Cascais Burns Night 2022 - Immortal Memory

1

Cascais Burns Night Portugal, 16 Fevereiro 2022

Immortal Memory por Carlos Oliveira Santos

Dear guests, Caros compatriotas, «Não lutamos por honra, riquezas ou glória, mas unicamente pela liberdade, da qual um verdadeiro homem não desiste, a não ser com a sua vida.»

Há 700 anos, em 1320, um grupo de nobres escoceses escreveu uma carta ao Papa pedindo o reconhecimento da independência do seu país e do seu monarca, Robert, the Bruce, por eles escolhido. Ficou conhecida como a Declaração de Arbroath, escrita na Abadia do mesmo nome, e continha a frase em epígrafe. É provavelmente o mais importante documento da cultura política escocesa, mas é também um inédito e pioneiro documento político, na Europa

2

de então. E assim foi: passados uns anos, a independência escocesa e o seu rei seriam reconhecidos pelo Papa.

«Não lutamos por honra, riquezas ou glória, mas unicamente pela liberdade, da qual um verdadeiro homem não desiste, a não ser com a sua vida.»

Este nosso outro Robert, tu, Robert Burns, és seguramente um filho sublime desta cultura e por isso ela te presta tanto carinho e apreciação. Naquela segunda metade do século XVIII, a tua vida foram 37 anos vertiginosos, de uma impressionante criação humana.

Apresento-te este jantar, a que tenho a certeza de que tu gostarias de vir – decerto com a característica que deve ter uma boa Burns Night: ser frequentada por pessoas francas, honestas e de coração aberto, como tu pedias para o teu Club de Talborton. Obrigado, Câmara Municipal de Cascais e seus obreiros.

Se aqui estivesses, conhecerias este país e estas pessoas, os portugueses, como eu, que não deixam de ter os seus defeitos, mas mostram, assiduamente, uma grande virtude: a de se abrir aos outros, a outros povos, a outras culturas, como esta de se abrirem a ti e à cultura que tu representas. Pedem-me eles, para minha honra e alegria, que diga umas palavras sobre ti. Têm de ser breves, pois, senão, em vez de jantar, tomaríamos o pequeno-almoço ou mesmo o jantar, mas de amanhã...

O tempo é breve e se necessidade houvesse de te resumir apenas numa frase, esta seria e é tua: «Fui talhado para o arado… e sou independente.»

Contudo, a tua vida, a tua figura, a tua obra não são passíveis de se resumir, muito menos numa frase, tantas as facetas, as grandezas, os mistérios com que preencheste este mundo.

Não há tempo para contar a tua infância, pela linda e misteriosa Alloway, essa infância que o teu pai, pelo meio do duro trabalho do campo, tanto se empenhou em preencher com estudo e leituras, no bom espírito do reformismo escocês: uma escola em cada paróquia e a aprendizagem generalizada da leitura, o que pôs um modesto camponês, como tu, nos meandros da grande literatura universal – e colocou a Escócia, dessa época, como um exemplo de educação para toda a Europa.

3

Não há tempo para falar da pobreza, do insucesso material, da desgraça, que muito acompanharam a tua vida, mas tal nunca te tirou a vontade para as paixões, os amores, a sexualidade. De ti, registou-se um casamento e doze filhos de quatro mulheres – e esta é certamente uma contabilidade que está aquém da realidade. Foste incansável. Chegado a Edinburgh, cortejavas a dama. Se ela se mostrasse renitente, passavas à criada – e, nove meses depois, mais um filho…

Algumas mulheres, ao longo destes anos, recriminaram-te por libertinagem e irresponsabilidade para com elas. Tu próprio te declaraste um fornicador, mas o certo, também, é que muito demonstraste amá-las como, evidentemente, pessoas dignas e afirmaste, com clareza, como quase nenhuns, os seus direitos, numa época em que isso era algo impensável. Tiveste imperfeições? Sem dúvida, e tu o deixaste bem claro: a pessoa humana tem capacidade para ser gloriosa, mas sempre, sempre será, inexoravelmente, imperfeita.

Não há tempo para falar do teu profundo e sincero amor pela maçonaria, onde foste iniciado com 22 anos e a que dedicaste toda a vida. Era natural: liberdade, igualdade e fraternidade pelo teu semelhante, estavam-te no sangue.

Hoje, ficarias agradado de encontrar aqui, neste jantar, alguns irmãos e irmãs, maçons, como eu.

Finalmente, neste breve introito, não há tempo para falar no mais importante: a tua poesia. Ratos, piolhos, enchidos, whisky; e a liberdade humana, os direitos das mulheres, a libertação dos escravos, a emancipação de oprimidos e de explorados; e a independência do teu país e de outros; tudo isso, mais os amores, as emoções, os infortúnios, as hipocrisias; e mais as flores, os vales, os rios, os céus da tua terra muito querida…

Foste buscar, para tal, uma língua proscrita, o Scots, falada pelo povo, mas repudiada pelos intelectuais, que aliás muito te pressionaram para não a usares.

Nada disso! Com uma naturalidade, um vigor, uma alegria excepcionais, tu fizeste poesia que logo correu mundo, mostrando que a genialidade não tem fronteiras. Sem dúvida que em ti, como sucede nos grandes, a poesia molda e reformula a linguagem e a própria vida humana. Quando se editou, em 1786, o teu primeiro livro, a consagração foi imediata e depressa seria global. Hoje, mais de duas mil edições de livros teus, em mais de quarenta línguas, espalham-te a obra pelo mundo inteiro. As tuas canções ouvem-se em todo o Globo, quer neste jantar, quer nos supermercados de Tóquio, pouco antes de fecharem.

O mundo, seguramente, admira-te. Em 2009, nas comemorações dos 250 anos do teu nascimento, realizaram-se 900 000 Burns Suppers em todo o nosso planeta.

4

Os teus compatriotas tomam-te como o seu próprio coração, como o seu hino. Quando a Escócia, em 1999, reabriu o seu Parlamento, os deputados cantaram em uníssono o teu A Man's a Man for A' That. E o povo cantava-te cá fora. Com que fervor! Com que autenticidade!

Um homem é um homem por tudo isso.

Deixai-me apenas acrescentar dois aspectos: em português, as tuas traduções foram poucas, mas é justo assinalá-las aqui. Em 1941, dois compositores brasileiros fizeram uma versão do teu Auld Lang Syne, como Valsa da Despedida, que ainda hoje se canta. Em 1952, um natural daqui de Cascais, um cascalense, o professor Luiz Cardim publicou traduções de três poemas teus, no seu livro Horas de Fuga. Vinte anos depois, Jorge de Sena (o também grande Jorge de Sena), incluiu duas traduções tuas na sua antologia Poesia de 26 Séculos, mas foi no Brasil, em 1994, que se deu a edição de uma parte considerável da tua obra. Uma eminente académica brasileira, Luiza Lobo, publicou Robert Burns, 50 Poemas e deu, assim, um contributo inestimável para o teu conhecimento em português. Este ano ou para o próximo, eu irei publicar os meus Poemas Escoceses, com traduções de poemas teus e de outros poetas escoceses.

Por outro lado, como entusiasta do espírito prático do Iluminismo Escocês, não quero acabar esta Immortal Memory sem uma palavra bem prática: fundemos, em Cascais, a partir desta Burns Night – a primeira que uma entidade portuguesa levou a cabo –, fundemos em Cascais um Burns Club, um clube que nos junte aos mais de 250 Burns Clubs pelo mundo, em 15 países e em 31 cidades, que nos junte às estimadas nove milhões e meio de pessoas que comemoram, todos os anos, as Burns Night, que nos junte a esta cultura de criação e de liberdade.

Cascais ganharia, com este acto, mais um valioso património cultural, de âmbito global, de que não se iria seguramente arrepender. No que estiver ao meu alcance (assim como, suponho, ao de outras pessoas aqui presentes), contai com o nosso sincero empenho para com este propósito, em torno deste homem, que trouxe mais vida à vida humana.

Meus queridos convivas, desculpem o tempo que vos tomei e peço-vos que ergueis os vossos copos para um brinde ao maravilhoso Robert Burns.

A Robert Burns!

Slainte Mhath!