O Trecheiro - junho e julho 2014 #226

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IMPRESSO

Notícias do Povo da Rua

Ano XXII Junho/Julho de 2014 - Nº 226

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - rederua@uol.com.br

Fabiano Viana

A Copa da vergonha

No dia 8 de julho, durante a semifinal da Copa da FIFA, os torcedores brasileiros se vergonharam diante da maneira pela qual a seleção de futebol do país, dentro da sua própria casa, foi eliminada do mundial. Mas, mesmo antes desse campeonato começar, os comitês populares das cidades sedes da Copa, já se envergonhavam e denunciavam a forma de como a “seleção dos empobrecidos” do país também estava sendo eliminada dentro da sua “própria casa”, a fim de dar passagem às construções dos estádios e das instalações das FIFA Fan Fest. O placar marcava uma “humilhação” de bem mais que os 7x1. O resultado apontava: violação de Direitos Humanos, criminalização dos movimentos sociais e ativistas, desocupações de moradias, proibição de ambulantes e, entre elas, a higienização da população de rua dos centros das cidades. Foi uma derrota sofrida pela “goleada” do adversário. Mesmo assim, não faltou garra e luta em campo para enfrentar o jogo difícil e duro contra o Estado, que – infelizmente gerou os primeiros eliminados, mesmo antes de a copa começar, no dia 12 de junho – perdurou durante a realização desse megaevento e ainda deve continuar após a copa.

Fabiano Viana/Rede Rua

Esse slogan criado pela Pastoral do Povo da Rua serviu para dar visibilidade e denunciar a violação do direito de ir e vir das pessoas em situação de rua por causa das festas da FIFA e do turismo. O morador de rua, Leandro Marques de Moura, relatou que presenciou, muitas vezes, mesmo antes de começar a Copa, policiais do Comando de Policiamento para a Copa (CPCopa), expulsando moradores de rua do gramado do Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. “Os moradores de rua estavam tomando a ‘barrigudinha’ e quando o policial chegava, pedia para sair. O morador falava que não ia se retirar e eles começavam a

Alderon Costa/Rede Rua

“Povo de Rua:

O primeiro eliminado da copa” descer o cassetete e jogavam spray de pimenta”, contou. Leandro considerou que essa higienização era para mostrar que a cidade não tem problemas sociais. “Eles não queriam que os gringos vissem a realidade da cidade. Na verdade, a cidade é aquilo ali. Por exemplo, o cara estava tocando violão no Vale do Anhangabaú eles queriam que ele se retirasse e o chamavam de vagabundo. O cara saía de um gramado e ia para o outro, eles iam atrás. Eles falavam que podiam chamar Direitos Humanos, Pastoral, Eduardo Suplicy, etc. Eu presenciei isso todos os dias”. Para o coordenador da Pastoral do Povo da Rua da Ar-

quidiocese de São Paulo, padre Júlio Lancellotti, as pessoas em situação de rua foram os “primeiros eliminados da Copa” porque foram “varridos e sofreram uma repressão contínua, como também, uma ausência de possiblidade. Esta foi uma Copa da crueldade”, considerou. Dias antes de começar a Copa, em um debate em São Paulo, o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, ao ser questionado sobre a higienização da população de rua nas cidades-sedes, justificou: “A Copa não é culpada por uma política sem-vergonha e higienista que muitos prefeitos fazem e não tem nada a ver com ela. Eles sempre fizeram isso. É culpa do capitalismo e de uma visão equivocada de um governo excludente que tira o catador e expulsa o morador de rua; tem a ver com as mazelas do país”. A eliminação pelas cidades-sedes Em São Paulo, treze dias para iniciar a Copa da FIFA, moradores de rua, entre eles, famílias com crianças de colo, foram surpreendidas com a retirada dos seus pertences e barracos que ficavam debaixo do viaduto Alcântara Machado, na Radial Leste, caminho do Itaquerão. Ao reagirem à remoção, foram agredidos pela PM com bombas de efeito moral. Alguns ficaram feridos. Em Belo Horizonte (MG), durante o protesto de abertura da Copa, moradores de rua que nem participavam do ato foram

Alderon Costa/Rede Rua

presos juntos com manifestantes e acusados de vandalismo, um deles apareceu nos noticiários sendo arrastado pela PM. (Matéria publicada na Revista Fórum, 24/06/2014). No Rio de Janeiro, o Ministério Público denunciou a superlotação de abrigo, no bairro da Piedade. De acordo com o relatório, os moradores de rua, que ocupavam os bairros de Copacabana, Lapa, Centro e Maracanã, foram retirados, alguns com violência e levados para o abrigo municipal Rio Acolhedor, em Paciência, Zona Oeste. (Matéria publicada no jornal O Dia, 10/ 06/2014). Em Salvador (BA), de acordo com a defensora Fabiana Miranda, os órgãos públicos estavam jogando jatos d’água nos moradores de rua, recolhendo seus pertences e jogados em caminhões feito lixo,

além de levar as pessoas para abrigos não reconhecidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (publicado no Blog JusBrasil Jun/2014). “Tenda dos refugiados” Enquanto as pessoas torciam eufóricas pelas ruas de SP, o morador de rua, Leandro Marques, contou que restavam às pessoas em situação de rua as tendas dos bairros da Bela e do Parque D. Pedro, até mesmo porque elas recebiam a ordem dos PMs para se refugiarem lá. “Eu adoro futebol, adoro copa do mundo, mas dessa forma que foi feita no Brasil, com tanto dinheiro gasto diante da educação como está, da saúde e os problemas da cidade, eu pensei que essa copa ia trazer sinais positivos”, concluiu Lendro.


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Editorial

O Trecheiro

Frio e Copa no cotidiano da população de rua!

É bom destacar que essas duas questões, apesar de tão diversas, são atualmente tratadas em São Paulo de forma muito parecida, porque pautadas no desrespeito, na remoção (os primeiros eliminados da Copa!) e na violência. Não há planos consistentes para enfrentamento do frio, período do ano tão difícil para quem mora nas ruas e nos albergues! É um momento no qual as ações paliativas se impõem: abrigos emergenciais, colchões, e cobertores. Ano após ano, essa situação se repete. É isso que queremos? Ora Operação Inverno, ora Frentes Frias, os nomes se alternam, mas as ações são as mesmas e quase sempre chegam atrasadas e com morte! Quer violência maior que essa? Pensando na questão da Saúde, segundo historiadores, os cuidados paliativos estão presentes desde a Antiguidade, com as primeiras definições sobre o cuidar. Na Idade Média, durante as Cruzadas, era comum achar hospedarias em monastérios, que abrigavam não somente os doentes e moribundos, mas também os famintos, mulheres em trabalho de parto, pobres, órfãos e leprosos. Essa forma de hospitalidade tinha como característica o acolhimento, a proteção, o alívio do sofrimento, mais do que a busca pela cura. No século XVII, um jovem padre francês chamado São Vicente de Paula fundou a Ordem das Irmãs da Caridade em Paris e abriu várias casas para órfãos, pobres, doentes e moribundos (Academia Nacional de Cuidados Paliativos). É esse o modelo vigente? Até hoje, a questão do frio é tratada assim: atendimento às necessidades de proteção às intempéries do tempo de um determinado período do ano do qual não há legado nenhum! Todos os anos é a mesma coisa. Não sobra nem mesmo reflexão a respeito da ausência de políticas públicas permanentes, em particular, propostas de habitação popular compatíveis com as condições de vida, como, por exemplo, as experiências de locação social. A que se pensar no conjunto de políticas públicas para garantir direitos, que além da habitação articule as áreas da saúde, do trabalho pensando em uma vida digna. Os velhos albergues, criados emergencialmente, hoje estão definitivamente estruturados como proposta central de atendimento. É preciso aumentar a força de pressão das diversas instâncias participativas da sociedade civil, dos movimentos sociais organizados influenciando essa política pública. A pergunta que fica é: o que queremos nesse período de inverno?

Qual a Copa que queremos. Ou melhor, qual o país que queremos Defendemos um país democrático, participativo, com igualdade social, distribuição equilibrada de riquezas e propriedades e modo de vida justo. Essa é a nossa utopia! O nosso legado! No entanto, vê-se que as cidades-sedes estão cada vez mais militarizadas, nas quais a violência ocupa o lugar antes reservado à cidadania, à transparência nas contas públicas, às decisões coletivas: participação social tão festejada após os anos de chumbo da ditadura militar. Apesar de passados esses 40 anos, temos ainda muitos dilemas ainda a enfrentar, como as imensas desigualdades sociais e a criminalização da pobreza. Por fim, queremos parabenizar Alderon Costa por essa merecida nova tarefa de Ouvidor Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Perdemos nosso editor para uma boa e justa causa (na realidade demos a ele uma licença de dois anos apenas!): Alderon é um ferrenho defensor dos direitos humanos! Na falta imensurável desse companheiro, decidimos iniciar uma experiência coletiva de definição de pauta, divisão das matérias e editorial elaborado conjuntamente pelos colaboradores do jornal.

APOIO:

Junho/Julho de 2014

ViDA No tReiCHo “São frios, são glaciais os ventos da solidão”

Arquivo Refeitório Povo da Rua

otávio Silva Pereira

Definitivamente, não será o frio, nem a Copa que marcarão o ano de d. Maria de Fátima (41 anos), mas sim uma perda inestimável. Nasceu em Diadema (SP) e, ainda criança, lidou com a perda do pai, Carlos Marcelino, que faleceu de complicação cardíaca, agravada pelo uso exagerado de álcool. A partir de então, a mãe, Terezinha dos Santos, cuidou sozinha dela e de sua irmã mais nova, Maria Izabel. Contudo, após a mãe ter sofrido um grave atropelamento, Fátima foi separada da irmã e encaminhada para a casa da avó paterna, fato que lamenta muito por não saber, até hoje, o paradeiro de nenhuma das duas. Decidiu fugir da casa dos parentes, devido aos maus-tratos que sofria, quando se negava a pedir dinheiro nas ruas e porque essa moradia já não dispunha de condições dignas para se viver. Segundo Maria de Fátima, tratava-se de “um barraco em madeira próximo ao córrego da Pedreira/Olaria em São Paulo. O banho era de caneca com água fria e, no inverno, pegavam lenha para ferver a água”. E completou que “somente quando meu tio e minha avó ficavam sem beber, eu tinha um ambiente bom e de paz”. Em sua ida pra rua, acabou saindo só com a roupa do corpo, sem destino certo, a não ser o de permanecer na região do Largo Treze, já que havia velhos colegas de “mangue”. A partir daí, Fátima contou com a solidariedade de pessoas, incluídas as que viviam nas ruas. Entre elas, “uma senhora, que também pedia dinheiro, compartilhava o pouco que tinha, e

não me deixou passar fome!” Na madrugada, tomava café com bolo na barraquinha de um vendedor ambulante e, à noite, forrava o chão com papelão para dormir, próximo de uma guarita policial, onde se sentia protegida. Curiosamente, Fátima disse não ter passado sufoco, nem fome, encontrou pessoas dispostas a conversar e se sentiu mais respeitada do que no tempo em que esteve fora das ruas. Foi quando decidiu ir para o Centro e encontrou pela primeira vez José Lobo Jr. (Deco), trabalhando como “plaqueiro”, e afirmou ter sido “uma paixão tão forte e avassaladora, que nem a rua conseguiu impedir” e, daí por diante, permaneceram inseparáveis. Juntos adquiriram uma carroça na Igreja São Francisco e começaram a ter renda como catadores de papelão. Entretanto, sofreram um atropelamento, enquanto trabalhavam, ficando ambos impedidos de realizar essa atividade durante certo tempo até se recuperarem. Desse modo, deram um jeitinho para sobreviver! Pediam para cozinhar macarrão na casa de uma moradora, em Santa Cecília, desfrutavam da sopa servida por um grupo espírita, no mesmo bairro. Na Praça Princesa Isabel, todos os dias, jantavam arroz, feijão, carne moída, de tempero muito saboroso e bem preparado. Após longo tempo de namoro, casaram de papel passado, em dezembro de 2006. Vestida de véu e grinalda, Fátima viu o esposo chorar, como nunca, na cerimônia organizada pelos pastores Frederico e Janete da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Com o casamento, os noivos realizaram também o “sonho da casa própria”, um

presente de amigos. “Para mim, foi como estar vivendo um conto de fadas!” Fátima acrescentou que, no último aniversário, usou o vestido de noiva que despontava como a melhor roupa de seu armário! Contudo, esse conto de fadas seguirá sem seu generoso príncipe e cavalheiro. Já há algum tempo, Deco realizava acompanhamento de saúde por problemas na próstata e uso de sonda urinária. Desde o início de 2014, hospitalizado, foi transferido duas vezes de hospitais da Zona Norte, por não terem sonda para troca, em estoque. Em uma dessas ocasiões, tendo recebido alta, já de madrugada, o casal sem condições dormiu em bancos do ponto de ônibus, conseguindo chegar em casa só ao amanhecer. Os problemas de saúde agravaram-se pois, além da contenção urinária, um vazamento de sangue pelo canal da bexiga conduziu Deco novamente ao hospital, onde permaneceu em observação por mais um mês. No decorrer desse período, ao contrário do que de costume, permaneceu menos falante e pouco brincalhão, tomando pouca água e com quadro febril, teve agravado o estado de saúde, seguido por um ataque cardíaco. Mesmo com cuidados na UTI, acabou não resistindo. Seu enterro foi no dia doze de abril de 2014. Quando perguntada sobre qual recado poderia deixar aos leitores do jornal O Trecheiro, Fátima, com um olhar distante, preferiu o silêncio, permitindo-se apenas não falar sobre a saudade no seu coração. Esse simples e profundo gesto fez-me lembrar da canção “Glaciais”, do artista paraibano e sua banda Totonho & Os Cabra, que diz: “São frios, são glaciais os ventos da solidão”.

Cores da Rua Redação

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

CONSELHO EDITORIAL: Arlindo Dias EDITORIAL Produção Coletiva

EQUIPE DE REDAÇÃO: Alderon Costa Cleisa Rosa Davi Amorim Fabiano Viana Otávio Silva Pereira

REVISÃO Cleisa Rosa FOTOGRAFIA: Alderon Costa

Apoio Andreza do Carmo Ana Clara Fernandes Felipe Moraes João M. de Oliveira

Jornalista Responsável IMPRESSÃO: DIAGRAMAÇÃO: Forma Certa Davi Amorim Fabiano Viana 5 mil exemplares MTB: MTB 48.215/SP Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: rederua@uol.com.br

A educadora Rute B. de Oliveira do Refeitório Penaforte perguntou aos conviventes se eles gostariam de enfeitar o local com as cores da bandeira brasileira e quais seriam as da bandeira de luta. As respostas foram sintetizadas pela Rute da seguinte forma. “Mesmo sendo excluído da Copa do Mundo e expulso do centro da cidade de São Paulo, meu coração continua em festa. Com a rua e o Refeitório Penaforte enfeitados com as cores verde, amarelo, azul e branco, sinto a alegria de ser brasileiro! Em meio às lutas e às dificuldades também trago as cores que são as bandeiras de luta do morador em situação de rua: preto, porque ainda o massacre continua presente entre nós, e há muitos moradores de rua sendo excluídos pela política higienista e hostil da cidade, o vermelho, que é a cor do sangue de tantos mártires e que há de fazer a semente se espalhar na conquista de moradia, saúde, educação, transporte, alimentação e dignidade. Contudo, encontro saídas para buscar o equilíbrio, harmonia, e jamais perder a paz, a alegria e a esperança!”


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Junho/Julho de 2014

Compromisso com os mais vulneráveis

Ana Clara Fernandes

Cleisa Rosa e Maria Nazareth Cupertino

Condenado a cinco anos de prisão

Trecheirinhas

O Trecheiro

Rafael Braga Vieira, de 25 anos, completou no dia 20 de junho um ano de prisão. Sua detenção ocorreu nas manifestações de junho de 2013, no Rio de Janeiro, porque carregava um frasco de desinfetante Pinho Sol e outro de água sanitária. Depoimento de Vieira ‘Moleque’ Em seu depoimento, Vieira disse que estava a caminho de encontrar uma tia quando teria sido abordado por dez policiais. A abordagem, segundo ele, teria ocorrido assim: “Vêm cá, ô moleque. Aí neguinho... ô moleque. O que você tem aí? Ah, cara, você tá com coquetel molotov? Você tá ferrado, neguinho”. Vieira diz ter respondido que não sabia o que era coquetel molotov. Na sequência, afirma ter sido agredido no estacionamento da delegacia.

Conviventes do Pousada da Esperança em Santo Amaro são HEXA! A festa do sexto ano dos Alcoólicos Anônimos no espaço aconteceu no dia 7 de junho. Foi um momento emocionante para comemorar os que estão sóbrios “só por hoje”, e lembrar todos aqueles que morreram, nesses seis anos, e lutaram bravamente contra a doença.

Redação

Na manhã de 6 de junho de 2014, aconteceu no prédio da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em sessão do Conselho Superior, a posse do Ouvidor-Geral, Alderon Costa e de cinco defensores públicos, Felipe Busnello, Felipe Pereira Magalhães, Felipe Peres Penteado, Pedro Cavenagni e Rita de Cássia. Todos se manifestaram declarando adesão e compromisso diante das responsabilidades inerentes às funções de ouvidor-geral e de-

fensores públicos com a promessa de defesa intransigente dos direitos humanos dos grupos mais vulneráveis da sociedade, dos mais pobres, e deram ênfase à necessidade de atendimento de quem mais precisa e ao dever de exercer essa função com dedicação e seriedade. Alderon Costa, eleito pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), representando a sociedade civil, assume por dois anos a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Es-

tado de São Paulo. Na posse, Alderon destacou que a Ouvidoria-Geral é um dos mecanismos de participação que a sociedade deve se apropriar para interferir na construção e avaliação dos serviços prestados pela Defensoria. Além disso, considerou que é fundamental enfrentar o sistema de justiça brasileiro, profundamente conservador, e esclareceu que mais do que mapear os problemas, o ouvidor-geral deve estar atento, sobretudo, às propostas que melhorem o atendimento.

MNPR avança na organização

Alderon Costa/Rede Rua

Direto da rua

Jean-Pierre Gingold

Arraiá World Cup 2014 Sebastião Nicomedes

Alderon Costa

A poucos dias do início da Copa do Mundo FIFA 2014, na semana de “Mobilização Nacional em Defesa das Pessoas em Situação de Rua”, promovida pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), de 26 a 30 de maio, várias pessoas em situação de rua, lideranças locais, apoiadores e gestores públicos participaram do II Congresso Nacional da População de Rua em Curitiba (PR). Este evento aconteceu de 27 a 30 de maio com o lema “O direito de ter direitos”. Segundo Maria Lúcia Santos, coordenadora do MNPR-BA, este Congresso dá continuidade ao que foi discutido no 1º Congresso "Protagonizando histórias e garantindo direitos". realizado, em Salvador, entre os dias 19 e 21 de março de 2012. Além da participação especial do Ministério Público de Curitiba, grande parceiro do MNPR-PR, estiveram presentes várias autoridades do governo local de Curitiba, representantes do governo federal, parceiros e apoiadores do MNPR, com

aproximadamente 350 pessoas. Para Leonildo, José Monteiro Filho, coordenador do MNPR-PR, o importante desses encontros é possibilitar o crescimento e o avanço do MNPR. “Além da visibilidade, sabemos que esses encontros fomentam a organização do movimento em outras cidades para defesa de seus direitos”, declarou Leonildo. Para José Vanilson Torres da Silva, 42 anos de idade e 27 nas ruas, de Natal (RN), esse congresso é uma oportunidade fundamental para que as pessoas possam trocar conhecimentos e estratégias de ação com o objetivo de coibir todo tipo de violação de direitos, preconceito e discriminação contra essa população já marginalizada pelo sistema político. “A situação das pessoas de rua de Natal é triste, existem duas mil pessoas em situação de rua e só um albergue para 55 pessoas. Nesse sentido, nossa expectativa é a de que possamos nos unir nessa luta de ter direitos. Eu tenho direito de ter direitos”, concluiu Vanilson.

O encontro teve apresentações, debates, grupos de reflexão e plenárias para tratar dos direitos na área da Saúde, Assistência Social, Previdência, Segurança Pública, Habitação, Meio Ambiente, Trabalho, Cultura, Esporte, Lazer, Direitos Humanos e Educação. Para Samuel Rodrigues, coordenador do MNPR de Belo Horizonte, o Congresso nasceu para ser a instância máxima do movimento, em que se pode escutar a base, além de ser um espaço de proposição de políticas públicas e de bandeiras de lutas. “Esse Congresso é a bússola que vai dizer a direção desse movimento, a partir da unificação de bandeiras como, lutar contra a internação compulsória, conquistar a inclusão das pessoas em situação de rua no censo demográfico do IBGE e ter como prioridade a luta por habitação, por exemplo”, afirmou Samuel. Todas as propostas dos grupos para o Plano de Ação estão no site da www.rederua.org.br)

Mês de junho é bão! Tem festa junina no Brasil Puxa o fole sanfoneiro, é festa no arraiá! Mas esse ano, a Copa do Mundo é aqui Bão, também, sorta o ingresso aí ô da Fifa! Vai começar "a grande roda" o turista recebido de braços abertos e o mendigo na calçada manguea a moeda Pra inteira da pinga pra quentar o frio O comitê não gosta, tira da reta, desce a borracha beber na rua não pode, só pode no estádio, na quermesse. Torcedor bebe cerveja oficial do patrocinador da copa na barraquinha, tem quentão, vinho quente, ponche o morador de rua espera o carro da sopa, sonha com o cobertor o torcedor esperançoso come pipoca, sonhando com o gol o caipira espia a cadente, comendo batata-doce, canjica, paçoca Olha a fila? Uh! É mentira, eh! Olha a bomba? Uh! É mentira, eh! A polícia revista a fila da entrada na arena, ingresso na mão Lá fora a tropa de choque dispersa os manifestantes O estádio novo tá lindo. A televisão mostra tudo Lá no Centro, os sem-teto ocupam prédios vazios E lá vem mais protesto, são os grevistas pedindo aumento O povo quer é mais, saúde, educação, moradia, cultura, segurança Atenção! Liga o rádio, vai formar o "Grande Túnel" dois em dois, vão passando, atenção tem eleição troca de casais, troca de políticos, voltam os pares Pula a fogueira Iaiá, pula fogueira Ioiô, cuidado para não se queimar Anarriê! Tem foguete pra todo lado, vai ferver Olha os black bloc? Uh! Sai daí caipira, é já! Olha a chuva? Uh! Olha a seleção! Eh! É goooooolllll do Brasil! Esclarecimento: “O Brasil dos fuzis e das chuteiras”, publicado no Direto da Rua na edição anterior (nº 225, abr./mai. 2014) é de autoria de Tião Nicomedes. Nossas desculpas.


O Trecheiro

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Junho/Julho de 2014

Do lixão para a Copa: só a luta muda a vida Catadores cariocas comemoram vitórias alcançadas depois de batalhar por direitos

Arquivo/MNCR

Davi Amorim

Davi Amorim

Só hoje os catadores do Lixão Gericinó, na cidade do Rio de Janeiro, podem respirar aliviados, foram momentos de intensa luta e desespero com o iminente fechamento do lixão, a única fonte de renda para as 108 famílias de catadores de materiais recicláveis. “Houve períodos em que os caminhões da coleta não chegavam mais no lixão e corríamos o risco de passar fome”, conta o catador Custó-

dio da Silva Chaves, representante do MNCR. Hoje, porém, os catadores tiveram seu direito ao trabalho reconhecido, e vão realizar a coleta de materiais recicláveis dentro do Estádio do Maracanã, durante a Copa do Mundo, e receber de maneira justa por esse serviço. Após o fechamento definitivo do lixão, todos os catadores receberam indenização de R$ 13.000, em virtude dos anos que deram vida útil ao lixão. A negociação entre cata-

dores e a Prefeitura do Rio de Janeiro garantiu também que todos possam retornar à catação, se assim quiserem. Para isso, está sendo construído um galpão que terá infraestrutura necessária para a geração de renda dos 108 cooperados, fruto de um investimento do BNDES, que incluiu equipamentos, caminhões e capacitação. “O galpão precisa garantir R$ 1.200 mensais para cada catador com a comercialização dos materiais; caso não

se atinja esse patamar a prefeitura do Rio destinará um salário-mínimo até a situação se normalizar. Ainda há um índice muito grande de rejeito (lixo), que vem nos caminhões da coleta seletiva municipal”, comenta Custódio sobre o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado no Ministério Público do Trabalho. “Se a Prefeitura não cumprir o acordo, serão as multas pagas por ela que garantirão o pagamento dos catadores”, frisou. Há outros lixões em pro-

cesso de fechamento no estado do Rio de Janeiro, e a intenção é que o caso de Gericinó represente um modelo a outras situações semelhantes, no sentido de inclusão social dos catadores. “Apresentamos na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro um projeto de lei para que a comercialização do metano recuperado nos lixões seja revertida para o pagamento dos catadores de materiais recicláveis”, completou Custódio.

Dentro e fora da Copa do Mundo Catadores participam do mundial, mas continuam na luta por mais direitos Gilberto Warley Chagas/MNCR

Davi Amorim

As organizações dos catadores de materiais recicláveis mostram, mais uma vez, o resultado de um esforço nacional de luta e de organização da categoria com a participação oficial na prestação de serviços durante a Copa do Mundo. Cerca de 840 catadores organizados em cooperativas e em redes de cooperativas farão parte do time de coleta seletiva dentro dos doze estádios, palcos do mundial, além de eventos oficiais. A ação é fruto de parceria do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), a Coca-Cola Brasil e a FIFA, que contrataram redes de cooperativas nas cidades-sedes que se responsabilizarão pelo pagamento dos catadores pelo serviço de destinação, como sempre correta, dos resíduos gerados nos eventos, incluídos uniformes e capacitação.

Cada catador envolvido receberá R$ 80 por dia de trabalho, mais transporte e alimentação. Nos jogos na cidade de São Paulo, são 70 catadores na coleta dentro dos estádios, e outros 30 na triagem dos materiais recicláveis no Galpão da Rede Cata Sampa que representa outro complemento na renda das cooperativas ligadas à Rede. Nos 64 jogos da Copa do Mundo da FIFA 2014, foram coletados cerca de 400 toneladas de materiais recicláveis, 40 toneladas apenas no Estádio de Itaquerão. A reivindicação para serem incluídos em grandes eventos é antiga, e já houve experiências desse tipo na Copa das Confederações, em que catadores cariocas prestaram esse mesmo serviço, de forma exitosa. “É um desafio, mas é um desafio muito importante que mostra que nós estamos prontos para fazer a coleta não apenas em uma Copa do Mundo, mas fazer a prestação de ser-

viços nos municípios, e em grandes eventos”, avaliou o catador Eduardo Ferreira de Paulo, representante do MNCR e um dos selecionados a trabalhar dentro do Itaquerão. Filhos de catadores também foram convidados para entrar no gramado segurando a bandeira do Brasil nos jogos. Mariana Gregório de Paula, 14 anos, filha de Eduardo, foi uma das selecionadas e entrou em campo no jogo de abertura segurando a bandeira da Croácia. “Eu senti um aperto no coração”, declarou emocionada com o momento, e agradeceu ao pai por lhe oferecer essa oportunidade.

Comitê Popular da Copa O MNCR participa do Comitê Popular da Copa, é solidário aos movimentos sociais e luta por direitos durante a Copa do Mundo. “A reivindicação é uma causa justa e correta, tem que reivindicar, antes ou depois da Copa, mas nós esperamos que não haja violência na cidade de São Paulo”, declarou Eduardo, frisando que o MNCR está observando qualquer ação de repressão aos catadores não organizados, a exemplo de outras cidades, como Curitiba e Manaus. Apesar de estar trabalhando nos estádios, o MNCR saiu às ruas denunciando ações de violação dos direitos dos catadores e ausência de parcerias concretas com o poder público nas cidades-sedes.

No entorno das arenas O Ministério do Meio Ambiente (MMA) abriu uma linha de apoio às cidades-sedes da Copa do Mundo para a inclusão de catadores de material reciclável e seis localidades (Belo Horizonte, São Paulo, Fortaleza, Curitiba, Manaus e Natal) foram contempladas com R$ 2,3 milhões. Com o investimento, as prefeituras locais estão sendo incentivadas a contratar cooperativas para fazer a coleta seletiva no entorno das arenas, onde serão disputados os jogos, e em festas oficiais para as torcidas. Todo o material recolhido será destinado às cooperativas de reciclagem. Nas cidades com projetos aprovados, os catadores estão sendo capacitados e serão remunerados pelo trabalho. Os recursos serão utilizados para a capacitação, aquisição de uniformes e equipamentos de proteção individual, logísti-

ca do material coletado, além da comunicação e divulgação das ações de coleta seletiva.

Fora da Copa Apesar da grande vitória em participar de um evento dessa magnitude, há também aqueles que ficaram de fora. A cidade de São Paulo soma 20 mil catadores em atividade que não trabalham em cooperativas ou redes. “Houve uma seleção dos catadores, infelizmente, não dá para colocar todo mundo, mas acredito que os catadores selecionados vão representar bem a categoria e elevar a autoestima de todos”, declarou Eduardo. “Temos um desafio de organizar toda a categoria, pois quanto mais organizado, mais forte fica principalmente para reivindicar os direitos. Queremos ser reconhecidos mundialmente por esse trabalho”, completou.


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