Jota Michiles - Recife, manhã de sol

CARLOS EDUARDO AMARAL

Jota Michiles RECIFE, MANHÃ DE SOL

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AGRADECIMENTOS

Os volumes desta coleção não seriam possíveis sem a consciência de uma instituição como a Cepe Editora, que reconhece a importância da cultura pernambucana e tem prestado tributo ao frevo desde o 110° aniversário desse gênero musical, completado em 2017. Este volume, em especial, teve a gentil colaboração de: Jota Michiles, César Michiles, Michelle de Assumpção, Mirosa, Alceu Valença, Etiene Barros, Daury dos Santos Ximenes, Gustavo Krause, André Freitas, Gilson Oliveira, Rileyde e Sônia Almeida, Kátia Michiles, Zé da Flauta, Edson Rodrigues, Joaquim Francisco, Rodrigo Carneiro Leão, Paulo Costa Lima, Silvério Pessoa, Marcos FM e Fabio “Passa Disco” Cabral. Cito igualmente o Paço do Frevo e, em especial, o Centro de Documentação Maestro Guerra-Peixe, referências mundiais para a preservação, o debate e a renovação do frevo.

Registro, ainda, meu muito obrigado aos profissionais de grande competência da Cepe Editora que trabalharam ou depositaram incentivo e confiança nesta série Frevo, Memória Viva: Ricardo Leitão, Ricardo Melo, Luiz Arrais, Marco Polo, Everardo Norões, Wellington de Melo, Mariza Pontes, Joselma Firmino, Stéfane Quezado, Sebastião Corrêa, Carolina Cavalcanti e Roziane Fernandes.

Estendo minha gratidão também à equipe da revista Continente, aos autores das fotos de capa, aos revisores e a todos os setores da Cepe Editora, especialmente os do marketing e do parque gráfico.

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SUMÁRIO

Introdução........................................................................... 13 Campo Grande e redondezas................................................ 17 Manhã de sol....................................................................... 23 O dono................................................................................. 33 Transversalmente................................................................. 39 Urubus de galocha................................................................ 47 Roda e avisa......................................................................... 57 Cercas e quintais.................................................................. 71 Diário................................................................................... 79 Diário 2................................................................................ 87 Em primeira pessoa.............................................................. 97 Jingles................................................................................ 103 Quem vai?.......................................................................... 111 Epílogo............................................................................... 117 Tabela de canções............................................................... 119 Discografia......................................................................... 125 Iconografia......................................................................... 132

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O DONO

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moral de Nelson Ferreira não era em vão. Foi concretada pelo trabalho e pioneirismo que desempenhou dos anos 1920 até sua morte, em 1976. No artigo Ferveção centenária, Edson Wander16 ressalta que o frevo “já incendiava as ruas e clubes de Recife, desde a virada do século XIX para o XX”, mas só viria a ser gravado (na sua variante frevo-canção, primeiramente) em 1923, seis anos após o primeiro samba em disco: Pelo telefone, de Donga.

O intérprete e a gravadora de Borboleta não é ave, de Nelson Ferreira, foram os mesmos do samba de Donga: Bahiano (Manuel Pedro dos Santos, 1870-1944) e a Casa Edison, do Rio de Janeiro. A canção de Nelson foi registrada como “marcha carnavalesca” e não apresentava a característica introdução dos frevos-canção (o que não era padrão à época). Como nota Ângela Belfort, no livro Nelson Ferreira – O dono da música, o frevo era rotulado em disco, nos anos 1920, como marcha nortista ou marcha pernambucana.17 16 Site Carta Maior, 9 de fevereiro de 2007.

17 Em outro trecho do livro, Ângela comenta que Nelson, quando regia a orquestra do cineteatro Moderno, o qual funcionava na Praça Joaquim Nabuco (a mesma do restaurante Leite), introduziu a tuba-baixo no lugar do contrabaixo. Antes disso, a tuba era usada apenas nas orquestras de rua – mais um ponto em que Nelson Ferreira saiu na frente.

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Edson Wander, no citado artigo, anota que o frevo, como gênero musical, foi admitido e difundido “oficialmente” a partir de 1933, numa reunião da Federação Carnavalesca de Pernambuco. No entanto, a Federação foi fundada em 1935. José Teles, na matéria Tão talentoso quanto Capiba18, esclarece que: Uma comissão reunida no Diário [sic] de Pernambuco, em 1932, formada por Waldemar de Oliveira, Capitão Zuzinha, Mário Melo, o tenente João Cícero, e Teóphilo de Barros Filho, definiram [sic] que a marcha-frevo (o instrumental, de rua) seria chamada de frevo, e a marcha-frevo com letra, “com influência da marchinha carioca”, conforme enfatiza a comissão, passaria a ser frevo-canção.

O mesmo Teles, agora no livro O frevo – Rumo à modernidade (Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2008), lembra do conhecido “pé-atrás” de Valdemar de Oliveira diante do frevo-canção, devido à influência das marchinhas cariocas: “[...]

Este gênero de composição [o frevo-canção] é secundário, resquício que sofremos do carnaval carioca, quando não havíamos divulgado como mereciam o frevo e o maracatu.”19 Valdemar tinha verdadeira aversão, não pelo samba ou pelo carnaval carioca, mas pela invasão do espaço do carnaval pernambucano por eles, como havia escrito em 1935: “Já temos

18 Texto em que fala da trajetória de Marambá (José Mariano da Fonseca Barbosa, 1896-1968), um dos irmãos de Capiba e também autor de diversos frevos-canção relevantes entre as décadas de 1930 e 1950.

19 Apud Teles (2008). A rigor, o trecho citado é de um comentário do compositor Homero Freire, endossado por Valdemar de Oliveira em sua coluna no Jornal do Commercio, em uma edição de dezembro de 1937.

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matéria de primeira qualidade para construir um ambiente carnavalesco sem similar em qualquer Estado do Brasil”.20 A Federação Carnavalesca de Pernambuco, já fundada, estimulava o rechaço público da população recifense às marchinhas cariocas e, segundo Teles (ainda em O frevo – Rumo à modernidade), chegou a promover dois programas de frevos e maracatus no estado de Nova York (EUA), com patrocínio da General Eletric, em 1938 – para raiva dos cariocas.

A presença do samba no Recife, quer queiram, quer não, é permanente desde essa década, e esse gênero conserva a grande virtude, nunca lograda pelo frevo, de ser tocado em todo o país e a qualquer mês do ano, “porque [o frevo] não encontrou ainda aquele elemento de sugestividade que o torne preferido em qualquer época”. Essa declaração, reproduzida por Teles, de Ulisses Andrade, compositor e maestro da orquestra do Clube Internacional do Recife, saiu no Jornal do Commercio em 1941 e continua em voga.

Voltando a Nelson Ferreira, Edson Wander escreveu: A primeira gravação de frevo de rua, ainda com cara de marcha, foi Não puxa Maroca, de 1929, registro da RCA-Victor pela Orquestra Victor Brasileira, dirigida por ninguém menos que Pixinguinha (1897-1973). Maroca, conta o pesquisador Samuel Valente, era uma prostituta famosa na época, que inspirou Nelson Ferreira neste e em pelo menos outros três frevos. Valente estima a produção de Ferreira em cerca de 250 composições. Pianista, gravou também com muita gente da Era do Rádio; acompanhou Francisco Alves e Almirante em várias valsas e canções que se tornaram famosas à época. Foi músico e 20 Apud Teles, id. ibid.

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compositor requisitado nacionalmente em outros gêneros, mas manteve a fama de grande produtor de frevo e passou à história como um dos melhores, ao lado de Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba (1904-1997). Para Antonio Nóbrega, são nomes que significam para o frevo o que Pixinguinha e Jacob do Bandolim representam para o choro.

Nelson Ferreira tornou-se ícone do gênero não só pelas composições em si, sugere Valente, mas por ter sido um pioneiro nos três tipos de frevo que passaram a ser produzidos: frevo de rua (instrumental), o frevo-canção e o frevo de bloco, uma variação que primava por particularidades como iniciar sempre com um apito seguido de um surdo, os primeiros acordes da melodia e coral feminino. Ferreira deu forma a essa terceira variação do frevo com a música Evocação, de 1957. Ironia do destino, o primeiro frevo gravado foi por um artista baiano e o último show de um dos maiores nomes do frevo pernambucano deu-se na Bahia, no carnaval de 1976, em Salvador.

Entre parênteses, aproveitando a menção no texto: se não fosse pela percepção de Nelson Ferreira – 25 anos depois da comissão liderada por Valdemar de Oliveira –, em incluir no universo do frevo as marchas de bloco, os blocos carnavalescos mistos (que, para sua construção de música típica, tomaram elementos dos pastoris, dos ranchos cariocas e um pouco também das escolas de samba) e suas respectivas orquestras de pau e corda teriam continuado como uma manifestação cultural marginalizada, como os maracatus (rural e nação), por exemplo.

Nelson – que, segundo Ângela Belfort, lançava dois frevos por ano, visando ao carnaval seguinte – abriu espaço às marchas de bloco na indústria fonográfica, chamando inicialmente as suas próprias de “frevo”, porque tais marchas guardam, sim,

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características dos outros dois tipos de frevo – mormente na figuração melódica das introduções e na base rítmica, executada pelos mesmos instrumentos de percussão (caixa, pandeiro e surdo), apenas em andamento mais retardado.

O maestro, compositor e arranjador Marcos FM, que fez o arranjo original de O bambu vai quebrar para Michiles, fala da qualidade musical dos arranjos musicais de Nelson Ferreira e da distinção formal básica entre o frevo-canção e o frevo de rua: No frevo de rua, nós temos um diálogo entre naipes: palhetas e metais. No frevo-canção, temos também: o cantor dialogando com os sopros. No frevo-canção, tem arranjador que escreve pros metais todos, como se fossem só o cantor com a orquestra, mas tem arranjador que sabe explorar melhor isso, os naipes separadamente: o cantor dialogando com os trompetes, com os saxes, com os trombones... São timbres diferentes, cada um. Quando todos tocam juntos é outro timbre. Quando se combinam os naipes, também. Quando estudei Nelson Ferreira, eu mudei muito. Ele não usa todos os metais o tempo todo. E você não vai cansar todos os músicos de uma vez só. Se você ouvir os discos da Rozenblit, os pot-pourris feitos por Nelson, vai ver esses coloridos diferentes.

Já na interpretação vocal do frevo-canção, Marcos FM evoca a referência deixada por Claudionor Germano.

Acho que um cantor como Claudionor contribuiu para haver mais swing. Nas partituras de Nelson, por exemplo, as melodias eram bem quadradas, bem certas, e, quando passam pelas mãos de Claudionor, ele coloca síncopes, contratempos, portamentos e outras coisas nelas. aponta.

Outro registro digno de nota que Ângela Belfort reproduz

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sobre Nelson Ferreira, para o qual devemos abrir novos parênteses, é uma entrevista de Sivuca ao site Gafieiras, em que o músico narra o primeiro contato dele com o maestro recifense, na Rádio Clube, em 1945 – ocasião na qual tocou um frevo de Levino Ferreira (Mexe com tudo) e foi apresentado por Nelson a Antonio Maria, que lhe deu um programa de 15 minutos, a partir do dia seguinte.

O foco dessa observação é frisar como Sivuca21 tocava frevo na sanfona muito antes que o “frevo sanfonado” passasse a ser uma constante em discos. Teles (mais uma vez, ele), em O frevo gravado (Bagaço, 2016) joga uma necessária e derradeira luz sobre essa prática: Com poucas exceções, os sanfoneiros nordestinos, sobretudo os tocadores de fole de oito baixos, incluíam pelo menos um frevo em seus discos. Há todo um vasto repertório de frevos dentro do forró. Para os forrozeiros, era mais um gênero nordestino.22 Fazer frevo na sanfona, no violão ou na guitarra, pode não ser frevo de rua, ou frevo-canção, mas não deixa de ser frevo, um frevo além dos contextos sociais e musicais que deram origens às três vertentes hoje faladas.

Já uma das mais recentes ousadias na orquestração do frevo nasceu da cabeça de um dos filhos de Michiles.

21 Mais uma para Nelson: foi ele quem deu o apelido que tornou Severino Dias de Oliveira imortal.

22 Que o digam Alcymar Monteiro e o CD e DVD Vozes do frevo, gravados ao vivo em 2013: “Contando com o CD com o áudio do show, serão 15 trabalhos. Esgotaram-se todos [os anteriores], o que prova ser uma mentira que o frevo não venda. O frevo que faço nem é antigo, nem moderno, é o meu estilo. Minha banda toca frevo sanfona [sic]” (Jornal do Commercio, 21 de setembro de 2013).

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TABELA DE CANÇÕES

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tabela a seguir tomou por base as músicas listadas no capítulo Discografia, levantadas na pesquisa hemerográfica e citadas ao longo deste livro até aqui; depois, foi revisada e complementada pelo próprio Jota Michiles. Algumas das anotações do compositor estão entre aspas, nas notas de rodapé.

Título

Intérpretes principais1

Gênero

Ano

Brega

Delírio Você me maltratou

Victor Bacelar

Bolero

1962

Não quero que tu chores

The Golden Boys

Brill building/ calipso

1964

Frevo de bloco

1966

2

Marcus Aguiar, Recife, manhã de sol3 Orlando Dias, Maria Bethânia Menina da minha rua Os Notáveis

1967

Bloco da Saudade

Coral da Rozenblit

Frevo de bloco

1977

Queimadinho

Banda da Polícia Militar de Pernambuco

Frevo de rua

1978

Frevo de bloco

1979

Frevo de bloco

1979

Laço de fita Relembrança

4

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DISCOGRAFIA

O

s álbuns desta seção contam integralmente, ou em sua maioria, com canções de autoria de Jota Michiles (com eventuais parcerias ou outras autorias indicadas em notas de rodapé) e foram produzidos por ele; estão listados em ordem cronológica1, até onde foi possível, e com as faixas mencionadas uma a uma. Os dados foram dispostos na seguinte sequência, quando aplicáveis ou disponíveis: título do álbum, gravadora, ano (quando identificável), código de referência, faixas e intérpretes. Não constam aqui discos autorais de outros intérpretes ou coletâneas não produzidas por Michiles.

1 À exceção de Alceu Valença e Jota Michiles – Guerreiros do frevo – Galo da Madrugada 2017, que traz o ano em seu próprio título, os demais álbuns listados não possuem essa informação, tendo sido necessário recorrer a matérias de jornais ou ao próprio Jota Michiles para ordená-los.

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Cercas e quintais – Jota Michiles (LP) Chantecler, 1983, SCDP-DPF-004/69-SP Intérpretes: Jota Michiles e Quinteto Violado

Lado A 01. Sonho dourado 02. Dessassombrado 03. Tal qual o Nazareno 04. Minha estrela 05. Revoada 06. Boi misterioso Lado B 01. Verde brejo 02. Zabelinha 03. Inté mesmo de avião1 04. Colégio dos ventos2 05. Rei bandido 06. Cercas e quintais

1 Em parceria com Raul Valença.

2 Autoria de Toinho Alves.

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ICONOGRAFIA

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Em pleno frenesi, no palco do Marco Zero

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Governo do Estado de Pernambuco

Governador do Estado Paulo Henrique Saraiva Câmara Vice-Governador Luciana Barbosa de Oliveira Santos Secretário da Casa Civil Nilton da Mota Silveira Filho

Companhia Editora de Pernambuco

Presidente Ricardo Leitão Diretor de Produção e Edição Ricardo Melo Diretor Administrativo e Financeiro Bráulio Mendonça Meneses

Conselho Editorial Presidente

Maria Lúcia Moreira Evaldo Costa Haidée Camelo Fonseca Marcelo Pereira

Superintendência de Produção Editorial Luiz Arrais Superintendência de Produção Gráfica Júlio Gonçalves

Editor

Editora assistente

Projeto gráfico e capa

Produção gráfica

Diagramação

Tratamento de imagem

Revisão

Wellington de Melo Mariza Pontes Luiz Arrais Joselma Firmino de Souza Stéfane Quezado Sebastião Corrêa Ruy Guerra Carlos Eduardo Amaral

O texto deste livro foi composto em Sabon LT Std, corpo 12/16.

O papel utilizado para o miolo é Pólen Soft 80g/m2 e para a capa é Supremo 250g/m2.

Companhia Editora de Pernambuco – Fevereiro de 2019.

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