O Trecheiro - março de 2015 #229

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IMPRESSO

Notícias do Povo da Rua

Ano XXII Março de 2015 - Nº 229

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - rederua@uol.com.br

Fotos: Luciney Martins

Falta água...

mas sempre faltou! Também usava o albergue da Achiropita para tomar banho, mas já não consegue tomar lá após a restrição do uso, e ficou vários dias sem banho. Para beber, Luiz compra água em garrafas

O homem está asfaltando a terra, o planeta, e a água vai ficando cada vez mais escassa”, conclui. Helder busca água no metrô da Praça da Sé O prefeito Fernando Haddad deu ordem para economizar 20% de água nos serviços públicos da cidade

Davi Amorim

Em fevereiro de 2004, o jornal O Trecheiro publicou matéria assinada por Kênia Rezende sobre a dificuldade das pessoas em situação de rua de encontrar água na cidade de São Paulo. Naquele período, a cidade também vivia escassez de chuvas e ameaça de racionamento. “Segundo os especialistas logo pode faltar água potável no planeta. Para quem mora nas ruas esta realidade já é antiga”, dizia o texto de capa do jornal. A matéria citava um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) que indicava que cada habitante do planeta precisaria de 40 litros de água por dia para viver. Hoje, convive-se com o agravamento da falta d’água classificada como crise hídrica, mas que já vinha sendo cogitada por especialistas há muitos anos. No entanto, a crise para a população de rua sempre foi permanente. É sempre difícil tomar banho, lavar roupa ou mesmo ter água limpa para matar a sede nas ruas da cidade. O morador de rua utiliza-se de

vazamentos, nascentes e chafarizes, além da boa vontade de donas de casa e comerciantes. Só que a crise recente mudou o acesso da população de rua a essas fontes alternativas. Comércio e residências têm ficado sem abastecimento, além da seca em outras fontes. A escassez de água tem causado transtornos e revolta nas ruas. Os serviços assistenciais públicos, com frequência, têm falta de água, como denunciou recentemente padre Júlio Lancellotti à imprensa. A sede provoca nervosismo entre os moradores e dificulta o atendimento assistencial. Helder Brás, de 47 anos, há cinco anos no trecho, nunca havia passado por uma situação como a que está vivendo na cidade de São Paulo. Natural de Recife, acredita que o consumo da água em São Paulo é maior que em sua cidade e avalia que também o transtorno aumenta pela escassez de água em função da estrutura da cidade completamente coberta de asfalto e concreto canalizando toda a água da chuva para o esgoto ao

Bica da Avenida Sumaré

Na edição de O Trecheiro de fevereiro de 2004, o jornal apontou a Bica da Sumaré, uma nascente de água natural que fica em uma calçada da Avenida Sumaré, em Perdizes, que é famosa entre os moradores de rua da região, pois é uma fonte de água permanente. Hoje, mesmo com a escassez de água, verificamos que a Bica ainda existe e atrai um grupo de pessoas em situação de rua que mora no entorno.

invés de irrigar o solo. “O homem está asfaltando a terra, o planeta, e a água vai ficando cada vez mais escassa”, conclui. Helder busca água no metrô da Praça da Sé, mas reclama que a água é quente e não dá para beber. Outro local que Helder utiliza para conseguir água é no CAPS, mas mostra embaixo do braço uma sacola cheia de roupas para lavar. “Antes eu ia no albergue da Achiropita, mas retiraram as torneiras e não dá mais para lavar a roupa. Também não dá mais para tomar banho lá, então tá muito difícil”, reclama. Helder acha que as coisas devem piorar, pois não deve chover essa semana. Acredita que a solução para o morador de rua é a Prefeitura armazenar água da chuva nos serviços assistenciais públicos, não para consumo, mas para higiene e outros usos. “A população foi crescendo e não pensaram em fazer mais reservatório de água. Lá na minha cidade, em Fortaleza, tinha dois açudes, a população aumentou e começou a faltar água então construíram mais três açudes, agora tem água sobrando”, comenta Luiz Brasil, 54 anos, morador das imediações do Largo São Francisco que está nas ruas há seis meses. Ex-morador de Diadema, precisou sair do emprego para fazer um tratamento contra labirintite e artrite, indo viver na rua. Também usava o albergue da Achiropita para tomar banho, mas já não consegue tomar lá após a restrição do uso,

e ficou vários dias sem banho. Para beber, Luiz compra água em garrafas. “As garrafas de dois litros tá custando dois reais”, lembra ele. Luiz também acha que a situação pode piorar e não acredita que as autoridades farão algo para melhorar a situação.

O Trecheiro buscou contato com a Prefeitura de São Paulo para saber quais ações e acompanhamentos vinham sendo realizados quanto ao impacto da crise hídrica na população em

situação de rua. As assessorias de imprensa da Smads e da prefeitura não responderam especificamente sobre ações para a população de rua, apenas esclareceram que o prefeito Fernando Haddad deu ordem para economizar 20% de água nos serviços públicos da cidade, que inclui as casas de acolhimento, assim como ações de cobrança e esclarecimento junto à Sabesp e governo estadual quanto ao abastecimento de água na cidade.

Enquanto isso... o bixo pega!

Charge: Rafael Corrêa - Blog: www.rafaelcartum.blogspot.com.br


Editorial

Outro censo, outra pesquisa, o que pode mudar?

No dia 23 de março, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) deu início ao Censo da População em Situação de Rua em São Paulo, com a previsão de nove noites de trabalho de campo (de 2ª a 5ª feira) e de término no dia 9 de março, data que pode ser alterada em razão das chuvas, segundo informação da FIPE. A primeira etapa responde apenas a duas perguntas: quantas pessoas e onde estão, incluindo ruas e albergues. A segunda diz respeito ao levantamento do perfil socioeconômico da população em situação de rua, realizado por amostragem, prevista para o 1º semestre de 2015. Apesar da importância desse estudo e da seriedade dos profissionais envolvidos queremos enfatizar alguns aspectos que se repetem ao longo dos anos em torno desse tipo de iniciativa do poder municipal respaldado pela lei nº 12.316/97. Levantamentos do perfil, da situação econômica e das possibilidades de saídas da situação de rua já foram temas de inúmeros estudos, pesquisas e censos realizados, mas sem consequências significativas na elaboração e execução das políticas públicas na cidade de São Paulo. Nâo há duvidas que aumentou o número de serviços, de equipamentos, e de orçamentos, bem como, cresceu o número de pessoas morando em situação de rua. Aqui não cabe julgamento pessoal para aquele ou aquela gestora, mas, o fato é que falta uma política de impacto na qualidade, na quantidade e na forma de administrar os recursos que não são poucos. Aumentar o número de serviços e sua capacidade é pouco para essa realidade que por si só é desafiadora, porque se trabalha com gente, com o ser humano na sua integralidade. Se existisse uma só pessoa em situação de rua, com a política que temos atualmente ela continuaria na rua, porque não há saídas concretas para ela. O que sempre defendemos neste espaço é que as pesquisas são importantes e necessárias. Além dos bons profissionais que já estão presentes nesse censo, defendemos a transparência dos dados, a publicação completa do censo e pesquisa e a participação efetiva das pessoas em situação de rua e dos profissionais que lidam com essa realidade em todas as etapas. Destacamos, principalmente, a necessidade urgente da realização de seminários e debates, a partir dos resultados, e que sejam elaboradas propostas de superação dessa realidade. Nesse sentido, não podemos deixar de continuar cobrando do governo federal a pesquisa nacional, isto é, a inclusão das pessoas em situação de rua no censo do IBGE, previsto para 2020. Nesta edição, destacamos a Vida no Trecho do Carlinhos, um dos fundadores da reciclagem organizada em cooperativa no Brasil, a Coopamare, No silêncio, como sua história, fez o Glicério sua morada e da carroça o seu sustento. No final da vida, dedicou-se ao artesanato e ao acolhimento de quem chegava ao número 477 da Rua dos Estudantes. “O filho mais velho deixou o trabalho e os estudos para se dedicar exclusivamente aos cuidados com o pai em um gesto final de agradecimento e de carinho”. Dedicamos também esta edição a esse lutador, como outros: Benedito, Amado, Nenuca, Cenira, Orlando... e foram tantos! Com todos eles e elas o céu está mais feliz do que por aqui! Leitores, leitoras, amigos, amigas e todas as pessoas que agora estão lendo este editorial, o nosso pedido de desculpas pela demora desta edição. Já faz um tempo que não conseguimos publicar o jornal por motivos vários, entre eles a falta de tempo da equipe, a inexistência de pessoa liberada para coordenar a preparação dos textos e buscar os recursos para os encaminhamentos das outras etapas. A equipe vem se esforçando e, graças a isso, estamos de volta para dar continuidade a esse trabalho. Acreditamos que a comunicação alternativa trata especificamente de dar visibilidade a realidades sociais muitas vezes não contempladas pelas políticas públicas. E, finalmente, acreditamos contribuir na direção da conquista e avanço da dignidade das pessoas que estão em situação de rua.

APOIO:

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

CONSELHO EDITORIAL Arlindo Dias EDITORIAL Produção Coletiva Jornalista Responsável Davi Amorim MTB: 48.215/SP

EQUIPE DE REDAÇÃO Andreza do Carmo Arlindo Dias Cleisa Rosa Davi Amorim Higor Carvalho Marcia Hirata Sebastião Nicomedes

Março de 2015

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O Trecheiro

REVISÃO Cleisa Rosa

EDITOR DE ARTE Fabiano Viana

FOTOGRAFIA Fridas Photos e Vídeos Paulo Lopes Rede Rua

APOIO Brayan Farias Felipe Moraes João M. de Oliveira IMPRESSÃO Editora Paulus

Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: rederua@uol.com.br

VIDA NO TRECHO

Carlinhos, presente!

Fotos: Arquivo MNCR

Davi Amorim

Faleceu no dia 10 de dezembro, aos 62 anos, o Carlinhos, Carlos Roberto Fabrício, um dos fundadores da primeira cooperativa de catadores do Brasil, da Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Papelão, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (Coopamare), de São Paulo em decorrência de um câncer. Ele deixará saudades aos seus companheiros e companheiras de luta, pois teve papel importante na organização dos catadores da cidade de São Paulo e sua história é uma inspiração para a categoria. Era um homem de poucas palavras, mas que fazia a diferença por suas ações. “Ele foi um companheiro que tinha o sonho de ver os catadores de materiais recicláveis organizados. Foi um guerreiro dessa luta e serviu de exemplo ao lutar pela construção da Coopamare e do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Ele era um militante e formou vários outros militantes como eu. Aprendi tudo com ele. A luta dele acabou aqui na terra, mas com certeza ele tá em luta lá no céu”, declarou Eduardo Ferreira de Paulo, representante da Comissão Nacional do MNCR. Foi no começo dos anos de 1980, com a chegada do desemprego, que Carlinhos começou a trajetória mais difícil de sua vida. Perdeu tudo que tinha e foi morar nas ruas da Baixada do Glicério em São Paulo. Lá conheceu o trabalho de catador de materiais recicláveis depois que começou a morar na carroceria de um caminhão junto a outros que catavam papelão para o dono do caminhão que os ajudava com comida e pagamento do material. “Nós o conhecemos quando ele morava em um depósito no Glicério, tinha uma carroça que ele mesmo fabricou. Ele foi

se integrando ao nosso trabalho, nós servíamos uma sopa comunitária embaixo do viaduto e lá reuníamos um grupo para discussões sobre a vida. Ele sempre nos trazia o problema da violência aos catadores que, na época, catavam papelão na cabeça. Ele foi na época uma das molas desse trabalho”, afirmou Regina Maria Manuel, coordenadora da Organização de Auxilio Fraterno (OAF), que na época integrava a Missão dos Oblatas de São Bento inspirada pela Teologia de Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base e pelo trabalho da Irmã Nenuca falecida em 1984. Ao longo do tempo, esse trabalho foi se consolidando em torno de práticas solidárias como a missão da Comunidade dos Sofredores da Rua, organizada pela OAF. Uma celebração de rua servia comida e bebida, tinha seu momento de devoção e um protesto de rua contra a discriminação dos catadores e Carlinhos sempre presente. O grupo começou a arrecadar uma pequena parte do que conseguia ganhar com a venda do material para ajudar na festa de final de ano, e os participantes logo perceberam que o grupo conseguia juntar um bom dinheiro trabalhando conjuntamente e decidiram construir uma carroça que era compartilhada entre os catadores que coletavam papelão na cabeça.

ge, catadora da Coopamare, e os criou sempre priorizando a educação em primeiro lugar. “Eu tinha uma admiração profunda por ele, então não era mais um amigo, era como um irmão”, lembra com carinho. Carlinhos era um homem muito trabalhador, como um operário que trabalhava sem parar, no entanto, sua vida foi marcada por um problema de alcoolismo que buscou superar. Com algumas recaídas durante sua vida, em meados de 2004 umas delas o deixou muito fragilizado obrigando-o a se afastar da Coopamare. Buscou tratamento com a ajuda de membros da OAF. Foi nesse período que Carlinhos começou a desenvolver trabalhos na Oficina Casa Cor da Rua, na OAF. Lá, Carlinhos reconciliou-se com a vida, desenvolveu uma técnica de reaproveitamento de papel e assim o ofício de artesão garantiu sua sobrevivência até o final da vida. Carlinhos também se tornou religioso membro da Igreja Evangélica e desenvolvia trabalhos missionários. Ele sofria de problemas cardíacos, se tratava e chegou a operar e colocar um marca-passo, no entanto, ao retornar da internação descobriu um câncer já em estado avançado. Sem condições de tratamento clínico, retornou à família com a qual passou seus últimos dias.

Logo depois o grupo fundou uma Associação, que tinha o objetivo de lutar pelos direitos dos catadores que na época eram perseguidos pela administração do prefeito Jânio Quadros, tendo Carlinhos como primeiro presidente. No ano de 1989, com apoio de Paulo de Tarso, da Secretaria Nacional de Cooperativismo, foi fundada a Coopamare, primeira cooperativa de catadores do Brasil, e Carlinhos foi também seu primeiro presidente e se preocupava com a organização da cooperativa. “Era o que podemos chamar de um homem bom, era incapaz de negar ajuda a ninguém e tinha um carinho especial com as crianças”, lembrou Regina. Ele teve dois filhos com Solan-

Em recuperação de cirurgia, não pude me despedir de Carlinhos. Hoje ao terminar a revisão deste texto fui tomada de enorme emoção ao me lembrar dele e me dar conta da perda de um amigo pelo qual tinha um carinho muito grande. Gostava de seu artesanato, em especial, dos colares, motivo que sempre me levava à OAF quando desejava presentear minhas amigas. Nessas oportunidades, relembrávamos de fatos e lutas que empreendemos juntos, como se nós dois tivéssemos cumplicidade de que nosso tempo de lutas pertencia ao passado e, portanto, precisávamos reinventar o presente. E ele fez isso muito bem! (Cleisa Rosa)


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O mundo das ruas nas ruas do mundo

Desigualdade globalizada: a situação da pop rua no Japão Márcia Hirata e Higor Carvalho

As cidades estão em constante disputa por investimentos privados internacionais e, para tanto, é preciso que elas se adaptem e se renovem, criando oportunidades de negócios que sejam atrativas ao capital internacional – esse é o discurso oficial da prefeitura de Osaka, em palestra pública concedida, em agosto de 2014, durante visita à Prefeitura de São Paulo. Para atingir tal objetivo, projetos de renovação urbana que criem “encantos urbanos” – nas palavras do secretário de planejamento urbano de Osaka – são trabalhados como estratégia de planejamento da cidade, iscas para atração do capital internacional, reforçando a imagem de cidade global.

Moradores em situação de rua são também os grupos mais vulneráveis e diretamente sujeitos a remoções. Se “renovar” é preciso, as áreas urbanas ideologicamente ditas “degradadas” tornam-se alvo do governo central e municipal, que executam a política urbana, para entregá-las às empresas que promovem renovação urbana com mudanças de uso do solo e valorização dos imóveis existentes. Os processos não são nada participativos, ao contrário do que temos visto, por aqui, como o Estatuto da Cidade. Moradores em situação de rua são também os grupos mais vulneráveis e diretamente sujeitos a remoções. Os yosebas (áreas de concentração de pessoas pobres que moram nas ruas), localizados em áreas bem dotadas de infraestrutura aparecem então como entraves à comercialização da imagem da cidade na disputa por investimentos e, ao mesmo tempo, à oportunidade de expansão dos negócios imobiliários financiados por grandes empresas japonesas e estrangeiras.

Caso emblemático foi a tentativa de privatização de um espaço público, com a apropriação pela gigante Nike de um parque em Tóquio, o Miyashita, onde viviam 34 moradores de rua, espaço público localizado no bairro de Shibuya, conhecido por ser um dos principais polos de comércio e de negócios da cidade. Em 2010, a subprefeitura e a Nike chegaram a planejar, sem qualquer tipo de consulta popular, a concessão da gestão do espaço à Nike, que continuaria a cobrança pelo uso dos equipamentos instalados, bem como a renomeação do lugar para “Nike Miyashita Skatepark”. A resistência de moradores de rua do parque, de artistas e de trabalhadores voluntários que prestam serviços de apoio a moradores de rua conseguiu conter parte dos planos de privatização. A empresa instalou pista profissional de skate, parede de escalada e reformou as quadras existentes, mas não alterou o nome do parque como também não cobra pelo acesso ao espaço, exceto pelo uso das novas instalações. Contudo, os moradores de rua foram expulsos e ocupam um canteiro entre os muros do parque e um estacionamento próximo. Os grupos voluntários também foram impedidos pela polícia local de prestar apoio aos moradores durante o inverno de 2013. Esse processo de privatização do espaço público, por meio da renovação urbana de área dita “degradada”, tem alto potencial de valorização imobiliária. Outros bairros também com forte concentração de moradores de rua, próximos das redes de infraestrutura e de áreas frequentadas por turistas correm o mesmo risco, como pode vir a acontecer no bairro de Kamagasaki, em Osaka, ou Sanya, em Tóquio. As substituições de edificações por padrões mais elevados atraem famílias de classe média que, de certa forma, impõem nova dinâmica ao uso do espaço público e à permanência de moradores de rua.

Os moradores de rua foram expulsos e ocupam um canteiro entre os muros do parque e um estacionamento próximo. Os grupos voluntários também foram impedidos pela polícia local de prestar apoio A confluência de interesses internacionais e locais com eventos globais, como os Jogos Olímpicos de 2020, em Tokyo, deve acentuar essa contradição. A renovação de antigas estruturas olímpicas construídas para os Jogos de 1964 e de seus entornos ameaçam remover dezenas de pessoas que habitam o parque Yoyogi e canteiros centrais da avenida a qual dá acesso ao parque, como informaram alguns desses moradores. Ali também, como em diversos acampamentos pelo país, há ocorrência de crimes graves, como incendiar moradias improvisadas durante a noite, além de toda a sorte de preconceitos. As remoções também podem ocorrer de maneira mais discreta. No interior de uma movimentada estação de trem, Shinjuku, em Tóquio, moradores de rua tinham conseguido resistir e negociar com a companhia, proprietária e administradora da linha, que os autorizou a permanecer no interior da estação durante a noite. No entanto, projetos de reforma para novas instalações e lojas limitaram esse espaço, forçando-os indiretamente a se retirar. Além disso, algumas municipalidades passaram a eliminar os abrigos e equipamentos de prestação de serviços públicos destinados aos moradores de rua, causando grandes dificuldades para a população que dependia desses espaços e serviços, como foi o caso de Yokohama, que eliminou seus abrigos, em 2012, como informou Yamamoto, pesquisadora da Universidade Metropolitana de Tokyo.

DIRETO DA RUA Sebastião Nicomedes

Comissão organizadora das eleições do Comitê Pop Rua-SP, gestão 2015-2016.

2015 tá aí a todo vapor, a contagem agora é progressiva As luzinhas coloridinhas apagaram Os enfeites, os papais-noéis, as renas, os bonecos de neve Perderam o reinado, a moda agora é o Rei Momo. A onda é o Carnaval! Mas quem vive na rua continua a Dança do Mizerê Quem dorme na calçada, nas praças, no papelão ou em barracas Continua ferrado, sem fantasiar coisa alguma. Vai vai o Rei Momo, chega o coelho da Páscoa Mas, porém, todavia, entretanto... Agito de novo nas malocas É que nesse ano acontecem as eleições e composição do Comitê Pop Rua-SP, gestão 2015-2016 A sociedade civil elege três segmentos: entidade, trabalhador, usuário O governo por meio de indicação direta Aí que tá, a pegada essa, a pop rua é do segmento de usuários. Beneficiários, conviventes, como queiram as terminologias É de suma importância a representatividade nessa instância Afinal o Comitê Pop Rua discute e formula As propostas de políticas públicas para a pessoa em situação de rua No popular "Morador de rua", sendo mais direto e sem floreios Daí meu amigo, minha amiga, que tá na rua, no albergue, no hotel social Que frequenta as casas de convivência, de acolhida Hora de mobilizar, hora de votar Agita aí no seu local de convívio, a plenária, a reunião da casa Façam eleição interna, votem em seus representantes Os candidatos e/ou o candidato eleito aí na sua região Vai para a eleição geral municipal De onde sairão os titulares e seus respectivos suplentes Observa se aí no serviço tem cartazes, fichas de inscrição Requeiram o estatuto das eleições através dos órgãos competentes A Secretaria dos Direitos Humanos e Cidadania (Smdhc) A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) Se informa com os movimentos sociais da pop rua Já adianto que não estou candidato, estamos aí pra ajudar, fortalecer Que a pop rua já perdeu o Conselho de Monitoramento Não podemos perder mais essa instância de consultas e de deliberações.

Março de 2015 Redação

Defensoria na rua

Trecheirinhas

O Trecheiro

Foi no Pátio do Colégio que aconteceu o primeiro atendimento da Defensoria de São Paulo diretamente na rua. No dia 26 de fevereiro, os defensores do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos, apoiados pela Ouvidoria da Defensoria e Fórum da Cidade, realizaram atendimento às pessoas em situação de rua que ficam pela área central. Teve gente precisando solicitar o registro de nascimento, fazer divórcio, verificar situação criminal e denunciar a violência da GCM. Os casos sem solução no momento foram encaminhados para a triagem na Rua Boa Vista, 150, onde acontece o atendimento da Defensoria, de segunda à quinta-feira, das 8 às 12 horas. As senhas de atendimento são distribuídas das 8 às 9h30.

Prefeitura fecha república de moradores de rua

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social fechou, nesta sexta-feira, dia 27/2 a República Guainazes. Segundo técnicos da Smads e da entidade, a moradia estava com problemas estruturais e a proprietária solicitou o imóvel para realizar reforma. Os moradores chegaram a contestar e reivindicaram locação social ou transferência para outra república. Após várias reuniões e com a intervenção do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos e da Ouvidoria da Defensoria chegou-se a uma negociação com alguns moradores que foram transferidos para outras repúblicas ou serviços similares.

Uma sepultura digna

No dia 27 de fevereiro, o Estado de São Paulo noticiou que o Papa Francisco que já havia criado duchas para pessoas em situação de rua e barbearia para cuidar das que costumavam circular pela Praça São Pedro, autorizou enterrar Willy Herteleer, que vivia em situação de rua, no Cemitério Teutônico ao lado de príncipes, nobres e cavalheiros de origem germânica e de benfeitores da Igreja. Holandês de origem, Willy, com aproximadamente 80 anos, vivia há 30 em Roma desde que perdera o emprego. Religioso, assistia missa das 7 da manhã todos os dias na Capela de Sant`Anna e dormia com colegas no túnel do estacionamento e tentava convertê-los. Com o frio de dezembro, ele adoeceu. Pedestres chamaram ambulância e Willy foi atendido no Hospital Santo Spirito onde faleceu no começo de janeiro. Com seu desaparecimento, um amigo foi atrás e encontrou o corpo no necrotério do hospital. Como ninguém sabia onde enterrá-lo, o Papa Francisco ao ser indagado respondeu: “Vamos dar-lhe uma sepultura digna no Vaticano”, segundo noticiou o jornal Il Messagero. Vanilson Torres - MNPR/RN

Rap da Rua Sorrir? Quero! Posso? Não! Porque estar na calçada lençol, papelão. O poder não liga pra nós Bem alto gritamos Mas eles não querem ouvir a nossa voz. Nômades nós somos, é preciso! pá, pá, pá! (sons de tiro) Corremos perigo! Oh! Deus do céu, cuida da gente! é dono do passado, futuro e presente. Dormir nas ruas, incertezas... um aberto, outro fechado olhando as redondezas. Lutar não é esperar! Mudanças virão temos que continuar a lutar! Lutar não é esperar! Mudanças virão temos que continuar a lutar lutar, lutar, lutar... Foto: Arquivo/Rede Rua


O Trecheiro

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Março de 2015

Governo federal articula ações de saúde com o MNPR Fotos: Fridas Photos e Vídeos

Andreza do Carmo

Nos dias 21, 22 e 23 de janeiro de 2015, aconteceu em Vitória (ES), o Seminário “Abrindo Uma Porta: Consolidando a Cidadania no SUS”, organizado pelo Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), em parceria com o governo federal (Ministério da Saúde) e contou com o apoio da Associação Rede Rua. O seminário teve como objetivo capacitar lideranças para atuar junto às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Conselhos de Saúde, agir como multiplicadores dos temas relacionados à saúde da Região Sudeste e implementar ações de saúde com foco na população em situação de rua. Samuel Rodrigues, coordenador nacional do MNPR (MG), conduziu a abertura e acolhida dos participantes estimulando a participação de todos. Rui Leandro da Silva, do Ministério da Saúde, questionou o significado de liderança: “O que é ser um líder?” e “O que é ser uma liderança em saúde?” e enfatizou que a liderança precisa ser construída e formada para ter condições de

atuar com qualidade. Segundo Rui Leandro, o MNPR é o movimento que mais cresceu e se estruturou nos últimos dois anos. Samuel acrescentou que o MNPR não está centralizado, pois vê-se muitas pessoas se destacando em diversos estados com muita competência. Nessa reflexão, foi destacada a necessidade do líder ter humildade e respeito e compartilhar responsabilidades e saberes adquiridos no processo da luta. Segundo Rosângela Roseno, representante do MNPR (ES), “o processo de construção do evento não é tarefa fácil porque para quem está nos movimentos sociais e principalmente para quem é da rua, nada vem fácil e nunca será fácil. É fundamental que o encontro favoreça a articulação dos quatro estados – Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro – e que ela fomente a discussão com a base, fortalecendo a participação de todos e o aumento das lideranças femininas dentro do MNPR”. Para Anderson Lopes Miranda (MNPR-SP), “não deve existir professores e alunos,

mas sim disposição para ensinar e aprender uns com os outros, falarmos a mesma língua e estarmos alinhados ideologicamente, vestindo a camisa e representando a luta”. Após a abertura, alguns palestrantes tomaram a palavra. Ana Paula Costa, coordenadora do Programa Estadual de Controle da Tuberculose da Secretaria do Estado da Saúde (SESA) do Espírito Santo falou sobre a “Epidemiologia da tuberculose”, destacou a alta incidência da tuberculose na Região Sudeste, principalmente no Rio de Janeiro, pela existência de bolsões de miséria e pouco acesso à saúde. A população em situação de rua, assim como os indígenas, população carcerária e pessoas que vivem com HIV são públicos em que a doença incide de forma mais drástica e espaços como albergues também favorecem muito à propagação e incidência da tuberculose, conforme dados do Ministério da Saúde. Gladston Figueiredo, da Pastoral Nacional da População em Situação de Rua, falou

sobre a falta de programas de saúde destinados à população em situação de rua. Além disso, a superlotação dos abrigos é um agravante que potencializa o ambiente insalubre e destacou ainda três pontos: a incidência na população em situação de rua e seus agravantes; a questão da intersetorialidade e a questão da moradia apropriada. Segundo Gladston, nem sempre o paciente abandona o tratamento – como se costuma afirmar –, na realidade é o serviço que por vezes o abandona ou mesmo nem o atende. Julia Pacheco, analista técnica de políticas sociais da coordenação geral da força nacional do SUS e SAMU, contou um pouco da história do SAMU e funcionamento, falou sobre o equipamento básico necessário para a implantação em uma localidade e também sobre possíveis inovações nos serviços. Leonildo Monteiro criticou a falta de atendimento direcionado do SAMU à população em situação de rua e informou sobre a possibilidade de a população

de rua denunciar abusos por meio dos telefones 100 da Secretaria de Direitos Humanos e o 136 da Ouvidoria Geral do Ministério da Saúde. Fátima Marques, do Ministério da Saúde, apresentou o trabalho realizado ao longo dos últimos cinco anos, destacando os avanços e os desafios que o Ministério vem enfrentando no que diz respeito ao acesso à saúde por parte da população em situação de rua. Entretanto, sente grande satisfação de ver o movimento caminhando com as próprias pernas, sem tutela. Considera que o seminário foi uma grande oportunidade de produzir avanços visto que muitos desafios foram vencidos, mas as dificuldades estão longe de ser superadas. Ao final do seminário, foram apontados pontos a serem incluídos na cartilha “Saúde na Rua – abrindo uma porta: consolidando a Cidadania no SUS” a ser distribuída na Região Sudeste oportunamente.

O seminário foi uma grande oportunidade de produzir avanços visto que muitos desafios foram vencidos, mas as dificuldades estão longe de ser superadas

Dilma recebe reivindicações de catadores e de pessoas em situação de rua FBpress

No 3 de dezembro, último dia da Expocatadores 2014, aconteceu a tradicional solenidade de Natal dos catadores e da população em situação de rua, com presença de Dilma Rousseff. Após participar de reunião com o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). e o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), na qual recebeu as pautas de reivindicações para a sua próxima gestão, a presidenta ocupou o palco da plenária principal ao lado de diversas autoridades e enfatizou o padrão de organização conquistado pelo movimento dos catadores ao longo dos últimos anos. Roberto Laureano, representante do MNCR, reiterou que o movimento acredita e defende o atual projeto político federal. “É a presidência olhando para nós, mostrando que existimos. Queremos que os catadores continuem sendo protagonistas desse processo e que os municípios não precisem pensar em incineração”. Ele também agradeceu a “audácia” da presidenta ao dizer não à prorrogação do fim dos lixões. “Isso é a demonstração de que o governo está conosco”. Laureano aproveitou a

oportunidade para destacar pontos fracos do Cataforte III, programa de fortalecimento das cooperativas e associações lançado em 2014. “Precisa ser desburocratizado, temos que ajudar os catadores a acessar esses recursos com mais rapidez”, defendeu. Dilma reconheceu que ainda há um caminho de aperfeiçoamento a ser percorrido por todos os agentes do Programa, mas reafirmou as conquistas já obtidas. “Acredito que nós atingimos um padrão importante. O Cataforte tornou o Brasil diferenciado no mundo em relação aos resíduos. É cada vez mais importante darmos continuidade a ele”. Para ela, as cooperativas devem ter a mesma importância econômica que as pequenas empresas e o engajamento das prefeituras é essencial para o sucesso das políticas públicas de resíduos em âmbito nacional. A presidenta também homenageou Matilde Ramos, presidente da Cooperativa de Ourinhos, a primeira do Brasil a ser contemplada pelos recursos do Cataforte III. “A Dilma está mais próxima de nós e deixou claro a vontade de continuar apoiando os catadores”, comemorou. Londrina (PR), Brazópolis (MG), Santa Cruz do Sul (RS) e Manhumirim (MG) foram as

vencedoras do Prêmio Cidade Pró-Catador, iniciativa que reconhece experiências vitoriosas nas cidades brasileiras. Os troféus foram entregues ao poder público e catadores desses municípios. Já o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, reforçou a importância do investimento de R$ 42 milhões do BNDES para São Paulo reformar centrais de triagem e cooperativas. “A cidade está fazendo um grande esforço, alinhado à Política Nacional. A meta é reciclar 10% de todo o resíduo sólido até 2016”. Um dos pontos altos da cerimônia foi a entrega de certificados de formação pelo Pronatec a pessoas que se beneficiaram diretamente da modalidade “Pronatec Pop Rua”, criada em 2014 com 980 vagas ofertadas. “Tenho muito orgulho de ter alunos da população de rua diplomados pelo Pronatec", exaltou a presidenta ao reafirmar o compromisso com a população em situação de rua, por meio de instrumentos como o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos para a População de Rua. “Continuaremos apoiando essa arma de luta contra a violência”. Durante a cerimônia, foram assinados cinco atos:

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Acordo de Cooperação para o lançamento do Pronatec Catador, com bolsas de formação prioritárias a catadores de materiais recicláveis;

2

contrato das Bases de Serviço do Cataforte – Negócios sustentáveis em redes solidárias, com investimento de R$ 200 milhões em assessoria técnica, capacitação e infraestrutura de redes solidárias;

3

Termo de adesão do governo do Estado da BA e da prefeitura de Rio Branco (AC) à Política Nacional para a População em Situação de Rua, criada em 2009;

4

Convênio para o fomento da Economia Solidária disponibilizando 13 milhões de reais

para empreendimentos econômicos solidários em sete capitais brasileiras;

5

Decreto do Programa de Educação Ambiental e Comunicação Social em Resíduos Sólidos do Município de São Paulo. Ao final, Dilma enfatizou que a concepção do seu governo é proporcionar direitos e oportunidades iguais a todos os brasileiros. “Vocês são parte da proposta-mãe do governo federal, que é crescer garantindo a inclusão. Por isso o trabalho de vocês será cada vez mais importante”, garantiu. “Vocês trabalham no que é descartado, no que é passado, mas também na possibilidade de construir um futuro melhor. Por isso, digo que vocês são os ‘Catadores de Futuro’!”, finalizou, aplaudida e ovacionada de pé pelo público. Foto: Paulo Lopes


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