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ESPECIAL
Saúde pública avanços e desafios
Foto: Daniela Nader
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Agestão do Sistema Único de Saúde (SUS) bateu na porta dos 5.564 Municípios do Brasil e a resposta veio num grito dos Estados. Obrigados a compartilhar essa tarefa com os prefeitos, os governadores precisaram encontrar alternativas que assegurassem as conquistas do SUS e as ampliassem na direção do princípio constitucional do sistema: a universalização da saúde pública.
Do governo de São Paulo, veio em 1998 a experiência das Organizações Sociais de Saúde (OSS). No Rio de Janeiro, os caminhos trilhados, a partir de 2007, foram os das Fundações Estatais de Direito Privado e o Programa de Excelência em Gestão.
O governo do Paraná instalou uma complexa rede de atendimento aos casos de urgência, a “Paraná Urgência”. E ao criar uma Comissão InterHospitalar de Qualidade, o Estado foi premiado com o distintivo de ser o único do Brasil que possui um hospital reconhecido pela Organização Nacional de Acreditação (ONA).
No Nordeste, Sergipe e Pernambuco também tentam fazer o dever de casa. O primeiro toma a dianteira e, em 2007, realiza uma ampla Reforma Sanitária e Gerencial do SUS. Pernambuco atua em várias frentes. Descentralizou o atendimento, com a construção de UPAs e novos hospitais, e criou, em 2011, o Pacto pela Saúde. Foca, neste programa, em metas e resultados para reduzir as taxas de mortalidade por doenças evitáveis em 4% ao ano. Já está quase lá.
Todas, iniciativas testadas no sentido de tentar melhorar a qualidade do atendimento ao cidadão e tirar dos governos estaduais a carga pesada de administrar, sozinhos, o Sistema Único de Saúde.
Sob algumas iniciativas pesam várias críticas de especialistas que as enxergam como um risco de “privatização” da saúde pública. De qualquer forma, são tentativas dos Estados no esforço de encontrar saídas para alcançar a eficiência tão perseguida e um SUS melhor e universal.
Foto: Venilton Kuchler
Hospital Infantil Waldemar Monastier

PA RAN Á Rede de urgência reduz mortalidades
A palavra traduz tudo. Urgência é a necessidade ou problema que exige solução rápida. Mas poucos são os órgãos de saúde pública que assimilam o conceito em sua es sência. Pior, que exercem na prática essa obrigação que é um dever moral e uma exigência da lei. Des sa forma, só engrossam os índices de mortalidade que penalizam a saúde pública no País.
O Estado do Paraná foge à re gra e vem se esforçando, há dois anos, para vencer essa disfunção. A secretaria estadual de Saúde pa ranaense implementou, em 2011, a “Paraná Urgência”: uma complexa rede de atendimento aos casos de emergência em todas as regiões do Estado (veja em quadro as linhas de ação).
Ao criar uma Comissão Inter - -Hospitalar da Qualidade, o Paraná recebeu o título de o único Estado brasileiro a possuir uma unidade hospitalar reconhecida pela Orga nização Nacional de Acreditação (ONA). A ONA é uma ONG que ava lia permanentemente a qualidade dos serviços de saúde (leia matéria nesta página).
Com um aporte inicial de R$ 211,4 milhões, o conjunto de ações implementadas na rede reduziu em 2012, na relação com 2010, a mor talidade materna em 21% - índice apontado pelo Ministério da Saúde como o mais expressivo do país - as mortes por causa externa (decor rentes de atos de violência ou acidentes) em 2,22% e a mortalidade cardiovascular em 0,81%.
Segundo o diretor de Políti cas de Urgência e Emergência da secretaria de Saúde do Paraná, Vinicius Filipak, o segredo do “su cesso” da “Paraná Urgência” está no modelo de uma rede de atendi mento cujas ações são executadas de forma integrada. “Isoladamente não haveria resultado”, ressalta.
RIO DE JANEI RO Fundações estatais de saúde: padrão privado de gestão pública
Uma lei estadual de 2007 colocou a saúde pública do Rio de Janeiro num “novo” padrão de gestão do setor. Mais ágil. Mais transpa rente. Um modelo de produtividade semelhante ao setor privado deno minado de Fundações Estatais de Saúde.
Entidade pública sem fins lu crativos, a “Fundação Saúde”, criada pelo governo carioca, pertence à administração indireta. Está, por tanto, sujeita às regras de licitação, contratação e controle previstos na lei que regula o segmento. Tem pa trimônio e receitas próprias e autonomia gerencial, orçamentária e financeira. Possui mais de 4,5 mil profissionais (médicos, enfermei ros, técnicos diversos, fisioterapeutas, dentistas, etc.).
Seu maior patrimônio, nos seis anos em que divide com a secreta ria estadual de Saúde a gestão do setor, está “o fim dos vínculos pre cários de trabalho (cooperativas) e substituição por concursados”. “Realizamos o primeiro concurso em 2011, que ainda se encontra em vigor. Gradativamente estamos fechando os contratos de trabalho regidos pela CLT e oferecendo sa lários competitivos com o mercado de trabalho. Isso tem dado mais agilidade à gestão”, informa o di retor-executivo da Fundação Saúde do Rio, Christian Ferreira.
Como se trata de unidade ges tora, a entidade atua na contratação e capacitação de mão de obra e no gerenciamento financeiro dos hospitais e institutos de saúde do Estado. Não tem como função o atendimento. Hoje, apenas o Insti tuto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC) está sob a gerência da Fundação Saúde. Mas já se encontra em andamento a as sinatura do contrato de gestão de mais dois institutos e um hospital: o Hemório (referência em hema tologia) e o Instituto de Diabetes e Endocrinologia (IEDE) e o hospital estadual Santa Maria (especializa do em doenças pulmonares).
SE RGIPE Reforma pioneira dá nova cara à saúde pública
O pioneirismo do governo de Sergipe abriu um novo caminho para a saúde pública no Estado. Mudou uma realidade que parou no ano de 2007. Uma ampla “Refor ma Sanitária e Gerencial do SUS” custou aos cofres públicos R$ 169 milhões. Mas a renovação estrutu ral, gerencial e de recursos huma
nos da rede pública pagou o preço. Hoje, o Estado é outro. Embora ain da esbarre no problema do subfinanciamento, comum aos demais, para avançar na direção da univer salização do sistema.
Um conjunto de leis aprovado, em 2007, pelo governo fez valer a “Reforma Sanitária e Gerencial do SUS”. Com ela, um tripé de três fundações – a Estadual e a Hospi talar de Saúde e a Barreiras Horta (hoje reunidas na Fundação Esta dual de Saúde) – comandou todo o processo de transformação do setor, livre da gerência direta do governo. E levou a cada região do Estado – são 27 no total – um hos pital com UTI, urgência, emergência e clínicas de cirurgia pediátrica e eletivas. O reforço foi além. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que só chegava à capital Aracaju, foi estendido para todo o interior.
Foram geradas 36 bases des centralizadas do serviço, reformadas 83 Clínicas de Saúde da Família, ampliados 23 hospitais e construídos dois regionais, uma maternidade, e cinco Unidades de Pronto Atendimento (UPAS), refor madas três Farmácias Populares e implantados cinco Centros de Es pecialidades Odontológicas. A área ambulatorial especializada, os chamados Centros de Especialida des Odontológicas (CEOS), também recebeu investimento do gover no da ordem de R$ 416 mil. Para este ano, estão previstos mais R$ 5 milhões para manutenção dessas unidades.
“É obvio que essa rede ainda tem dificuldades para funcionar, principalmente a hospitalar, onde é mais difícil a gestão e mais caro o investimento. Mas hoje temos outra realidade em Sergipe. Hoje,
estados investem em novos modelos de gestão para melhorar o atendimento e dr iblar o gargalo dos investimentos no setor
os cidadãos têm um atendimento mais próximo. Ontem, eles mor riam antes mesmo de chegar ao hospital. Sergipe fez a sua parte mesmo enfrentando o problema do subfinanciamento que dificulta de mais a implantação do modelo universalista que a gente desenhou”, lamenta a diretora geral da Fun dação Estadual de Saúde, Cláudia Menezes.
A “Reforma Sanitária e Geren cial do SUS” do Estado de Sergipe não teve apenas a estrutura como foco. Voltou-se também para a for mação e capacitação de recursos humanos, cujo investimento alcan çou a cifra, de 2009 a 2012, de mais de R$ 6 milhões: 28 mil profissio nais de saúde formados e capacitados depois de selecionados por concurso público. Para 2013, mais de 30 mil serão inseridos no SUS. E com a conquista da Certificação de Entidade Beneficente de Assistên cia Social (CEBAS), conferida pelo Ministério da Saúde, a Fundação de Saúde do Estado “terá mais recur sos livres para investir em assistência, ampliando nossas expectativas de ter um SUS universal”, aposta Cláudia Menezes.
A CEBAS é concedida a enti dades jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que prestam serviços em saúde, educação e as sistência social. Com ela, as entidades ficam isentas de contribuições para seguridade social. Mas precisam preencher os requisitos impostos na lei 12.101/2009.
SÃO PAULO Um polêmico modelo de gestão da saúde pública
Eficiência com legalidade. Foi apostando nessa combinação que o governo do Estado de S. Paulo encarou a grande polêmica que envolve as Organizações Sociais de Saúde (OSS) – tida por alguns especialistas da área como a “privatização da saúde pública” – e desde 1998 adota o modelo de gestão.
Mesmo consideradas entidades sem fins lucrativos, essas unidades do terceiro setor ainda não vence ram a resistência que encontram em segmentos da área de saúde e da própria sociedade civil. Brechas abertas em seu modelo de fun

Foto: Icesp/ Divulgação
gestão Instituto do Câncer de São Paulo segue modelo da OSS

cionamento ¬– como a da compra de alguns bens que não cumpre o trâmite exigido aos órgãos públi cos – aumentam as desconfianças. Aliada à maior delas: a precária fiscalização da aplicação dos re cursos.
A pesquisadora titular da Es cola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Ligia Giovanella, engrossa a ala dos que consideram a gestão pública por OSS um risco à privatização do se tor. Embora reconheça que não há muitos estudos para uma avalia ção precisa das organizações, Ligia atesta, sem meias palavras, que elas “não têm eficiência comprova da e não são, seguramente, a alternativa mais barata”.
“As experiências internacionais têm mostrado que a gestão privada é sempre mais cara que a gestão pública. Quer um bom exemplo? Os Estados Unidos. Eles gastam 16% do PIB com saúde, enquanto os países europeus gastam em torno de 10%. E os Estados Unidos, que têm a cobertura basicamente feita por institutos privados, têm mui tos problemas de acesso à saúde pública. As OSS são uma espécie de privatização (da saúde), seja do ponto de vista da prestação do ser viço ou da própria gestão”, avalia.
No Brasil, a adoção das OSS é vista pela especialista como um modelo ainda mais arriscado. O argumento: a prestação dos servi ços públicos de saúde no Brasil já é bastante “privatizada”. “Somente 34% dos leitos hospitalares são pú blico e os que são disponibilizados pelo SUS é mais ou menos 72% do total dos leitos do país”.
Em São Paulo, até 2011, es tavam sob a gerência das OSS: 37 hospitais, 38 Ambulatórios Médi cos de Especialidades (AMEs), um centro de referência, duas farmá cias e três laboratórios de análises clínicas. O Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) é um exemplo. A secretaria de Saúde não atualizou os dados para a revista Gestão Pú blica PE.
Doutor em Saúde Pública pela USP, o professor Gilson Carvalho foge à polêmica em torno das Or ganizações Sociais de Saúde (OSS) por entender que ela se resume ao contraponto “legalidade com efici ência”. “Confunde-se administração através de fundações com uma terceirização do setor público. Por engano ou mesmo por má fé. Os
atos públicos podem ser feitos pelas administrações direta e indireta. Nada de ocupar o lugar. Apenas complementar o que Estado não está dando conta de fazer”, contra - -argumenta o professor.
Carvalho lembra que as Or ganizações Sociais existem há 15 anos. E ainda que sofram conde nações por parte, inclusive, de órgãos judiciais, como o Ministério Público Federal, “elas são institui ções legais”. Defende que as OSS são um modelo de gestão pública que “diminui muito as amarras em duas áreas cruciais: contratação de pessoal e processo licitatório (mais simplificado)”. “Para mim o cerne da questão está em saber o que deve ser feito e buscar fazê-lo. Sou um defensor da saída pelas funda ções estatais. Não como panaceia, mas como uma alternativa legal para fazer a gestão pública me nos paquidérmica e mais eficiente. Dentro do estado de direito e da le galidade”.
Pernambuco Aposta em monitoratmento e estratégia
O mapa na tela do computador mostra o município de Ouricuri. O sinal vermelho acende no painel de monitoramento dos gestores do Pacto pela Saúde. As estatísticas indicam um aumento de casos de doenças gastrointestinais exata mente lá. Naquela região do sertão. A seca prolongada, que provoca graves impactos na economia do Estado e do Nordeste, também fragiliza a saúde de homens, mu lheres e crianças. A falta d’água

AVALIA çÃO Reuniões do Pacto pela Saúde acontecem sistematicamente
ou a má qualidade com que chega para a população merece cuidados e orientações redobradas, mas há algo errado. É preciso intervir.
Detectado o problema, o aler ta é dado imediatamente a IX Gerência Regional de Saúde (Gere). A sede é em Ouricuri, mas ela abrange outros dez municípios que somam quase 328 mil habitantes. De lá deve sair o estudo do caso e o mais importante: as providências para frear a escalada da doença.
É essa a essência do Pacto pela Saúde, programa implantado em 2011, com foco em metas, resulta dos e na melhoria do atendimento para o cidadão. Tanto lá na ponta, nas pequenas cidades, como nas principais unidades de saúde.
O secretário executivo de Ges tão por Resultados do Governo, Bernardo D’Almeida , conta que a política segue a linha do Pacto pela
Vida, cujo objetivo e reduzir índices de violência no Estado, e do Pacto pela Educação, criado para melho rar os índices de Desenvolvimento Educacional (Ideb). Na saúde, o foco é a redução do índice de mor talidade por doenças evitáveis. A meta é reduzir em 4% ao ano. A expectativa é a de que ela seja atin gida até dezembro.
O índice de mortalidade por causas evitáveis no Brasil, de acor do com as estatísticas mais recentes do Ministério da Saúde, é de 282 por 100 mil habitantes. O esta do que está mais distante de atingir esse índice é o Rio de Janeiro ( 363/ 100 mil habitantes), seguido do Rio Grande do Sul ( 333/ 100 mil habitantes) e do Espirito Santo ( 325/ 100 mil habitantes). Pernam buco divide com Alagoas o sexto lugar neste ranking, registrando 309 mortes/ 100 mil habitantes.
Mas como chegar lá? O Pac to pela Saúde investe no monitoramento, como o que ocorreu em Ouricuri, e em planejamento para atingir o resultado esperado. Não por acaso, assim como nas demais áreas, o acompanhamento meticu loso das ações é considerado indispensável.
As reuniões acontecem siste maticamente e em várias esferas. Uma vez por mês, ocorre a chama da reunião estratégica, com a presença de secretários, com a equipe

de gestão e dos gestores das cator ze Geres. Um grande fórum. Depois, ela acontece dentro das Geres - a chamada reunião intermediária - e a próxima etapa, que será im plantado ainda este semestre, será promover os encontros com os pro fissionais que atuam na ponta.
Quando o assunto é gestão por resultados, seja em qual for a área, Bernardo explica também é preciso levar em consideração o que os especialistas chamam de valor público. Que , em resu mo, é como um conjunto de ações vai melhorar a vida das pessoas. Nada é feito aleatoriamente. “ Se a gente pede uma ambulância que seja, a gente faz essa avaliação do valor público”, ressalta “A gente precisava,portanto, ter um indica dor que fosse aferível e de maneira confiável, Que a gente pudesse ter um acompanhamento das políticas geradas e saber se essas políticas iriam de fato gerar valor público”. O gerente do Pacto pela Saú de, Gustavo Abreu, aprofunda as informações do secretário. Explica que tanto as Geres quanto as uni dades de saúde e os hospitais têm um acompanhamento sistemático. O cuidado com os dados é sempre ressaltado. As estatísticas são le vantadas de maneira meticula. Não é fácil, até pelas disparidades entre os municípios, mas Pernambuco tem conseguido resultados impor tantes. A defasagem é de três meses, em média, mas muitas vezes supera o desempenho de estados maiores.
O monitoramento nos hospi tais, por exemplo, tem dado um boa radiografia do desempenho de cada um. São avaliados em cin co indicadores: tempo médio de permanência, taxa de ocupação, producão cirúrgica, taxa de mor talidade hospitalar e o percentual de urgência com internação. Este último uma novidade introduzida para que se saiba se o paciente que chega aquela unidade deveria mesmo ser internado lá ou se tem o perfil do paciente que poderia ser atendido em uma Unidade de Pron to Atendimento (UPA).
E aí, entra a preocupação com a descentralização do atendimento. Um problema que o governo vem atacando com a construção de no vos hospitais, na capital e no interior, com as UPAs - que atendem urgên cias - e, mais recentemente, com as Unidades Pernambucanas de Aten ção Especializa (UPAEs), uma rede de consultas especializadas e que está sendo implantada para garan tir a integralidade da assistência aos pacientes do Sistema Único de Saú de (SUS). Até 2014, a meta é que sejam construídas doze, de tal forma que garantam cobertura em todas as regiões do Estado. O investimento previsto é de R$ 200 milhões.

“Cobertura universal só com mais investimentos”
Osistema público de saúde ainda é o mais procurado pela população brasileira. Cresceu de 51% para 69% o percentual de pessoas que recorrem a esses serviços. O descompasso entre o aumento da procura e o baixo investimento, uma doença que agoniza o Sistema Único de Saúde há 25 anos, tem impedido o SUS de cumprir com seu princípio constitucional de cobertura universal à saúde. No Brasil, menos de 50% dos gastos com saúde são públicos. De todas as nossas riquezas produzidas, só 4% vão para investimentos na área. Faltam recursos, sobram leitos. Paradoxo? Não. De fato o SUS tem uma disponibilidade de hospitais vantajosa: 72% do total existente no país. O problema é que somente 34% são públicos. O que dá ao Brasil o nada honrado título de o país com uma rede hospitalar extremamente privatizada. A pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Ligia Giovanella, revela esses e outros dados em entrevista à revista Gestão Pública PE. E aponta caminhos para o Brasil. Que só serão seguidos se houver de fato interesse em garantir a plena cobertura universal à saúde.
>> entrevista
Ligia Giovane lla

Há solução, a médio ou longo prazos, para o nó da gestão da saúde pública no Brasil? É sempre importante lembrar que no Brasil o financiamento no SUS e na atenção básica é extremamente baixo e insuficiente, considerando nossa receita nacional e a obriga ção constitucional da garantia do direito universal à saúde. Nos pa íses europeus que alcançaram a cobertura universal como a Ingla terra, Espanha e Suécia, os gastos públicos correspondem a 8 ou 9% do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, contabilizam no máximo 3,7% a 4%. Temos condições eco nômicas para dobrar nossos gastos. Nossa riqueza nacional nos permite. Pode-se dizer que o SUS é extremamente eficiente consi derando tudo o que se produz com recursos tão irrisórios.
Então a senhora reconhece que o problema não é o de ineficiência na gestão? Com certeza o problema do inves timento é muito mais grave. Os baixos investimentos nos estabe lecimentos públicos de saúde produzem estruturas inadequadas o que torna o problema mais grave. Mas temos problemas de gestão.
É uma conjunção de problemas. Mas sem um maior financiamento do Sistema Único de Saúde nunca avançaremos na cobertura univer sal como pretendemos.
Quais os países mais avançados em gestão pública de saúde? Em termos de sistemas públicos universais os países escandina vos, como Suécia e Dinamarca, e os europeus como o Reino Unido e a Espanha. A Espanha talvez seja o modelo mais próximo do brasileiro em termos de organização do sis tema público de saúde. É um país federado como o Brasil, o sistema de saúde está descentralizado para as comunidades autônomas que correspondem aos nossos Estados. E como no caso do Brasil, produz problemas adicionais em termos da organização de uma rede as sistencial resolutiva. A prestação assistencial em atenção primária, na Espanha, também é feita em centros de saúde públicos com profissionais assalariados como no Brasil. Na Espanha, os serviços são descentralizados para as comuni dades autônomas, cada comunidade organiza o seu e, assim, têm-se exemplos de organização diferen ciados como os de Andaluzia ou no País Basco. São exemplos que de veríamos olhar para construirmos nosso sistema público universal como manda a Constituição.
Que avaliação a senhora faz dos 25 anos do SUS ? Tivemos um avanço em atenção básica no Brasil muito ampliado na última década. Principalmente com essa experiência do piso de atenção básica, de 1998, e com a implantação dos serviços de saú de da família. Atualmente o PSF cobre talvez mais de 50% da po pulação brasileira, tendo na região “Temos condições econômicas para dobrar os gastos em saúde. Ariqueza nacional nos permite. O SUS é eficiente considerando o que produz com recursos irr isórios”
Nordeste uma proporção mais ele vada. Uma pesquisa nacional de amostra domiciliar da PNAD Saúde mostra uma ampliação importante de pessoas que procuram o ser viço regularmente: aumentou de 71% para 79% da população brasi leira em 2003. Os centros de saúde públicos é a modalidade mais procurada pela população, consti tuindo um serviço de procura regular para 57% da população, com maior proporção entre as pessoas de menores faixas de renda (77%). Consultórios médicos particulares são serviços de procura regular para 19% da população, com maior proporção entre o grupo de maior renda (71%). Nós temos agora to dos os municípios responsáveis pela atenção primária à saúde. Claro que temos dificuldades em algumas cidades do interior, mas sem dúvida houve uma ampliação da assistência médica. O problema é que essa ampliação da cobertu ra pelo SUS não foi acompanhada por um financiamento proporcional à ampliação de uma cobertura que antes era oferecida pela assistên cia médica da previdência social ou, parcialmente, para indigentes por alguns serviços públicos de saúde.
Como se trabalha o conceito de gestão da saúde pública nas uni versidades do Brasil? Dá para apostar em uma nova geração de gestores? Podemos, sim, apostar numa nova geração de gestores porque, há al guns anos, vêm sendo implantado cursos de graduação em saúde co letiva. Não sei exatamente a quantidade, mas já passam de 17, e há também os cursos de pós-gradu ação em gestão da saúde pública que formam professores, pesqui sadores, o que nos leva a apostar que daí sairá uma leva de pessoal capacitado para atuar melhor na gestão do SUS.
Qual sua avaliação das Unidades de Pronto-Atendimento, as UPAs, adotadas em vários Estados do Brasil? Temos de analisar com cuidado a regulamentação das UPAs. Há uma dubiedade na política federal de qual deve ser a prioridade em ter mos do modelo de atenção à saúde. Há um discurso de que as equipes de saúde da família e de atenção primária devem atuar nas unida des de atenção básica e acompanhar os usuários ao longo do tempo. Mas com a ideia de desafogar as emergências dos hospitais dos grandes centros urbanos, o Minis tério da Saúde incentiva a criação das UPAs 24 horas, que dispõem de uma estrutura de complexidade
intermediária, mas que precisam estar articuladas com os centros de atenção básica e nem sempre essa articulação ocorre. Portanto, enquanto modelo, as UPAs aca bam competindo com os serviços de atenção primária de procura regular. Fizemos um estudo da im plantação das unidades do PSF em a 8% ou 9% do PIB ” quatro grandes centros urbanos, em 2008 e 2009, que revelou que em algumas grandes cidades o ho rário de atendimento das unidades básicas de saúde ia até às 22 ho ras. Isso facilita o acesso. As UPAs deveriam ser, de fato, unidades emergenciais. Elas têm uma com posição de profissionais e de equipamentos que as tornam unidades de urgência e emergência mais re solutivas. Mas muitas concorrem com o modelo de saúde da família, cujos médicos, no geral, atendem problemas que deveriam ser aten didos nos centros de saúde. A questão da prevenção ainda é um problema relegado no Brasil? Ainda há no Brasil uma insuficiên cia de unidades básicas de saúde, de centros de saúde em atenção primária, cujas funções são as da promoção da saúde, da educação e da prevenção. Por isso ainda en frentamos esse problema da superlotação dos hospitais, agravada por um crescimento de oferta. Por mais que se tenha a prevenção, certamente ainda necessitamos de ampliar a garantia do acesso à atenção hospitalar. Mas é claro que precisamos avançar na prevenção
assim como na promoção da saúde. Por exemplo, iniciativas para con trolar a prevenção do cosumo de sal e do açúcar. São ações em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária poderia atuar, mas esbarra na receptividade da indústria de ali mentos, que deveria ter uma prática colaborativa. No caso da vacinação, avançamos muito, assim como no campo da atenção pré-natal. Embo ra ainda tenhamos uma mortalidade materna bastante elevada relaciona da, entre outras questões, com a insuficiente qualidade do atendimento pré-natal, mas, sobretudo, com o excesso dos partos cesarianos que respondem a mais de 50% dos par tos no Brasil. No setor privado, eles chegam a 90%. Outra causa da mor talidade materna é a criminalização do aborto. Isso tem de ser pensado como um problema de saúde públi ca e é uma hipocrisia criminalizá-lo. Mulheres de classe média pagam o aborto em clínicas privadas, enquan - to as de renda mais baixa não têm essa possibilidade e são submetidas a intervenções de baixa qualidade que produzem mortes maternas. Mas atribuir a superlotação dos hos pitais só à falta de prevenção não é correto. Alguns Estados têm ado tado experiências complementares, como as Organizações Sociais de Saúde (OSS), na gerência da saúde pública.
Que avaliação a senhora faz dessa ferramenta? Esse é um tema realmente polêmico. Não há muitos estudos para se iden tificar eficiência nas OSS, mas certamente elas não são as mais baratas. Um bom exemplo onde a experiência da saúde privada é muitíssima mais cara do que a pública são os Esta dos Unidos. Eles gastam 16% do PIB com saúde, enquanto os países eu ropeus cerca de 10%. E ainda assim, os Estados Unidos têm problemas de acesso, uma cobertura que é basi camente por serviços privados, cuja regulamentação, a melhor, foi essa agora da reforma Obama de 2010. Nos EUA se oferece uma maior co bertura para idosos, para a população de baixa renda, mas a cobertura pública passa de 24% da população. Os gastos públicos dos países euro peus, que têm sistema público universal de saúde como o SUS, são em torno de 70% a 86%. No Brasil, menos de 50%. Voltando às OSS, elas são uma espécie de privatização (da saúde pública): seja do ponto de vista da prestação do serviço ou da pró pria gestão do sistema. É o caso do Rio de Janeiro que tem OSS no ge renciamento da atenção primária. E no Brasil, a estrutura de prestação assistencial já é muito privatizada. Só 34% dos leitos hospitalares, dos 72% disponibilizados pelo SUS, são públicos. Temos uma rede hospitalar extremamente privatizada.
Ministro diz que desafio é aproximar produção acadêmica do paciente
Quando o tema da saúde pública no Brasil está em questão, seja no universo acadêmico, profissional ou na mais alta cúpula de gestão do setor, o Minis tério da Saúde, o problema do baixo investimento em recursos leva todos a falarem a mesma língua. Se chegarmos até ao cidadão mais desavisado, seguramente esse indicativo também será apontado por ele como o principal gargalo para o país ainda não ter alcan çaso uma cobertura universal em saúde como manda a Constituição. Mas os problemas da gestão pública da saúde no Brasil decor
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rem de muitos outros fatores. Um deles, o da precária formação dos profissionais da área, concorre quase em pé de igualdade com o estorvo do baixo investimento. Em alguns casos, até o ultrapassa. É só mergulhar pelos mais lon gínquos rincões do país, que facilmente se tropeça em gestores públicos sem formação alguma na área e desprovidos de uma to tal habilitação em gerência. Estão muitas vezes ali, porque a política os acomoda.
A Gestão Pública PE conver sou sobre o tema com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Ele reconhece, e é fato, que o Brasil tem se esforçado para ampliar a produção científica e investir na formação técnica de seus profis sionais de saúde – os capacitando não somente para a atuação médi ca ou de pesquisa, mas os preparando como gestores.
Em estrutura, o país deu pas sos importantes. Aumentou seus cursos de mestrados e doutora dos, ampliou o número de instituições em pós-graduação, assim como o das escolas de saúde pú blica, e fechou várias parcerias com países europeus que adotam o sistema universal de saúde como
Foto: Daniela Nader

Precisamos construir o conceito de saúde-escola “ para que a formação esteja atrelada a melhoria do serviço de saúde
o SUS. Graças aos resultados do Programa Nacional de Imuniza ção, criado há 40 anos, e que colocaram o Brasil entre os melhores do mundo na área, nosso país atraiu a atenção do Canadá, Reino Unido, Portugal e Espanha. Resul tado: consolidou-se um espaço de intercâmbio de informações volta das para a o fortalecimento do sistema público de saúde.
Esse esforço brasileiro é vali dado por uma das fundações mais conceituadas do país: a Oswaldo Cruz (RJ). A Fiocruz atesta, na prática, o empenho da União em formar melhores quadros na saú de. Mas comunga da mesma lamúria do ministro Padilha: a de que ainda é preciso melhorar muito. Porque a “boa vontade” do gover no central esbarra na descentralização político-administrativa da saúde, definida pela Constituição de 88: a chamada municipalização. O que desafia o governo a não se acomodar com as conquistas, tam pouco se abrigar no discurso fácil do “estou fazendo a minha parte”. O ministro Alexandre Padi lha vai até mais fundo na defesa do Brasil avançar na formação de seus gestores públicos. Propõe como “desafio maior” uma reno vação no conceito de formação de uma nova geração de profissionais da saúde no Brasil.
“Precisamos construir o con ceito de sistema de saúde-escola para que a formação, dentro de um processo de educação perma nente, possa estar o tempo todo atrelada à melhoria dos serviços de saúde. Neste sentido, o envol vimento entre as universidades e os sistemas estaduais e muni cipais de saúde é fundamental. O grande desafio é fazer com que essa produção acadêmica se aproxime cada vez mais do servi ço ao paciente”.