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Entrevista

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CAPA

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Quando a missão é implantar em um estado, uma grande cidade ou em qualquer município do país um projeto de gestão pública moderno e eficiente, o economista e presidente “ do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Erik Camarano, não faz distinção. Aponta para três frentes: liderança, conhecimento técnico e método de gestão. Não por acaso. Elas estão muito bem afinadas e uma não caminha bem se as outras duas não seguirem no mesmo ritmo. Camarano dá este e outros diagnósticos nesta entrevista. Alguns positivos, outros nem tanto. O que há de bom? O Brasil, de fato, está mais competitivo, mais moderno e há, na avaliação dele, uma revolução silenciosa acontecendo na gestão pública impulsionada pela ética, pela transparência e pelo trabalho com foco em resultados. Os exemplos já são muitos e se multiplicam em áreas estratégicas, como saúde e segurança, mas ao mesmo tempo em que já existem boas e importantes experiências para contar, o país ainda não fala a mesma língua com relação aos avanços na administração pública por conta de entraves estruturais e das desigualdades. E esse é só um pedaço da parte complicada. O MBC, criado em 2001, é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e tem atuado para tentar equilibrar mais o jogo entre avanços e gargalos, focado na melhoria da qualidade de vida do cidadão. Erik Camarano fala, aqui, deste e de outros desafios.

revolução Há uma

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silenciosa na gestão

ERIK CAMARANO Fotos: Divulgacao MBC

O Movimento Brasil Competitivo surgiu com um objetivo ousado, que foi impulsionar a competitivi dade do país. Podemos dizer que o país avançou ou ainda existem muitos gargalos? A gente está avançando muito. Se a gente pegar os últimos sete, oito anos para cá o relatório de com petitividade que a gente faz, em parceria com o Fórum Econômico Mundial, tem demonstrado que o Brasil melhora a cada ano a nota de competitividade. Nossa posição no ranking de competitividade global também tem melhorado sistemati camente. O que é possível dizer é que embora haja melhoria, a agen da de competitividade do país não mudou. A gente continua com os mesmos desafios. É preciso mais velocidade. Se a gente for pensar onde está a agenda hoje, ela está concentrada em educação, infraes trutura, a parte tributária, a parte trabalhista - precisamos moderni zar nossa legislação - e, por fim, a gente tem que melhorar a questão da previdência. Se a gente olhar esses cinco pontos, a maior parte dessa agenda ou quase toda, cabe muito ao setor público. E por isso, nossa atuação está concentrada em aproveitar as experiências de gestão das empresas, de alguns governos que vieram implantando ferramentas de gestão, para que a gente possa generalizar o uso des sas ferramentas na área pública e aumentar a produtividade do setor público brasileiro em todos os ní veis.

Dessas cinco áreas, qual delas o senhor considera que estamos mais travados? Não dá para priorizar nenhuma das cinco em detrimento da ou tra. É quase como uma estratégia de guerra. Uma ação focada nes sas cinco frentes. Por que? Porque não tem nenhuma ordem necessá ria para que a gente melhore uma delas antes de melhorar a outra. Algumas dessas questões envol vem efeitos de longo prazo, como é o caso da educação, que a gente precisa melhorar o desempenho estudantil. Conseguimos melhorar bastante na questão da inclusão dos alunos na escola, embora ain da tenha um percentual grande de estudantes em idade escolar fora da sala de aula, mas o déficit edu cacional foi bastante diminuído nos últimos anos. Na infraestrutura, a gente também precisa avançar ra pidamente com investimentos. Estamos estimando investimentos da ordem de R$ 560 a R$ 600 bilhões que deveriam ser feitos nos próxi mos cinco anos. Esse trabalho exigirá um enorme esforço de articulação entre o setor público e o setor privado. Não tem solução para isso, só com recursos do governo nem só com recursos de empresas. Vai

Muito dificilmente o governo vai fazer transparência se não tiver foco em resultado. Ele não vai querer mostrar a janela suja”

ser necessário avançar muito em uma pauta agressiva de parcerias, de concessões para que seja pos sível colocar em campo um rolo de investimentos dessa ordem. Esse é o tamanho do gargalo de logís tica que a gente tem hoje no país. A questão tributária e trabalhista você poderia resolver mais rápido. Afinal de contas, investimento leva tempo - construir estradas, ferro vias etc. Na educação também. O impacto é mais de longo prazo. As medidas tributárias, trabalhistas e a questão da previdência são me didas que poderiam avançar mais rapidamente e o fato de elas não avançarem mostra que ainda não temos uma agenda de consenso para o país. Não temos uma visão consensual sobre qual a nossa vi são, o nosso sonho de longo prazo.

O Brasil Competitivo sustenta três pilares: ética, foco em resultado e transparência. O que é mais difícil levar para a gestão pública ?Ou, aos poucos, está sendo possível implementá-los? Acho que está havendo um movi mento muito positivo no país hoje que eu chamo de revolução silen ciosa na gestão. Que é um avanço nestas três frentes, nas várias es feras de governo. Acho que esses três temas ( ética, transparência e foco em resultados) estão muito correlacionados. Muito dificilmen te o governo vai fazer transparência se não tiver foco em resultado. Ele não vai querer mostrar a jane la suja. Ao mesmo tempo para ter transparência e foco em resultado é preciso ter comportamento éti co. Desvio de recursos, corrupção, práticas não republicanas vêm à tona muito rapidamente. Felizmen te para nós contribuintes. Nós temos uma nova geração de políticos que perceberam que as técnicas de gestão dão resultados. Elas melho ram a vida do cidadão e, ao fazer isso, deixam esses políticos com mais chances de reeleição. Esse é um fator de incentivo muito im portante para quem está no cargo eletivo. Muitos governadores, pre feitos etc perceberam isso e estão trabalhando fortemente pela ges tão. O que é muito bom para todo mundo. É um jogo de ganha- ga nha.

A pressão popular é fundamental? Imprensa livre e pressão popular. A gente tem que ter esses dois mo vimentos para manter todo mundo na mira. As pessoas têm que ser cobradas. Responsabilizadas por aquilo que lhes cabem fazer com eficiência, com transparência, com boa gestão dos recursos públicos. Afinal, o dinheiro é nosso.

Já avançamos muito neste aspec to. Coisas que não se viam no Brasil hoje acontecem. Redução de regalias, punições...

Sem dúvidas. Temos exemplos concretos. Tem alguns órgãos da administração pública que têm total transparência nos seus processos. Tem, por exemplo, um caso inte ressante no Grupo Hospitalar Conceição. O único hospital administrado pelo Governo federal no Rio Grande do Sul. Eles disponibilizam compra de medicamento, licitações para obras, para equipamentos do hospital. Está tudo disponível no site do GHC. O cidadão entra e acompanha os processos em tem po real. Sabe quem está parado, a quantos dias, sabe se a tarefa está atrasada e porque. Então não tem a possibilidade daquele funcionário que tem o comportamento pouco ético, criar problema para depois vender solução.

A formação de lideranças, outro foco do Brasil Competitivo, é im portante dentro deste processo? A gente trabalha com um tripé con ceitual que é o seguinte: tem que haver três coisas para o projeto dar certo. Liderança, conhecimento técnico e o método de gestão, que é a parte que a gente traz. A gente não costuma participar de projetos onde não tem um claro envolvi mento da liderança. Essa liderança tem que ser exercida em todos os níveis. Se o projeto é do governo do estado, o governador tem que estar empenhado. Esse negócio tem que ocupar tempo na agenda dele. Terá que dedicar algumas ho ras por semana para esse projeto. Caso contrário, não funciona. Isso se desdobra em todos os níveis. Na Secretaria de Planejamento, de cada departamento, de cada superintendência. Cada gerente de área. Essas pessoas que têm responsabilidade sobre a gestão pública focada em resultado, têm que exercer na sua esfera de influ ência a sua capacidade de liderança. Liderar suas equipes, liderar os processos e fazer a transformação acontecer.

O senhor falou em uma nova gera ção de políticos. O senhor enxerga também uma nova geração de ges tores públicos e de funcionários públicos? A gente tem no Brasil ainda poucas, mas algumas experiências bem su cedidas de formação continuada de profissionais do setor público. Cito

A estrutura de carr eiras do setor público é uma colcha de retalhos sem nenhuma lógica de produtividade. Especialmente, por conta do longo período que convivemos com inflação alta”

por exemplo, a escola de Governo de Minas Gerais. Eles formam duas turmas. São oitenta profissionais todo ano, que entram na carrei ra de empreendedor de políticas públicas, de gestão governamen tal. Eles são alocados em diversas áreas do governo, nas áreas fins. São jovens extremamente quali ficados, eles passaram por uma universidade, fizeram quatro anos de curso focado na gestão públi ca e trabalham com remuneração variável. Essa é uma solução ex tremamente engenhosa e permite que sempre existam quadros novos entrando no Estado. Isso é impor tante porque a gente já viu várias situações em que as vezes passou dez, quinze anos sem ter concur so para a Secretaria da Fazenda naquele lugar e ai tem um déficit geracional muito grande. Você per de a cultura institucional. É importante, então, que o Governo possa ter mecanismos de azeitamento da máquina pública. Sempre renovan do concursos, trazendo gente nova, podendo fazer com que os mais ve lhos transmitam a cultura e boas práticas para quem está entrando. Esse processo está sendo resolvi do de forma cada vez profissional.E essa experiência da escola do Go verno de Minas foi reproduzida em alguns outros locais do país com ótimos resultados.

A Revista Gestão tratou na edição anterior da dificuldade dos gover nos de segurar os concurseiros. Transportar para governos práti cas da iniciativa privada é um caminho para ajudar a desatar esse nó? A estrutura de carreiras do setor público é uma colcha de retalhos sem nenhuma lógica de produtivi dade. Infelizmente, em vários casos, especialmente por conta do longo período em que convivemos com inflação alta, perderam-se os mecanismos de se trabalhar a pro gressão na carreira de uma forma

racional, mais vinculada ao desempenho na produção. O que acontece hoje é que os planos de promoção de progressão funcional são muito mais parecidos com uma colcha de retalhos porque foram construídos para atender uma demanda de gre ves, movimentos e pressões salariais que houve em diversas secretarias, departamentos, carreiras ao longo do tempo. Então quando você vai estudar carreiras de uma área qualquer, seja na prefeitura de médio porte ou governo esta dual, as pessoas que entendem do assunto dizem que você precisa ficar uns dois anos para perceber o cenário de carreiras daquele go verno. É importante resolver essa questão de formação continuada de mão de obra na área do governo e uma das alternativas que a gente tem apostado muito é essa gestão de competências. ,

O senhor acha que a máquina pú blica do Brasil ainda é muito arcaica ou avançou? Ela avançou e ela é muito arcai ca. As duas coisas são verdade. O Brasil é um país muito heterogê neo. Você tem em alguns locais práticas que estão alinhadas com referências mundiais e , ao mesmo tempo, tem um número de muni cípios com grandes carências na gestão. Cidades com 200 mil, 300 mil habitantes, que têm carências de gestão absolutas. Você tem , por exemplo, quatro, cinco sistemas de folha de pagamento, nao tem uma base de dados consistente sobre as informações dos servidores, não há um processamento adequado de informações para a área de segu rança pública ou da educação. Todo o procedimento de gestão acaba sendo muito prejudicado. O desa fio ainda para a modernização do setor público e gigantesco no país. Ao mesmo tempo, a gente tem al guns lugares que estão avançando, investindo com práticas muito mo dernas de gestão.

Quais os modelos que já existem e que poderiam ser replicados no país? Temos muitos casos. Depende é nosso” muito da área. Por exemplo, se eu pensar em gestão orçamentária eu citaria o caso da Prefeitura de Porto Alegre, que está desde 2005 trabalhando com orçamento por programas. Lá, ao invés de o or çamento ser escrito secretaria por secretaria, como é a forma tradi cional, quando você precisa fazer programa que usa a estrutura de governo de forma matricial. Lá eles têm um orçamento já com esse de senho baseado em programas. Que são transversais. Também têm uma estrutura profissional que acompa nha a gestão desses programas. Todos os projetos prioritários da prefeitura são agrupados em tre ze grandes programas de gestão. Cada programa tem um gerente. Cada programa se desdobra em projetos. Então, imagine, tem uma secretária responsável, treze ges tores de programas, 250 gestores de projetos e mais uns 750 servi dores responsáveis por ações em cada projeto. Isso gera uma estru tura bastante alinhada entre objetivos e metas. Também temos o que está sendo feito na segurança pública nos estados de Pernambu co, no Rio de Janeiro com as UPPS ( Unidades de Polícia Pacificadora), pela Prefeitura do Rio com o cho

As pessoas têm que ser cobradas por aquilo que lhe cabem fazer com eficiência e boa gestão dos recursos públicos. Afinal, o dinheiro

que de ordem. Você tem ainda outros exemplos muitos bons de gestão de ponta na área de segurança. No Rio de Janeiro, a prefeitura fez outra iniciativa que é o centro de comando e controle para coordenar previsões de enchentes, acidentes de trânsito, mobilidade urbana etc. É uma solução muito sofisticada, com redesenho de processo, fer ramenta de TI que foi implantada para monitoramento com informa ções em tempo real. É um centro realmente comparado aos melho res do mundo nessa área. Temos avanços pontuais muito impor tantes. Na área de gestão de Educação, por exemplo, Pernambuco vem tendo um avanço importante, Goiás e Rio de Janeiro melhoraram enormemente em dois anos. São vários exemplos de que é possível, com uma boa prática de gestão, ge rar resultados de impacto mesmo em curto prazo.

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