Milton Glaser: hoje e sempre

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milton glaser hoje e sempre

milton glaser verbete

Nascido em Nova York em 1929, trata-se de um designer que mudou a cultura visual americana nas décadas de 1960 e 1970. Suas ideias, trazendo uma nova estética, impactaram o mundo. Basta dizer que Glaser inventou um ícone conhecido mundo afora: o logotipo I love NY, criado para promover Nova York, às voltas com a criminalidade e a recessão econômica nos anos 1970.

Outra imagem emblemática – símbolo da cultura pop – é a de Bob Dylan, no encarte do disco Bob Dylan’s greatests hits (1966). São dele também as ilustrações psicodélicas do álbum Yellow Submarine (1969), dos Beatles. Em 2019, ainda trabalhando, com 90 anos, recebeu um importante tributo no “The New York Times”. Falece em Nova York, em 26 de junho de 2020, dia de seu aniversário de 91 anos!

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Milton Glaser em 1997.
síntese
I Love NY | Campanha para o Estado de Nova York | 1977 19
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Bob Dylan | Pôster para Bob Dylan’s Greatest Hits | 1967

origens e percurso profissional

Os pais de Milton Glaser eram imigrantes judeus. Seu pai era comerciante, proprietário de uma loja de ternos e de uma lavanderia e sua mãe era dona de casa. Antes de ingressar na High School of Music & Art de Manhattan, Glaser teve aulas de desenhos com Rafael e Moses Soyer.

Já graduado pela Cooper Union em Nova Iorque, fundou, em 1954, o “Push Pin Studios”, juntamente com Reynold Ruffins, Seymour Chwast e Edward Sorel. Esse estúdio rejeitou tradições através de

“interpretações revigoradas dos estilos clássicos” e tornou-se uma referência importante no mundo do design gráfico: redefiniu e expandiu o campo de atuação não somente dos designers, como também dos artistas da cultura visual em geral (fotógrafos, ilustradores, publicitários etc).

Glaser permaneceu no Push Pin de 1974 até 1983, quando se juntou a Walter Bernard e iniciou uma publicação sobre design chamada “WBMG”, que editou, mundo afora, mais de 50 revistas, jornais e periódicos.

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em seu escritório em 1972.
Glaser
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Milton Glaser com a equipe do Push Pin Studios | 1954

legados no design gráfico mundial

Seus projetos provocaram grande impacto provocativo, ao objetivar as linguagens ilustrativas e do design gráfico. Durante sua trajetória, fez o projeto gráfico e ilustração de mais de 400 cartazes. Seus trabalhos foram expostos no “ Cooper Hewitt National Design Museum”, em Nova Iorque, no

“ Victoria and Albert Museum”, em Londres, e no

“ Israel Museum”, em Jerusalem.

No Push Pin, foram criados os logotipos da editora CD Comics, do MoMA e do Centro Pompidou. O estúdio nova-iorquino revolucionou o design gráfico com suas capas de livro e disco, cartazes e tipografias. Lá foram criados o cartaz comemorativo dos 100 anos de Van Gogh, o logotipo da AIDS, a pedido da Organização Mundial da Saúde, e, mais recentemente, o poster da última temporada da série Mad Men.

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Em 2008, foi tema do documentário “Para se informar e se deleitar: o trabalho de Milton Glaser”.

Em 2009, o presidente Obama o condecorou com a Medalha das Artes – foi o primeiro designer gráfico a recebê-la. Milton Glaser também deixou sua marca na imprensa. Cofundador da New York Magazine, aberta em 1968, reformulou o design de jornais e revistas de vários países – Washington Post,

The Los Angeles Times e o brasileiro O Globo, entre eles. “ Não causar mal”: era o que respondia quando questionado sobre a responsabilidade de um designer. Se somos formadores de ideias, que ideias estamos a formalizar? Dessa forma, Glaser exige uma tomada de posição dos designers em relação aos produtos resultantes dos seus projetos, jogando luz na a importância da dimensão ética da profissão.

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Glaser apresentando os protótipos das capas de jornais redesenhadas pela New York Magazine
AIDS | Pôster de prenvenção contra a AIDS a pedido da Organização Mundial da Saúde | 1987 30
100 Years Van Gogh | Pôster comemorativo dos 100 anos de Van Gogh | 1989 32
Mad Men | Pôster para a última temporada de série Mad Men, da AMC | 2014 35
New York Magazine logo, 1968 | DC Comics logo, 1976 36
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MoMA - Museum of Modern Art logo, 1975 | Centre Georges Pompidou logo, 1980

enfim, um designer sem estilo

Milton Glaser instigou profissionais a pensar na dimensão ética do design gráfico

Icônico. Banido por justa causa dos “manuais de redação”, o adjetivo aqui se justifica. Ou melhor, é Milton Glaser quem não só o justifica mas, sobretudo, o ilustra — e faz isso à mão.

Desenhar era algo central para o designer nova-iorquino, morto em 26 de junho, aos 91 anos. O desenho servia tanto como um meio para formalizar aquilo que restava em sua cabeça sob a forma de ideia quanto como ferramenta de investigação do mundo.

No primeiro caso, o desenho é projeto, um instrumento de passagem da intenção à coisa (e foram muitas as que fez em mais de setenta anos de profissão). No segundo, o desenho é um modo de entender os contornos e a dimensão do que nos cerca e, por consequência, um jeito de entender a nós mesmos. Glaser foi aluno de Georgio Morandi, que, segundo o crítico inglês John Berger, conseguia pintar telas que juntavam a inconsequência das anotações que fazemos à margem dos livros a observações penetrantes.

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texto: Daniel Trench

É absurdo ser leal a um estilo, diz Glaser, frase que lembra outro Milton, o Millôr de “enfim um escritor sem estilo”. Estilo surge aqui como antítese à ideia de liberdade. Se o olhar é quem pauta, não há espaço para nada que pareça preconcebido.

Veja-se sua relação com as normas do design moderno. Sob o império do racionalismo e suas palavras de ordem (objetividade, concisão, precisão), surgem nos anos 1960 projetos que tentam dar às informações a forma mais isenta possível (se é que isso é possível).

É o caso da sinalização do metrô de Nova York: não há dimensão interpretativa, o que importa é orientar o fluxo de usuários. Glaser compreende isso, mas não replica os preceitos. Deles, o designer leva a sério a ideia de que a forma deve seguir a função, ao mesmo tempo que por muitas vezes gargalha — e nos faz gargalhar — do less is more.

Livros de dupla russa e de Arnaldo Antunes conjugam efeitos ópticos a palavras. Entender para quem se projeta é a tarefa primeira de um designer.

Woodstock, a duas horas de Manhattan, era o refúgio de Glaser. Além de oferecer um silêncio contemplativo, que a cidade que amava se recusava a dar, o Vale do Hudson proporcionava algumas companhias. Phillip Roth era seu vizinho e companheiro de softball — e assim se tornou um cliente. Para ele, desenhou as capas de Fantasma sai de cena, The Humbling e Indignação. Já Complô contra a América foi, na realidade, resolvida pelo escritor — restou a Glaser escolher a tipografia e as cores.

A capa de Indignação sempre me chamou a atenção. Potente, se constrói a partir da soma de suas partes. Do título na diagonal, que faz com que a palavra de onze caracteres ganhe escala e presença; do campo cindido em um contraste cromático, desestabilizando qualquer ideia de simetria; e do nome de Roth, no canto superior direito, tensionando tudo mais um pouco. É assim que a explosiva narrativa se traduz graficamente.

Em conversa com Chip Kidd, Glaser diz não saber realmente se gosta da capa ou se a odeia:

“Não parece muito com o meu trabalho”, afirma o designer antiestilo. E a culpa não cabia ao cliente.

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"é absurdo "ser leal a "um estilo."
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Exit Ghost, 2007 | Indignation, 2008 | The Humbling, 2009

less is less

Glaser operava com desenvoltura no espectro compreendido entre a síntese e a verborragia. Para ficar nos livros, da síntese formal de Indignação a The Electric Kool-Aid Acid Test, a jornada é curta. A capa do livro de Tom Wolfe, que acompanhou as viagens físicas e astrais de Ben Kesey, tem um complexo desenho figurativo. Dispostos em círculos concêntrico fragmentos da narrativa de Wolfe surgem em cores saturadas e contrastantes. Lembrando que comunicar é a missão do designer, eis a experiência do vórtice lisérgico.

Mas para falar de síntese em Glaser, inevitável mencionar o I Love NY. A história é conhecida, mas vale repisar a inteligência de sua operação. O desenho icônico do coração é utilizado desde o século 14 para

representar a ideia de amor. Glaser se apropria desse símbolo conhecido, mas o subverte, transformando o que era substantivo em verbo. Também opera um segundo deslocamento, ao associar o entendimento do amor romântico a uma causa social.

A aposta na forma mínima da contração NY é certeira, pois dá concisão ao arranjo. Se seus termos flertam com o vocabulário moderno, a tipografia de Glaser põe a aproximação em xeque. De um purista, esperaríamos uma fonte sem serifa — quem sabe a fria Helvetica, do metrô nova-iorquino. Mas a escolha da expressiva American typewriter, com suas serifas arredondadas e ar mundano, deixa claro que seu compromisso era com o público, e não com seus pares.

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"Todos somos vítimas ou participantes de nosso tempo."

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Mil005 Milton Glaser, hoje e sempre

- 1. Ed. Rio de Janeiro : Cosacnaify, 2020. 360p. : il. col. ; 26x23cm.

Inclui bibliografia. ISBN 000-00-00000-00-0 (broch.)

1. Glaser, Milton, 1929-2020. 2. Artes - Estados Unidos.

Bibliografia. 3. Artes plásticas. 4. Design. 5. Arte contemporânea.

I. Maia, Caio. CDD 000.00

Este livro foi produzido em outubro de 2020 como projeto da disciplina de Projeto Design Editorial no curso de graduação Comunicação Visual Design na Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orientação da Professora Nair de Paula Soares e criado pelo aluno Caio Maia. Textos em ITC Officina Sans Std, ITC Souvenir e Windsour.

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