamos que em nenhum momento foi utilizado gás de pimenta por parte da GCM e não houve qualquer ato de violência contra as pessoas em situação de rua. As ações dos guardas civis metropolitanos são pautadas no respeito ao cidadão e aos direitos humanos. Qualquer denúncia deve ser encaminhada à Corregedoria Geral da Guarda Civil Metropolitana pelos telefones: 3149-3804 e à Ouvidoria GCM no telefone: 0800 7700263; órgãos independentes responsáveis por investigar irregularidades da corporação”.


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“Sou humano”

Recentemente, em um encontro com uma pessoa há muito tempo em situação de rua perguntei seu nome e disse que já o conhecia de outros lugares. Ele me cumprimentou, falou seu nome e disse que estava se organizando para sair da rua e buscava um trabalho. Conversamos apenas um pouco, ele se retirou, pediu desculpas e alegou ter que ir embora. Despedimo-nos e fomos para nossos afazeres de cada dia. Fiquei impressionado com essa pessoa que, aparentemente, muitos poderiam ter medo de se aproximar, mas foi de uma doçura e gentileza raramente encontradas. Chamou-me atenção o fato de ele não ter muito tempo, pois se dependesse de mim, conversaríamos mais longamente. O outro fato, é que ele mostrava já não ter mais condições de trabalhar pela saúde e idade, mas a ideia de que tem que trabalhar para estar presente na sociedade ainda era forte. A justificativa serve para dizer “que sou alguém como você, não tenho tempo e estou à procura de emprego”. Esta fala pode significar que este senhor quis dizer: “Sou gente, sou humano e não bicho como pareço ser para alguns”. Esta mesma explicação, ouvimos várias vezes por ocasião da “Operação Espantalho”. A comparação com cachorro ou cachorro sarnento é muito comum entre as pessoas em situação de rua, pois é assim que eles são tratados. Com isto a violência física também tem aumentado em quantidade e intensidade. Por trás desse quadro, temos um olhar, ou melhor, um não olhar para elas. No caso do Largo São Francisco, um absurdo econômico e social. Econômico porque se está jogando dinheiro do munícipe fora, quando são destinados oito guardas por turno para vigiar as paredes da Faculdade São Francisco. Social, porque as pessoas só passaram para o outro lado da rua. Como na operação delegada da Polícia Militar na Luz, que espalhou as pessoas dependentes do crack para outras regiões da cidade, mas não resolveu o problema. Os traficantes só vão ter que aumentar o seu quadro de recursos humanos e andar um pouco mais. Infelizmente, nesses últimos anos podemos afirmar, sem dúvida de errar, que as ações municipais em várias áreas das políticas públicas em São Paulo serviram apenas para agravar a situação de conflito na cidade e piorar a situação dos pobres que tentam sobreviver. Vejam o que foi feito nas muitas reintegrações de posse e nos vários incêndios das favelas que não tiveram nenhum apoio qualificado da Prefeitura: as famílias foram literalmente jogadas na rua. No máximo, oferece-se uma vaga de pernoite em albergues. Estes, por sua vez, também não oferecem oportunidades e são mais um espaço de confinamento e esconderijo dos pobres. Basta verificar o caso da dona Cida e o relato de nossa repórter. “Os registros da Prefeitura apontaram que a dona Cida permaneceu 10 dias no Albergue São Francisco no Glicério no ano de 2007. A equipe de abordagem nas ruas registrou doze atendimentos nas imediações da Rodoviária da Barra Funda entre os meses de março a junho de 2012. No entanto, os profissionais nada anotaram sobre essas abordagens. No pátio do Boracea, muitos homens (poucas mulheres) soltos em cadeiras de rodas. É de se perguntar para o que servem esses serviços? Que providências o poder público realizou com dona Cida nesse período final de sua vida?” Bom, vamos esperar as eleições e votar para que essa situação mude. Já não conseguimos mais conviver com tanta violência, negligência e aberrações da polícia “social-assistencial-econômica”. Não é política, o que vemos é polícia para resolver os problemas sociais. Bom, tenho que ir, pois também preciso trabalhar!

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Setembro de 2012

VIDA NO TRECHO

Vida curta e difícil

Dona Maria Aparecida Moresco faleceu no Centro de Acolhida Especial Boracea no dia 16 de setembro e foi enterrada no Cemitério de Vila Formosa Fotos: Fabiano Viana/Rede Rua

Editorial

O Trecheiro

Cleisa Rosa

“Em cartaz na Barra Funda: lar, amargo terminal – Solitária e doente, Maria Aparecida Moresco, de 58 anos, viveu durante sete meses no Terminal Rodoviário”. Alguns de seus amigos, que tiveram convivência estreita com ela em anos passados, ficaram surpresos e tristes com essa matéria publicada por Jussara Soares no Diário de S. Paulo (26/08/2012). Dona Cida participou ativamente dos encontros do Fórum de Debates da População de Rua realizados na Pastoral da Moradia na Rua Rodolfo Miranda, ocasião em que a conheci. Nessa época, nos anos de 2004, ela fazia parte do primeiro grupo de 11 agentes comunitários de saúde de rua selecionados entre 260 candidatos ao Programa “A Gente na Rua”, implantado pelo Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto; além de competente esse grupo era comprometido com a defesa dos direitos humanos e do protagonismo da população de rua. Dona Cida tinha um diploma em Ciências Sociais pela PUC-SP, expressava-se muito bem, conversava sobre vários assuntos e levava a sério sua atividade. “Trabalhei com dona Cida, aproximadamente, três anos. Uma mulher inteligente e sedutora com suas sábias palavras. Entretanto, por trás de tanta inteligência, havia um sofrimento psíquico

intenso, o qual dona Cida parecia querer esconder”, disse Rhavana Pilz Canônico, enfermeira e Interlocutora Técnica Bom Parto. Região Sudeste. Foram cinco anos de trabalho como agente comunitária de saúde de rua. Inteligente e atenta aos outros, dona Cida era uma militante da rua, interessada não apenas no trabalho, mas nos cuidados e na vida das pessoas com as quais convivia cotidianamente nas ruas. Desde 2007, começou a ser acompanhada por psicólogo, psiquiatra e assistente social tendo em vista o desempenho do trabalho nas ruas e as providências com sua aposentadoria (ela tinha problema na perna que a impedia de andar). Somente a partir de 2009, dona Cida se aposentou e começou a receber um salário mínimo. Ao tomar conhecimento da matéria do Diário de S. Paulo, procurei saber onde dona Cida se encontrava e fui visitá-la no Boracea. No espaço das mulheres, várias camas e ao lado de uma delas, com um prato na mão dona Cida almoçava. Quando me viu parou de comer e colocou o prato em cima da cama. Nesse encontro, relembramos de experiências comuns que tivemos em fóruns, manifestações e atos nas ruas. Ela falou dos amigos e amigas. Dona Cida estava do mesmo jeito de quando a conheci:

educada e falando muito sobre sua família, o fato de ter sido adotada e a perda dos recursos financeiros. Comentou que jornalistas do Diário estavam procurando por sua família e que integrantes da Escola de Samba Mocidade Alegre iriam levá-la naquela semana para conhecer essa escola de samba porque sabiam o quanto ela gostaria. Ela disse que queria voltar a trabalhar e não gostou de se aposentar. Tínhamos muito a conversar, prometi voltar e avisar seus amigos e amigas. Em menos de 15 dias desse encontro, fui avisada pela assistente social do Boracea que dona Cida havia morrido após um mal-estar e atendimento do SAMU. Foi um prazer reencontrar dona Cida, mas não imaginava que seria pela última vez. Nessa visita me dei conta de maneira ainda mais dramática de como tantos homens e mulheres vivem nas ruas e nos serviços públicos. Muita coisa é feita, muito dinheiro gasto, mas no limite estão abandonados à própria sorte até à morte.

Entretanto, por trás de tanta inteligência, havia um sofrimento psíquico intenso

Comunicado e convite A Associação Rede Rua comunica sua decisão de interromper o convênio 309/SMADS/2008, com a Secretaria da Assistência Social, para o serviço do Centro de Acolhida para Adultos Núcleo de Vivência Santo Dias da Silva. Suas atividades começaram em 27 de dezembro de 2002, com o objetivo de prestar atendimento a 80 homens em situação de rua para possibilitar a saída da situação de rua, por meio da conquista da autonomia. Convidamos todos para marcar a continuidade de nossa luta por uma política diferenciada e qualificada em vista do protagonismo das pessoas em situação de rua. A Luta do Santo Dias continua!

Saídas já! Data e horário: 15 de outubro de 2012 (2ª feira) às 19 horas Local: Pousada da Esperança Rua Ministro Roberto Cardoso Alves, 51 – Santo Amaro Contato: (11) 5548-2672


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O Grito dos Excluídos!

Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

Padre Alfredo J. Gonçalves / Secretaria do Grito dos Excluídos

Em sua 18ª edição, no último dia 7 de setembro, as mobilizações do Grito dos Excluídos levaram milhares de pessoas às ruas e praças de todo país, tendo como lema “Queremos um Estado a serviço da nação, que garanta os direitos a toda população”. Com diversos tipos de manifestações, linguagens e expressões culturais e religiosas, a iniciativa envolveu praticamente todas as capitais do território nacional, além de centenas de outras localidades e comunidades, com destaque para o evento realizado no Santuário de Aparecida ao da 25ª Romaria dos Trabalhadores. Para além das oficialidades, vários movimentos saíram às ruas para protestar e mostrar sua indignação diante deste modelo de economia que cresce, mas não distribui a riqueza, destrói a natureza e o meio ambiente, mantém e amplia o fosso da desigualdade. Há 18 anos, o Grito dos/as

Excluídos/as se firma e constitui uma importante manifestação popular carregada de simbolismo, com muita animação e profecia apresentando uma nova forma para se comemorar o Dia da Pátria. Ele teve início em setembro de 1995, a partir dos debates da 2ª Semana Social Brasileira, a respeito do Brasil que queremos. Estava em jogo também a reflexão da Campanha da Fraternidade daquele ano, que tratava justamente do tema da exclusão social, com o lema “Eras tu, Senhor!”. Debatia-se sobre as alternativas e protagonistas de uma nova nação, atmosfera favorável à emergência de pessoas e grupos que viviam à margem da vida e da história. Grito dos Excluídos e Semanas Sociais Brasileiras (SSBs) sempre representaram duas iniciativas casadas, ou duas irmãs siamesas. Não foi diferente neste ano de 2012. No pano de fundo das discussões sobre o Estado que temos e o

DIRETO DA RUA

Estado que queremos, o Grito contribuiu com sua programação costumeira. Privilegiou-se não tanto os eventos, mas sim os processos: há um antes, de preparação, seminários e reflexão; um durante, que ocorre na Semana da Pátria, com destaque para o Dia da Independência; e um depois, na avaliação, impactos e soma com outras entidades, movimentos e organizações em geral nas lutas do dia a dia, por moradia, saúde, educação. A partir da avaliação das atividades da 18ª edição do Grito, poderíamos indicar quatro pontos de reflexão os quais, de um modo ou de outro, vão simultaneamente criticando a forma de Estado que temos e delineando os contornos do Estado que queremos, a saber: Superação do autoritarismo cedendo lugar a uma “discussão democrática plural e dialógica”; Reforço ao protagonismo da sociedade civil sobre o Estado por meio de um projeto de nação que leva em conta as necessidades de toda a população, privilegiando as camadas de baixa renda; Passagem de um Estado patrão, administrativo, espécie de capataz do mercado total e dos centros decisórios da economia globalizada, para um Estado efetivamente regulador dos interesses sociais, econômicos e políticos. Avançar de uma democracia representativa, atualmente em vigor nos países ocidentais, para uma democracia crescentemente participativa.

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Celso Luiz Pereira, 32, natural de Paranaguá (PR) logo após o falecimento da mãe adotiva foi para as ruas. Hoje, é o coordenador do Movimento no estado de Santa Catarina. Num intervalo do encontro sobre “Práticas de Controle de Tuberculose” que aconteceu em Brasília nos dias 13 e 14 de setembro, gravamos esse depoimento do Celso para o Direto da Rua. “Aprendi a caminhar no asfalto. Fiz várias viagens a pé para Curitiba, Florianópolis, São Paulo e Vale do Ribeira. Virei um trecheiro e sempre andava sozinho. Em Curitiba, acabei conhecendo o Movimento Nacional da População de Rua e o Leonildo José Monteiro, coordenador do movimento no estado do Paraná. Há mais de dois anos que eu estou em Santa Catarina. Com o apoio do padre Vilson Groh

Cleisa Rosa e Alderon Costa

Mais incêndio no Moinho

80 barracos localizados embaixo do viaduto Orlando Gurgel foram destruídos após outro incêndio ocorrido no dia 17 de setembro de 2012 e mais de 300 pessoas estão sem atendimento habitacional. A Prefeitura ofereceu apenas colchão, cobertor e cesta básica e sobre o alojamento provisório a orientação era buscar casas de parentes ou amigos ou se dirigir a um albergue.

Incertezas no Moinho

1º) Os moradores vitimados são os mesmos que há 15 dias tinham relatado a ocorrência de forte pressão psicológica por parte da municipalidade, que exigia que esses moradores deixassem o local até outubro; 2º) Houve três focos iniciais de incêndio diferente da versão apresentada de briga de moradores viciados em drogas; 3º) Há um mês, foi instalado um hidrante, mas sem as mangueiras e sem a chave para acionamento da água e nem mesmo foram entregues roupas de segurança nem colocados extintores como foi combinado.

Controle de Tuberculose

Nos dias 12 e 13 de setembro, foi realizado em Brasília o Seminário de Boas Práticas no Controle da Tuberculose para a População em Situação de Rua. O evento reuniu representantes do Movimento Nacional da População em situação de Rua (MNPR) e dos serviços públicos envolvidos para discutir experiências de promoção da saúde para a população em situação de rua, que é, segundo o Ministério da Saúde, 67 vezes mais vulnerável à tuberculose se comparada à população em geral, enquanto a população carcerária é 27 vezes.

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Morte no RS

Celso Luiz Pereira

“Aprendi a caminhar no asfalto” e outros apoiadores, que já serviam sopa, passaram a servir almoço aos domingos. Em desses encontros, conheci Leonildo e comecei a me envolver com o trabalho. No começo, levantamos várias situações de violação de direitos humanos, em particular, a questão da segurança pública, pelo fato de a Polícia Militar acordar as pessoas com chutes e choques elétricos. Em seguida, formamos o MNPR em Florianópolis com acompanhamento do Leonildo; atualmente nós dois fazemos a coordenação do movimento no estado de Santa Catarina. Participamos do I Congresso da População de Rua na Bahia neste ano. Meu objetivo é lutar pela população de rua que continua na mesma situação, porque nada mudou até agora. Eu mudei! Doze anos de rua! Eu consegui parar com o álcool, nunca passei por delegacia e carrego a rua comigo. Hoje é uma luta muito grande em Florianópolis. A área da Assistência Social não reconhece o MNPR e não tem um abrigo para atender às necessidades das pessoas em situação de rua. Ocupamos o Centro de Referência Especializado de Atendimento da População em Situação de Rua (Creas-pop) para exigir condições básicas como sabonete e toalhas. Como pode ter um só chuveiro para 300 pessoas? O atendimento também parece um quartel. Chega às 8 horas, faz-se a ficha, passa

Setembro de 2012

Trecheirinhas

O Trecheiro

pela assistente social até as 10 horas. Quem chegou até esse horário tem direito ao banho e almoço. Quem chegar depois não tem direito a nada. É um atendimento inadequado para a população de rua. Temos o apoio do Ministério Público e já encaminhamos várias denúncias, inclusive sobre o Creas-pop. O promotor de justiça, dr. Daniel Paladino, comentou que esse Centro não servia nem para cachorro sarnento, imagine quanto mais para um ser humano que está em situação vulnerável. A partir do momento da formação do Comitê Intersetorial, vamos entrar para valer nos conselhos, nas secretarias para dizer o que é necessário para que o morador de rua tenha possibilidade de sair dessa situação. Depois de muita luta, conseguimos reabrir o albergue, que é mantido pela Maçonaria. O Ministério Público de Santa Catarina entrou com um processo contra a Prefeitura e o juiz acatou o pedido de que seja implantado uma casa abrigo para atender as demandas das pessoas em situação de rua. Já está previsto a solicitação de construção de quatro abrigos em Santa Catarina e o MNPR está solicitando que os dois abrigos sejam construídos na capital. O Movimento conta, também, com os apoiadores: Centro Cultural Escrava Anastácia, o Instituto Guga Kuerten e o Instituto Pe. Vilson Groh”.

No dia 23 de setembro, Carlos Miguel dos Santos de 45 anos morreu no Hospital Pompéia após ter sido atingido pelo fogo em 80% do corpo. Segundo a Brigada Militar, Carlos estava dormindo em um quando alguém teria ateado fogo no casebre. A polícia investiga três suspeitos que foram vistos andando pelo local pouco antes do incidente.

“Preservação do patrimônio”

O prefeito Gilberto Kassab (PSD) disse (11/09/2012) que a retirada dos moradores de rua da frente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) no Largo São Francisco era para a liberação do espaço público e preservação do patrimônio. Ele negou que se trata de um projeto voltado especificamente a retirar essa população do centro da cidade, e afirmou que não houve truculência na ação da Guarda Civil Metropolitana (GCM).

Sem-tetos do Ipiranga

Cerca de 300 pessoas ficaram sem lugar para morar e acampam na calçada. No dia 28 de agosto de 2012, dona Maria de Jesus, 63 anos, estava sentada em colchões na calçada próximo do número 908 da avenida Ipiranga. Em sua volta, muitas outras pessoas se apoiavam no que conseguiram retirar antes da Polícia Militar entrar no prédio. Após negociação, as pessoas que ocuparam o prédio há 9 meses decidiram sair pacificamente e cobrar da prefeitura um lugar para ficar. A maioria não tem para onde ir e muitos já trabalham na região. Mais de 50 crianças estudam ou frequentam creches próximas ao prédio. Como dona Maria de Jesus, muitos ainda não sabem para onde ir.


O Trecheiro

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Raimundo Bonfim e André Delfino da Silva

O incêndio na favela Moinho, na região central da capital paulista, no último dia 17 de setembro, faz parte dos 34 incêndios ocorridos em favelas na cidade de São Paulo apenas neste ano. Isso tem se tornando rotina. É desolador assistir chamas invadirem lares pobres, casas simples de madeira, construídas com muito suor e sacrifício por famílias que não tiveram apoio do poder público no acesso à moradia digna. Esses incêndios têm causado efeitos nefastos. Além de deixarem as famílias sem teto para se protegerem do sol e da chuva, eles causam perda de vagas nas creches e nas escolas. Na maioria dos casos, há perda total dos bens materiais, conquistados após anos de trabalho. Estes fatos têm causado enorme angústia para os quase dois milhões de habitantes das 1.565 favelas existentes na cidade. A Prefeitura de São Paulo argumenta que tantos incêndios aconteceram em um período tão curto por causa do tempo seco e da baixa umidade do ar. Então, como explicar a ausência de incêndios nos demais municípios da região metropolitana onde o clima é seco e há baixa umidade do ar? É muita coincidência a existência de uma onda de incêndios em favelas paulistanas em um momento de intensa valorização imobiliária; além do mais eles ocorrem justamente nas proximidades das operações urbanas, nos locais mais cobiçados pelo mercado imobiliário. Além dos incêndios, estamos vivenciando uma onda de reintegração de posse, despejos e remoção de favelas

Fotos: Alderon Costa/Rede Rua

Incêndios nas favelas de São Paulo e de áreas localizadas embaixo de viadutos, principalmente naquelas que passam por um "boom imobiliário". Assiste-se diariamente ao uso violento da força policial nas reintegrações de posse contra famílias de sem-teto que ocupam prédios vazios, prédios que não cumprem a função social prevista na Constituição Federal e no Estatuto das Cidades. Apesar da existência de aproximadamente 3,5 milhões de pessoas que sobrevivem em condições precárias nas favelas, cortiços e loteamentos irregulares em São Paulo, não há nenhum projeto de planejamento urbano participativo para assegurar o direito à moradia desses cidadãos. O que se vê é um forte processo de verticalização em São Paulo, que avança com a leniência da atual gestão até mesmo sob suspeita de que vários empreendimentos imobiliários foram aprovados mediante corrupção. A prioridade no processo de urbanização de favelas não passa de discurso. Dos R$ 574 milhões previstos no orçamento deste ano para urbanização de favelas, até o dia 31 de agosto foram empenhados apenas R$ 131 milhões e liquidados somente R$ 82 milhões, ou seja, 14,2% do total previsto. A falta de compromisso político com a população mais carente da cidade, evidenciada pela ausência de projetos e de investimentos em habitação popular e os interesses imobiliários presentes podem explicar o fenômeno dos incêndios nas favelas de São Paulo. Texto original publicado na Folha de S. Paulo no dia 25/09/2012.

EXPOCATADORES 2012 planeja crédito para cooperativas Setor de Comunicação do MNCR

A EXPOCATADORES 2012, que acontecerá de 28 a 30 de novembro no pavilhão amarelo da ExpoCenter Norte em São Paulo, reunirá especialistas em gestão de resíduos sólidos do Brasil e da América Latina com a tarefa de valorização profissional dos catadores de materiais recicláveis e de fortalecimento de sua ação na cadeia produtiva de recicláveis de forma sustentável e inclusiva. O evento discutirá temas em torno da qualidade de vida dos trabalhadores envolvidos nesse processo e da destinação correta dos resíduos sólidos erroneamente chamados de lixo. Dessa forma, ele vem ao encontro de diversas ações do poder público, de empresas e da sociedade e deve agrupar experiências exitosas de todo o Brasil, além das iniciativas da América Latina e de outras regiões do mundo. Este encontro realizado, anualmente, contará com o público permanente de 1.500 catadores de 25 estados brasileiros, além de visitantes, com a estimativa de presença de quatro mil pessoas por dia. Haverá, ainda, a participação de delegações de 12 países da América Latina, além da Índia e da África do Sul.

I Expocatadores (2009) com a presença do Lula

Paralelamente, será realizado o 3º Encontro Nacional e Internacional de Catadores para intercâmbio de experiências, e pretende repetir o nível de participação de edições anteriores. Os temas, debatidos em seminários técnicos, referem-se a questões sobre a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, o urgente fechamento de lixões e os planos de gestão dos resíduos. Ao longo de 10 anos, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) lançou-se num projeto ambicioso: o de alçar o trabalho dos catadores a uma profissão reconhecida e valorizada no Brasil. Até então, como essa ocupação profissional não era reconhecida, o trabalho informal e desordenado era (e é) frequentemente motivo de repressão por parte do poder público, e os trabalhadores vítimas de preconceito da sociedade em geral. Dez anos atrás, sair de uma situação de miséria extrema e avançar patamares na cadeia produtiva da reciclagem era um sonho considerado utópico. No entanto, hoje o trabalho dos catadores de materiais recicláveis é classificado como ocupação profissional pelo Ministério do Trabalho e Emprego e está inserido definitivamente nas políticas públicas de gestão de resíduos sólidos no Brasil. Basta examinar a Política Nacional de Saneamento (Lei 11.445/07), a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) e outras leis e decretos complementares de incentivo fiscal e regulatório. A categoria dos catadores de materiais recicláveis é hoje uma alternativa estratégica no combate à pobreza extrema e oportunidade de negócio em um mercado promissor resultado das políticas públicas criadas recentemente com a participação do movimento

social organizado. Nesse contexto, a terceira edição da EXPOCADORES almeja que cooperativas e redes de catadores possam ter acesso a cartas de crédito para negociar diretamente com empresas e fazer negócios dentro desse evento. A proposta está sendo construída junto ao Banco de Brasil para a criação de uma linha de crédito específica para as organizações de catadores.

A EXPOCATADORES 2012 reunirá as empresas produtoras de equipamentos e tecnologia do setor, facilitando o intercâmbio entre os diversos atores do mercado. Essa iniciativa, além de simbólica, tem caráter educativo. As organizações de catadores credenciadas com cartas de crédito passarão por capacitação com técnicos da área financeira para realizarem os melhores negócios na feira visando bons resultados para os catadores.

Nota

Sobre o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material Reciclável (CNDDH) Ir. Cristina Bove/ ,Pastoral Nacional do Povo da Rua

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) assinou na data de 23 de setembro de 2012, o Termo Aditivo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) para continuidade do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material Reciclável (CNDDH). Este documento celebra a prorrogação de prazo, recursos e permite continuar na luta pela conquista de direitos e de políticas públicas para esta população. O CNDDH, por meio de seus membros, manifesta seu compromisso na continuidade da ação nos sete estados onde é presença. Este fato potencializa o estabelecimento da rede em busca de dignidade e de direitos e na luta contra a impunidade e pela justiça para com todos que vêm sendo vítimas de constantes violações físicas e psíquicas.


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