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ESPECIAL

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Foto: Daniela Nader

OB RAS Dinheiro do Banco Mundial investido em Pernambuco

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Foto: Claudio Fachel/ Divulgação

Entre os significados para a palavra “dívida” no dicionário estão “culpa” e “pecado”. Algo sujo de se ter ou fazer. Mas ao contrário do que possa parecer, nem toda dívida é ruim. Existem as boas também. Basta pensar em uma família que faz um financiamento para con seguir comprar a casa própria ou bancar o intercâmbio do filho no exterior. As dívidas, tanto no pri meiro quanto no segundo caso, têm como objetivo melhorar a qua lidade de vida daquelas pessoas no futuro. Um teto para chamar de seu e das futuras gerações. Uma experiência internacional que pode contar pontos preciosos na futura carreira de um jovem. Com um es tado funciona da mesma maneira. Dívidas boas, feitas com estratégia, podem significar mais desenvol vimento. Ou um desenvolvimento muito mais rápido e contínuo.

Claro que não é tão simples quanto comprar a casa própria. Mas é por aí, confirma Luciana Pimentel, sócia da consultoria

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Planus e consultora do Banco In teramericano de Desenvolvimento (BID). Segundo ela, quando o esta do deseja atrair investimentos para uma região, o mais sensato pode ser optar por um financiamento – com responsabilidade fiscal – para melhorar a infraestrutura do local.

Barr eiras na legislação podem evitar dívida ruim

“Também é possível oferecer uma tecnologia muito boa para atrair os interessados. É melhor do que, por exemplo, reduzir impostos de qualquer maneira e começar uma guerra fiscal.” Luciana fala em “responsabilidade”. Parece um tanto óbvio, mas esta palavra mui tas vezes é esquecida por parte das famílias que se endividam como se não houvesse amanhã, tornando uma dívida potencialmente boa em ruim.

Na organização pública, du rante anos, contrair empréstimos era mais fácil. Deixar de pagá-los também. Na década de 1990, era comum que os governadores pres sionassem os senadores de suas bancadas para conseguir rolar as dívidas. Era o Senado quem legis lava sobre a matéria. Então veio a Resolução nº 78/98. Ela determi nava que o Banco Central deveria emitir um parecer para autorizar o estado a rolar o débito ou não. Foi um freio na farra do endivida mento. E o passo inicial da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000. “Não há nada de negativo em se endividar para fazer investimen tos. O que tem de negativo é se endividar em excesso. A LRF foi um marco para o setor público”, afirma Edilberto Xavier, secretário execu tivo de Planejamento, Orçamento

Foto: Claudio Fachel/ Divulgação

e Captação de recursos da Secretaria de Planejamento e Gestão de Pernambuco.

Para fazer o ajuste fiscal, a le gislação criou uma série de limites para impedir que o poder público formasse dívida ruim. O primeiro parâmetro é o chamado estoque da dívida. Existe um estoque máxi mo de contratos de financiamentos que um estado pode ter. Ele equi vale a duas vezes o valor da receita corrente líquida (impostos, repas ses) do ano em que o financiamento é contratado. Um estado com uma receita corrente líquida de R$ 15 bilhões pode contrair, portanto, uma dívida de até R$ 30 bilhões. Se esse limite for transportado para a vida cotidiana, um trabalhador que ganha R$ 5 mil por mês (R$ 60 mil por ano) só poderia tomar um empréstimo de R$ 120 mil. Ficaria meio difícil de financiar a casa pró pria. “Isso mostra que a margem de endividamento para o poder públi co é bem mais conservadora, o que torna bastante segura qualquer estratégia de investimentos no se tor público calcada em captação de recursos através de operações de crédito”, destaca Xavier.

Outro ponto que impede o endi vidamento excessivo é a Resolução nº 43, do Senado Federal. Apesar de poder ter um débito equivalente a duas vezes a receita corrente lí quida anual, o estado só pode comprometer, no máximo, 11,5% do total de uma receita corrente líquida anual com o pagamento da dívida. Transportada para a vida cotidiana, esta seria a margem consignável do empréstimo. Tomando o mesmo exemplo do estado com receita de R$ 15 bilhões, a margem consigná vel seria de R$ 1,72 bilhão. Em um primeiro momento pode parecer difícil de entender. Mas esta é a sal vaguarda para que nenhum governante gastador compulsivo resolva comprometer de uma só vez todo o estoque da dívida. O terceiro pon to é o limite da entrada do dinheiro do empréstimo contraído para cada ano: 16% da receita corrente líquida anual. Se passar disso, os recursos devem ser parcelados.

A Secretaria do Tesouro Nacio nal (STN) analisa se os estados que estão negociando empréstimos com organizações como o BID e o Bird (Banco Mundial) estão cum prindo as regras. Se não estiverem,

Financiamento captado com estratéga ajuda o desenvolvimento

os financiamentos não são aprova dos. “A lei brasileira é bem avançada e vem sendo razoavelmente cumprida. Tem o respeito de todos os poderes. É reconhecida interna cionalmente. Não ficou só no papel”, destaca a consultora Luciana Pimentel. E lembra que não im porta se o estado está pedindo di

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nheiro para construir uma estrada, melhorar a mobilidade ou investir em educação. A situação fiscal será analisada de acordo com os parâ metros. São eles que atestarão a capacidade de endividamento de quem pretende contrair o emprés timo. A Lei de Responsabilidade Fiscal é um guia e a STN é o “ana lista de crédito” que indica para o financiador se aquele é um “bom devedor”. ”Quem tem responsabili dade consegue trabalhar no longo prazo”, reforça a consultora.

Tipos de empréstimo Os que seguem as regras têm à disposição basicamente três tipos de financiamento. O primei ro é o tradicional, aquele em que o dinheiro é captado para finan ciar empreendimentos específicos. Pode ser ponte, estrada, hospital. É basicamente como se fosse o em préstimo que uma pessoa tira para comprar um carro zero. O segundo é o chamado financiamento mis to. Apesar de ser voltado para um investimento ou para um conjunto específico de investimentos, o to mador se compromete a atingir um conjunto de indicadores de desem penho. Já o terceiro começou a ser adotado não faz muito tempo no país. É baseado exclusivamente em indicadores de desempenho. O go verno recebe o dinheiro e escolhe onde quer aplicá-lo. O organismo que empresta está mais interessa do em resultados do que nos meios para atingi-los e reconhece que o tomador tem capacidade institu cional para viabilizar uma estratégia, sem necessidade de definir antecipadamente qual empreendi mento o recurso financia.

“Nesse tipo de empréstimo, chamado de financiamento ba seado em políticas, o estado se compromete em avançar em de terminadas políticas públicas para receber um crédito que vai investir. Pode ser um compromisso de me lhorar a política fiscal e o dinheiro pode ir para obras de mobilidade urbana. Eu não tenho de pegar o dinheiro e aplicar na área fiscal. Não tem de ser vinculado”, expli ca Luciana Pimentel. Basicamente

Foto: Daniela Nader é um cheque especial que os or ganismos financiadores oferecem aos estados. Mas somente aqueles com a máquina mais azeitada con seguem pegá-lo. “Um estado que não tem hábito de trabalhar com indicadores, metas e resultados vai ter dificuldade”, afirma a consul tora do BID. Para ela, a tendência é que mais estados busquem esta modalidade de financiamento.

Em Pernambuco, o dinheiro dos empréstimos tem ido para in vestimentos nas 12 áreas do mapa estratégico estabelecido pelo go verno. Tem recurso que vai para infraestrutura hídrica. Outra parte vai para desenvolvimento de arran jos produtivos locais. A construção de estradas não fica de fora, assim como as ações de mobilidade ur bana e a infraestrutura de Suape.

EDILBE RTO XAVIE R: “Não há nada demais em se endividar para investir”

Educação, saúde e segurança são as três áreas prioritárias. “O re curso captado junto aos bancos de fomento é fundamental para ace lerar a capacidade de investimento do poder público. O estado de Pernambuco tem conseguido gerar excedente de caixa para investir com recursos próprios, mas não teria sido capaz de investir R$ 11,4 bilhões de 2007 a 2012 com o pró

prio caixa. Sem uma estratégia de captação de recursos contundente, não existiriam a Adutora de Pirapa ma, a Estrada da Batalha, a Arena da Copa ou mesmo as UPAs e Hos pitais Metropolitanos, além de um sem numero de outras obras em todo o território do estado”, conta Edilberto Xavier.

No ano passado, o governo es tadual contratou uma operação de R$ 940 milhões com o Banco Mun dial. De acordo com o secretário executivo, o dinheiro, que já che gou, foi aplicado em quase todas as metas prioritárias. Empreendi mentos habitacionais, a Radial da Copa (estrada de acesso à Arena Pernambuco), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), o Cais do Ser tão Luiz Gonzaga (museu sobre o Rei do Baião que está sendo cons truído no Porto do Recife) e obras de infraestrutura para a implanta ção da fábrica da montadora italiana Fiat foram alguns dos destinos do dinheiro do empréstimo do Bird. Em troca do dinheiro, o governo as sumiu uma série compromissos. O principal foi na área da educação. Garantiu que vai melhorar a quali dade do ensino oferecido. E não dá nem para tentar enganar o Bird. A qualidade do ensino no país é me dida através do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O estado também tem um financiamento do mesmo tipo com o BID.

A Bahia, primeiro estado a ter um financiamento baseado em po lítica junto ao BID, em 2009, usou os US$ 407 milhões (cerca de R$ 800 milhões) para investimentos estruturantes previstos no Plano Plurianual (PPA) 2008-2011. O di nheiro entrou nos cofres dentro do Programa de Consolidação do Equilíbrio Fiscal para Desenvolvi mento do Estado da Bahia (PROCONFIS). Segundo o assessor técnico da Secretaria da Fazenda, Augusto Monteiro, coordenador do projeto, os recursos evitaram o comprometimento da capacidade de investimento do estado depois de uma perda de receitas de cerca de R$ 1 bilhão por conta da crise financeira internacional de 2008 e 2009. O desempenho foi tão satis -

Fonte: Balanços gerais dos estados Relatórios resumidos de execução orçamentária

dos estados, 6º bimestre de 2012 fatório que um novo financiamento foi feito com o BID. O PROCONFIS II foi contratado em dezembro do ano passado.

O empréstimo é de US$ 600 mi lhões (R$ 1,2 bilhão). Entre os investimentos previstos estão obras de mobilidade urbana e infraes trutura portuária turística, consideradas essenciais para a Copa do

Mundo de 2014. Os financiamentos tura de transportes, acessos aos bilhões em investimentos privados preveem em troca que sejam cum municípios, apoio à modernização fechados. É com isso que vamos pridas várias metas de aperfeida produção rural, qualificação da enfrentar a crise”, afirma o secre çoamento dos mecanismos e inssegurança pública. Mais R$ 1 bi tário. Segundo ele, o governo pediu trumentos de gestão fiscal. “Isso lhão foi financiado junto ao Banco aos bancos para financiar várias certamente tem contribuído para Mundial. ações, apesar do grande volume de a expansão das receitas públicas”, Este empréstimo do Bird en dívida. Como convencimento, apre afirma Monteiro. Na Bahia, espera - globou outras áreas também, como sentou indicadores de crescimento -se um aumento na arrecadação de a modernização da gestão patrimo da arrecadação. “Eram áreas que R$ 14,2 bilhões, em 2011, para R$ nial e do planejamento, projetos de não recebiam ações. Na área de 18,4 bilhões em 2014. inovação tecnológica, Para o assessor téc Foto: Daniela Nader aumentamos em 50% nico da Sefaz, o finanos investimentos. A ciamento baseado em nova economia pres política, além de pos supõe inovação.” sibilitar uma maior Edilberto Xavier, flexibilidade e velo que não tem medo cidade na aplicação das dívidas (boas), dos recursos, permi espera que o governo te um apoio direto ao de Pernambuco con aperfeiçoamento das siga mais financiapolíticas públicas e mentos para tocar os serviços sociais à po projetos. “Numa eco pulação. nomia que está reto

Já o Rio Grande mando sua capacidado Sul aproveitou a de de empreender, o renegociação do Pla papel do setor públi no de Ajuste Fiscal co na oferta de infra(PAF) junto ao Minis estrutura e serviços tério da Fazenda para públicos de qualidade ampliar a capacidade é fundamental. Com de endividamento. De estratégia bem de acordo com o secre finida e capacidade tário de Planejamengerencial, é possível to, Gestão e Particitransformar capa pação Cidadã, João Motta, o aumento foi de R$ 5 bilhões. “Em cima desse espaço, contraímos alguns Luciana Pimentel: “Quando o estado deseja atrair investimentos para uma região, o mais sensato pode ser optar por um financiamento” cidade de endividamento em potencial de crescimento e reverter o estado de ânimo da economia”, empréstimos para afirma. Luciana Pi viabilizar os investi mentel lembra que mentos, principalmente no Programeio ambiente e a qualificação da eventos como a Copa do Mundo ma Retomada do Desenvolvimento gestão das escolas. “Temos de in acabam. Mas a população vai usar (PROREDES).” O primeiro foi o em vestir na economia do estado, que as obras que foram feitas para me préstimo de R$ 1 bilhão com o BNé forte. Temos de induzir o investi lhorar a mobilidade urbana para DES. Entrou dinheiro para inovação mento e não o contrário. Nos dois sempre. Este é só um exemplo do tecnológica, melhoria e infraestru últimos anos, temos mais de R$ 20 tal jogo do ganha-ganha.

Europa corta na carne

Foto: Tatiana Nascimento

Enquanto uns buscam mais crédito, outros precisam cortar na carne. Ou “desalavancar”. Este verbo feio anda sendo praticado (a duras penas) na Europa em crise. É exatamente o oposto do que vêm fazendo os estados brasileiros para investir mais. Ao invés de contra tar empréstimos, os países correm para se livrar das dívidas. Em 2012, os 27 países da União Europeia so maram uma dívida de 11 trilhões de euros. Esse valor equivale a 90,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da região.

O Tratado de Maastricht, acordo que estabelece os padrões míni mos de desempenho dos membros da União Europeia, autoriza dívidas de até 60% do PIB. A dor de cabe ça dos governos é que, mesmo com as medidas de austeridade adota das, a dívida subiu 5,5% entre 2011 e 2012. O relatório divulgado pelo Escritório Estatístico das Comuni dades Europeias (Eurostat) aponta que 14 países, praticamente a me tade da UE, têm dívidas superiores ao percentual autorizado no trata do.

O presente de grego da União Europeia continua dando o que fa lar. A Grécia seguiu com o recorde de endividamento da comunida de: 156,9% do PIB. Um percentual muito acima ainda da projeção de sustentabilidade feita pelo Banco Central Europeu e pelo Fundo Mo netário Internacional, que seria de, no máximo, 127% do PIB. Em segundo lugar ficou a Itália, com exatos 127%. Portugal completou o pódio com 123,6%.

No caso dos patrícios, a dívida pú blica deu um salto. Estava em 108,3% do PIB em 2011. A vizinha Espanha só parece um pouco melhor. Mas os 84,1% da dívida em relação ao PIB não escondem os problemas. No ano pas sado, pela primeira vez na história, a população espanhola encolheu (me nos 206 mil pessoas). Os imigrantes fugiram do desemprego, que tem uma taxa média na casa dos 25%. Entre os jovens, beira os 50%. Os espanhóis também foram embora atrás uma nova chance.

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