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enfim, um designer sem estilo
Milton Glaser instigou profissionais a pensar na dimensão ética do design gráfico
Icônico. Banido por justa causa dos “manuais de redação”, o adjetivo aqui se justifica. Ou melhor, é Milton Glaser quem não só o justifica mas, sobretudo, o ilustra — e faz isso à mão.
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Desenhar era algo central para o designer nova-iorquino, morto em 26 de junho, aos 91 anos. O desenho servia tanto como um meio para formalizar aquilo que restava em sua cabeça sob a forma de ideia quanto como ferramenta de investigação do mundo.
No primeiro caso, o desenho é projeto, um instrumento de passagem da intenção à coisa (e foram muitas as que fez em mais de setenta anos de profissão). No segundo, o desenho é um modo de entender os contornos e a dimensão do que nos cerca e, por consequência, um jeito de entender a nós mesmos. Glaser foi aluno de Georgio Morandi, que, segundo o crítico inglês John Berger, conseguia pintar telas que juntavam a inconsequência das anotações que fazemos à margem dos livros a observações penetrantes.
É absurdo ser leal a um estilo, diz Glaser, frase que lembra outro Milton, o Millôr de “enfim um escritor sem estilo”. Estilo surge aqui como antítese à ideia de liberdade. Se o olhar é quem pauta, não há espaço para nada que pareça preconcebido.
Veja-se sua relação com as normas do design moderno. Sob o império do racionalismo e suas palavras de ordem (objetividade, concisão, precisão), surgem nos anos 1960 projetos que tentam dar às informações a forma mais isenta possível (se é que isso é possível).
É o caso da sinalização do metrô de Nova York: não há dimensão interpretativa, o que importa é orientar o fluxo de usuários. Glaser compreende isso, mas não replica os preceitos. Deles, o designer leva a sério a ideia de que a forma deve seguir a função, ao mesmo tempo que por muitas vezes gargalha — e nos faz gargalhar — do less is more.
Livros de dupla russa e de Arnaldo Antunes conjugam efeitos ópticos a palavras. Entender para quem se projeta é a tarefa primeira de um designer.
Woodstock, a duas horas de Manhattan, era o refúgio de Glaser. Além de oferecer um silêncio contemplativo, que a cidade que amava se recusava a dar, o Vale do Hudson proporcionava algumas companhias. Phillip Roth era seu vizinho e companheiro de softball — e assim se tornou um cliente. Para ele, desenhou as capas de Fantasma sai de cena, The Humbling e Indignação. Já Complô contra a América foi, na realidade, resolvida pelo escritor — restou a Glaser escolher a tipografia e as cores.
A capa de Indignação sempre me chamou a atenção. Potente, se constrói a partir da soma de suas partes. Do título na diagonal, que faz com que a palavra de onze caracteres ganhe escala e presença; do campo cindido em um contraste cromático, desestabilizando qualquer ideia de simetria; e do nome de Roth, no canto superior direito, tensionando tudo mais um pouco. É assim que a explosiva narrativa se traduz graficamente.
Em conversa com Chip Kidd, Glaser diz não saber realmente se gosta da capa ou se a odeia:
“Não parece muito com o meu trabalho”, afirma o designer antiestilo. E a culpa não cabia ao cliente.
