Sobre Viver

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SOBRE VIVER Taís Cardoso

Todos querem mudança, mas ninguém quer mudar. Essa frase, dita pelo meu mestre de kung fu com uma risadinha ao fundo, vai e volta na minha cabeça nos últimos tempos. Com a crescente precarização no campo da cultura, com menos incentivos e financiamentos, a sensação inevitável de piora do mundo com as últimas eleições presidenciais e a intensificação de toda essa precarização diante de uma pandemia global de coronavírus que fechou países e interrompeu inúmeros possibilidades de encontro, é impossível não pensar que cabe a nós fazer alguma coisa. Ou fica cada vez mais difícil seguir fazendo o quer que fizéssemos da mesma maneira que fazíamos antes. Ao mesmo tempo, é possível se planejar para uma vida mais precária? Quando Tatiana Roque publicou, em fevereiro de 2020, para revista Piauí, um texto em que esmiuçava as possíveis causas da crise de

confiança que assola a ciência e a política e que resultou no fato de estarmos sermos governados por negacionistas, provavelmente não imaginava que algumas semanas depois estaríamos enfrentando uma pandemia que tornaria ainda mais evidente os efeitos desastrosos dessa situação em nossas vidas. A distância entre o que acontece no mundo da ciência e os efeitos práticos que isso tem no dia a dia das pessoas é apontado por Roque como um dos principais motivos para o descrédito dos cientistas entre a população. As pessoas, ao não conseguirem visualizar os benefícios tangíveis das resoluções científicas em suas vidas cotidianas, preferem se agarrar a teorias conspiratórias, em muitos casos fomentadoras de extremismos, que acabam sendo mais atraentes do que a dura verdade dos fatos. Além disso, para quem pertence a alguma

comunidade religiosa, a opinião de pastores, padres ou irmãos de fé acabam sendo mais ouvidas do que a de figuras públicas, políticos ou cientistas. Roque então sugere uma necessidade de mudança de postura não só da população em geral mas também dos responsáveis por nutrir essa população de informações que auxiliam as pessoas a pensarem junto as soluções para um mundo que, literalmente e figurativamente, derrete a nossa volta. “Admitir a verdade científica sobre os efeitos humanos que tem consequências como o aquecimento global envolvem transformações radicais na economia e na política que exigem revermos atitudes cristalizadas em nossos modos de vida” (sem paginação), diz Roque. É preciso mudar não somente nossos hábitos de consumo, como também padrões alimentares e até mesmo nossas perspectivas de futuro. “Mas

Roque, Tatiana. O negacionismo no poder: como fazer frente ao ceticismo que atinge a ciência e a política. Edição 161, Fevereiro de 2020. Ver: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-negacionismo-no-poder/. Última consulta em outubro de 2020.


como convencer as pessoas de que algum sacrifício vale a pena sem oferecer a elas garantias de que todas essas mudanças poderão criar um mundo melhor?”, ela se pergunta. O relato de Roque acena para a profunda necessidade de engajamento que depende de nos sentirmos responsáveis e parte do problema, ao mesmo tempo que não pode ficar dependente de enxergarmos a efetividade concreta dos nossos gestos, uma vez que a recompensa é difusa. A pandemia é um exemplo notório disso porque automaticamente coloca nossa existência enquanto parte de uma responsabilidade que é coletiva, ao mesmo tempo que, embora a nossa maneira de se posicionar diante disso seja visível publicamente e importante também por esse exemplo, as consequências desse agir são invisíveis. Provavelmente nunca saberemos se contagiamos ou não alguém. Nossas ações vão depender de um engajamento cognitivo que depende de crença. A crença que

foi deixada de lado pela lógica de pensamento ocidental moderna e racionalista. Me interessa entender como a arte, e mais ainda o fazer artístico, cria lugares de entendimento que nos conectam com possibilidades de realidade engajadas. Partindo da hipótese de que, ao sinalizar para o nosso viver em conjunto, a arte é passível de subverter e tensionar relações convencionalmente e normativamente estabelecidas. Boa parte das reflexões da norte-americana Donna Haraway, ao atribuirem uma dimensão política a processos fisiológicos – geralmente entendidos como naturais, como grande parte de nós aprendeu na escola, e impassíveis de transformação – trazem novos sentidos de realidade. Com essas novas possibilidades de entendimento da natureza, Haraway dissolve justificativas modernas de dominação que nos acompanham desde que nos entendemos enquanto humanidade. Há uma

constante e comovente tentativa de convencimento por parte dela que procura transformar os nossos hábitos e a nossa maneira de agir em sociedade. Faz parte dos meus interesses de pesquisa elaborar de que maneira as artes podem ser atribuídas a maneira de Haraway de entender e dialogar com o mundo. No texto publicado na coletânea Arts of living on a damage planet (Artes de viver em um planeta danificado) (2017), ela disserta sobre o projeto Crochet Coral Reef (Recife de Coral de Crochê) e nos oferece caminhos possíveis. Recife de Coral de Crochê é uma iniciativa das irmãs gêmeas australianas Margareth e Christine Werthheim que consiste em

produzir replicas de corais em crochê, em tamanho real. Esse gesto, não só evoca como torna visível aos nossos olhos humanos ecossistemas de criaturas marinhas vulneráveis, geralmente conhecidas apenas por fotografias e vídeos ou por especialistas da área. Para fazer isso e ao fazer isso o projeto das gêmeas Werthheim, fortalece nós poéticos (ou simpoiéticos, se utilizarmos a terminologia dela) entre os saberes da matemática, da biologia marinha e do ativismo ambiental. Pois além de despertarem a consciência ecológica da população, os recifes de coral feitos de crochê valorizam o artesanato feito por mulheres, as artes têxteis e as práticas comunitárias. A prática se tornou comunitária porque, embora

Encontrei uma tradução para o português desse texto na coletânea de textos intitulada Uma comunidade múltipla (2018), publicada pelo Sesc, com curadoria editorial de João Laia e supervisão de Solange O. Farkas e Teté Martinho. Os trechos citados vem da tradução realizada para essa publicação, a tradução do título Arts of living on a damaged planet, é uma sugestão minha. Menciono aqui a publicação na qual encontrei o texto inicialmente, por considerar essa contextualização da circulação do conhecimento importante para o seu entendimento. O texto aparece também como um dos capítulos do último livro de Donna Haraway, Staying with the trouble (2018).


tenha começado entre as duas irmãs, o projeto expandiu sua proporção, envolvendo por volta de 8 mil pessoas até o momento em que Haraway havia escrito o artigo. A maioria das envolvidas são mulheres, em 27 países, que se juntaram para crochetar em lã, algodão, sacolas plásticas, rolos de fitas descartadas, lã acrílica, embalagens plásticas e qualquer outro material que possa ser tecido em pontos de crochê.

Recife de Coral de Crochê, de Margareth e Christine Werthheim

Nas palavras de Haraway, “o recife de crochê alinhava as materialidades do aquecimento global e da poluição tóxica. As criadoras do recife praticam essa relação multiespecífica de tornar-se-com para cultivar a habilidade de responder, ou responsa-habilidade (response -ability, no original). [...] O recife opera não por representação, mas por um processo de final aberto, exploratório” (sem paginação). Haraway salienta ainda como os corais construídos pelas artesãs ao mesmo tempo que remetem a recifes saudáveis e fabulosos, são feitos com os materiais plásticos responsáveis por

poluir toxicamente o oceano em função de ações nossas, humanas, carregando esse estigma em sua matéria. Por fim, chamo atenção para o que a autora nomeia como costurar uma “intimidade sem proximidade” uma vez que as artesãs “tramam vínculos psicológicos, materiais e sociais com os recifes biológicos dos oceanos, sem praticar biologia marinha de campo, mergulhar entre os recifes ou fazer algum outro contato direito. [...] A intimidade sem proximidade não é a mesma coisa que a presença “virtual”; trata-se de uma presença “real” em materialidades entrelaçadas” (sem paginação). Embora partam de uma perspectiva que é mais etnográfica, os posicionamentos da vietnamita Trinh T. Minh-ha, cineasta, escritora e poeta, professora no departamento de Gender & Women Studies na Universidade de Berkeley, operam em consonância e trazem desdobramentos que acredito serem interessantes de compor junto as ideias de Donna Haraway.

Para Minh-ha, as relações de poder são intrínsecas as representações normativas. Desse modo, dissolver essas formas de representar é necessariamente ampliar o entendimento da realidade. É para isso que Minh-ha trabalha. Em sua formação, ela fez um movimento que, ironicamente, é recorrente entre pessoas de países periféricos que atuam no campo artístico e intelectual: viajar para o norte (i.e. Estados Unidos ou Europa) para aprender estratégias de representar o seu lugar de origem de uma perspectiva não colonizadora. (Mais ou menos mesma maneira em que eu me amparo em teorias que vem de lá para dar forma aos meus pensamentos aqui). Meu contato com a produção de Minh-ha se deu especialmente através dos seus textos, dada a dificuldade de acesso aos seus filmes. No texto Não fale no escuro ela diz: “Meus filmes e instalações são feitos para mudar nossa percepção de realidade e experimentar as imagens como se estivessem imersas em nosso próprio corpo. [...] De fato, sem uma


dimensão social e existencial, a estética permanece largamente convencional e normativa (p. 23).” O comprometimento social entre forma e conteúdo sugere estarmos continuamente atentas e atentos em um processo de construção de novas metodologias que cada história contada demanda. Em seu primeiro média-metragem intitulado Remontagem/Reassemblagem (1982), filmado em 16mm, no Senegal, Minh-ha lança a sentença que é chave para o entendimento de sua abordagem: I do not intend to speak about, just speak nearby, algo como eu não tenho a intenção de falar sobre, apenas de falar próximo. O seu pensamento indagativo que se faz presente em off ao longo de todo o filme, se sobrepõe aos seus registros e dá o tom da narrativa. É possível pensar que em sua trajetória, ao invés de representar outros

povos e culturas não ocidentais, Minh-ha estabelece uma espécie de troca que ela transforma em imagens. “Quando a realidade começa a nos falar de forma diferente, ela conduz ao que chamei de um outro lugar dentro do aqui” (p.23, grifos da autora). Cinema independente, teoria, estudos culturais, pós-colonialismo são desenvolvidos de modo entremeado. “Cada obra realizada é, para mim, uma garrafa lançada ao mar,” (p.27) diz. Junto a essas perspectivas teóricas, escolhi falar nesse texto de duas iniciativas artísticas para quem tenho dado atenção nos últimos meses, tentando decifrar seus enigmas e pensar a partir das suas garrafas lançadas ao mar: a ação Mensagens Vazias, dos macapaenses do Grupo Urucum e o trabalho El pedimiento, da artista argentina Ana Gallardo. Em

Em 2015 foi realizada uma retrospectiva com a trajetória cinematográfica da artista, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, e o catálogo está disponível on line. Nele é possível encontrar tanto textos que comentam a obra de Minh-ha quanto textos da sua própria autoria. Ver: https://issuu.com/luisfelipeflores/docs/cat__logo_trinh_online

ambos os casos, há uma abordagem social na qual as artistas e os artistas estabelecem uma relação de convívio com pessoas que não conhecem e que estão fora do circuito artístico e intelectual. No caso do Grupo Urucum, o lançamento de garrafas se dá de forma literal e acontece no Rio Amazonas. Mensagens Vazias, ação orquestrada pelo grupo, consistiu em pedir para a população local, na noite da virada do ano de 2002/03, escrever seus desejos para o próximo ano num papelzinho, posteriormente colocado em garrafas lançadas pelo grupo no Rio. Mensagens Vazias se apropria de um momento social no qual a vontade de mudança está latente, fazendo a população colocar pra fora seus desejos em segredo, de maneira ritualística; um exercício de liberdade que nos ensina a aproveitar afetivamente um espaço público. O Rio Amazonas em sua imensidão escura, um espaço físico no qual há intensa quantidade de matéria orgânica oriunda da decomposição

da vegetação, em parte arenoso, em parte lamoso, corporifica o infinito e aquilo que jamais teremos acesso. A vida que há em meio a essa escuridão. Tomei contato com esse e outros potentes projetos da população do norte do país, que não cessa de me encantar com suas visões amplificadas de mundo, através da publicação Por uma cartografia crítica da Amazônia: recorte/processo sobre arte, política e tecnologias possíveis (2012), organizada por Giseli Vasconcelos, em Belém do Grão Pará. É nela que consta o relato de Arthur Leandro, parte do Grupo Urucum, intitulado Identidade e diferença de quem pinta o corpo para a guerra ou para a festa: a trajetória da poética de resistência do Grupo Urucum no período de 2001 a 2005. Leandro, já falecido, além de artista, ativista e pesquisador, foi professor no curso de Artes Visuais na Universidade Federal do Amapá e atuou na mesma função na faculdade de Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará. Conforme Leandro declara em


seu texto, “Se a arte sintetiza emoções através de sua representação, nós convocávamos todos a exporem suas emoções ao escreverem seus desejos e com isso relembrar os motivos que os fazem desejar. [...] Dessa forma não emolduramos representações mas engarrafamos as emoções da população em um escambo onde a arte está no campo da vida – não se trata de trazer a vida para arte, mas confundi-las – e ao se complementarem caminham para o domínio do real e não mais da representação.” (p.56, grifos meus) Num ritual de catarse coletiva o Grupo Urucum convida a população a escavar suas vontades reveladas em um gesto que as mantém secretas e que ainda assim invadem um espaço que é público, um gesto que é pessoal mas também é coletivo. A proposição artística só existe porque conta com a colaboração da comunidade e porque faz uso de um espaço simbólico que é compartilhado por todes ali presentes, o Rio Amazonas. Assim, como bem coloca Lean-

dro: “Na experiência coletiva vivenciada pelo Grupo Urucum a arte se aproxima das questões cotidianas daqueles que se envolvem no trabalho, e por isso mesmo tende a atingir diretamente a vida dos membros da comunidade e tornar-se reflexo da sociedade em contrapartida da ideia de arte como produto de gênios criadores que vivem em um mundo inalcançável aos ‘seres comuns’.” (p.57) El pedimento (2015), que significa algo como O requerimento, na El pedimento, obra de Ana Gallardo para a Bienal de Veneza de 2015

terminologia jurídica, é o trabalho que Ana Gallardo desenvolveu para Bienal de Veneza, em 2015. Nele, Gallardo apresentou esculturas que foram feitas em colaboração com as presidiárias da Casa Reclusione Donne, em Giudecca, Veneza, e exibidas em formato de instalação. Ao longo de dois meses, a artista encontrou

Ver: https://dossie.comumlab.org. Último acesso em outubro de 2020


três vezes por semana com quinze mulheres que se dispuseram a participar do projeto e propôs a elas que fizessem esculturas com lama – a mesma utilizada para adubar a horta que as alimenta –, a partir do exercício de imaginar como seriam quando fossem mulheres velhas. Assim como o Grupo Urucum, Gallardo se relaciona com a comunidade a partir da proposta de um exercício de imaginação que é canalizado na produção de objetos de maneira coletiva. O projeto é parte de uma iniciativa maior de Gallardo que dura até hoje e se desenvolve a partir de vários outros projetos intitulada Escola de Envelhecer e que

consiste exatamente no que o nome sugere, aprender estratégias de convívio e de troca nessa etapa da vida que, em nossa sociedade utilitarista, é vista como miserável. “Elas tinham que se imaginar como velhas e tentar imaginar o que precisariam na velhice. Essa necessidade é o que elas tiveram que representar com a lama”, diz a artista. A relação com a terra foi também pensada por Gallardo a partir de diferentes rituais das mulheres mexicanas de Oxaca que consistem em oferecer às divindades um punhado de terra agarrado em seus punhos, com objetivo de receber favores em troca. Com essa instalação, as mulheres da prisão de Giudecca deixam objetos fetiche que

Nesse sentido, embora eu não vá aprofundar aqui, vale dizer rapidamente que por mais que a arte dos anos 1960 de vanguarda do Brasil oferecesse dispositivos de experimentação coletiva, o grau era outro, sem o rompimento do paradigma decolonial como coloca Arthur Leandro. As proposições do Grupo Urucum são coletivas, diferentes do uso das pessoas pra dar sentido a uma obra. Em Mensagens Vazias, as pessoas em alguma medida se tornam artistas no processo, porque são responsáveis por ele, gesto que expõe a exclusão do pensamento eurocolonial que dá sentido a lógica ocidental racionalista. Ver: https://universes.art/en/venice-biennale/2015/tour/all-the-worlds-futures-2/ana-gallardo

demarcam um lugar, ao mesmo tempo que imaginam o envelhecimento e a própria morte. A visão do resultado desse trabalho ao mesmo tempo me perturba e me enternece. As criaturas disformes que aparecem sugerem uma fragilidade fantasmagórica que traz possibilidades para entender toda a humanidade que Gallardo é capaz de expressar. Há também uma certa estranheza em pensar nessas figuras pueris enquanto obras de arte. “Nossa intenção foi pensar em nós mesmas como mulheres velhas.” Qual o lugar da velhice em nossa sociedade? Qual o lugar das mulheres velhas em nossa sociedade? Qual o lugar das mulheres presidiárias em nossa sociedade? É como se Gallardo optasse por mostrar uma faceta bruta da realidade. Nessa faceta não lapidada, o tempo está congelado, como o do relógio de lama esculpido por elas, e só há o presente em suas necessidades de subsistência. Em alguma medida, Gallardo ofere-

ce a essas mulheres privadas de liberdade alguma possibilidade de viajar no tempo. “Nesta prisão, há algumas mulheres mais velhas que vão estar perto do fim de seus dias quando forem soltas. Outros, as mais jovens, não conseguem visualizar o futuro”, afirma a artista. Assim como Minh-ha, o que Gallardo nos apresenta é uma parte de si em sua relação com o mundo. Há um momento do texto de Arthur Leandro em que ele cita como Mário Pedrosa (p.56-57) chama atenção para a diferença de atitude para com a arte dos chamados povos primitivos, atualmente entendidos como povos originários, em contraponto a concepção de arte europeia. Há muito mais para falar sobre isso, mas simplificando, Pedrosa salienta que enquanto a tradição artística tende para a representação do real, a manifestação e manipulação simbólica das sociedades tribais trabalha para uma intervenção no corpo e na realidade.


O que esses exemplos, teóricos e artísticos que trouxe aqui, tem em comum é sua capacidade de ampliar o escopo de possibilidades de diálogo. O que está sendo valorizado na hierarquia dessas práticas, para além da sua capacidade motora, mental e linguística de comunicar, é a sua capacidade de agenciamento que desenvolve metodologias que envolvem um compromisso que une o estético ao social. Parte da minha motivação para escrever esse texto também sou eu encontrando novos rumos e motivações em minhas pesquisas e interesses, uma tentativa de compor um quebra-cabeça de afinidades. Ao mesmo tempo que esse texto é também uma necessidade minha de movimentar o meu desconforto em sentir que quanto mais eu me aproximava de um universo artístico e intelectual, mais me afastava das minhas origens. Há uma espécie de dissonância

que faz com que eu me sinta artificial em minha trajetória, e que a qualquer confronto meus artifícios duramente conquistados ficarão expostos e serão destruídos, como se ainda houvesse uma necessidade de resgate do que havia antes. Como se o que há hoje fosse uma espécie de disfarce que eu utilizo para dar as costas ao que pertencia antes, mesmo que no passado eu me sentisse deslocada naquela pretensa neutralidade, repleta de crenças como pano de fundo, em uma necessidade constante de me desvencilhar daquilo. Assim, talvez não se trate apenas de sobreviver dia após dia, mas sobre viver em direção a aprimorar o entendimento dos efeitos do nosso engajamento, porque de alguma maneira ele sempre existe e nos atravessa.

Arthur Leandro está citando o livro Pedrosa, Mario. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1986, p.104


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