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1.3. Uma disciplina não isenta de críticas
1.3. Uma disciplina não isenta de críticas
A partir do célebre artigo de Kotler e Levy (1969), foi de imediato e no próprio campo do marketing que as críticas ao alargamento da disciplina ao campo social se iniciaram. David Luck (1974), no Journal of Marketing, considerou-o excessivo e susceptível de tirar identidade ao marketing comercial, consistente apenas, segundo ele, na busca de uma valiosa transacção e na obtenção de lucro. Mas as sucessivas críticas ao alargamento viriam, sobretudo, do lado das suas novas aplicações, o das organizações sem fins lucrativos. Bush (1992) considera que aplicar critérios de competição às organizações da economia social promove a insularidade destas, num meio que deve caracterizar-se, acima de tudo, pela cooperação.
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O próprio marketing concept, de centragem nas necessidades dos «consumidores», merece contestação diversa: primeiro, em relação ao termo «consumidores», que Bruce (1995) ou Gonzalez et al. (2002) consideram completamente desapropriado, recomendando o de beneficiários; em segundo lugar, porque a centragem das organizações da economia social nos interesses desses beneficiários, ou seja, a referida orientação customer-centered, para Sheth (1993), não corresponde à principal função daquelas organizações, que é a de fornecerem o que as pessoas precisam e não aquilo que elas necessariamente querem. Por outro lado, a missão das organizações da economia social é traçada à partida, não mudando com as necessidades de «mercado».
Rados (1981) põe também em causa a aplicabilidade generalizada de outro conceito básico em Kotler – o de troca (exchange) – por considerar que algumas das acções de organizações sem fins lucrativos não justificam essa troca de benefícios, já que se realizam numa base de voluntarismo, que não busca receber nada em troca. Ainda nesta tónica crítica, aspectos instrumentais e tradicionais do marketing, como o da segmentação dos seus destinatários ou a concentração em alvos específicos, teriam, no quadro da acção das organizações da economia social, de ser considerados como injustamente discriminatórios, dado que a acção social se deve destinar, por princípio, a todos os necessitados.
Para Eikenberry e Kluver (2004), a desadequação do marketing pressupõe todas estas críticas, mas possui, também, efeitos perversos mais profundos, já que a adopção de critérios de mercado na actividade social levaria, em última análise, à deterioração
do contributo primordialmente cívico que as organizações deste sector desempenham nas sociedades.
No fundo, este conjunto de argumentos críticos conduziu o marketing das organizações da economia social não a uma impossibilidade, mas a uma maior consciência das suas necessárias especificidades, no âmbito das complexidades que ele possui. A orientação marketing nas organizações da economia social teve e terá de saber articular a sua missão com as necessidades dos seus vários intervenientes, desde beneficiários a doadores, parceiros e voluntários, num ambiente de coexistência e de cooperação com outras instituições que não pode, de modo algum, ter o sentido competitivo dos mercados comerciais.
A definição, obtenção e avaliação de resultados da acção das organizações sociais tem de entender a sua natureza, muitas vezes intangível, difícil (ou mesmo impossível) de identificar e quantificar. Em vez de uma orientação marketing para estas organizações, Liao et al. (2001) preferem falar em orientação societal, ou seja, a constante adopção de uma atitude sensível para com os seus beneficiários e contribuintes, de que falam, também, Vasquez et al. (2002), graças ao entendimento dos contributos do marketing em dois planos: o de uma cultura de atenção e de recolha de informação sobre os beneficiários e intervenientes; e o de uma informação disseminada por todas as áreas de uma organização, com directa influência na concepção e na condução de intervenções específicas.
McCambridge e Salamon (2003) cunharam a frase que traduz esta abordagem: as organizações da economia social estão no, mas não são do mercado. As organizações empresariais e comerciais, por mais que busquem satisfazer os seus consumidores, visam, em última análise, a obtenção e maximização de lucros financeiros, ao passo que as que promovem a economia social procuram, primordialmente, melhorar a condição dos cidadãos, sobretudo dos mais carenciados e desprotegidos, em áreas onde o Estado e as empresas privadas não têm interesse ou capacidade para intervir. Tanto quanto a experiência, instrumentos e processos do marketing possam potencializar esta missão, assim eles serão úteis.